28 l O GLOBO Sábado 4.5 .2013 Mundo SOB O COMANDO DE ALÁ As muitas vozes do Islã _ Pesquisa em 39 países mostra que maioria quer lei islâmica, mas rejeita autocracias DEBORAH BERLINCK Correspondente na Europa [email protected] O mundo islâmico é extremamente diverso, e um palestino não tem necessariamente a mesma visão de sua fé que um malaio. Mas a maioria de muçulmanos concorda num ponto: a adoção da sharia (lei islâmica). Um amplo estudo do Pew Research Center, dos Estados Unidos, revelou que, na média, mais da metade dos muçulmanos em 39 países de três continentes não querem um modelo laico ocidental, mas sim a sharia guiando suas vidas. E que seja lei oficial no país. A maioria dos 38 mil entrevistados condena ataques suicidas contra civis. Mas muita gente em lugares como Palestina (40%), Afeganistão (39%) e Egito (29%) acha estes atos de violência justificáveis. Depois do recente atentado na Maratona de Boston — em que os acusados são dois muçulmanos integrados aos EUA que teriam se radicalizado na religião — a velha ferida entre o Ocidente e o mundo muçulmano se reabriu: a incompreensão. Afinal, ter a sharia regendo os muçulmanos é bom ou ruim? A primeira reação do professor Shaul Gabbay, da Universidade de Denver, à pergunta foi: — Bom ou ruim para quem? O mundo muçulmano tem sido um enigma. Visto do Ocidente, não entendemos completamente esta cultura nem sabemos os processos que estão acontecendo depois dos ataques de 11 de Setembro. A maioria dos muçulmanos acredita que EUA e Israel organizaram o ataque. Total mal-entendido dos dois lados. A sharia é um conjunto de códigos morais e legais baseados no Alcorão, no que disse o profeta Maomé e na tradição. E estes códigos ditam tudo: desde a forma como um muçulmano deve se vestir à comida e às rezas. No mundo islâmico, a sharia é o único caminho direto a Deus. Já no Ocidente, ela está associada à violência, ao arcaísmo e à intolerância. Foi com base na interpretação extrema da lei islâmica que o escritor Salman Rushdie foi perseguido no mundo inteiro, depois que o aiatolá Ruhollah Khomeini, então líder do Irã, ordenou sua execução por suposta ofensa ao profeta Maomé no livro “Versos Satânicos”, em 1989. EDITORIA DE ARTE COMO PENSAM OS SEGUIDORES DE MAOMÉ -GENEBRA- Rússia Cazaquistão Marrocoss M Tuníssi siia a ÁSIA IA C CENTRAL Quirguistão Tadjiquistão Paquist Afeg Afegani A f anis feganist feg nis i Egito Uzbe zbequ quistão ORIE RIENT RIENTE NTE MÉDIO ÉDIO DIO Mallásia órios Pales alest estinos MAIS BAIXO Paquistão, 20% dos entrevistados disseram gostar da cultura popular ocidental T illând Ta Tailândia Tail â ândi SUL D DA A ÁSIA MAIS ALTO Albânia, 77% 49% íbano ano SUDESTE S ASIÁTICO AS S Indon ndo A sharia deve ser a lei do país? (percentual dos que responderam sim) As mulheres devem sempre obedecer a seus maridos? (percentual dos que responderam sim) A decisão de usar véu em público cabe às mulheres? (percentual dos que responderam sim) Sul da Ásia Sudeste Asiático Sul e Leste da Europa 84% Sudeste Asiático 93% Sudeste Asiático 77% 88% Ásia Central 12% MAIS BAIXO Azerbaijão, 8% 54,8% Ásia Central 87% MAIS ALTO Afeganistão, 99% 18% 79% Oriente Médio e Norte da África 74% Sul e Leste da Europa MÉDIA GERAL 88% Sul da Ásia Oriente Médio e Norte da África Ásia Central 73% Sul e Leste da Europa MAIS ALTO Malásia, 96% MÉDIA GERAL MAIS BAIXO Kosovo, 34% 70% 43% 85% Sul da Ásia MAIS ALTO BósniaOriente Médio e Norte da África Herzegovina, 92% 56% 53% MÉDIA GERAL MAIS BAIXO R. D. do Congo, 29% 53% Você considera o aborto imoral? (percentual dos que responderam sim) Você considera a homossexualidade imoral? (percentual dos que responderam sim) Você considera o consumo de álcool imoral? (percentual dos que responderam sim) Sudeste Asiático Sudeste Asiático Sudeste Asiático 93% Oriente Médio e Norte da África 95% Oriente Médio e Norte da África 72% Ásia Central 71% Sul da Ásia Ásia Central MÉDIA GERAL 64% 61% 77% 94% Ásia Central 93% Sul e Leste da Europa 85% Oriente Médio e Norte da África 85% MAIS ALTO Tailândia, 99% MAIS BAIXO Azerbaijão, 23% Sul e Leste da Europa Sul da Ásia MÉDIA GERAL 83% 84% MAIS ALTO Camarões, 99% 79% MAIS BAIXO Bangladesh, 90% 67% Sul da Ásia 82% Sul e Leste da Europa MAIS ALTO Tailândia, 98% 67% MÉDIA GERAL MAIS BAIXO Albânia, 51% 80% Você concorda com a pena de morte para quem deixar o Islã? (percentual dos que responderam sim) Rigidez. De burca, mãe carrega filha no Afeganistão; maioria dos muçulmanos crê que mulher sempre deve obedecer ao marido REUTERS/8-11-2001 DIÁLOGO ESCASSO Para Gabbay, o fosso entre os mundos ocidental e muçulmano está aumentando. E se o Ocidente não se esforçar para entender os muçulmanos, não conseguirá traçar uma estratégia para lidar com eles ou com problemas como atentados suicidas. — Se o Ocidente realmente acredita em democracia, tem de reconhecer a legitimidade da escolha dos muçulmanos pela sharia. Não devemos julgar ou imaginar que a organização da nossa sociedade é melhor e mais avançada — sustenta. A pesquisa revela que a maioria dos muçulmanos prefere democracia a um governo autoritário. Mas o estudo mostra também enormes diferenças de um país para o outro: apenas 29% das pessoas no Paquistão querem democracia, contra 75% na Tunísia. Muçulmanos por toda parte disseram ter mais temor do extremismo islâmico nos seus países do que de outras formas de violência religiosa. Esmagadora maioria rejeita homossexuais e sexo fora do casamento. Já 93% de mulheres e homens na Tunísia, país relativamente aberto, acham que a mulher tem sempre que obedecer ao marido, quase o mesmo percentual do Afeganistão. Gabbay diz que, para entender o mundo muçulmano, é preciso aceitar grandes diferenças. No Ocidente, explica, a sociedade é individualista e pluralista. O maior valor é a preservação da vida. Já no mundo muçulmano, é a honra. Outra: as sociedades islâmicas são patriarcais, giram em torno da família e da comunidade, são mais devotas, e instituições religiosas assumiram funções na ausência de lideranças políticas. Por isso, segundo Gabay, uma separação entre Estado e religião num país como o Egito seria artificial. Para Nadim Shehadi, da London Chatham House, faltou uma pergunta-chave na pesquisa: — Não perguntaram como eles se sentem em relação aos EUA. Depois do 11 de Setembro, da invasão do Iraque e do Afeganistão, os americanos ficaram com a impressão de que o mundo árabe e muçulmano os detesta. E isso está afetando a política dos EUA na região, em relação à Síria e à Primavera Árabe. Os americanos estão mais relutantes — afirma. Shehadi está convencido de que houve uma mudança de sentimento e atitude a favor dos EUA depois da Primavera Árabe. Então, lembra, manifestantes não queimaram bandeiras americanas, mas clamaram por liberdade e democracia, ou seja, valores americanos. Mas nos EUA, segundo ele, o assassinato do embaixador americano na Líbia e a recente acusação contra os irmãos muçulmanos na maratona de Boston estão alimentando a impressão contrária: de que os americanos são detestados. l ósniaHerzego H erzego rzeg egov govina Kos Kosovo A pesquisa foi feita pelo Pew Forum on Religion and Public Life, dos Estados Unidos, com 38 mil pessoas em 39 países. Com foco em ideias, atitudes e comportamento, a organização dividiu o mundo islâmico em 6 regiões, por afinidade cultural e geográfica: na reportagem, consideraremos as 5 principais: Oriente Médio e Norte da África; Sudeste Asiático; Sul e Leste da Europa; Sul da Ásia; e Ásia Central SUL UL L E LE LES L STE DA EU EUROPA Sul da Ásia 76% Oriente Médio e Norte da África 56% Sudeste Asiático 27% Ásia Central MAIS ALTO Egito, 86% 16% Sul e Leste da Europa 13% MÉDIA GERAL MAIS BAIXO Cazaquistão, 4% 28% Você apoia punições severas para criminosos, como cortar as mãos de ladrões? (percentual dos que disseram sim) Sul da Ásia 81% Oriente Médio e Norte da África 57% Sudeste Asiático 46% Ásia Central 38% Sul e Leste da Europa 36% MÉDIA GERAL 48% MAIS ALTO Paquistão, 88% MAIS BAIXO Kosovo, 28% Você acha que atentados suicidas podem ser justificados? (percentual dos que responderam sim) POR REGIÃO: Não tem MÉDIA GERAL: 25% MAIS ALTO Territórios palestinos, 40% MAIS BAIXO Azerbaijão, 1% FONTE: PEW FORUM ON RELIGION AND PUBLIC LIFE