capítulo 1

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PARTE I
Fundamentos
de Fisiologia
CAPÍTULO 1: Animais e Ambientes: Funções no
Âmbito Ecológico
CAPÍTULO 2: Moléculas e Células na Fisiologia
Animal
CAPÍTULO 3: Genômica, Proteômica e Abordagens
Fisiológicas Afins
CAPÍTULO 4: Transporte de Solutos e Água
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Página anterior: Um dos pensamentos de vanguarda nas descobertas fisiológicas é, cada vez mais, o reconhecimento de que as propriedades animais, considerando-se o organismo como um todo, frequentemente dependem
de moléculas com atributos funcionais especiais. Proteínas de membrana, como as mostradas no centro da imagem, por exemplo, são cruciais para a habilidade de produzir urina concentrada dos mamíferos – uma habilidade
que aumenta a probabilidade de sobrevivência em ambientes onde a ameaça de desidratação está presente. A
figura é um poro de água inserido na membrana celular, modelado através de ferramentas da biofísica computacional. Todas as moléculas azuis são moléculas de água. As camadas de moléculas de água acima e abaixo representam os líquidos dentro e fora da célula. As moléculas vermelhas, divididas finamente à esquerda e à direita, representam a matriz lipídica da membrana celular. As moléculas de água não se movem prontamente através da matriz
lipídica da membrana celular, pois a água e os lipídeos tendem a ser imiscíveis. Os animais e outros organismos,
entretanto, desenvolveram proteínas de membrana específicas, denominadas aquaporinas (poros de água) – que
atuam como canais para a água se mover rapidamente para dentro e para fora da célula pelo processo de osmose.
Nesta imagem, a aquaporina é representada por cilindros dourados, roxos e vermelhos, e por outras estruturas
douradas. As moléculas de água fluindo através dos poros de água são mostradas como grandes moléculas azuis.
O transporte de água desta maneira é crucial para a produção de urina concentrada e para muitas outras funções.
(Cortesia de Emad Tajhorshid e Klaus Schulten, Grupo de Biofísica Teórica e Computacional, Universidade de Illinois,
Urbana-Champaing.)
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CAPÍTULO 1
Animais e Ambientes: Funções
no Âmbito Ecológico
Fisiologia animal é o estudo das funções dos animais – o estudo de “como os animais funcionam”. A fisiologia
traz uma perspectiva especial a cenas como a dos salmões saltando uma queda d´água. Todos sabemos das maravilhas do salmão-do-pacífico – eles migram dos rios para o oceano aberto, e anos depois, retornam aos rios
onde foram concebidos para procriarem, dando origem à geração seguinte. Os fisiologistas buscam aprender
sobre os desafios funcionais do salmão e determinar como estes desafios são vencidos. Quando um salmão está a
centenas de quilômetros de distância de casa, no oceano, e a hora da reprodução se aproxima, quais os mecanismos sensoriais e de direção que são utilizados para o nado em alta velocidade, na direção correta da costa, como
costuma ser o caso? E quando chegam à costa, quais os processos sensoriais e
integrativos utilizados para identificarem o rio onde a sua própria vida teve início
anos atrás? Esses são os tipos de questões que intrigam os fisiologistas.
Antes de o salmão retornar à água doce, seu sangue torna-se mais diluído
em relação à água do mar onde ele está nadando. Entretanto, a própria água
doce é mais diluída do que o sangue do salmão. Quais são os artifícios que o
peixe utiliza para manter o sangue mais diluído do que a água do mar e mais
concentrado do que a água doce? Como os sistemas nervoso e endócrino orquestram esta significativa mudança de um estado para outro, em especial frente
ao fato (recentemente revelado pelas pesquisas) de que as mudanças iniciam-se
enquanto o peixe – direcionando-se para o rio – ainda está no mar? Uma vez no
seu rio de nascimento, o salmão não alimenta-se mais. Contudo, poderá nadar
por várias semanas até desovar – nadando contra a corrente por centenas de
quilômetros, e algumas vezes, em regiões montanhosas, saltando até 1,2 km em
altura. Durante esse percurso, o peixe, em jejum, gradualmente utiliza reservas
do seu organismo para suprir suas necessidades energéticas; 50 a 70% de todos
os tecidos que podem fornecer energia são utilizados, até que o peixe chegue ao
seu destino. Como o salmão controla qual parte será utilizada primeiro e qual
parte será a última? Como essa energia gera a força e a orientação para o nado
rio acima e dura até que o animal chegue ao seu destino? Quando é encontrada
uma queda d´água, quais músculos são utilizados – e como eles geram força suficiente – para o saltar até lá em cima? Estas são somente algumas questões que
vêm à mente quando um fisiologista pergunta-se como um salmão funciona.
Como você está iniciando seus estudos de fisiologia, acreditamos que você
esteja no início de uma grande aventura. Sentimo-nos privilegiados por termos
passado nossas vidas profissionais aprendendo como os animais funcionam, e
estamos ansiosos para sermos seus guias. Se pudéssemos pular com você em
uma máquina fantástica, que nos permitisse viajar pela Terra no domínio ao qual
estamos prestes a entrar, poderíamos lhe apontar cachalotes mergulhando por
uma hora ou mais, e por mais de um quilômetro, em direção às profundezas;
peixes elétricos utilizando músculos modificados para gerar um choque de 500
A migração do salmão-do-pacífico Tendo alimentado-se e crescido por vários anos no
Oceano Pacífico, estes peixes encontraram o rio onde nasceram. Ainda que tenham ingerido
sua última refeição no mar e irão jejuar durante sua viagem pelo rio, agora eles devem ter
forças para voltar ao local de nascimento para a desova. Na figura, é mostrado o salmão-vermelho (Orcorhynchus nerka).
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volts; renas recém-nascidas e ainda molhadas com o fluido amniótico,
ficando em estação no vento gélido do Ártico; recifes de coral crescendo e proliferando devido às algas que entram em seus tecidos e
permitem que a fotossíntese ocorra internamente; e mariposas voando em noites frias, mas com corpos tão quentes como os corpos dos
mamíferos. Cada uma dessas cenas atrai o interesse dos fisiologistas e
continua a estimular novas pesquisas fisiológicas.
A importância da fisiologia
Por que o estudo de fisiologia animal é importante para você e para
as pessoas em geral? No mínimo umas das razões já enfatizamos – o
entendimento e a apreciação de todas as maravilhas e outros fenômenos do mundo animal dependem da análise de como os animais
funcionam. Embora os salmões, por exemplo, sejam interessantes meramente devido a suas histórias de vida, eles tornam-se ainda mais
interessantes quando estudados fisiologicamente. Uma abordagem
fisiológica revela, por exemplo, que apesar das aparências, metade
ou mais das substâncias corporais de um salmão são substituídas por
água enquanto o peixe migra rio acima, destruindo seus tecidos para
obter energia para nadar. E o peixe deve gerenciar com cuidado essa
mudança, para ter tecido gonádico e reservas de energia remanescentes suficientes para a desova quando a viagem chegar ao fim. O estudo
de fisiologia leva-nos de impressões superficiais às funções internas, e
quase sempre esta aventura não é somente uma descoberta, mas sim
uma revelação.
O estudo de fisiologia também tem enorme aplicação prática, pois
a fisiologia é a principal disciplina para a compreensão da saúde e
da doença. As análises de muitas doenças humanas – desde articulações doloridas até doenças cardíacas – dependem da compreensão
de como a “máquina humana” funciona. O médico que estuda doenças cardíacas, por exemplo, precisa ter conhecimento sobre as forças
que fazem o sangue fluir pelas câmaras cardíacas entre um batimento
cardíaco e o próximo. Ele também deve saber como a pressão para
a ejeção de sangue para as artérias é desenvolvida; como as células
do músculo cardíaco coordenam suas contrações; e como as necessidades de O2 e nutrientes de todas as partes do músculo cardíaco
são supridas. Neste livro, discutiremos extensivamente esses e outros
aspectos da fisiologia dos mamíferos. Mesmo quando dirigirmos a
atenção para outros tipos de animais, nossos estudos muitas vezes
terão aplicações para questões humanas. Uma das razões é porque
muitos animais são frequentemente utilizados como “modelos” para
as pesquisas que promovem o entedimento da fisiologia humana.
As pesquisas com lulas, por exemplo, têm sido indispensáveis para o
avanço do conhecimento da neurofisiologia, porque as lulas possuem
neurônios com processos celulares tão grandes, que podem ser estudados de maneiras que seriam impossíveis nos pequenos neurônios
dos mamíferos.
A fisiologia é tão importante para a compreensão da saúde e da
doença nos animais como o é para a compreensão dos mesmos nos
seres humanos. Você pode ter imaginado como foi obtido o financiamento para os estudos com o salmão. Os governos canadense e
americano, além de outros, têm investido nas pesquisas com salmão
em grande parte para que a saúde deste importante animal possa ser
melhor compreendida. Por exemplo, quando um rio é represado, embora as barragens individuais possam ser desenhadas para permitir
que o salmão passe, uma série de barragens pode aumentar tanto o
custo total da migração, que o peixe – vivendo somente com seus estoques de energia – pode ficar sem energia antes que chegue ao local
da desova. Com os estudos sobre a energética do nado e dos saltos, os
engenheiros podem fazer uma previsão racional dos efeitos cumulativos das barragens, em vez de simplesmente alterarem os rios e ve-
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Figura 1.1 O estudo da fisiologia integra o conhecimento de todos os níveis de organização Para entender a fisiologia dos peixes, o fisiologista considera (a) a biologia evolucionária, (b) as leis da química e da física, e (d) as relações
ecológicas – bem como (c) as funções do corpo em todos os níveis de organização. Todos os elementos mostrados são para um gênero de peixes, Oncorhynchus, os salmonídeos do Pacífico. Em (c) o desenho em “fisiologia de sistemas”
é uma secção transversa do corpo; o salmão em “morfologia” é um salmão-rei.
(Gráfico em a – pertence a uma população denominada salmão-cão – segundo
Hendry et al., 2004; secção tranversa, salmão, e biomecanismos ilustrados em c,
segundo Videler, 1993; gráfico em d – que pertence ao salmão-vermelho – segundo Crossin et al., 2004.)
rem o que acontece. Os efeitos de poluentes aquáticos, como metais
pesados e pesticidas, são outros tópicos importantes para a fisiologia
do salmão.
Em resumo, a fisiologia é uma das disciplinas-chave para entender
■
■
■
A fisiologia fundamental de todos os animais
A saúde e as doenças humanas
A saúde e as doenças de cães, animais de fazendas, animais
de criação e outros animais envolvidos com afazeres humanos
A fisiologia também é importante porque é uma das disciplinas
biológicas mais integrativas, como enfatizado na Figura 1.1. Os fisiologistas estudam todos os níveis de organização do corpo animal (ver
Figura 1.1c). A esse respeito, eles são como detetives que seguem pistas a qualquer lugar que elas possam levá-los. Para entender como um
órgão funciona, por exemplo, informações sobre os controles nervoso
e endócrino e informações sobre a função enzimática no órgão são
requeridas e podem levar aos estudos de ativação gênica, que codifica
a síntese de enzimas. A fisiologia inclui todos estes níveis de organização biológica. O estudo de fisiologia também emprega os princípios
da química e da física (ver Figura 1.1b). Os animais devem obedecer as
leis da química e da física, e de fato eles exploram essas leis. Portanto,
um estudo fisiológico muitas vezes está fundamentado em princípios
da química e da física. Outro ponto significativo na discussão da natureza integrativa da fisiologia é que o estudo da função anda de mãos
dadas com os estudos da forma; uma revisão de anatomia é frequentemente necessária para os estágios dos estudos de fisiologia, e conforme a função fica clara, ela contribui com a anatomia. Também, os
fisiologistas devem ter conhecimentos de biologia evolutiva e ecologia
(ver Figuras 1.1a, d) pois, às vezes, o único modo de entender diferenças fisiológicas entre duas espécies (p. ex., camelos e ursos polares) ou
as diferenças entre duas populações de uma mesma espécie (p. ex.,
uma população de salmão que sobe o rio para a desova, versus uma
outra que não o faz) é reconhecendo que as espécies e populações
evoluíram em diferentes ambientes. Os estudantes muitas vezes gostam dos estudos de fisiologia porque a disciplina é muito integrativa,
mantendo juntos e sintetizando muitos conceitos, que de outra forma
seriam independentes.
Mecanismo e origem: duas questões
centrais para a fisiologia
A fisiologia tenta responder duas questões centrais: (1) qual é o mecanismo pelo qual a função é realizada, e (2) como este mecanismo deve
ser? Para entender por que há duas questões, considere um problema
análogo de como funciona um carro. Em particular, como uma engrenagem de roda faz para girar?
Para entender essa função, você deve desmontar um carro em partes. Você pode estudar como os pistões dentro dos cilindros do motor
são feitos para oscilar pela força liberada pela explosão da gasolina,
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Fisiologia Animal
Diferenças genéticas
entre as populações
(a) Evolução
Os animais atuais são produtos da evolução e continuam evoluindo
(b) Química e física
Impulso – Arraste = Massa × Aceleração
As populações de
uma espécie de salmão
diferem geneticamente,
e essa diferença
aumenta à medida
que a distância entre
elas aumenta.
0
5
C6 H12O6 + 6 O2 →
6 CO2 + 6 H2O + energia
2.000
4.000
6.000
Separação física (quilômetros)
Os animais devem
aderir às leis da química
e da física – e, algumas
vezes, eles obtêm
vantagens delas.
(c) A fisiologia depende de todos os níveis de organização
Sistemas
fisiológicos
Fisiologia celular
Nervos
Voltagem através da
membrana celular
Neurônio
Impulsos neuronais . . .
Medula espinal
. . . transmitidos pelo
sistema nervoso . . .
Vértebra
Músculos de
natação
Tempo
. . . ativam os músculos
de natação.
Morfologia
Bioquímica
Enzimas
Moléculas de
combustíveis orgânicos nas células
musculares
catalizam reações
ATP
que fornecem
energia para a
CO2
contração.
Biomecânica
O peixe se
propele aplicando
força à água.
Tamanho dos ovários (g)
(d) Ecologia
A fisiologia atua dentro de um contexto ecológico
550
450
350
Água salgada
Água doce
O tamanho dos círculos simboliza
a intensidade da atividade
Um tipo de proteína de
membrana
Outro tipo de proteína de
membrana
250
150
50
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LEGENDA
0
100 200 300 400 500 600 700 800
Esforço necessário para chegar às áreas
de desova a partir do mar (índice)
A biomassa de ovos a serem
desovados torna-se menor à
medida que o salmão
trabalha mais para nadar rio
acima até as áreas de desova.
Quando os salmões nadam do mar (esquerda) para a
água doce (direita), eles modificam as proteínas transportadoras de íons no epitélio das brânquias de forma
que tornam-se capazes de bombear os íons da água
doce para dentro do corpo; processo contrário ao que
eles costumavam fazer na água do mar.
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como os pistões e hastes de conexão giram o eixo de transmissão, e
assim por diante. A partir de estudos como esses, é possível aprender
como um carro funciona.
Na conclusão de um estudo como esse, entretanto, você poderá
ter somente a metade da resposta à questão de como um carro funciona. Presumindo que você tenha estudado o desenho rotineiro de um
carro moderno, seus experimentos terão revelado como a combustão
interna de rotina do motor gira a roda através da transmissão. Deixe
a sua mente livre, contudo, e você irá rapidamente lembrar que existem desenhos alternativos para carros. O motor pode ser um motor a
vapor ou um motor de combustível híbrido, por exemplo. E conforme
pondera sobre como uma roda gira, você vê que está encarando duas
questões: a questão imediata de como o desenho de um carro em particular faz uma roda girar, e a questão final de como aquele desenho em
particular o faz. Os fisiologistas também encaram estas duas questões
de mecanismo e origem.
(a) Reações químicas de emissão de luz
Luciferina de vagalume
ATP
Luciferil– AMP
O2
Catálise pela
luciferase de vagalume
Elétron excitado é produzido
Fótons
Produto no estado original
O estudo de mecanismo: como os animais
de hoje executam suas funções?
Se você examina um carro em particular e suas interações entre as partes para entender como ele funciona, está aprendendo sobre os mecanismos de função do carro. Do mesmo modo, se estuda as interações
entre as partes de um animal em particular – de órgãos a enzimas –
para aprender como ele funciona, você está estudando o mecanismo
do animal. Em fisiologia, mecanismo refere-se aos componentes dos
animais vivos atuais e às interações entre estes componentes, que permitem aos animais viverem como o fazem.
A curiosidade sobre os mecanismos é o que inspira muitos fisiologistas a estudarem os animais, e os estudos sobre mecanismos dominam as pesquisas fisiológicas. A fisiologia, de fato, é mais claramente
distinguida de outras disciplinas biológicas com as quais está relacionada, como a morfologia e a ecologia, pelo seu foco central sobre
os estudos de mecanismos. Um fisiologista normalmente inicia uma
investigação pela observação de uma capacidade em particular, que
incita a curiosidade ou a necessidade de ser compreendida por razões
práticas. A capacidade do sistema visual humano de distinguir vermelho e azul é um exemplo. Outro exemplo é a capacidade de certos
tipos de células nervosas de conduzir impulsos nervosos a velocidades
acima de 100 metros por segundo. Independentemente da capacidade de interesse, o objetivo típico das pesquisas fisiológicas é descobrir
as bases de seus mecanismos. Quais células, enzimas, e outras partes
do corpo são utilizadas – e como são utilizadas – para permitir que o
animal os execute?
Para um exemplo detalhado de mecanismo, considere de que
modo um órgão de um vagalume produz luz. Provavelmente nosso
conhecimento sobre essa questão terá avançado quando você ler esta
página, porque esse assunto está sob ativa investigação. A bioquímica
é clara (Figura 1.2a). Um composto químico (benzotiazol), denominado luciferina de vagalume, primeiro reage com o trifosfato de adenosina
(ATP) para formar luciferil-AMP (AMP, monofosfato de adenosina).
Então, se o O2 – oxigênio molecular – puder chegar até a luciferil-AMP, os dois reagem para formar um produto químico no qual os
elétrons são impulsionados a um estado de excitação, e quando o produto deste elétron excitado retorna ao seu estado normal, ele emite
fótons. Esta sequência de reações requer uma proteína catalítica, uma
enzima denominada luciferase de vagalume. Quando um vagalume não
está produzindo luz (Figura 1.2b), todo O2 que chega às células de
luz do inseto via túbulos de transporte de gás é interceptado (assim
impedindo a reação com a luciferil-AMP) pela mitocôndria que está
posicionada entre os túbulos de transporte de gás e o local das reações
da luciferina. As células de luz produzem luz (Figura 1.2c) quando,
devido à estimulação pelo sistema nervoso, a mitocôndria torna-se ba-
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(b) Célula luminosa no estado escuro
No estado escuro, a mitocôndria
intercepta o O2, e as reações de emissão
de luz não podem ser completadas.
Célula luminosa
Luciferina
Túbulo de
transporte
de gás
ATP
Luciferil-AMP
O2
O2
Mitocôndria
(c) Célula luminosa em estado de lampejo
No estado de lampejo de luz, o óxido
nítrico é produzido sob controle nervoso
e banha as mitocôndrias, impedindo-as
de interceptar o O2.
Luciferina
ATP
O2
O2
O2
Luciferil-AMP
O2
Óxido nítrico
Pulsos de O2 alcançam as reações da
luciferina, resultando em impulsos de luz.
Figura 1.2 O mecanismo de produção de luz pelo vagalume (Photinus)
(a) A química da produção de luz. (b, c) Nas células de luz – as células que compõem o órgão de luz – as reações da luciferina são espacialmente separadas da
mitocôndria. Quando uma célula de luz não está piscando (b), a mitocôndria intercepta o O2. Contudo, quando a célula está piscando (c), o O2 passa pelas reações da luciferina. A compreensão do pisca-pisca do vagalume é um trabalho
em andamento; assim, parte deste cenário é hipotético. AMP = monofosfato de
adenosina; ATP = trifosfato de adenosina.
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Fisiologia Animal
nhada por óxido nítrico (NO). O NO bloqueia o uso mitocondrial de
O2, permitindo que o O2 reaja com a luciferil-AMP. Fatos como esse
formam uma descrição do mecanismo pelo qual o vagalume produz luz.
O estudo de um mecanismo pode se tornar tão intrincado, que décadas ou séculos são necessários para que o mecanismo seja totalmente compreendido. Por definição, entretanto, o mecanismo completo de
uma dada função está presente, aqui e agora, para estudo. Um cientista
pode, a princípio, descrever completamente o mecanismo de um processo, apenas estudando os mínimos detalhes dos animais existentes.
O estudo da origem: por que os animais
de hoje possuem seus mecanismos?
Suponha que um jovem observe um vagalume produzir um facho de
luz e peça a você para explicar o que ele viu. Você poderia interpretar
a pergunta como uma questão sobre mecanismo. Então, poderia responder que o cérebro do inseto manda impulsos nervosos que fazem
com que as células de luz se tornem banhadas por óxido nítrico, resultando na produção dos elétrons excitados pela reação do O2 com
luciferil-AMP. Entretanto, o jovem que lhe pede para explicar o piscar
de um vagalume deve estar interessado em outra coisa. A razão do vagalume produzir luz é, provavelmente, o que está na mente do seu jovem amigo, em vez do mecanismo. Isto é, o jovem está querendo saber
por que o vagalume possui um mecanismo para produzir luz.
Para os biólogos, a resposta está nas origens evolutivas. Os mecanismos dos animais modernos são produtos da evolução e, assim, a razão
para a existência dos mecanismos está nos processos evolutivos. O estudo das origens evolutivas é o objetivo central da fisiologia moderna,
pois ele promete revelar o significado dos mecanismos. Se pudermos
aprender por que a evolução produziu um mecanismo, entenderemos
melhor o que (se houver algo) os animais ganham com ele.
Como os mecanismos modernos evoluíram no passado, a questão
das origens é fundamentalmente histórica. As origens de um mecanismo, ao contrário do mecanismo em si, não podem comumente ser
observadas diretamente aqui e agora. Em vez disso, as origens normalmente devem ser estudadas de modo indireto, por meio de inferências
sobre o passado derivadas das observações que podemos fazer no presente. A dependência do raciocínio indireto significa que a origem evolutiva é raramente entendida com a mesma certeza que os mecanismos.
A seleção natural é um processo-chave
da origem evolutiva
A seleção natural é somente um dos vários processos pelos quais os
animais adquirem traços durante a evolução, como discutimos mais
adiante neste capítulo. A seleção natural, entretanto, ocupa um lugar
de especial importância para os biólogos, pois, de todas as maneiras
de mudança evolutiva, acredita-se que a seleção é o principal processo
pelo qual os animais tornam-se aptos para viver nos seus ambientes.
A seleção natural é o aumento na frequência de genes produtores
de fenótipos que aumentam a probabilidade de que os animais irão
sobreviver e reproduzir. Durante a evolução por seleção natural, esses
genes aumentam em frequência porque os animais com os genes são
diferencialmente bem-sucedidos em relação aos outros membros da
sua espécie. Se descobrimos que um mecanismo fisiológico é originado pela seleção natural no ambiente predominante, podemos concluir
que o mecanismo é um recurso; isto é, melhora as chances de sobrevivência e reprodução no ambiente que o animal ocupa.
A adaptação é um conceito importante e irmão da seleção natural.
Como discutimos adaptação em detalhes mais adiante, aqui simplesmente declaramos que uma adaptação é um mecanismo fisiológico ou
outro traço que é produto da seleção natural. As adaptações são recursos; por causa do modo como se originaram, ajudam na sobrevivência
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e na reprodução dos animais que vivem no ambiente onde evoluíram.
Quando falamos de significância adaptativa de um traço evoluído pela
seleção natural, nos referimos à razão pela qual o traço é um recurso;
isto é, a razão pela qual a seleção natural favoreceu a evolução do traço.
O piscar de luz do vagalume geralmente funciona para atrair
parceiros. Os machos de cada espécie emitem flashes de luz em um
padrão distinto espécie-específico à medida que voam, sinalizando a
identidade da sua espécie para as fêmeas. (Figura 1.3). Usando várias
fontes de evidência, estudiosos de vagalumes inferem que o mecanismo de produção de luz do vagalume evoluiu pela seleção natural,
pois os flashes de luz podem ser usados para unir os sexos. Assim, o
mecanismo de produção de luz é uma adaptação e, o seu significado
adaptativo, a atração do sexo oposto.
Mecanismos e significância adaptativa são
conceitos diferentes e um não implica o outro
Por que destacamos que a fisiologia se depara com duas questões
centrais? Enfatizamos que a fisiologia estuda mecanismo e as origens
evolutivas para compreender a significância adaptativa. Por que ambos? Os fisiologistas devem procurar respostas para ambas as questões, pois mecanismo e significância adaptativa não implicam um o outro.
Se você conhece o mecanismo de um processo, não necessariamente
sabe sobre a sua significância adaptativa. Se conhece a significância
adaptativa, não significa que saiba algo sobre o mecanismo. Assim,
para entender tanto o mecanismo quanto a significância adaptativa,
você deve estudar os dois.
Como um exemplo, considere a produção de luz pelo vagalume
mais uma vez. Os fisiologistas conhecem vários mecanismos pelos
1
quais os organismos podem produzir luz. Então, mesmo que os vagalumes fossem recrutados para atrair seus parceiros com luz, o mecanismo de produção não seria limitado teoricamente só àquele que
eles usam. O mecanismo de produção de luz dos vagalumes não pode
ser deduzido pelo simples conhecimento do propósito de uso do mecanismo. Reciprocamente, os flashes de luz poderiam ser usados para
outros propósitos que não atrair o parceiro, como atrair a presa, distrair
predadores ou sincronizar biorritmos. O significado da produção de
luz não pode ser deduzido pelo simples fato de que a luz é produzida
ou pelo conhecimento do mecanismo pelo qual é produzida.
François Jacob (n. 1920), um Nobel laureado, questionou em um
famoso artigo se a evolução pela seleção natural se parece mais com
engenharia ou funilaria. Um engenheiro que está projetando uma máquina pode começar por um desenho simples. Ou seja, o engenheiro
começa o projeto pensando em qual seria o melhor design e só então
começa a construir o projeto a partir da matéria-prima. Um funileiro
que está construindo uma nova máquina começa com partes de máquinas preexistentes.
A evolução é como a funilaria, argumentou Jacob: uma população
de animais que está evoluindo um novo órgão ou processo raramente
começa de um desenho; em vez disso, começa com elementos que
já tem em mãos para outras razões. Os pulmões dos mamíferos, por
exemplo, se originaram das evaginações de um tubo de transporte de
comida, o esôfago, no antigo peixe que deu origem aos tetrápodes que
vivem na terra hoje. Aqueles peixes, além disso, não foram os únicos
peixes a evoluir órgãos de respiração aérea. Hoje, como discutido no
1
O número de mecanismos conhecidos é parcialmente obscurecido pelo fato
de a luciferina e a luciferase serem termos genéricos, cada um usado para se
referir à vários compostos químicos diferentes. Por exemplo, mais de 30 compostos diferentes são chamados de “luciferina”. Do mesmo modo, embora
seja dito que vários organismos bioluminescentes façam isso com o “sistema
luciferina-luciferase”, esses organismos não estão empregando os mesmos
compostos químicos.
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1 Logo após sair da árvore, a
borboleta mais alta emite
três piscadas em sequência
rápida.
2 Depois, ela voa
um pouco sem
piscar.
3 Novamente ela
emite um conjunto
de três piscadas e
fica escura.
4 Finalmente, emite três
novas piscadas logo antes
de desaparecer do seu
campo de visão à direita.
Ao longo da evolução, os animais, de certo modo,
tiveram que permanecer capazes de viver na sua
maneira antiga mesmo tendo desenvolvido novas
maneiras. Assim, o desenho a partir dos primeiros
princípios – a abordagem da engenharia – não seria
possível.
O aspecto remendado da evolução é a razão-chave de o mecanismo e a significância adaptativa
não implicarem um o outro. O mecanismo empregado para desempenhar uma função particular não
é uma abstração mas, em vez disso, uma marca das
estruturas e processos que vieram antes em qualquer
linha evolutiva particular. Considere, por exemplo, os
olhos de dois grupos de animais aquáticos: os moluscos cefalópodes (lulas e polvos) e os peixes. Ambos os
grupos evoluíram olhos sofisticados que permitem o
estilo de vida baseado na excelente visão. Entretanto, esses olhos são formados por desenhos de retinas
muito diferentes (Figura 1.4). Os fotorreceptores nas
retinas do peixe apontam para longe da luz; aqueles das lulas e dos polvos apontam em direção à luz.
Além disso, os sinais visuais dos fotorreceptores do
peixe são extensivamente processados por redes de
células nervosas integradoras dentro da retina antes
das informações visuais serem enviadas ao cérebro
em um único nervo óptico, ao passo que, nas lulas
e nos polvos, os fotorreceptores enviam sinais mais
diretamente ao cérebro em vários nervos ópticos. A
significância adaptativa da excelente visão nos dois
grupos de animais é semelhante, mas os mecanismos
detalhados não são. A principal razão para as diferenças dos mecanismos é, sem dúvida, que os dois
grupos formaram os seus olhos a partir de diferentes
estruturas preexistentes.
A abordagem deste livro
sobre fisiologia
Figura 1.3 As borboletas macho os seus mecanismos de produção de luz
para uma função adaptativa, atração para acasalamento O desenho mostra
os padrões representativos de piscadas e trajetórias de voos dos machos de nove
diferentes espécies de borboletas do gênero Photinus do centro e do leste dos
Estados Unidos. Cada linha de voo representa uma espécie diferente. Por exemplo, a linha mais superior representa Photinus consimilis, uma espécie que voa
alto sobre o chão. Para entender o formato, imagine que você está assistindo
a borboleta mais alta quando ela deixa a árvore e segue a sequência numerada. As diferenças nas piscadas e nos padrões de voo entre as espécies permitem
aos machos sinalizar as suas espécies para as fêmeas. (Segundo desenho de Dan
Otte, em Lloyd, 1966.)
Capítulo 22 (ver página 557), existem vários grupos diferentes de peixes que usam estômago, intestinos, cavidade bucal ou evaginações das
câmaras branquiais como órgãos de respiração aérea. A diversidade
lembra um funileiro que, fazendo um carrinho de jardim, pode tentar
usar eixos e rodas tiradas de uma bicicleta descartada, de um trailer
antiquado ou de um carrinho de criança.
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A fisiologia mecanicista, a qual enfatiza o estudo do
mecanismo, e a fisiologia evolutiva, a qual enfatiza
o estudo das origens evolutivas, foram reconhecidas
como as principais abordagens do estudo da fisiologia
animal nos últimos anos. As duas abordagens compartilham o mesmo assunto global: ambas discutem o entendimento da função animal. Elas diferem, entretanto,
em aspectos particulares da fisiologia que enfatizam.
O ponto de vista deste livro, como já foi ressaltado, é que ambas as
abordagens são essenciais para a fisiologia ser completamente compreendida.
A fisiologia comparativa e a fisiologia ambiental são abordagens
adicionais ao estudo da fisiologia animal. Essas abordagens se sobrepõem à fisiologia mecanicista e à evolutiva e se sobrepõem uma à outra. A fisiologia comparativa é o estudo sintético da função de todos os
animais. Ela contrasta, por exemplo, com a fisiologia humana ou a fisiologia das aves, cada uma das quais trata somente de um grupo limitado
de animais. A fisiologia comparativa é assim chamada porque uma das
suas principais metas é comparar sistematicamente as maneiras pelas
quais vários tipos de animais realizam funções semelhantes, como visão, respiração ou circulação. A fisiologia ambiental (também chamada
de fisiologia ecológica) é o estudo de como os animais respondem fisiologicamente às condições ambientais e aos desafios, ou – sendo mais
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Fisiologia Animal
(a) Polvo
(b) Peixe
As células nervosas que conduzem
sinais visuais dos receptores da retina
ao cérebro deixam o olho diretamente
em vários nervos ópticos.
Músculo
Retina
As células nervosas que
deixam a retina seguem
para um único nervo óptico.
Músculo
Luz
Luz
Córnea
Córnea
Íris
Fotorreceptor
Íris
Figura 1.4 As estruturas que são semelhantes em aparência grosseira, desempenho funcional e significado adaptativo podem diferir significativamente em detalhes de
como se agrupam e trabalham Tanto os moluscos cefalópodes quanto os peixes desenvolveram visão excelente, mas
eles usam mecanismos detalhados diferentes. (a adaptada de
Wells, 1966 e Young, 1971; b adaptada de Walls, 1942.)
As células nervosas na retina em um
peixe ou outros vertebrados, ao contrário
daquelas do polvo, formam redes que
processam extensivamente a informação
visual antes de os sinais irem para o
cérebro.
breve – “fisiologia ecologicamente relevante”. A fisiologia integrativa
é um termo quase novo que se refere às investigações com uma ênfase deliberada sobre a síntese através dos níveis de organização biológica,
como a pesquisa que comprova as relações entre as características moleculares e anatômicas dos órgãos.
Nosso ponto de vista neste livro é mecanicista, evolutivo, comparativo, ambiental e integrativo. Em outras palavras, ressaltamos
■
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Fotorreceptor
Luz
No olho de um polvo ou de uma lula, os
fotorreceptores apontam em direção à
luz que chega.
■
Neurônios
de integração
Ao
cérebro
Ao
cérebro
Luz
■
Retina
Lentes
Lentes
■
9
Os mecanismos pelos quais os animais desempenham as funções que mantêm a vida
A evolução e a significância adaptativa dos traços fisiológicos
As maneiras nas quais vários grupos filogenéticos de animais diferem ou se assemelham uns aos outros
As maneiras nas quais a fisiologia e a ecologia interagem, no
presente e durante o tempo de evolução
■
No olho de um peixe ou de outro
vertebrado, os fotorreceptores
apontam da direção que a luz entra,
de modo que a luz deve passar
através do tecido da retina para
estimular os fotorreceptores.
A importância de todos os níveis de organização – dos genes às
proteínas e dos tecidos aos órgãos – para o completo entendimento dos sistemas fisiológicos.
Sobrepondo com as classificações já discutidas, a fisiologia é dividida também em vários ramos ou disciplinas baseadas nos tipos de
funções desempenhadas pelos animais. A organização deste livro em
partes ou capítulos é baseada nos tipos de função. Como mostra a Tabela 1.1, o livro consiste em seis subdivisões principais, Partes I até VI,
cada uma com foco em um conjunto particular de funções. Os capítulos dentro de cada parte discutem aspectos particulares do tópico
enfatizado. O último capítulo de cada parte (exceto a Parte I) é um
capítulo “Em Ação”, que leva uma abordagem sintética até um tópico
proeminente que provoca curiosidade. O principal objetivo dos capítulos
“Em Ação” é mostrar como o material em cada parte pode ser usado de maneira integrativa para entender a função do animal.
Agora, como se diz no teatro, “Deixe o espetáculo começar”. Visto
que consideramos o principal assunto deste capítulo – função no estágio
ecológico –, os três principais atores são os animais, os ambientes e os
processos evolutivos (ver Figura 1.1). Nós, agora, tratamos de cada um.
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10
Hill, Wyse & Anderson
TABELA 1.1 A organização deste livro
Os capítulos “Em Ação”, escritos em itálico, exemplificam como o material mostrado em cada parte do livro pode ser usado sinteticamente para entender um problema na fisiologia animal.
Parte
Tópicos dentro das partes
Parte I: Fundamentos de Fisiologia
• Animais e ambientes (Capítulo 1) • Moléculas e Células (Capítulo 2) • Genômica e proteômica (Capítulo 3) • Transporte de solutos e água (Capítulo 4)
Parte II: Alimento, energia, e temperatura
• Nutrição, alimentação e digestão (Capítulo 5) • Metabolismo energético (Capítulo 6) • Metabolismo aeróbio e
anaeróbio (Capítulo 7) • A energética da atividade aeróbia (Capítulo 8) • Relações térmicas (Capítulo 9) • Mamíferos
em ambientes gélidos (Capítulo 10)
Parte III: Sistemas integradores
• Neurônios (Capítulo 11) • Sinapses (Capítulo 12) • Processos sensoriais (Capítulo 13) • Sistema nervoso; relógios
biológicos (Capítulo 14) • Fisiologia endócrina e neuroendócrina (Capítulo 15) • Reprodução (Capítulo 16) • Navegação animal (Capítulo 17)
Parte IV: Movimento e músculo
• Controle do movimento (Capítulo 18) • Músculo (Capítulo 19) • Plasticidade muscular no uso e no desuso (Capítulo 20)
Parte V: Oxigênio, dióxido de carbono e
transporte interno
• Introdução à Fisiologia do Oxigênio e do Dióxido de Carbono (Capítulo 21) • Respiração (Capítulo 22) • Transporte
de gases no sangue (Capítulo 23) • Circulação (Capítulo 24) • O Mergulho dos Mamíferos Marinhos (Capítulo 25)
Parte VI: Água, sais e excreção
• Fisiologia de Água e Sais (Capítulo 26) • Fisiologia de Água e Sais dos Animais em Seus Ambientes (Capítulo 27) •
Rins e Excreção (Capítulo 28) • Mamíferos dos Desertos e Savanas (Capítulo 29)
Animais
As propriedades que merecem ser mencionadas na revisão inicial são
aquelas de importância primordial. Essas incluem que (1) animais são
estruturalmente dinâmicos, (2) animais são sistemas organizados que requerem energia para manter a sua organização e (3) tanto tempo quanto
tamanho corporal são de significado fundamental nas vidas de todos os
animais.
Uma das propriedades mais importantes dos animais é que os átomos dos seus corpos – seus blocos de construção – estão em troca dinâmica com os átomos em seus ambientes durante a vida. Este dinamismo estrutural – chamado memoravelmente de “o estado dinâmico dos
2
constituintes corporais”, por Rudolf Schoenheimer, que o descobriu
– é uma maneira fundamental na qual os animais diferem dos objetos
inanimados, como os telefones, por exemplo. Depois que um telefone
é manufaturado, os átomos de carbono e ferro que formam a sua substância permanecem pelo tempo que o telefone existir. Pode-se pensar,
devido à observação casual, que a composição de uma pessoa, de um
leão ou de um caranguejo é semelhantemente estática. Essa ilusão foi
abruptamente dissipada, entretanto, quando Schoenheimer e outros
começaram a usar isótopos químicos como ferramentas de pesquisa.
Os isótopos se mostraram reveladores, pois eles permitem que os
átomos sejam marcados e, depois, rastreados. Considere o ferro como
um exemplo. Como a maioria dos átomos de ferro na natureza tem
56
peso atômico 56 (Fe ), um pesquisador pode marcar diferentemente
um conjunto particular de átomos de ferro substituindo o incomum
(mas estável) isótopo alternativo do ferro, ficando com um peso atômi58
co de 58 (Fe ). Suponha que criemos um telefone no qual os átomos
58
de ferro são de isótopos incomuns de Fe , de modo que possamos
distinguir aqueles átomos de ferro dos outros geralmente disponíveis.
Anos mais tarde, todos os átomos de ferro no telefone ainda serão
58
os do tipo Fe . Suponha, entretanto, que possamos desenvolver uma
2
Assim que os químicos aprenderam e começaram a sintetizar isótopos incomuns na década de 1930, Rudolf Schoenheimer (1898-1941) foi um dos primeiros a aplicar os isótopos recém-descobertos para estudar o metabolismo dos
animais. O seu livro clássico sobre o assunto, publicado postumamente durante
a 2ª Guerra Mundial, é chamado O estado dinâmico dos constituintes do corpo.
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pessoa marcada com Fe58, alimentando-a ao longo de um ano com o
58
isótopo incomum de Fe , de modo que os átomos de ferro com isótopos diferentes formem as moléculas de hemoglobina e outras moléculas que contenham ferro pelo corpo da pessoa. Suponha que o
fornecimento do isótopo incomum de ferro na dieta da pessoa seja
interrompido. Depois – à medida que o tempo passa – os átomos com
58
isótopos diferentes Fe no corpo sairão e serão substituídos por áto56
mos de ferro com isótopo comum de Fe do ambiente. Anos mais tarde, todos os átomos incomuns de ferro terão sumido. Vemos, então,
que embora a pessoa aparente ser estruturalmente constante como o
telefone, os átomos de ferro no corpo de uma pessoa em um momento
diferem daqueles em outro momento.
A razão mecanicista para a renovação dos átomos de ferro em um
animal é que os constituintes moleculares do corpo de um indivíduo
são decompostos e formados novamente. Um eritrócito (célula vermelha) do sangue humano, por exemplo, normalmente vive somente
por 4 meses. Quando um eritrócito é descartado e substituído, alguns
dos átomos de ferro das moléculas de hemoglobina são excretados no
ambiente, e alguns átomos de ferro da nova célula são adquiridos pela
dieta. Desse modo, mesmo que o número de eritrócitos permaneça
relativamente constante, os átomos de ferro das células estão em troca
dinâmica com os átomos de ferro do ambiente.
Essencialmente, todos os átomos na massa do corpo de um animal passam por trocas dinâmicas semelhantes. Os átomos de cálcio
entram no esqueleto de um animal e mais tarde são removidos; alguns
dos átomos removidos são substituídos por novos átomos de cálcio
novamente ingeridos a partir do ambiente. As proteínas e gorduras
pelo corpo de um animal são continuamente decompostas em taxas
substanciais, e a sua nova síntese ocorre em parte com novas molécu3
las adquiridas do ambiente, como aminoácidos e ácidos graxos dos
alimentos. As pessoas adultas geralmente ressintetizam 2 a 3% da sua
proteína corporal a cada dia, e aproximadamente 10% dos aminoácidos usados para formar novas moléculas de proteínas são adquiridos
da alimentação.
3
Veja o Capítulo 2 (página 55) para discussão do sistema ibiquitina-proteasoma que atinge proteínas para quebrá-las e desmontá-las.
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Fisiologia Animal
A propriedade estrutural de um animal que persiste
com o passar do tempo é a sua organização
Se os blocos de construção atômica de um animal são transitórios, por
qual propriedade estrutural um animal é definido? A resposta vem da
imaginação de que podemos ver as moléculas individuais no corpo
de um animal adulto. Se pudéssemos, observaríamos que as estruturas moleculares e as relações espaciais das moléculas nos tecidos são
relativamente constantes ao longo do tempo, mesmo que os átomos
que formam as moléculas mudem de tempos em tempos. Uma analogia bruta seria uma parede de tijolos que mantém um tamanho e um
formato, mas os tijolos são constantemente substituídos, de modo que
os tijolos presentes durante um mês são diferentes daqueles presentes
um mês antes.
A propriedade estrutural de um animal que persiste ao longo do
tempo é a organização dos seus blocos de construção atômica, não dos
blocos de formação em si. Assim, um animal é definido por sua organização. Essa característica dos animais proporciona a razão mais fundamental pela qual eles requerem energia por toda a vida. Como discutimos em detalhe no Capítulo 6, a segunda lei da termodinâmica diz
que para a organização ser mantida num sistema dinâmico, o uso de
energia é essencial.
A maioria das células é exposta ao meio
interno, não ao meio externo
Mudando de foco agora para as células do corpo de um animal, primeiro é importante ressaltar que as condições experimentadas pela
maioria das células animais são as condições internas do corpo, não as
externas. A maioria das células é banhada pelos líquidos dos tecidos
ou pelo sangue. Assim, o meio da maior parte das células consiste em
um conjunto de condições predominantes nos líquidos ou no sangue
dos tecidos. Claude Bernard (1813-1878), francês, um dos fisiologistas
mais influentes do século XIX, foi o primeiro a codificar esse conceito.
Ele cunhou o termo meio interno (milieu intérieur) para se referir às
+
condições – temperatura, pH, concentração de sódio (Na ) e outros –
experimentadas pelas células dentro do corpo do animal. As condições
externas ao corpo representam o meio externo.
O meio interno pode variar quando o meio
externo muda, ou pode permanecer constante
Os animais evoluíram vários tipos de relações entre o seu meio interno e o meio externo. Se pensarmos na organização do corpo como
hierarquicamente arranjada, as relações entre o meio interno e o meio
externo representam um dos níveis hierárquicos potenciais nos quais
os animais podem exibir organização. Em um nível primário, todos os
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(b) Termorregulação
(a) Termoconformação
Um meio interno do animal pode
variar quando o seu meio externo
muda…
… ou o meio interno
pode permanecer
constante.
40
40
Temperatura interna (°C)
Temperatura interna (°C)
Você nunca se perguntou por que precisa se preocupar toda semana
sobre se está comendo cálcio, ferro, magnésio e proteína suficientes?
A explicação é proporcionada pelos princípios que estamos discutindo.
Se você fosse um objeto inanimado, o suficiente de cada elemento ou
composto necessário poderia formar o seu corpo desde o início, e eles
lhe seriam suficientes para sempre. Em vez disso, como você está vivo
e dinâmico – em vez de inanimado e estático –, perde elementos e
componentes a cada dia e deve substituí-los.
Como esta discussão tem ilustrado, os limites materiais entre um
animal e seu ambiente estão desfocados, não nítidos. Os átomos cruzam as fronteiras ao longo da vida, de modo que um átomo que é parte
dos tecidos de um animal pode um dia estar no chão da floresta ou
à deriva na atmosfera no dia seguinte, e vice-versa. Possivelmente, a
implicação mais profunda desses fatos é que um animal não é um objeto
material.
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20
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Temperatura externa (°C)
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Temperatura externa (°C)
Figura 1.5 Conformação e regulação Estes exemplos do estudo da temperatura ilustram os princípios gerais da conformação (a) e da regulação (b).
animais consistentemente exibem organização estrutural de seus átomos e moléculas. No seguinte, segundo nível, os animais às vezes –
mas somente às vezes – exibem mais organização mantendo o seu
meio interno diferente do meio externo.
Os animais apresentam dois tipos principais de relação entre
seus meios interno e externo. Por um lado, quando as condições fora
do corpo do animal mudam, o animal pode permitir que seu meio
interno acompanhe essas condições externas e, assim, mudar com
as mudanças externas. Por outro lado, o animal pode manter constante o seu meio interno. Estas alternativas podem ser ilustradas
com temperatura (Figura 1.5). Se a temperatura do meio externo
de um animal muda, uma opção para o animal é deixar a sua temperatura interna mudar para se igualar à externa (ver Figura 1.5a).
Outra opção para o animal é manter uma temperatura constante
(ver Figura 1.5b). Se um animal permite que as condições internas
e externas se igualem, é dito que apresenta conformação. Se um
animal mantém o meio interno constante frente à variabilidade externa, mostra regulação. A conformação e a regulação são extremos;
as respostas intermediárias são comuns.
Os animais frequentemente mostram conformação a respeito
de algumas características do seu meio interno enquanto mostram
regulação a respeito de outras. Considere um salmão, por exemplo
(Figura 1.6). Como a maioria dos peixes, salmões são conformadores
para temperatura; eles deixam a sua temperatura se igualar àquela da
água ao redor. Simultaneamente, os salmões são excelentes reguladores para cloro; eles mantêm uma concentração quase constante de
–
íons Cl no seu sangue, não importando se a concentração externa
–
de Cl está alta ou baixa.
A regulação tem demandas de energia maiores do que a conformação sobre as fontes de energia de um animal, pois a regulação representa uma forma de organização; durante a regulação, a organização é manifestada tanto pela manutenção da constância dentro do
corpo quanto pela manutenção de uma distinção entre as condições
de dentro e de fora. Uma analogia familiar para os custos de energia
da regulação em animais é proporcionada pelo aquecimento de uma
casa. Uma grande quantidade de energia é necessária para manter o
interior de uma casa a 22ºC (72ºF) durante o frio do inverno. Esse custo
de energia é evitado se for permitido à temperatura interna se igualar
à temperatura externa.
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Hill, Wyse & Anderson
(a) Termoconformação
–
…mas a sua concentração de Cl no
sangue permanece quase constante,
mesmo sabendo-se que a água do
rio é muito diluída em Cl– e a água
do mar é muito concentrada em Cl–.
Temperatura do sangue
Concentração de Cl– no sangue
Quando um salmão entra em um rio a
partir do mar, a sua temperatura corporal
(incluindo a temperatura do sangue)
muda se a água do rio é mais fria ou mais
quente do que a água do oceano…
(b) Regulação de cloreto
Temperatura da água
Concentração de Cl– na água
Figura 1.6 A regulação e a conformação mescladas em uma espécie única Os salmões são termoconformadores, mas reguladores para cloreto. A apresentação da regulação de Cl– é diagramática; a concentração de Cl– no sangue
não é de fato absolutamente constante, mas é um pouco mais alta quando o
peixe está na água do mar do que quando na água doce.
Homeostase na vida dos animais: a
constância interna é frequentemente crucial
para o funcionamento adequado
A homeostase é um conceito importante no que diz respeito à natureza e à significância da constância interna. Logo iremos definir
homeostase usando as palavras de Walter Cannon (1871-1945),
que cunhou o termo. Para compreender completamente o conceito, entretanto, precisamos reconhecer primeiro a sua rota histórica
na medicina. Os dois homens que mais contribuíram para o desenvolvimento do conceito de homeostase, Claude Bernard e Walter
Cannon, foram médicos e pesquisadores, voltados primariamente
para fisiologia humana. Humanos saudáveis mantêm notavelmente
a constância das condições do sangue e dos líquidos corporais. A
noção de homeostase foi, então, concebida durante os estudos de
uma espécie que exibe excepcional constância interna e, mais tarde,
a noção foi extrapolada para outros animais.
Claude Bernard foi o primeiro a reconhecer a impressionante estabilidade das condições que os humanos mantêm no seu sangue e nos
seus líquidos corporais. Uma das principais áreas de estudo de Bernard
foi a glicose sanguínea nos mamíferos. Ele observou que o fígado capta
e libera a glicose necessária para manter uma concentração de glicose
relativamente constante no sangue. Se a glicemia aumenta, o fígado
remove glicose a partir do sangue. Se a glicemia diminui, o fígado libera glicose no sangue. Bernard ressaltou que, em consequência, a maioria das células do corpo de um mamífero experimenta um ambiente
relativamente constante a respeito da concentração de glicose (Quadro
1.1). A pesquisa de Bernard e, mais tarde, de outros pesquisadores,
também revelou que a maioria das células no corpo dos mamíferos
experimenta um ambiente relativamente constante de temperatura,
+
nível de O2, pressão osmótica, pH, concentração de Na , concentração
–
de Cl e outros parâmetros, devido a vários órgãos e tecidos regularem
essas propriedades em níveis consistentes nos líquidos corporais que
banham as células.
Claude Bernard dedicou muita atenção para a significância da
constância interna em humanos e em outros mamíferos. Ele estava
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muito impressionado com a capacidade de os mamíferos conduzirem as suas vidas livremente a despeito das condições externas.
Os mamíferos, por exemplo, podem vaguear ao ar livre no inverno
mortífero, procurando comida e parceiros; peixes ou insetos, por
outro lado, são levados, frequentemente, a um tipo de paralisia pelo
frio do inverno. Bernard concluiu que os mamíferos são capazes de
funcionar em um modo constante apesar da variação das condições externas, pois as células dentro dos seus corpos aproveitam as
condições constantes. Ele então postulou uma hipótese que permanece provavelmente a mais famosa na história da fisiologia animal: “a constância do meio interno é a condição para a vida livre”. Uma
tradução moderna pode ser esta: os animais são capazes de levar
vidas de maior liberdade e independência à medida que mantêm
um meio interno estável, protegendo as suas células da variabilidade
do mundo externo.
Walter Cannon, um fisiologista americano proeminente, que
nasceu na mesma década em que Claude Bernard morreu, introduziu o conceito de homeostase para se referir à constância do
meio interno nos animais. De certo modo, as visões de Bernard e
de Cannon eram tão similares, que Bernard pode ter inventado o
conceito de homeostase, mas as implicações da constância interna
foram esclarecidas no tempo de Cannon. Como os animais interagem dinamicamente com os seus ambientes, a temperatura, o pH,
as concentrações iônicas e outras propriedades dos seus corpos são
incessantemente afastadas da sua estabilidade. Cannon enfatizou
que para um animal estar internamente estável, os mecanismos fisiológicos vigilantes devem estar presentes para corrigir os desvios
da sua estabilidade. Assim, quando Cannon introduziu e definiu o
termo homeostase, ele pretendeu que este significasse não somente
a constância interna, mas também a existência dos sistemas regulatórios que automaticamente fazem ajustes para manter a constância
interna. Nas suas próprias palavras, Cannon descreveu homeostase
como “os processos fisiológicos que mantêm a maioria dos estados
[constantes] no organismo.”
Um aspecto essencial da perspectiva de Cannon foi a sua convicção de que a homeostase é boa. Cannon argumentou, de fato, que a
homeostase é uma marca de vida altamente evoluída. Ele acreditava
que a espécie animal poderia ser classificada de acordo com o seu grau
de homeostase; no seu ponto de vista, por exemplo, os mamíferos
eram superiores às rãs em razão do seu maior grau de homeostase.
Mais tarde, Cannon também argumentou que as sociedades humanas
poderiam ser classificadas com base em uma escala de homeostase –
sociedades autorregulatórias e internamente constantes sendo inerentemente superiores a outras.
HOMEOSTASE NO ESTUDO MODERNO DA FISIOLOGIA ANIMAL O conceito de classificação animal usando graus de homeostase parece equivocado para a maioria dos biólogos hoje. Bernard e Cannon, tendo
devotado os seus talentos consideráveis aos estudos de mamíferos,
articularam ideias que são verdadeiramente indispensáveis para o
entendimento da biologia de mamíferos e da medicina. Entretanto, o
mero fato de os mamíferos exibirem um alto grau de homeostase não
significa que outros animais devam atingir os padrões dos mamíferos. Os animais que exibem homeostase menos completa do que os
mamíferos coexistem com estes na biosfera. De fato, a vasta maioria
dos animais vivendo hoje não atinge os “padrões dos mamíferos” de
homeostase. Assim, a maioria dos biólogos, hoje, argumenta que um
alto grau de homeostase é meramente um dos vários modos de atingir
sucesso ecológico e evolutivo. Desse modo, Bernard e Cannon não articularam requerimentos universais para o sucesso, mas em vez disso,
esclareceram as propriedades e a significância de um caminho particular
para o sucesso.
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Fisiologia Animal
13
QUADRO 1.1 Retroalimentação negativa
O
tipo de controle que Claude Bernard descobriu nos seus estudos sobre a glicose
sanguínea é o que chamamos hoje de retroalimentação negativa. Em qualquer sistema de
controle, a variável controlada é a propriedade
que está sendo mantida constante ou relativamente constante pelas atividades do sistema. O
ponto de ajuste é o nível no qual a variável controlada é mantida. A retroalimentação ocorre se
o sistema usa a informação da própria variável
controlada para governar as suas ações. Na retroalimentação negativa, o sistema responde
às mudanças na variável controlada trazendo a
variável de volta ao seu ponto de ajuste; isto é, o
sistema se opõe aos desvios do ponto de ajuste da
variável controlada. Há vários mecanismos detalhados pelos quais a retroalimentação negativa
pode ocorrer nos sistemas fisiológicos. A retroalimentação negativa, entretanto, é praticamente
sinônima da homeostase e ocorre em todos os
sistemas homeostáticos.
No caso da glicemia, que tanto intrigou Claude Bernard, o sistema de controle adiciona glicose
ao sangue se a glicemia – a variável controlada –
cai abaixo do ponto de ajuste da sua concentração, se opondo então ao desvio da concentração
do sangue do seu ponto de ajuste. O sistema de
controle remove glicose do sangue se a concentração de glicose aumenta muito, novamente se
opondo ao desvio de concentração do seu ponto de ajuste. Os biólogos e engenheiros que estudaram os sistemas de controle estabeleceram
que nenhum sistema de controle pode manter a
constância perfeita de uma variável controlada;
falando a grosso modo, a variável controlada deve
ser um alvo móvel para um sistema de controle
agir sobre ela. Assim, a glicemia não é mantida
perfeitamente constante pelo sistema de controle
da glicose, mas durante a saúde normal é mantida
dentro de uma faixa estreita de variação. O Quadro 9.2 trará mais detalhes sobre os sistemas de
controle baseados na retroalimentação negativa.
Pesquisas recentes esclareceram, de fato, que os organismos às
vezes alcançam o sucesso na biosfera precisamente deixando seus
meios internos variarem com o meio externo: a antítese da homeostase. Considere, por exemplo, os insetos que passam o inverno dentro dos troncos de plantas no Alasca. Eles sobrevivem suspendendo
atividade, permitindo que as suas temperaturas internas caiam abaixo de –40°C e tolerando tais temperaturas tissulares baixas. Qualquer
tentativa desses animais de manter a temperatura interna constante
do verão ao inverno seria energeticamente dispendiosa e iria com
certeza terminar em morte; assim, a tolerância dos insetos à mudança
da sua temperatura interna no inverno é a chave para a sua sobrevivência. Mesmo alguns mamíferos – os hibernantes – sobrevivem ao
inverno abandonando a constância da temperatura interna; os mamíferos hibernantes permitem que suas temperaturas corporais declinem e, às vezes, se igualem à temperatura do ar. Para os lagartos nos
desertos, a tolerância à desidratação profunda é frequentemente a
chave para o sucesso.
Tanto a constância quanto a inconstância do meio interno – regulação e conformação – possuem vantagens e desvantagens:
■
■
Regulação: a principal desvantagem da regulação é que custa
energia. O grande legado de Bernard e Cannon é que eles esclareceram a vantagem que os animais ganharam pagando o
custo: a regulação permite que as células funcionem em condições estáveis, independentemente das variações das condições
externas.
Conformação: A desvantagem principal da conformação é que
as células dentro do corpo estão sujeitas às mudanças nas suas
condições quando as condições externas mudam. A grande vantagem da conformação é que ela evita os custos de energia para
manter o meio interno diferente do meio externo. A conformação, então, é energeticamente barata.
Nem a regulação nem a conformação são categoricamente um
defeito ou um acerto. Não é possível entender os mamíferos ou a fisiologia médica sem entender a homeostase, mas não pode-se compreender a grande variabilidade da vida animal sem reconhecer que a
flexibilidade fisiológica é, às vezes, vantajosa.
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Na retroalimentação positiva, um sistema
de controle reforça os desvios de uma variável
controlada do seu ponto de ajuste. A retroalimentação positiva é bem menos comum em sistemas
fisiológicos do que a retroalimentação negativa.
Entretanto, é mais comum durante a função normal do que é geralmente reconhecido. Por exemplo, a retroalimentação positiva ocorre quando os
potenciais de ação (impulsos nervosos) se desenvolvem nas células nervosas (ver Figura 11.16) e
também durante o processo de parto dos filhotes
de mamíferos (ver Figura 16.15). No primeiro caso,
uma mudança relativamente pequena na voltagem através da membrana da célula nervosa modula as propriedades da membrana, de modo que
amplifica a mudança de voltagem. No segundo, as
contrações musculares agindo para expelir o feto
do útero induzem sinais hormonais que estimulam contrações cada vez mais intensas.
O tempo na vida dos animais: a fisiologia
muda em cinco padrões temporais
O tempo é uma dimensão crucial para a compreensão da fisiologia de
todos os animais, pois a fisiologia dos animais invariavelmente muda
de tempos em tempos. Mesmo os animais que exibem homeostase
passam por mudanças. Os detalhes do seu ambiente interno podem
mudar. Além disso, os processos regulatórios que mantêm a homeostase devem mudar de modo que a homeostase possa prevalecer, tanto
quanto os ajustes diários no consumo de combustível de um forno doméstico são necessários para manter uma temperatura de ar dentro da
casa durante o inverno.
Um princípio organizador importante para o entendimento da
função do tempo nas vidas dos animais é reconhecer os cinco principais padrões temporais nos quais a fisiologia de um animal pode
mudar. Os padrões temporais se encaixam em duas categorias: (1)
respostas fisiológicas às mudanças do meio externo e (2) alterações
fisiológicas programadas internamente. A Tabela 1.2 lista os cinco
padrões temporais classificados desse modo. Nós reconheceremos
esses cinco padrões temporais ao longo deste livro à medida que
discutirmos vários sistemas fisiológicos.
O conceito dos padrões temporais se sobrepõe a outras maneiras de conhecimento organizado sobre a função animal. Por
exemplo, esse conceito se sobrepõe aos conceitos de regulação,
conformação e homeostase recém-discutidos. Quando falamos de
regulação, conformação e homeostase, nos referimos aos tipos de
respostas que animais mostram em relação às variações nos seus
meios externos. Quando falamos dos padrões temporais, ressaltamos quando essas respostas ocorrem.
RESPOSTAS FISIOLÓGICAS ÀS MUDANÇAS NO MEIO EXTERNO EM TRÊS
PADRÕES TEMPORAIS Os animais sujeitos às mudanças nos seus meios
externos exibem respostas agudas e crônicas às mudanças do ambiente.
As respostas agudas, por definição, são respostas exibidas durante os
primeiros minutos ou horas depois de uma mudança ambiental. As
respostas crônicas são expressas após exposição prolongada a novas
condições ambientais. Você pode pensar por que as respostas imedia-
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14
Hill, Wyse & Anderson
TABELA 1.2 Os cinco padrões temporais nos quais a fisiologia muda
Tipo de mudança
Descrição
Mudanças na fisiologia que são respostas a mudanças no meio externo
1. Mudanças agudas
As mudanças a curto prazo na fisiologia dos animais: as mudanças que os indivíduos exibem
logo após os seus meios mudarem. As mudanças agudas são reversíveis.
2. Mudanças crônicas (chamadas aclimatação e aclimatização;
também chamadas de plasticidade fenotípica)
As mudanças a longo prazo na fisiologia dos animais: as mudanças que os indivíduos exibem
depois de estarem em novos ambientes por dias, semanas ou meses. As mudanças agudas
são reversíveis.
3. Mudanças evolutivas
As mudanças que ocorrem pela alteração das frequências de gene ao longo de várias gerações
nas populações expostas aos novos ambientes.
Mudanças na fisiologia que são internamente programadas para ocorrer se as mudanças do meio externo acontecerem ou não
4. Mudanças de desenvolvimento
As mudanças na fisiologia de um animal que ocorrem de forma programada à medida que o
animal cresce desde a concepção até a vida adulta e depois na velhice
5. Mudanças controladas por relógios biológicos periódicos
As mudanças na fisiologia de um animal que ocorrem em padrões repetitivos (p. ex., a cada dia)
sob controle dos relógios biológicos internos dos animais.
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suor torna-se mais diluído (de modo que perdem menos sal), o sangue que flui para as suas peles se torna mais vigoroso (melhorando
a distribuição de calor interno para a superfície do corpo) e as suas
frequências cardíacas durante o exercício no calor se tornam mais baixas. Assim, a fisiologia humana é reestruturada de várias maneiras pela
exposição repetida ao calor. Para uma pessoa que tem vivido em condições frias, as respostas fisiológicas agudas à exposição ao calor são a
A resposta aguda, exibida quando
os homens foram expostos pela
primeira vez ao ambiente quente
no dia 1, foi de baixa resistência;
ninguém podia continuar
caminhando por 100 minutos.
A resposta crônica, exibida
depois de uma semana de
exposição ao ambiente quente, foi
uma resistência consideravelmente aumentada; 23 dos 24
homens podiam continuar
caminhando por 100 minutos.
24
Resistência medida como o número
de homens que podiam caminhar
por 100 minutos
tas de um indivíduo a uma mudança ambiental diferem das respostas
a longo prazo. A resposta é que a passagem de tempo permite a reestruturação bioquímica ou anatômica do corpo de um animal. Quando
um animal repentinamente experimenta uma mudança no seu meio,
as suas respostas imediatas devem ser baseadas nas “velhas” propriedades preexistentes do seu corpo, pois o animal não tem tempo de se
reestruturar. Um exemplo morfológico é proporcionado por uma pessoa que de repente precisa levantar pesos, após meses de vida totalmente sedentária. A pessoa sedentária parece ter pequenos músculos
nos braços, e a sua resposta aguda imediata ao seu novo ambiente de
levantamento de peso será levantar apenas pesos leves. Entretanto, se
a pessoa levanta pesos repetidamente à medida que o tempo passa, a
reestruturação irá ocorrer; seus músculos irão aumentar de tamanho.
Assim, a sua resposta crônica ao ambiente de levantamento de peso
será que ela poderá levantar pesos pesados, assim como pesos leves.
Um exemplo fisiológico familiar de respostas agudas e crônicas é
proporcionado pelas reações humanas que ocorrem no clima quente:
todos sabemos que quando nos expomos ao clima quente após um
período vivendo em condições frias, com frequência nos sentimos rapidamente exaustos; dizemos que o calor está “destilando”. Também
sabemos que este não é um estado permanente: se experimentamos
calor dia após dia, nos sentimos cada vez mais capazes de trabalhar
no calor.
A Figura 1.7 mostra que essas impressões não são apenas ilusões
subjetivas. Foi pedido para 24 homens jovens, em forma, que não tiveram experiência recente com clima quente para caminhar com passo
fixo em um ambiente com ar quente relativamente seco. A resistência
deles foi medida como um modo de quantificar a habilidade fisiológica
para sustentar exercício moderado sob condições quentes. Nenhum
dos homens teve resistência suficiente para caminhar por 100 minutos no primeiro dia. Entretanto, à medida que os dias passaram e os
homens tiveram mais e mais experiências com as condições quentes,
a resistência aumentou, como indicado pelo número de homens que
podiam caminhar por 100 minutos.
A partir das pesquisas sobre a fisiologia do homem trabalhando
sob condições quentes, os fisiologistas sabem que a resistência sob essas condições muda, pois à medida que as pessoas ganham experiência com o calor, as suas taxas de secreção de suor aumentam, as suas
glândulas sudoríparas são capazes de manter altas taxas de secreção
de suor por períodos consideravelmente prolongados de tempo, seu
20
16
12
8
4
0
1
2
3
4
5
Dias de exposição ao calor
6
7
Figura 1.7 A aclimatação ao calor em humanos como medida pela resistência ao exercício Foi pedido a 24 homens jovens em forma, sem exposição recente ao calor, para caminharem 3,5 milhas por hora em ambiente com ar quente
e seco (40°C, 20% da umidade relativa). A resistência de cada um foi usada como
uma medida da sua capacidade fisiológica para realizar trabalho moderado sob
condições de calor. A aclimatação ilustrada pela resposta crônica é reversível; se
os homens aclimatados ao calor retornam para a vida de não exposição ao calor,
eles gradualmente revertem para o nível de resistência evidente no dia 1. (Adaptada de Pandolf e Young, 1992.)
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Fisiologia Animal
baixa resistência ao exercício, a baixa taxa de produção de calor e assim
por diante. O treinamento no calor leva a pessoa a expressar respostas
fisiológicas crônicas ao calor, como alta resistência ao exercício e uma
alta capacidade de suar.
As respostas agudas e crônicas são, por definição, respostas fenotípicas de cada indivíduo às mudanças do ambiente. As populações
podem exibir uma terceira categoria de resposta à mudança ambiental: respostas evolutivas envolvendo mudanças genotípicas. Coletivamente, então, os animais mostram respostas à mudança ambiental em
três padrões temporais:
1. Os indivíduos exibem respostas agudas imediatas.
2. Os indivíduos exibem respostas crônicas, a longo prazo. A duração do tempo que um indivíduo deve se expor a um novo
ambiente para as respostas crônicas serem completamente
expressas é em geral de poucos dias a poucas semanas.
3. As populações exibem respostas evolutivas.
As respostas crônicas dos animais à mudança do ambiente são tão
comuns, diversas e importantes que o seu estudo forma uma disciplina
especial com a sua própria terminologia. Para vários fisiologistas, os
conceitos de aclimatação e aclimatização promovem um modo importante para classificar as respostas crônicas dos indivíduos às mudanças
do ambiente. Uma resposta crônica a uma mudança ambiental é chamada de aclimatação se o novo ambiente difere do ambiente prece4
dente em somente poucas maneiras bem-definidas. A aclimatação é,
então, um fenômeno de laboratório. A aclimatização é uma resposta
crônica dos indivíduos a uma mudança no ambiente quando o ambiente novo e o anterior são ambientes naturais diferentes que podem
diferir em numerosas maneiras, como inverno e verão, ou altitudes alta
e baixa. Assim, é dito que os animais se aclimatizam ao inverno, mas
eles se aclimatam a diferentes temperaturas definidas em um experimento de laboratório.
A aclimatação e a aclimatização são tipos de plasticidade fenotípica: a habilidade de um animal (um único genótipo) expressar dois ou
mais fenótipos geneticamente controlados. A plasticidade fenotípica
4
Alguns autores restringem o uso da palavra aclimatação para casos nos quais
somente uma propriedade difere entre os ambientes.
15
é possível porque um indivíduo invariavelmente possui o código genético para adotar múltiplos fenótipos (Quadro 1.2). O crescimento
do músculo bíceps durante o treinamento de pesos proporciona um
exemplo simples de uma mudança no fenótipo sob controle de mecanismos codificados geneticamente. Há incontáveis outros exemplos
menos óbvios. Por exemplo, o grupo particular de enzimas ativas em
uma pessoa adulta pode mudar de tempos em tempos, pois os genes
para um grupo de enzimas são expressos sob certas condições ambientais, ao passo que os genes para outro grupo são expressos sob
5
diferentes condições.
A FISIOLOGIA PASSA POR MUDANÇAS PROGRAMADAS INTERNAMENTE
EM DOIS PADRÕES TEMPORAIS As propriedades fisiológicas do indiví-
duo às vezes mudam mesmo se o meio externo permanece constante.
Por exemplo, o tipo de hemoglobina no seu sangue hoje é diferente
do tipo que você produzia quando recém-nascido. Essa mudança na
hemoglobina é internamente programada: ocorre mesmo que o seu
meio externo permaneça constante. Às vezes, as mudanças internamente programadas interagem com as mudanças do ambiente. Por
exemplo, uma mudança internamente programada não requer qualquer ativação ambiental. Existem dois tipos principais de mudanças
internamente programadas: as mudanças de desenvolvimento e as
mudanças controladas por relógios biológicos periódicos.
Desenvolvimento é a progressão dos estágios de vida desde a
concepção até a senescência do indivíduo. Diferentes genes são internamente programados para serem expressos em diferentes estágios
do desenvolvimento, causando as mudanças de desenvolvimento do
fenótipo de um animal. As espécies que fazem metamorfose fornecem os exemplos mais significativos de mudança de desenvolvimento
programado, como as rãs, quando perdem as brânquias e desenvolvem
pulmões. Embora a mudança de desenvolvimento seja com frequência
mais súbita em outros tipos de animais, isso é universal. Os humanos,
por exemplo, não somente mudam a hemoglobina, mas também alteram seus grupos de hormônios e enzimas digestivas à medida que
5
As enzimas que variam em quantidade como resultado de mudanças nas
condições ambientais são chamadas enzimas induzíveis. Um excelente exemplo
é proporcionado pelas enzimas P450 discutidas extensamente no Capítulo 2
(ver página 48).
QUADRO 1.2 A evolução da plasticidade fenotípica
Q
uando os animais expressam fenótipos
controlados geneticamente em diferentes
ambientes – quando se aclimatam e se
aclimatizam – eles precisam de controles que determinam quais fenótipos particulares são expressos em certos ambientes. Como uma ilustração,
suponha que um animal tenha quatro fenótipos,
F1 até F4, e que existam quatro ambientes, A1 até
A4. Uma opção é que o indivíduo poderia expressar o fenótipo F1 no ambiente A3, F2 em A4, F3 em
A1 e F4 em A2. Esse conjunto de correspondências entre fenótipos e ambientes constitui a norma de reação do indivíduo; isto é, se pensarmos
nos fenótipos como uma lista em uma máquina
de jogo, a norma de reação é como o conjunto de
linhas que desenharíamos entre os itens das duas
listas para indicar qual item combina com o outro.
Como isso é geneticamente determinado, a
norma de reação em si pode evoluir e está sujeita à
Hill_book.indb 15
seleção natural. Para entender isso, suponha que
um indivíduo diferente daquele que acabamos de
discutir expresse o fenótipo F1 no ambiente A1,
F2 em A2, F3 em A3 e F4 em A4. Nesse caso, os
dois indivíduos iriam diferir nas suas normas de
reação. Suponha, agora, que exista uma população – vivendo em um ambiente variável – composta por metade dos indivíduos com a primeira
norma de reação e metade dos indivíduos com a
segunda. Se os indivíduos do primeiro tipo sobrevivessem e se reproduzissem com mais sucesso à
medida que o ambiente variasse, a seleção natural para a primeira norma de reação iria ocorrer.
Desse modo, a norma de reação em si iria evoluir
melhor adaptando os animais ao ambiente variável no qual eles vivem.
Um exemplo simples é fornecido pelo bronzeamento de pessoas com a tez clara. Suponha
que existam dois possíveis tipos de fenótipos de
pele: com muita melanina e com pouca melanina. Suponha também que existam dois ambientes: com muito sol e com pouco sol. Uma possível
norma de reação seria expressar muita melanina
com pouco sol e pouca melanina com muito sol.
Outra norma de reação seria expressar muita
melanina com muito sol e pouca melanina com
pouco sol. Se ambas as normas de reação existiram alguma vez, é fácil entender que os indivíduos com a segunda norma de reação teriam
deixado mais descendentes do que aqueles com
a primeira, conduzindo à evolução do tipo de
norma de reação que vemos hoje entre as pessoas com a tez clara.
A plasticidade do fenótipo em si pode evoluir,
e as normas de reação podem elas próprias ser
adaptações.
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16
Hill, Wyse & Anderson
uso de energia, a idade da maturação sexual e centenas de outros traços morfológicos e fisiológicos também são conhecidos por variarem
de modo sistemático com o tamanho corporal em mamíferos e em outros conjuntos de espécies de animais filogeneticamente relacionadas.
O estudo dessas relações é conhecido como o estudo de escala, pois as
espécies relacionadas de tamanho grande e pequeno podem ser vistas
como versões ampliadas ou reduzidas do seu tipo.
O conhecimento estatístico da relação entre um traço e o tamanho
corporal é essencial para identificar especializações e adaptações de
espécies particulares. Para ilustrar, vamos perguntar se a gestação em
dois antílopes africanos em particular, o bushbuck e o reedbuck*, tem
duração especializada ou normal. Responder essa questão é complicado precisamente porque não há uma norma única da duração da gestação de mamíferos para usar para decidir. Em vez disso, como a duração da gestação é uma função regular do tamanho corporal, um
biólogo precisa considerar os tamanhos das espécies para conhecer o
que seria comum.
Os métodos estatísticos podem ser usados para derivar uma linha
que melhor representa o conjunto de dados. No estudo da escala, o
método estatístico que tem sido tradicionalmente considerado mais
apropriado é a regressão dos mínimos quadrados (ver Apêndice D). A
linha na Figura 1.8 foi calculada por esse procedimento. Ela mostra a
tendência média nas relações entre a duração da gestação e o tamanho
corporal. Considera-se que a linha mostra a duração da gestação esperada de uma espécie comum em cada tamanho corporal.
Com essa informação sobre a duração esperada da gestação, agora
podemos refazer a questão: O bushbuck e o reedbuck são especializados ou comuns? Note que a duração da gestação no bushbuck é muito
semelhante àquela que a linha na Figura 1.8 prevê para um animal
desse tamanho. O bushbuck, então, adere ao que é esperado para o
seu tamanho. A duração da gestação é comum quando o seu tamanho é considerado. O reedbuck, entretanto, está longe da linha. De
acordo com a linha, como mostrado na Tabela 1.3, para um animal
eles amadurecem da primeira infância até a infância. A puberdade é
um exemplo considerável de mudança de desenvolvimento programado em humanos. O ambiente pode mudar o despertar da puberdade
– como quando o advento da maturidade sexual é atrasado pela má
nutrição – mas a puberdade sempre ocorre, não importa o ambiente,
ilustrando que as mudanças programadas de desenvolvimento não requerem ativação ambiental.
Os relógios biológicos são mecanismos que fornecem aos organismos uma capacidade interna para acompanhar a passagem do
tempo (ver Capítulo 14). A maioria dos relógios biológicos lembra
relógios de pulso sendo periódicos; isto é, depois de cumprirem
um ciclo de tempo, eles começam outro, assim como um relógio
de pulso começa a marcar um novo dia depois de marcar o anterior. Esses tipos de relógios biológicos emitem sinais que fazem com
que as células e órgãos passem por ciclos repetitivos programados
internamente nos seus estados fisiológicos, originando mudanças
periódicas controladas pelo relógio no fenótipo de um animal.
Uma enzima sob controle de um relógio biológico, por exemplo,
pode aumentar em concentração a cada manhã e diminuir a cada
anoitecer, não porque o animal está respondendo às mudanças no
seu ambiente externo, mas porque os mecanismos mantidos pelo
horário interno programam uma oscilação diária na concentração
da enzima. Essas oscilações podem significar que um animal é inerentemente mais capaz de digerir um certo tipo de alimente em um
momento do dia do que em outro, ou é mais capaz de destruir um
certo tipo de toxina de manhã do que à noite. Os relógios biológicos
se sincronizam com o meio externo, mas seguem os seus ciclos inerentemente e podem marcar mudanças fisiológicas por dias sem as
informações do ambiente.
O tamanho na vida dos animais: o tamanho corporal
é um dos traços mais importantes do animal
Qual é o tamanho? É uma das questões comuns que você pode perguntar sobre qualquer animal. Esse fato é verdadeiro porque dentro
dos grupos de espécies relacionadas, vários traços variam de maneiras
regulares conforme os tamanhos corporais. O tempo de gestação, por
exemplo, é uma função regular do tamanho corporal em mamíferos
(Figura 1.8). O tamanho do cérebro, a frequência cardíaca, a taxa de
* N. de R.T. Existem várias espécies de antílopes na África, cujos nomes populares não têm tradução para o português, sendo, então, mantidos em inglês
(antílope reedbuck [Redunca fulvorufula], antílope bushbuck [Tragelaphus scriptus
e Tragelaphus sylvaticus], antílope kudu [Tragelaphus streptosiceros]).
Figura 1.8 Duração da escala de gestação como
uma função regular do tamanho corporal em mamíferos Os pontos de dados – cada um representando uma espécie diferente – são para mamíferos
herbívoros pesando 5 a 1.000 kg quando adultos. A
linha (formada a partir da regressão dos quadrados
mínimos; ver Apêndice D) fornece uma descrição
estatística da tendência geral e assim representa a
duração da gestação que é estatisticamente esperada de uma média ou de um animal comum em
cada tamanho corporal. Ambos os eixos usam escalas logarítmicas, explicando por que os números ao
longo dos eixos não são espaçados (ver Apêndice E).
(Adaptada de Owen-Smith, 1988.)
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Duração da gestação (semanas) em escala logarítmica
80
70
60
Zebra da
montanha
50
Zebra da
planície
Búfalo
africano
Antílope (kudu)
40
Antílope
(reedbuck)
Gnu
30
Dikdik
Antílope
(bushbuck)
20
Javali
Duiker
15
5
10
20
50
100
200
Peso corporal da fêmea adulta (kg) em escala logarítmica
500
1000
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Fisiologia Animal
TABELA 1.3 Duração da gestação real e esperada para dois antílopes
de aproximadamente o mesmo peso corporal
Espécie
Duração esperada da
gestação (semanas)a
Duração real da
gestação (semanas)
Bushbuck
(Tragelaphus scriptus)
27
26
Reedbuck
(Redunca fulvorufula)
26,5
32
a
As durações esperadas são da linha representada estatisticamente mostrada na Figura 1.8.
do tamanho do reedbuck é esperada uma gestação de 26,5 semanas,
mas na realidade a gestação do reedbuck dura 32 semanas. Assim, o
reedbuck parece ter evoluído uma gestação especializada excepcionalmente longa. De modo semelhante, o duiker parece ter evoluído uma
gestação muito curta para o seu tamanho (ver Figura 1.8).
Na última década, os fisiologistas reconheceram que a regressão
dos mínimos quadrados pode nem sempre ser o melhor procedimento para ajustar os dados à linha de tendência, pois o procedimento
dos mínimos quadrados não leva em consideração a árvore filogenética das espécies estudadas; ele apenas trata cada dado como sendo
completamente independente de todos os outros (ver Apêndice D).
Cada vez mais, então, os fisiologistas têm formado linhas não apenas
pelo procedimento comum dos mínimos quadrados, mas também
por um procedimento alternativo baseado nos contrastes filogeneticamente independentes, um método que leva em consideração a
6
árvore filogenética (ver Apêndice G). Embora essas duas abordagens
às vezes gerem resultados diferentes, elas costumam mostrar resultados semelhantes, e, neste livro, as linhas que apresentamos para os
estudos de escala são derivadas do método tradicional de regressão
dos mínimos quadrados.
As relações do tamanho corporal são importantes para analisar
quase todos os tipos de questões no estudo de fisiologia, ecologia e
biologia evolutiva. Ao conhecermos o tamanho corporal de uma espécie animal, podemos fazer previsões úteis sobre traços morfológicos e
fisiológicos de várias espécies, consultando as relações estatísticas entre o traço e o tamanho. Por outro lado, sempre existe a chance de uma
espécie ser especializada de certo modo e, assim que se obtém dados
reais sobre a espécie, pode-se identificar especializações potenciais pelos tipos de análises que discutimos.
Ambientes
O que é um ambiente? Um ponto inicial importante para responder essa questão é reconhecer que um animal e o seu ambiente são
entidades relacionadas, não independentes. Eles são, de fato, definidos em função um do outro, como foi notado há mais de 100 anos
por ninguém menos que Claude Bernard. O ambiente em qualquer
caso particular não pode ser especificado até o animal ser especificado. Um cachorro, por exemplo, é um animal em nossa perspectiva
usual, mas se o animal de interesse é uma tênia no intestino do
cachorro, então o cachorro é o ambiente. Todos os animais, de fato,
são parte do ambiente de outros animais. Os pássaros nas árvores
em volta da sua casa são parte do seu ambiente, e você é parte do
ambiente deles. A interdependência entre o animal e o seu ambien-
6
O Apêndice G explica as razões pelas quais a árvore filogenética deve ser
considerada, bem como fornece uma introdução conceitual para os contrastes
filogeneticamente independentes.
Hill_book.indb 17
17
te é refletida nas definições padrão dos dicionários. Um dicionário
define um animal como um organismo vivo. Um ambiente é definido como todos os componentes químicos, físicos e bióticos dos
arredores de um organismo.
Os principais ambientes físicos e químicos da Terra
Os ambientes físicos e químicos no nosso planeta são notavelmente
diversos em suas características, fornecendo à vida incontáveis desafios e oportunidades para a especialização ambiental. A temperatura,
o oxigênio e a água são “os grandes três” no conjunto de condições
físico-químicas que prepararam o palco para a vida. Aqui discutimos as
faixas de variação de temperatura, oxigênio e água pela face da Terra.
Também discutimos casos especiais de como os animais se relacionam
com essas características. Nos próximos capítulos, retornamos a esses
tópicos em maiores detalhes.
TEMPERATURA A temperatura do ar, da água ou de outro material
é uma medida de intensidade dos movimentos randômicos que os
átomos e as moléculas têm no material. Todos os átomos e moléculas
incessantemente se movem em uma escala atômico-molecular randômica. Uma alta temperatura significa que a intensidade dessa agitação atômica e molecular é alta; uma baixa temperatura significa que
a intensidade é baixa. Embora alguns animais sejam reguladores de
temperatura e (ao custo de energia) mantenham as suas temperaturas
tissulares relativamente constantes mesmo que experimentem temperaturas altas ou baixas, existe maior número de animais conformadores para temperatura. À medida que discutimos temperatura aqui, os
conformadores são o nosso principal interesse, pois o nível de agitação
atômico-molecular nos seus tecidos combina com o ambiente onde
eles vivem.
A temperatura mais baixa habitada por comunidades ativas de animais termoconformadores macroscópicos é –1,9°C, nos mares polares.
A temperatura mais baixa na qual qualquer comunidade ativa de animais termoconformadores vive ocorre dentro do gelo marinho próximo
aos polos; minúsculos nematódeos e crustáceos, bem como as algas,
vivem e se reproduzem dentro do gelo marinho nas temperaturas que,
em alguns lugares, estão poucos graus mais frias do que a água ao
redor. Os peixes macroscópicos e outros animais vivendo em águas
abertas dos oceanos polares não congelados (Figura 1.9) são bem mais
conhecidos do que os animais do gelo marinho, entretanto. As águas
abertas dos oceanos polares permanecem perpetuadamente em cerca
de –1,9°C, a temperatura mais baixa na qual a água marinha é líquida. Assim, os peixes, o krill, as estrelas-do-mar e outros invertebrados
desses oceanos têm temperaturas tissulares próximo de –1,9°C desde
o momento em que são concebidos até o dia em que morrem. Eles não
congelam. Alguns não congelam porque os seus pontos normais de
congelamento são semelhantes aos pontos de congelamento da água
7
do mar, ao passo que outros têm proteções especiais contra o congelamento. Como os tecidos desses animais são muito frios, pode-se
imaginar que os animais vivem em um tipo de animação suspensa. Na
verdade, entretanto, as comunidades de animais termoconformadores
nos mares polares são ativas e prósperas. No oceano ao redor da Antártica, por exemplo, um sinal que comprova o vigor das populações
de peixes, krill e outros invertebrados é que elas se reproduzem e cres-
7
Os sais e outros compostos dissolvidos diminuem o ponto de congelamento
das soluções. A maioria dos invertebrados tem concentrações totais de matéria dissolvida no seu sangue semelhante à concentração da água do mar. Por
consequência, os pontos de congelamento do seu sangue são quase o mesmo
ponto de congelamento da água do mar e eles não congelam, desde que a água
do mar não congele.
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18
Hill, Wyse & Anderson
Figura 1.9 Os peixes no mar ao redor da Antártica passam a sua vida inteira
com temperaturas corporais próxima de –1.9°C O peixe antártico (Pagothenia borchgrevinki) põe seus ovos em buracos ou depressões nos lençóis de gelo.
Eles eclodem, crescem, se alimentam e se reproduzem com temperaturas corporais próximas de –1,9°C. Os compostos anticongelantes produzidos metabolicamente os impedem de congelar.
cem de forma tão proliferativa que servem de alimento para a famosa
abundância Antártica de baleias, focas e pinguins.
A temperatura baixa dos tecidos dos peixes polares e dos invertebrados é realmente desafiadora para eles ou apenas parece
desafiadora? Uma maneira de obter uma resposta é comparar as
espécies polares com espécies relacionadas não polares. As espé-
Figura 1.10 A biogeografia da borboleta O
diagrama mostra o número de espécies borboletas
cauda-de-andorinha (família Papilionidae) em várias
latitudes. A razão pela qual existem relativamente
poucas espécies de animais em altas latitudes pode
não ser apenas as baixas temperaturas, mas em parte ser um efeito retardado dos efeitos do frio sobre
as plantas. As plantas diminuem em diversidade e
produtividade anual em direção aos polos, afetando
o suprimento de alimento dos animais. (Adaptada
de Scriber, 1973.)
cies tropicais de peixes claramente encontram baixas temperaturas
desafiadoras. Várias espécies tropicais, de fato, morrem se resfriadas
até + 6°C, mesmo se resfriadas gradualmente. Tais observações enfatizam que o sucesso a –1,9°C não é “automático”, e que as espécies polares tiveram que evoluir adaptações especiais para viverem
nos seus ambientes perpetuadamente a –1,9°C. As espécies polares
em si com frequência morrem se forem aquecidas até +6°C, indicando que as espécies tropicais também têm adaptações especiais
– adaptações que as permitem viver nas temperaturas tropicais. A
divergência evolutiva desses peixes é dramatizada pelo fato de que
uma única temperatura pode ser letalmente fria para as espécies tropicais e ainda ser letamente quente para espécies polares.
Extremos bem maiores de frio são mais comuns na terra do que
em ambientes aquáticos. Na Antártica, a temperatura do ar pode
cair até –90°C (-130°F); no Ártico, pode descer até –70°C (-90°F).
Os extremos da adaptação animal à baixa temperatura tecidual são
representados por certas espécies extraordinárias dos insetos do Ártico, que passam o inverno dentro de caules de plantas expostos
ou na superfície do gelo. Os insetos estão quiecentes, não ativos,
nesses períodos. Além disso, é impressionante que alguns resistam
a temperaturas teciduais de –60°C a –70°C, mesmo no estado congelado (para o qual eles têm adaptações para tolerar) ou estados
não congelados super-resfriados. Quando olhamos para a diversidade das temperaturas terrestres dos animais conformadores, descobrimos que ela declina à medida que a latitude aumenta desde
a zona temperada em direção aos polos, como exemplificado por
uma família de borboletas na Figura 1.10. O declínio na diversidade
em direção aos polos indica que os ambientes terrestres muito frios
são muito exigentes para os animais ocuparem, apesar da adaptação
evolutiva.
A temperatura do ar ou da água na Terra geralmente não passa de
+50°C (+120°F). Os animais na terra podem passar até mesmo por
cargas de calor mais elevadas, entretanto, sendo expostos simultaneamente ao ar quente e à radiação solar. Alguns animais termoconfor-
Latitude
70°
3
60°
9
50°
16
O número de espécies de
termoconformadores
terrestres normalmente
diminui em direção aos polos.
40°
19
30°
30
20°
65
10°
81
Equador
79
A borboleta
cauda-de-andorinha canadense,
Papilo canadensis, é uma das
espécies de borboleta que vive
mais longe do equador.
10°
69
20°
46
30°
13
40°
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Número de espécies de borboletas cauda-de-andorinha
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Fisiologia Animal
Figura 1.11 Um lagarto termofílico (“gosta de calor”) comum nos desertos da América do Norte O iguana do deserto (Dipsosaurus dorsalis) pode
frequentemente ser visto fora da toca assim que o sol nasce nos dias quentes.
Embora não se exponha normalmente a temperaturas corporais maiores do que
42°C, ele pode sobreviver a 48,5°C, uma das temperaturas corporais mais altas
toleradas por qualquer animal vertebrado.
madores dos ambientes quentes – como certos insetos e lagartos-do-deserto – podem viver com temperaturas tissulares de 45°C a 55°C
8
(Figura 1.11). Essas são as temperaturas teciduais mais altas conhecidas para a vida animal, sugerindo que os níveis altos de agitação molecular em tais temperaturas impõem o maior desafio que pode ser
encontrado pela adaptação evolutiva nos sistemas animais.
Os lugares mais quentes da biosfera são as águas das fontes geotermicamente aquecidas e os respiradouros quentes subaquáticos.
Essas águas estão com frequência acima do ponto de ebulição quando
saem da crosta terrestre. Embora os animais aquáticos fiquem onde
as águas resfriam até 35°C a 45°C ou menos, vários micróbios procarióticos – bactérias e arqueobactérias – vivem em temperaturas muito
mais altas do que os animais. Alguns procariotos até se reproduzem
em temperaturas acima de 100°C.
OXIGÊNIO As necessidades de oxigênio (O2) para a maioria dos animais é uma consequência das suas necessidades de energia metabólica. As reações químicas que os animais usam para liberar energia a
partir dos compostos orgânicos removem átomos de hidrogênio desses compostos. Cada pessoa adulta, por exemplo, libera quase um
quinto de uma libra de hidrogênio a cada dia no processo de quebra de
moléculas de alimento para obter energia. Não se pode permitir o acúmulo de hidrogênio liberado desse modo em qualquer célula animal.
Assim, um animal deve possuir mecanismos bioquímicos para combinar o hidrogênio com algo, e o O2 é receptor comum. O O2 obtido do
ambiente é liberado para cada célula, onde reage com o hidrogênio
livre produzido na célula, gerando água (ver Figura 6.2).
A adequação de um ambiente para um animal com frequência depende da disponibilidade de O2. No ambiente terrestre, nas altitudes
baixas e moderadas, o ar livre é uma fonte rica de O2. O ar consiste em
21% de O2 e, em tais altitudes, é relativamente denso, pois está com
uma pressão relativamente alta. Assim, os animais vivendo ao ar livre
têm uma fonte plena de O2. Mesmo dentro de tocas ou outros lugares
isolados na terra, o O2 está com frequência disponível, pois – por mais
8
Hill_book.indb 19
A temperatura corporal humana normal é 37°C.
19
difícil que possa parecer – o O2 se difunde prontamente da atmosfera
livre para o solo para atingir as cavidades das tocas, fornecendo estruturas no solo, produzindo espaços preenchidos com gás em volta das
partículas do solo.
As altas altitudes estão entre os locais mais desafiadores da terra, onde o número de espécies de animais está reduzido nitidamente.
Embora as altas altitudes apresentem vários fatores estressantes aos
animais, o único grande desafio a eles é o declínio da concentração de
O2 com o aumento da elevação. O ar no topo do Monte Everest – 8.858
m acima do nível do mar – contém 21% de O2, como ao nível do mar;
mas a pressão total do ar é bem mais baixa do que aquela ao nível do
mar, e as moléculas de gás dentro do ar estão, então, tão espaçadas
que cada litro de ar contém somente quase um terço de O2 comparado
ao número ao nível do mar.
Em altas altitudes, a taxa máxima na qual os animais podem adquirir O2 é frequentemente mais baixa do que aquela ao nível do mar,
e as funções, por consequência, são limitadas. Em altitudes acima de
6.500 m, o simples ato de continuar caminhando montanha acima
representa um grande desafio devido às dificuldades impostas pela
baixa disponibilidade de O2 (Figura 1.12). Algumas espécies de animais têm evoluído adaptações para ter sucesso no diluído O2 do ar
rarefeito de maneiras que os humanos não têm. Uma das mais notáveis espécies é o ganso-de-cabeça-listrada (Anser indicus), o qual –
de modo que a fisiologia ainda não compreende completamente – é
capaz de voar (sem uma máscara de O2) sobre os picos do Himalaia
a 9.000 m.
Os animais que respiram na água encaram um desafio substancialmente maior para obter O2 do que os animais que respiram ar,
pois o suprimento de O2 para os que respiram na água é o O2 dissolvido na água, e a solubilidade do O2 na água não é alta. Por causa da
baixa solubilidade de O2, a água contém muito menos O2 por litro do
Figura 1.12 Desempenho em um ambiente pobre em O2 Por causa da dificuldade em adquirir O2 no ar rarefeito, a taxa na qual a energia pode ser liberada
das moléculas de alimento para o trabalho em humanos é reduzida em altas altitudes, e o simples ato de subir se torna extremamente árduo. Os montanhistas
bem-condicionados diminuem a velocidade de caminhada para 100 a 200 m por
hora quando estão próximos ao topo das montanhas mais altas do mundo se
eles estão respirando ar em vez de oxigênio de tanques.
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20
Hill, Wyse & Anderson
Figura 1.13 A estratificação de densidade pode cortar o su-
2
Profundidade (metros abaixo da superfície)
primento de O2 para as águas mais profundas de um lago As
diferentes densidades da água não se misturam prontamente. A
concentração de O2 nas águas profundas de um lago podem cair
próximo de zero, pois os animais e os microrganismos vivendo lá
consumem O2 que não é reposto. (Segundo dados obtidos por um
grupo de estudantes de fisiologia animal em um lago do norte de
Michigan, em julho).
Concentração de O2
4
6
Camada de água de
baixa densidade,
quente; rica em O2
Temperatura
O O2 entra em um lago
somente próximo da superfície
(através da fotossíntese ou
aeração).
Quando uma camada da
superfície aquecida pelo sol se
forma no verão, tende a
flutuar no topo do fundo, na
camada fria.
8
que o ar, mesmo quando a água é completamente aerada.
Por exemplo, a água aerada do rio ou do córrego ao nível
A pequena mistura entre as
10
duas camadas ocorre através da
do mar contém só 3 a 5% mais O2 por litro do que o ar ao
termoclina, a camada de
nível do mar.
12
transição em que a temperatura
Um problema comum para os animais vivendo em pormuda rapidamente com a
ções de água de movimentação lenta como lagos, lagoas ou
profundidade.
14
pântanos é que a concentração de O2 pode ser até mais baixa
do que em águas aeradas, pois o O2 dissolvido pode se torA falha em misturar as
16
nar localmente diminuído pelas atividades metabólicas dos
Camada de água de
camadas da superfície e
alta densidade, fria;
profunda corta o suprimento
animais ou micróbios. A estratificação da densidade da água
18
pobre em O2
de O2 das camadas profundas.
– a qual impede a água de circular livremente – é um fator
20
contribuinte muito comum para a depleção de O2 nas águas
0
2
4
6
8
10
profundas dos lagos e lagoas. A estratificação da densidade
/L)
Concentração
de
oxigênio
(mL
O
2
ocorre quando a água de baixa densidade flui para cima da
água de alta densidade, causando a formação das camadas
0
4
8
12
16
20
de água distintas. Quando isso acontece, quase não há misTemperatura (C°)
tura de água oxigenada da camada da superfície de baixa
densidade (onde ocorrem a aeração e a fotossíntese) com a
camada do fundo de alta densidade. Assim, o O2 na camada
do fundo não é prontamente substituído quando é usado, e
os rios, impedindo a fotossíntese das algas que, do contrário, poderia
à medida que micróbios e animais na camada do fundo consomem O2,
repor o O2. Os rios tropicais desse tipo e as suas zonas úmidas assoa concentração de O2 pode cair para níveis bastante baixos.
ciadas experimentaram baixos níveis de O2 dissolvido por várias eras
Nos lagos, durante o verão, a estratificação da densidade ocorre
geológicas.
devido aos efeitos da temperatura: a água morna aquecida pelo sol
Entre os animais que vivem nessas águas, a evolução da respiração
9
tende a flutuar no topo da água mais fria e densa do fundo. O lago
aérea é uma das características mais notáveis. Centenas de espécies de
estudado por um grupo de estudantes universitários, mostrado na
peixes nestes ambientes são respiradores aéreos. Alguns apanham O2
Figura 1.13, fornece um exemplo desse tipo de estratificação de denatravés de revestimentos da boca bem-vascularizados ou de estruturas
sidade. As águas do fundo desse lago não contêm essencialmente
semelhantes a pulmões. Outros engolem ar e absorvem O2 nos seus
O2 dissolvido nos dias de julho, quando os dados foram coletados.
estômagos ou intestinos, como mencionado previamente. Em uma das
A depleção de O2 das águas profundas se tornou mais comum nas
reviravoltas do destino da natureza, os fisiologistas descobriram que
décadas mais recentes em lagos, lagoas e estuários à medida que as
pode ser importante para esses peixes restringir a troca gasosa através
populações humanas enriqueceram as águas com matéria orgânidas suas brânquias, pois o O2 que eles obtêm a partir da respiração aéca. A matéria orgânica supre o crescimento de microrganismos que
rea pode escapar pelas suas brânquias para a água com O2 diminuído
diminuem o O2 dissolvido. Para os animais das águas profundas soonde eles habitam.
breviverem, eles devem ser capazes de tolerar baixos níveis de O2 ou
Para os animais confrontados com deficiência de O2 a curto ou a
devem temporariamente se deslocar para outros locais onde o O2
longo prazo, seja em ambientes de água doce com O2 diminuído ou
está mais disponível.
em outro lugar, uma solução potencial ao longo do tempo de evoluOs animais têm enfrentado o desafio de baixas concentrações de
ção é adotar uma bioquímica que possa ligar hidrogênio a moléculas
O2 em certos tipos de corpos d’água desde tempos imemoráveis. Difeque não as de O2. Várias espécies – ambas de respiração aérea e de
rente dos animais que se confrontam com a diminuição de O2 induzirespiração aquática – têm opções temporárias desse tipo. Certos teda pelos humanos, os animais que vivem em águas primordialmente
cidos em nossos próprios corpos, por exemplo, podem viver sem O2
pobres em O2 têm sido capazes de passar por uma adaptação evolutiva
por 10 minutos em um momento, e, de fato, a maioria dos animais
às baixas condições de O2 a longo prazo. Os exemplos de tais corpos
tem certos tecidos que podem sobreviver à privação de O2 por minud’água incluem vários rios tropicais que são naturalmente muito ricos
tos ou dezenas de minutos. Suponha, entretanto, que o corpo inteiro
em matéria orgânica, como os da bacia Amazônica. O aquecimento
de um animal deva viver sem O2 por várias horas, dias, semanas ou
desses rios não somente baixa a solubilidade de O2 na água, mas tammeses. Fazer isso é possível, mas à medida que o período sem O2 se
bém promove a rápida multiplicação de microrganismos que usam O2.
prolonga, pouquíssimas espécies têm evoluído especializações bioAlém disso, florestas densas podem criar sombras profundas sobre
químicas que os permitem sobreviver. Alguns animais excepcionais
são capazes de enfrentar o desafio mais extremo de viver indefinidamente em ambientes livres de O2. A maioria conhecida no momento
9
Nos estuários ao longo das costas marinhas – onde a água doce e a marinha
pela
ciência é composta por parasitas intestinais, como os nematóse misturam – a estratificação pode ocorrer por causa dos efeitos da salinidade,
deos e as tênias, que vivem no ambiente livre de O2 nas cavidades
bem como pelos efeitos da temperatura. A água com baixa salinidade é menos
intestinais dos vertebrados.
densa – e tende a flutuar no topo – do que água com alta salinidade.
Hill_book.indb 20
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Fisiologia Animal
Figura 1.14 A estrela-do-mar e os corais nesta figura do oceano têm líquidos corporais semelhantes à água do mar na sua concentração total de sais,
embora os líquidos corporais dos peixes sejam mais diluídos do que a água
do mar A maioria das cientistas acredita que a razão das diferenças entre os
invertebrados marinhos e os peixes ósseos marinhos está na história evolutiva.
Os ancestrais dos invertebrados sempre viveram no mar, mas os ancestrais dos
peixes viveram uma vez na água doce.
ÁGUA A água é o solvente universal dos sistemas biológicos – e, então,
é necessária para o sangue e para outros líquidos corporais terem a sua
própria composição. A água também é importante para os animais,
pois a H2O ligada a proteínas e outras macromoléculas como água de
hidratação é frequentemente necessária para as macromoléculas manterem as suas propriedades químicas e funcionais.
A vida animal começou nos maiores ambientes aquáticos da Terra,
os oceanos. A maioria dos invertebrados que vive nos oceanos abertos
hoje – estrelas-do-mar, moluscos, lagostas e outros – é conhecida por
ter ancestralidade marinha contínua. Isto é, os seus ancestrais nunca
deixaram o mar desde o tempo em que a vida animal começou, e assim, a salinidade dos oceanos tem sido uma característica perene dos
seus ambientes. O sangue desses invertebrados (Figura 1.14), embora
um pouco diferente da água do mar em composição, é semelhante a
ela na concentração total dos seus sais. Esses animais, então, não tendem a ganhar muita H2O do seu ambiente por osmose, nem tendem
a perder H2O do seu sangue para a água do mar. Como essa situação
é quase universal entre esses animais, acreditamos que essa seja uma
condição primordial da vida animal. Assim, acreditamos que na maior
parte da história evolutiva, a vida animal ocorreu em um cenário em
que (1) a H2O era abundante no ambiente e (2) existia pouco perigo
para um animal ser desidratado ou super-hidratado.
Esta situação inicial foi deixada para trás pelos animais que migraram dos oceanos para os rios durante a sua evolução. A água doce
tem uma salinidade muito baixa comparada à água do mar. Quando
os animais dos oceanos, com o seu sangue salgado, começaram a colonizar a água doce, eles experimentaram um desafio severo: a H2O
tende a penetrar osmoticamente nos seus corpos e a inundar os seus
tecidos, pois a osmose transporta água implacavelmente da solução
diluída para uma solução mais concentrada. Hoje, os lagos e os rios
são povoados por peixes, moluscos, lagostins, esponjas, hidras e outros, todos descendentes de ancestrais do oceano. O processo de in-
Hill_book.indb 21
21
vasão da água doce a partir do oceano provavelmente ainda está continuando, na verdade; alguns caranguejos de água doce, por exemplo,
são conhecidos por serem imigrantes geologicamente recentes para
a água doce, porque devem retornar ao mar para se reproduzir. Com
o passar do tempo de evolução, os animais de água doce reduziram a
sua tendência a ganhar H2O osmoticamente a partir do seu ambiente,
mas não a eliminaram. Um peixinho-dourado de 100 g, por exemplo,
ganha água osmoticamente o suficiente para equilibrar 30% ou mais
do seu peso corporal todos os dias.
Os vertebrados e vários grupos de invertebrados invadiram a terra a partir da água doce. Fazendo a sua caminhada, eles encararam o
mais severo de todos os desafios da Terra: na terra, a evaporação da
água na atmosfera tende a desidratar os animais rapidamente; além
disso, alguns hábitats terrestres são tão secos que repor a água perdida
beira o impossível. Quando os animais invadiram os hábitats terrestres, eles provavelmente possuiam tegumentos (coberturas do corpo),
herdados dos ancestrais aquáticos, que forneciam pouca ou nenhuma
barreira à perda de água por evaporação. Esse problema teve que ser
resolvido em última instância para os animais serem capazes de viver
livre e inteiramente ao ar livre.
Alguns dos animais terrestres de hoje têm tegumentos que lembram os tipos primordiais. As rãs-leopardo, as minhocas e os piolhos-de-madeira, por exemplo, têm peles que não possuem barreiras de
evaporação significativas e permitem praticamente evaporação livre.
Em alguns casos, a água evapora através desses tipos de pele tão rápido como evapora de um prato com água com a mesma superfície
aérea. Os animais com essas peles desidratam tão rápido que não lhes
é possível viver regularmente ao ar livre. Em vez disso, eles devem ficar
em locais protegidos, onde a umidade do ar é alta, ou, se aventuram-se
ao ar livre, devem retornar aos locais onde podem se re-hidratar com
frequência. O perigo da desidratação restringe severamente a liberdade de ação desses animais.
Para um animal terrestre ser liberado dessas restrições e ter uma
existência completamente exposta ao ar livre, ele deve ter desenvolvido
barreiras de passagem de água pela pele altamente eficientes. Somente
poucos grupos de animais possuem tais barreiras de água singulares:
mamíferos, aves, outros répteis (ver Figura 1.11), insetos e aranhas. Em
cada um desses grupos, a evaporação excessiva é evitada pelos lipídeos
da pele: camadas finas de hidrocarbonetos depositados na pele. A evolução desses hidrocarbonetos liberou os animais para ocuparem o ar
e foi um pré-requisito particular para os animais invadirem os locais
mais secos da Terra, os desertos. Nos desertos hiperáridos, um ano ou
dois podem passar sem chuva, mesmo assim, existem populações de
insetos, lagartos, aves e mamíferos que obtêm sucesso nessas regiões.
Alguns animais terrestres se adaptaram à terra em parte evoluindo
tolerância excepcional à desidratação. Embora a maioria dos animais
terrestres morra se perder metade ou mais da sua água corporal sem
substituí-la, os tipos “excepcionais” podem desidratar mais. Os casos
mais extremos são de certos invertebrados que podem perder essencialmente toda a sua água corporal e sobreviver em um estado dormente cristalino até a água retornar. Certos tardígrados, por exemplo, secam
completamente quando privados de água e depois podem ressurgir do
pó, prontos para retornar à vida ativa se a água estiver disponível.
Ao contrário do que a intuição pode sugerir, mesmo alguns animais aquáticos são ameaçados pela desidratação. Os peixes ósseos dos oceanos, como os peixes de recife vistos na Figura 1.14, são
os exemplos mais importantes. Os níveis de sais no sangue desses
peixes é cerca de um terço ou a metade dos níveis na água do mar,
provavelmente porque eles têm ancestrais de água doce em vez de
ancestrais que sempre viveram no mar. O oceano é um ambiente
dessecante para animais com sangue diluído, pois a água corporal
tende a mover-se, por osmose, para a água do mar. Esse peixe em
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Hill, Wyse & Anderson
ambiente dessecante tem uma vantagem sobre os animais terrestres
em um deserto – a H2O para substituir a sua perda é abundante no
seu ambiente aquático. Para incorporar H2O da água do mar para os
seus corpos diluídos, entretanto, ele deve, em essência, possuir mecanismos para “destilar” a água do mar: deve ser capaz de separar H2O
da solução de água salgada.
O ambiente que um animal ocupa é frequentemente
um microambiente ou um microclima
Em uma floresta, lago ou outro grande sistema, existem pequenos locais onde condições químicas ou físicas são significativamente diferentes da média no sistema. Por exemplo, em uma floresta, quando a temperatura média do ar é 30°C, a temperatura sob uma pilha de folhas
no chão pode ser 24°C. Embora animais de grande porte sejam com
frequência, por necessidade, expostos às condições estatisticamente
médias onde vivem, animais de pequeno porte conseguem entrar em
locais pequenos – cantos e recantos – onde podem encontrar condições que estão longe da média. Os locais em um ambiente que potencialmente diferem do grande ambiente nas suas condições físicas e
químicas são chamados microambientes. Um conceito relacionado é o
de microclima. Um microclima é um conjunto de condições climáticas
(temperatura, umidade, velocidade do vento e outros) predominantes
em uma subparte de um sistema.
Como nós, humanos, somos organismos grandes, a nossa percepção das condições predominantes em um local pode ter pouca
relação com o microclima que criaturas menores podem encontrar
entrando em subpartes distintas de um local. George Bartholomew
(1919-2006), um dos fundadores da fisiologia ambiental, expressou
um ponto bem importante:
Os ambientes desérticos ilustram bem o ponto a que
Bartholomew se referiu (Figura 1.15). Na altura da cabeça
(aproximadamente 2 m acima do chão), um humano ou
um cavalo em pé no deserto do Arizona podem experimentar temperaturas do ar durante o dia que chegam até
50°C durante o verão, combinadas com intensa radiação
solar. Os humanos e os cavalos não têm escolha senão
lidar fisiologicamente com essas condições, pois eles são
muito grandes para escapar indo para o subsolo ou para
se espremer em faixas de sombra de cactos e arbustos
do deserto. Pequenos roedores do deserto como ratos-canguru e camundongos de bolso estão numa situação
muito diferente, entretanto, porque podem cavar buracos
fundos no solo, onde as condições térmicas são bem diferentes daquelas que os humanos associam ao deserto.
Na superfície do solo do deserto, a faixa de temperatura
anual é na verdade muito maior do que no ar acima (ver
Figura 1.15); a superfície do solo se torna mais quente do
que o ar durante o dia à medida que absorve a radiação
11
Há regiões desérticas mais quentes onde mesmo o ambiente da toca apresenta desafios térmicos em algumas estações, mas o ambiente da toca é ainda
bem mais moderado do que o ambiente acima do solo (ver Capítulo 27).
À altura da cabeça, uma pessoa pode experimentar
a temperatura do ar de aproximadamente 50°C no
verão e 7°C no inverno.
2
Distância acima
do solo
A maioria dos vertebrados tem muito menos de um centésimo do tamanho do homem..., e o universo dessas pequenas criaturas é composto de
fendas e rachaduras, buracos em troncos, vegetação rasteira densa, túneis
e ninhos – um mundo onde as distâncias são medidas em metros em vez de milhas e onde a diferença entre a luz do sol e a
sombra pode ser a diferença entre a vida e a morte. O clima no
sentido comum da palavra é, então, um pouco mais do que um
índice grosseiro para as condições físicas nas quais a maioria
dos animais terrestres vive.10
solar e se torna mais fria do que o ar à noite porque irradia energia
infravermelha para o céu da noite fria (ver página 212). Abaixo da
superfície do solo, entretanto, a faixa de temperatura anual diminui consideravelmente à medida que a profundidade aumenta. Em
uma profundidade de 1 m, a temperatura permanece bem abaixo
da temperatura do ar máxima sobre o solo durante o verão e bem
acima da temperatura mínima do ar durante o inverno. De fato, em
certas regiões do deserto, como mostrado na Figura 1.15, os roedores nunca enfrentam estresse por calor ou frio significativo ao longo
11
do ano quando estão nas tocas.
Os microambientes devem ser considerados no estudo de praticamente todas as características físicas e químicas dos lugares onde
os animais vivem. Na grama alta, por exemplo, a velocidade do vento
parece ser mais baixa do que nas áreas abertas adjacentes, e como o
vento fraco permite que a umidade que evapora do solo e da grama
se acumule no ar em vez de ser levada embora, a umidade também
tende a ser mais alta no ar livre adjacente. Os animais que entram na
grama alta parecem encontrar um microambiente menos dessecante
do que nos campos abertos próximos. Ao longo de um rio, qualquer
poça livre de mistura com a água que flui parece formar um microambiente diferente; a concentração de O2 dissolvido nessas poças pode
ser mais baixa do que aquela no rio se existir muito declínio microbiano ocorrendo na poça, por exemplo. Na terra, no inverno, os espaços
sob a neve profunda no extremo norte formam microambientes diferentes, frequentemente aquecidos cerca de 20°C (ou mais) acima da
temperatura do ar (Figura 1.16). Assim, um lêmingue cavando sob a
neve experimenta um ambiente muito diferente daquele da rena que
permanece acima no solo.
1
0
No buraco de um
rato-canguru a 1 m
abaixo da superfície
do solo, as
temperaturas
permanecem entre
15°C e 32°C ao
longo do ano.
Profundidade do solo (m)
22
1
2
Superfície do solo
Zona da
residência
do roedor
Estas curvas mostram a
temperatura máxima
(curva preta) e a
temperatura mínima (curva
vermelha) registradas ao
longo de um ano a cada
profundidade.
3
–20 –10
0
10 20 30 40 50 60
Faixa anual da temperatura do ar (°C)
10
De Bartholomew, G. A., 1964. As funções da fisiologia e do comportamento na manutenção da homeostase no ambiente deserto.
Symp. Soc. Exp. Biol. 18: 7-29.
Hill_book.indb 22
70
Figura 1.15 Os microambientes no deserto do Arizona próximo a Tucson O gráfico
mostra o intervalo de temperatura anual no solo e no ar e na superfície da terra. (Adaptada
de Misonne, 1959.)
13/07/11 16:28
Fisiologia Animal
de calor planetário, aumentando as temperaturas nas quais as sociedades humanas irão existir no futuro.
Distância acima da
superfície da neve (cm)
–18°C a 150 cm
15
10
Processos evolutivos
5
Superfície de neve
0
Profundidade da
neve (cm)
5
10
Camada de ar no solo
abaixo da neve onde as
temperaturas são bem mais
quentes do que as do ar
acima da neve, oferece
proteção para os mamíferos
cavadores pequenos e para
as aves.
15
Camada de ar
no solo abaixo
da neve
20
–24
–20
–16
–12
–8
–4
Temperatura do ar (°C)
0
4
Figura 1.16 Microambientes na neve profunda no extremo norte Um espaço
de ar – chamado de camada de ar no solo abaixo da neve – é frequentemente aprisionado embaixo da neve profunda. Quando lêmingues, ptármigas ou outros mamíferos pequenos ou aves cavam sob a neve até o espaço de ar no solo abaixo da neve,
eles entram em um ambiente sem vento, onde a temperatura pode ser 20°C mais
quente do que no ar acima da neve e onde são protegidos contra a perda de calor
para o céu frio noturno pela camada de neve. As temperaturas mostradas foram medidas em uma noite de março na Suécia. (Adaptada de Coulianos e Johnels, 1963.)
Os animais modificam os seus próprios ambientes
Uma maneira importante em que o animal e o ambiente são interdependentes é que os animais modificam os seus próprios ambientes.
No caso mais simples, os animais selecionam pelo comportamento o
seu ambiente real a partir de vários em que poderiam viver. Uma rã
estressada pela dessecação no terreno aberto, por exemplo, pode aumentar a umidade e baixar a velocidade do vento do seu ambiente
pulando para a grama alta. Em uma grande escala, a migração animal
normalmente fornece novos ambientes, como quando as aves do Ártico desfrutam de temperaturas amenas no inverno pela migração para
latitudes tropicais. O ambiente de um animal é o entorno do animal, e
o entorno depende de onde o animal se posiciona.
Um ponto mais sutil, mas igualmente importante é que a simples
presença de um animal em um local com frequência altera as características físicas e químicas do local. A alteração ambiental causada pelo
animal pode então mudar aquele comportamento ou a fisiologia do
animal. Considere, por exemplo, um esquilo em uma cavidade de uma
árvore. No inverno, o esquilo aquecerá a cavidade até uma temperatura mais alta do que aquela que iria predominar na ausência dele. O
esquilo responderá fisiologicamente à temperatura elevada na cavidade, diminuindo a sua taxa de produção metabólica de calor. De modo
semelhante, um cardume de peixes pode diminuir o O2 dissolvido na
água e deve lidar com os baixos níveis de O2 “ambiental”.
Por causa de fenômenos como esses, a análise da interação entre
ambiente e um animal com frequência requer cálculos da dinâmica
que levam em consideração que a interação é de duas vias, do tipo vai
e volta. Depois que um animal iniciou a alteração do seu ambiente,
pode funcionar de modo diferente, pois está em um ambiente modificado, e, assim, o efeito futuro do animal no ambiente pode ser diferente do seu efeito original.
O aquecimento global representa um exemplo de tamanho mundial desse fenômeno. A maioria dos cientistas acredita que o uso de
combustíveis fósseis pela população humana está mudando a atmosfera terrestre em direção a uma composição que aumenta a retenção
Hill_book.indb 23
23
As origens evolutivas de características fisiológicas – e a contínua evolução de características fisiológicas no mundo atual – formam o assunto da
matéria fisiologia evolutiva, um dos dois mais importantes ramos do estudo moderno da fisiologia, como mencionado anteriormente. Há muito
tempo, fisiologistas reconhecem que, em muitos casos, as características
de espécies combinam com o ambiente no qual as mesmas se encontram. Por exemplo, ursos polares estão preparados para lidar com o frio, e
camelos dromedários, com o calor. Os biólogos da atualidade acreditam
que a evolução pela seleção natural é o processo primário que leva a esta
combinação entre as espécies e o ambiente que elas habitam.
Definida cuidadosamente, evolução é uma mudança na frequência
dos genes ao longo do tempo em uma população de organismos. Suponha-se uma população de animais que contenha um gene que codifique
para a afinidade do oxigênio com a hemoglobina (a facilidade com que
a hemoglobina se combina com O2). O gene tem dois alelos (formas alternativas), um codificando para alta afinidade com o oxigênio (alelo H)
e outro para baixa afinidade com o oxigênio (alelo L). Em um momento
da história da população, 30% de todas as cópias deste gene eram do
alelo H, e 70% eram do alelo L. Entretanto, depois de passadas 1.000
gerações, 60% de todas as cópias são do alelo H e 40% são do alelo L.
Neste caso, a frequência gênica mudou. Portanto, ocorreu evolução.
Uma questão muito mais complexa é se ocorreu adaptação. Existem muitos processos conhecidos pelos quais a frequência gênica pode
mudar. Apenas um, a seleção natural, leva à adaptação.
Alguns processos da evolução são
adaptativos, outros não
Voltando ao exemplo hipotético discutido antes, supondo-se uma população de animais ocupando um determinado ambiente, indivíduos
que possuem hemoglobina com alta afinidade com o oxigênio têm mais
facilidade para sobreviver e se reproduzir do que outros com baixa afinidade. Devido a esse fato, um alelo que codifica para alta afinidade
tenderá a aumentar em frequência na população de uma geração para
a próxima (e um alelo que codifica para baixa afinidade tenderá a diminuir). Após muitas gerações, o alelo H poderá ter se tornado tão comum
que essencialmente todos os indivíduos nascidos nesta população o terão. Você vai reconhecer esse processo como seleção natural. Seleção natural cria uma combinação melhor entre os animais e os seus ambientes.
O conceito de adaptação, que está intimamente relacionado ao de
seleção natural, tem um significado específico no estudo da biologia
evolucionária. Por definição, uma característica é uma adaptação se a
mesma veio a estar presente em alta frequência em uma população, em
virtude de conferir uma maior probabilidade de sobrevivência e reprodução bem-sucedida no ambiente preponderante em comparação com outras características alternativas. Dessa forma, adaptações são produtos do
processo de seleção natural. Uma adaptação não é necessariamente um
estado ótimo ou ideal, pois restrições na liberdade do processo de seleção
natural podem ter impedido um estado ótimo de ter sido uma opção (o
estado ótimo, deste modo, pode nunca ter ocorrido por mutação). Como
aponta a definição, uma adaptação é a característica favorecida pela seleção natural a partir das características alternativas disponíveis.
Agora vamos repetir nosso exercício teórico com a substituição de
diferentes suposições. Considere uma população no mesmo ambiente analisado anteriormente – os alelos H e L estão presentes com alta
frequência. Suponha que a população experimente uma queda em seu
tamanho, de forma que contenha menos de 100 indivíduos. E suponha
ainda que ocorra uma catástrofe que mate indivíduos aleatoriamente, não
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24
Hill, Wyse & Anderson
importando se possuem os alelos H ou L. Numa população de 100 ou
menos animais, mortes aleatórias podem levar com certa probabilidade a
eliminar todos os indivíduos que possuem um determinado alelo. Todas
as cópias do alelo H poderão, de fato, ser eliminadas. Em uma população
sujeita a esse processo, quando a mesma voltar a crescer e aumentar o
seu tamanho, terá somente o alelo L, o alelo menos adaptativo. Nesse caso,
o processo descrito de mudança da frequência dos genes é um processo
de evolução não adaptativa. Devido ao acaso, um alelo que confere menor probabilidade de sobrevivência e reprodução em comparação a uma
alternativa disponível vem a ser o alelo predominante na população.
Processos nos quais o acaso assume papel preeminente na alteração da frequência dos genes são definidos como oscilação genética.
No parágrafo anterior, descrevemos um cenário de oscilação genética. A frequência genética pode alterar a direção ao acaso em virtude
da ocorrência de mortes aleatórias (ou outros bloqueios à reprodução
individual) em populações temporariamente reduzidas em tamanho.
Outro cenário de oscilação genética ocorre quando uma espécie entra
em uma nova área, encontrando nesta uma nova população. A nova
população poderá, simplesmente em virtude do acaso, exibir uma frequência genética alterada em relação à população aparentada – por
exemplo, porque os indivíduos encontrados poderão, por mero acaso,
ser geneticamente não representativos da população a que pertencem
(o assim chamado efeito do fundador).
Estudiosos de frequências alélicas em populações naturais acreditam que frequentemente observam evidências de oscilação genética. Por
exemplo, duas populações de camundongos vivendo a 10 km de distância uma da outra, em ambientes arborizados aparentemente semelhantes, exibem em geral muitas diferenças na frequência alélica, provavelmente produzidas por uma ou outra forma de oscilação. Muitas vezes
os genes afetados pela oscilação parecem ser aqueles que têm pouco ou
nenhum efeito sobre a aptidão física; oscilação, em outras palavras, tem
aparentemente maior efeito sobre genes que não estão sujeitos à forte
seleção natural. Mesmo assim, este não é sempre o caso.
São conhecidos processos adicionais pelos quais a evolução pode
levar a resultados não adaptativos. Estes incluem:
■
■
Uma característica poderá ser comum em uma população apenas
porque está intimamente relacionada com outra característica favorecida pela seleção natural. Por exemplo, uma característica que
por si diminui a aptidão física de animais (suas habilidades de
sobrevivência e reprodução) pode ocorrer por ser codificada por
um gene que está sujeito à seleção positiva em virtude de outros
efeitos que aumentam a aptidão física. O controle de um alelo
sobre somente um gene de duas ou mais características distintas e aparentemente não relacionadas é chamado de pleotropia.
Um exemplo fornece o recém-descoberto alelo decodificador de
enzimas em mosquitos (Culex pipiens), que tem simultaneamente
dois efeitos. O alelo (1) aumenta a resistência de mosquitos a inseticidas organofosforados e (2) diminui a tolerância fisiológica
dos insetos ao frio do inverno. Quando uma população de mosquitos é tratada com inseticidas, ela pode se desenvolver de forma a
diminuir a sua habilidade fisiológica de sobreviver ao frio do inverno
em virtude da pleotropia. A seleção favorecerá alelos que conferem resistência aos inseticidas, mas o alelo descrito em questão
12
também diminuirá a probabilidade de sobrevivência no inverno.
Uma característica poderá ter se desenvolvido como adaptação
a um ambiente passado, mas persiste apesar do fato de o am-
biente ter mudado. No novo ambiente, a característica poderá
não ser benéfica e não será mais, portanto, uma adaptação. Alguns biólogos consideram características desta natureza como
bastante comuns, pois muitas vezes animais colonizam novos
lugares e, mesmo que fiquem em um mesmo ambiente, em
diversos casos o clima muda de forma radical em períodos de
13
tempo geológico relativamente curtos. A necessidade de diversos anfíbios que vivem em zonas desérticas por locais com água
para procriar, e o fato de muitos artrópodes que obrigatoriamente vivem em cavernas possuírem olhos, são dois exemplos de
características que parecem existir hoje em dia, não em virtude
de serem adaptações ao ambiente atual, e sim porque persistem
como adaptações do passado. De forma similar, o sangue diluído
de peixes em ossos oceânicos é um legado de uma vida em outro
ambiente e não uma adaptação à vida marinha.
Uma característica não é uma adaptação
simplesmente por existir
Nas décadas antes de 1979, muitos fisiologistas referiam-se a todas as
características dos organismos como adaptações. Características eram
chamadas de adaptações meramente por existirem, e estórias (hoje algumas vezes lembradas como estórias “simplesmente assim”) eram
tramadas para explicar como as características eram benéficas. Esse
hábito ignorava a possibilidade de oscilação genética e outras formas
de evolução não adaptativa. De fato, o hábito reduziu adaptação a um
conceito não científico, já que evidências empíricas não eram requeridas para uma característica ser considerada uma adaptação.
A maior mudança no uso do conceito de adaptação ocorreu em
1979, com a publicação de uma crítica redigida por Stephen J. Gould
e Richard C. Lewontin. Eles enfatizaram que o processo natural de
seleção no ambiente presente é somente um entre vários processos
pelos quais uma espécie poderá vir a exibir uma característica. Dessa
forma, uma característica não é uma adaptação apenas porque existe,
e, quando fisiologistas chamam uma característica de adaptação, estão
levantando uma hipótese de que ocorreu uma seleção natural.
Gould e Lewontin enfatizaram que, da mesma forma como é válido para outras hipóteses, dados precisam ser levantados para estimar
se uma hipótese de adaptação é verdadeira ou falsa. Como cientistas
não podem, de fato, testemunhar a evolução de uma característica, os
dados que podem ser coletados são, muitas vezes, indiretos. Mesmo
assim, Gould e Lewontin enfatizaram que os cientistas devem tentar juntar as evidências mais sólidas possíveis. Com esse objetivo em
mente, o estudo da adaptação se tornou rapidamente uma ciência empírica (i. e., baseada em dados).
Adaptação é estudada como uma ciência empírica
Hoje em dia, os biólogos dão muita atenção à questão sobre como obter
dados que irão guiar a decisão sobre uma característica ser uma adaptação ou não. Em alguns casos, a biosfera apresenta um “experimento
natural” que permite aos cientistas observar a evolução ocorrendo em
ambiente natural no decorrer de múltiplas gerações. Porém, os cientistas não podem depender tão somente desses experimentos naturais
para estudar a adaptação, pois os mesmos são incomuns e poderão não
responder os questionamentos de maior interesse. Mesmo assim, o experimento natural pode fornecer percepções particularmente provei-
13
12
Além de resultarem da pleotropia, características também podem se desenvolver
uma após a outra em virtude do desequilíbrio de ligação, no qual alelos de dois ou
mais genes no mesmo cromossomo – porque se encontram em um único cromossomo – tendem a ser herdados juntos em grande parte e de forma não aleatória.
Hill_book.indb 24
Há somente 18.000 anos, os áridos e quentes desertos do Arizona e do Novo
México eram muito mais úmidos do que na atualidade e, em média, 6oC mais frios,
resultados da última era do gelo. Há cerca de 10.000 anos, grandes áreas do Deserto do Saara receberam volumes de água da chuva em quantidade muito superior
aos dias atuais, e essas áreas podiam ser consideradas savanas, e não desertos.
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Fisiologia Animal
25
(b) Inseto (Filo Arthropoda)
tosas sobre adaptação, porque permite que a capacidade de
(a) Humano (Filo Chordata)
adaptação de uma característica possa ser avaliada a partir de
Espiráculo Sistema traqueal
todos os ângulos de interesse.
Melanismo industrial é um fenômeno famoso – que
provavelmente lhe seja familiar a partir de seus estudos de
biologia geral – que exemplifica a experiência natural para a
adaptação. Melanismo se refere à coloração escura do corpo
codificada geneticamente. Melanismo industrial é um aumento evolutivo da frequência de melanismo em uma população
Pulmão
de animais que vive em ambientes modificados pelas indústrias dos seres humanos. Uma espécie de mariposa que vive
nas regiões industriais da Inglaterra apresenta dois estados
de coloração determinados geneticamente: claro e escuro. As
mariposas apresentavam coloração predominantemente clara
(c) Caracol terrestre (Filo Mollusca)
antes da era industrial, quando liquens, também de coloração
Pulmão
clara, cobriam os troncos das árvores nos quais as mariposas
(cavidade
permaneciam durante o dia. Com o aumento da industrialido manto)
zação, os liquens das árvores não sobreviveram em virtude da
poluição e da fuligem das fábricas que cobriu e escureceu os
troncos das árvores. Em um período de 50 anos, as populaConcha
Diafragma
ções de mariposas nas áreas industriais se tornaram predominantemente escuras, escurecendo de geração em geração.
Figura 1.17 O método comparativo Vertebrados terrestres (a), insetos (b) e
A frequência dos genes que determinam a coloração escura
caracóis terrestres (c) – representando três filos que, separadamente, colonizaaumentou. Estudos demonstraram que, em troncos escuros,
ram o ambiente terrestre – desenvolveram órgãos respiratórios independentea probabilidade de serem vistas por aves predadoras era menor para as
mente que são invaginados para dentro do corpo. Esta convergência de tipos de
mariposas de coloração escura do que para as de coloração clara.
órgãos respiratórios sugere que órgãos respiratórios invaginados são adaptações
A partir da observação direta deste experimento natural, pode-se dipara a vida na terra.
zer o seguinte: em um ambiente com poluição industrial, a coloração
escura tornou-se comum nas populações de mariposas por meio da seleção natural, porque ela aumentou a probabilidade de sobrevivência do
terrestres sugere que, se pudéssemos ver o distante passado evoluindivíduo em comparação à alternativa disponível. Assim, a coloração
tivo, teríamos testemunhado indivíduos com órgãos respiratórios
escura preenche todos os padrões da definição formal de adaptação, e a
invaginados superando competitivamente aqueles indivíduos tercaracterística pode ser analisada, com base em evidências, como sendo
restres com estruturas respiratórias alternativas. O padrão sugere a
uma adaptação ao ambiente com poluição e fuligem industrial.
atuação da seleção natural e que os órgãos respiratórios invaginaNormalmente biólogos não conseguem observar a evolução em
dos são adaptações para a vida na terra.
ação dessa maneira. Assim, para estudar a adaptação empiricamen■ Estudos em populações criadas em laboratório durante muitas gerate, os biólogos são obrigados a adotar outras formas de abordagem.
ções. Alterações na frequência genética podem ser observadas no
Muitas técnicas foram desenvolvidas – ou estão sendo desenvolvidas
decorrer de múltiplas gerações de populações de animais de rá– para se estudar a adaptação quando a natureza falha em fornecer um
pida procriação, como a mosca-da-fruta, criada em laboratório.
experimento natural ideal:
Por meio de exposição dessas populações a condições específicas
e controladas (p. ex., maior ou menor estresse por dessecação),
■ O método comparativo. O método comparativo procura identififisiologistas podem observar quais alelos são favorecidos pela secar características adaptativas comparando como uma função em
leção quando uma determinada condição prevalece. O fenômeparticular é realizada em espécies relacionadas e não relacionano pode ser ilustrado pelo estudo de populações de moscas-dasdas em ambientes similares e não similares. Este método é baseado
-frutas expostas, no decorrer de muitas gerações, a alto estresse
na premissa de que, apesar de não podermos ver a evolução ocorrenpor dessecação; o volume de sangue geneticamente codificado
do no passado, a grande quantidade de espécies de animais vivos hoje
das moscas dessas populações aumenta consideravelmente, e as
em dia fornece muitos exemplos dos resultados da evolução, e padrões
moscas tornam-se capazes de tolerar a dessecação por um peidentificados a partir destes resultados fornecem visões e percepções de
ríodo de tempo muito mais extenso (ver Quadro 27.5). Nesses
processos que ocorreram há muito tempo. A Figura 1.17 apresenta
casos, a seleção é geralmente considerada como seleção laboraum exemplo simples do uso do método comparativo. Vertebrados
torial ou seleção artificial, pois humanos estão manipulando as
terrestres têm pulmões que permitem a respiração. Se fôssemos
circunstâncias. Portanto, nesse tipo de estudo, a análise volta-se
olhar somente para os vertebrados terrestres teríamos apenas um
para uma avaliação da probabilidade de os resultados de uma
nível de conhecimento isolado e limitado sobre os mecanismos de
seleção natural em ambiente selvagem serem similares.
respiração. No entanto, se também analisarmos outros organismos
■ Estudos de variações individuais em somente uma única geração. Interrestres não relacionados, descobrimos um padrão: no caso de
insetos, caracóis terrestres e vertebrados terrestres, as superfícies
divíduos pertencentes a uma população natural de uma única
respiratórias são partes de estruturas invaginadas que seguram o ar
espécie variam em suas propriedades fisiológicas. Por exemplo,
em vez de projetarem-se para ele. Esse padrão é impressionante,
vários indivíduos adultos de camundongos-veados pertencentes
porque superfícies respiratórias evaginadas, que se projetam para a
a uma única população selvagem apresentam ampla variação na
água, são praticamente universais entre animais aquáticos (p. ex.,
taxa máxima de captação e uso de O2 – uma taxa que é determias brânquias de peixes ou lagostins). A ocorrência de estruturas
nante sobre quanto tempo e com que vigor os vários indivíduos
invaginadas em múltiplas linhas independentes de atuais animais
conseguem sustentar esforço metabólico (Figura 1.18). Esta va-
Hill_book.indb 25
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Hill, Wyse & Anderson
Apesar de alguns camundongos-veados
terem sido capazes de captar e usar O2 numa
taxa de somente 16 a 17 mL de O2/g•h...
...outros captaram e usaram O2 em
taxas superiores a 22 mL de O2/g•h –
taxa 40% superior.
Número de indivíduos
10
■
5
0
16–17
17–18
18–19
19–20
20–21
21–22
22–23
Taxa máxima de consumo de oxigênio (mL de O2/g•h)
23–24
Taxas de consumo de O2 são
expressas em mililitros de O2 usados
por hora por cada grama de tecido.
Figura 1.18 Variação fisiológica entre indivíduos de uma mesma espécie Este histograma sumariza as taxas máximas medidas de consumo de O2 de 35
camundongos-veados (Peromyscus maniculatus) de uma única população natural.
■
Hill_book.indb 26
riação natural entre indivíduos de uma mesma espécie pode ser
aproveitada para experiências com somente uma única geração
para determinar as características mais vantajosas. Para ilustrar,
suponha que, em uma amostra aleatória de algumas centenas
de camundongos de uma população selvagem, seja medida a
taxa máxima de consumo de O2 de cada indivíduo e que, então, os animais sejam devolvidos para a população natural, onde
passamos monitorá-los até que morram. Se descobrirmos que
indivíduos com capacidades particulares de consumo de O2 produzem um maior número de descendentes do que indivíduos
com outras capacidades de consumo de O2, teremos uma visão
sobre quais capacidades são adaptativas.
Criação de variação para fins de estudo. Biólogos têm condições
de criar variação em uma característica que apresenta pouca ou
nenhuma variação entre indivíduos de uma espécie. Assim, resultados significantes podem ser observados, tanto em ambiente
natural quanto de laboratório. Anos atrás, a principal aplicação
desta abordagem era morfológica; por exemplo, o tamanho de
cavidades nas orelhas de ratos do deserto foi morfologicamente
alterado com o objetivo de se avaliar qual a dimensão de cavidade
que permitiria a melhor detecção de predadores. Uma abordagem
mais nova é o emprego de manipulações genéticas. Suponha que
a grande maioria de indivíduos de uma espécie tenha um determinado alelo para a enzima digestiva, mas que um alelo mutante
não comum seja encontrado, sendo que este produz uma forma
molecular diferente da enzima. Nesse caso, por meio de procriação controlada, poder-se-ia criar uma população com abundância
dos dois alelos e, então, observar as vantagens relativas das duas
formas enzimáticas. A permutação de abordagens genéticas deve
empregar métodos de engenharia genética para silenciar genes.
Como será discutido mais adiante no Capítulo 3 (ver página 75),
animais knockout com falta de cópias funcionais de genes de interesse podem ser produzidos, ou a técnica do RNA de interferência pode ser empregada com o objetivo de bloquear a transcrição
de um gene. Indivíduos manipulados dessa forma são incapazes
de sintetizar a proteína codificada pelo gene afetado e poderão,
■
portanto, ser usados para analisar a significância funcional da
proteína. Outras formas de “engenharia” estão disponíveis para a
criação de diversidade individual, podendo a mesma ser testada
para a avaliação dos efeitos decorrentes da técnica. Nessas formas de engenharia, inclui-se a “engenharia alométrica”, na qual
o tamanho corporal é manipulado artificialmente durante o seu
desenvolvimento, e pode-se incluir também a “engenharia hormonal”, em que se utiliza a injeção de hormônios.
Estudos da estrutura genética de populações naturais. Algumas vezes populações naturais estão geneticamente estruturadas de
forma reveladora. A variação genética clinal fornece excelentes
exemplos. Variação genética clinal é a mudança progressiva na
frequência alélica ou na frequência de fenótipos geneticamente
controlados ao longo de um gradiente ambiental. Pesquisadores
descobriram, por exemplo, que em uma espécie de peixe comum
na costa leste dos Estados Unidos, alelos comuns em indivíduos
que vivem nas águas quentes da Geórgia tornam-se progressivamente menos frequentes nos indivíduos da mesma espécie à
medida que vivem mais para o norte, e estes mesmos alelos estão praticamente ausentes nos indivíduos que vivem nas águas
frias da costa da Nova Inglaterra (ver Figura 2.21). Padrões genéticos dessa natureza fornecem muitas vezes indicações de como
a seleção natural difere em seus efeitos de local para local.
Reconstrução filogenética. O objetivo da reconstrução filogenética
é determinar, muitas vezes por meio do uso de dados da genética molecular, a estrutura da árvore filogenética (a descendência) de grupos de espécies aparentadas. Basicamente, a árvore
filogenética é útil de duas formas. Primeiro, em muitos casos, a
árvore filogenética facilita a estimação de quando exatamente na
história evolucionária cada característica se desenvolveu; dessa
forma, por exemplo, pode-se aprender a partir de uma árvore filogenética se o desenvolvimento de uma característica precedeu
ou sucedeu o desenvolvimento de outra – conhecimento que
ajuda a entender o contexto da evolução de cada característica.
Segundo, a árvore filogenética permite avaliar se uma característica se desenvolveu independentemente mais de uma vez e
ajuda a estimar o número de vezes que uma característica se desenvolveu; diversas origens independentes em um determinado
ambiente sugerem que a característica é adaptativa ao ambiente.
Neste livro, discutimos diversas análises de adaptação baseadas
em árvores filogenéticas. O Capítulo 3, por exemplo, inicia com
uma extensa análise da aplicação dessas metodologias no estudo de peixes antárticos (peixe-gelo – Channichthyidae), peixes
com ausência total de eritrócitos e, em alguns casos, também
com ausência de mioglobina, composto proteico chave no transporte de O2 no músculo cardíaco (ver Figuras 3.3 e 3.4).
Potencial evolutivo pode ser alto ou baixo,
dependendo da variação genética disponível
O determinante-chave no curso do desenvolvimento de uma característica em uma população de animais é o tamanho da diversidade
genética para a característica em questão na população. Se não há diversidade genética para a característica – isto é, se todos os indivíduos
de uma população são homozigotos para um único alelo – então é impossível alteração evolutiva na característica (ao menos no presente).
Como exemplo, pode-se imaginar uma população de mamíferos na
qual todos os indivíduos são homozigotos em um alelo codificador da
cor dos olhos que codifica a cor castanha. Nessa população como um
todo, não haveria diversidade genética para a cor de olho e, sendo assim, a seleção natural não poderia alterar essa característica. Por outro
lado, se os indivíduos na população tiverem diversos alelos diferentes
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Fisiologia Animal
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Diversidade genética típica para as
quatro características estudadas nas
populações de camundongos
domésticos.
– Locais de coleta
–12°C
BAIXO BAIXO ALTO
ALTO
–7°C
Em razão da latitude há a tendência ao aumento
gradual do sul para o norte das duas características
que apresentam alta diversidade genética...
0°C
...mas não há tendência à alteração das
características com menor diversidade
genética em virtude da latitude.
6°C
Figura 1.19 Os efeitos da diversidade genética sobre o potencial evoluti-
Tem
18°C
pe
cor ratur
po a
ral
tec Fr
ido açã
ad o d
ma ipos e
rro o
m
Tam
cor anho
po
ral
Tam
an
ho
con nin dos
str hos
uíd
os
10°C
Quatro características foram estudadas em
camundongos coletados em cinco locais diferentes.
A largura das quatro colunas verticais verdes
simboliza as tendências de acordo com a latitude.
do gene para cor de olho – alguns alelos codificando a cor castanha,
outros alelos a cor azul ou verde – então a frequência dos vários alelos
poderia ser modificada por meio de seleção natural, e a característica
cor de olho poderia se desenvolver.
Fisiologistas estão começando a considerar a importância da diversidade genética no processo de entendimento do potencial evolutivo.
A Figura 1.19 fornece um modelo, exemplo de que tipos de percepções
e conclusões se obtêm por meio da consideração da diversidade genética nos estudos da evolução. Camundongos domésticos foram coletados em cinco locais diferentes no leste dos Estados Unidos, locais
estes escolhidos para representarem o progresso na severidade do frio
do inverno, de invernos amenos no sul até invernos severos no norte.
Os camundongos coletados pertenciam a populações selvagens que,
presume-se, reproduziram-se nos cinco locais durante muitas gerações e que foram submetidas à seleção natural. Os camundongos dos
cinco diferentes locais produziram ninhadas em laboratório e as crias
foram estudadas. A razão para dar preferência ao estudo das crias em
vez dos animais selvagens coletados foi para obter a visão mais clara
possível das diferenças genéticas entre essas populações; devido ao fato
de todos os descendentes terem nascido e sido criados no mesmo ambiente, as suas diferenças provavelmente sejam de ordem genética e
não por causa de diferentes ambientes de criação.
Foram medidas quatro características dos descendentes: temperatura corporal, tamanho dos ninhos construídos por eles, peso corporal
e a fração ocupada por tecido adiposo marrom nos corpos dos animais.
Tecido adiposo marrom tem a capacidade de produzir calor intenso. As
diferenças entre tamanho corporal e tamanho dos ninhos construídos
pelos descendentes dos camundongos dos cinco diferentes locais foram
significativas; tanto o tamanho dos ninhos quanto o tamanho corporal
foram maiores nos animais descendentes dos indivíduos coletados das
populações de camundongos do norte do que dos descendentes dos
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vo Testados em condição laboratorial constante, descendentes de camundongos (Mus domesticus) coletados em regiões mais ao norte apresentaram tamanho corporal maior e construiram ninhos maiores do que os descendentes de
camundongos que vivem em populações mais ao sul. Por outro lado, apesar de
terem se desenvolvido em climas diferentes, os camundongos coletados nos cinco diferentes locais não apresentaram diferenças nas características temperatura
corporal e fração de tecido adiposo marrom relativas ao tamanho corporal. Estudos independentes revelaram que em populações de camundongos domésticos,
há alta diversidade nos genes que controlam tamanho corporal e tamanho dos
ninhos construídos, ao passo que a diversidade dos genes que controlam temperatura corporal e fração de tecido adiposo marrom é pequena. Os resultados
suportam a hipótese de que a eficácia da seleção natural depende da diversidade genética existente nas populações. As linhas tracejadas no mapa mostram as
temperaturas médias no inverno. (Segundo Lynch, 1992.)
indivíduos coletados das populações do sul – como, na verdade, era
de se esperar (ver Figura 1.19). Entretanto, todos os descendentes dos
indivíduos coletados dos cinco diferentes locais apresentaram a mesma
temperatura corporal média, e a mesma fração média de tecido adiposo
marrom. A princípio, poder-se-ia ter esperado que os animais das regiões frias tivessem desenvolvido uma temperatura corporal menor e
uma maior fração de tecido produtor de calor no corpo em comparação
aos indivíduos das regiões quentes, mas nenhuma dessas expectativas
se cumpriu na realidade. Por que ocorreu adaptação em somente duas
das quatro características estudadas?
Diversidade genética é parte importante da resposta. De estudos
realizados anteriormente, biólogos sabem que populações de camundongos domésticos apresentam diversidade genética relativamente
alta nos genes que controlam tamanho corporal e tamanho dos ninhos
construídos; essas duas características devem ter respondido à seleção
natural. Entretanto, populações de camundongos domésticos exibem
pouca diversidade nos genes que controlam a temperatura corporal e
a fração de tecido adiposo marrom no corpo; essas duas características
não responderam à seleção natural nesta espécie de camundongo. Não
se sabe por que a diversidade genética é alta para algumas características e baixa para outras. Exemplos como esse demonstram, no entanto,
que a evolução por meio da seleção natural depende da base da estrutura genética de populações. A evolução pela seleção natural é limitada,
e efetiva somente até o ponto permitido pela diversidade genética.
Questões de estudo
1. Existe uma chance de que um átomo de cálcio ou carbono, que antes fazia
parte do corpo de César ou Cleópatra, faça agora parte do seu corpo. Parte
da razão para isso é que a maior quantidade de átomos de cálcio e carbono,
que antes eram partes dos corpos destes monarcas, não foi para o túmulo
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Hill, Wyse & Anderson
com eles. Explique as duas afirmações. (Se você gosta de processos quantitativos, veja também a questão 11).
2. Animais não mantêm suas enzimas de desintoxicação num constante estado de prontidão. Desse modo, eles dependem da plasticidade fenotípica
para se adaptarem a riscos e perigos em constante mudança. Um exemplo
é fornecido pela enzima álcool desidrogenase, que quebra a molécula do álcool etílico. Pessoas que não bebem bebidas alcoólicas têm uma baixa concentração de álcool desidrogenase. A concentração e a atividade da enzima
aumentam quando a pessoa passa a beber álcool, mas até chegar a sua
atividade completa, passam-se muitos dias, o que significa que a pessoa
tem defesa incompleta contra os efeitos do álcool quando inicia a beber
após um período de abstinência. Considere, também, músculos atrofiados
pelo não uso dos mesmos em comparação a músculos mantidos em estado completamente desenvolvido. Descreva razões pelas quais os animais
dependem da plasticidade fenotípica em vez de manterem todos os seus
sistemas em um estado máximo de prontidão o tempo todo.
3. As larvas de uma espécie particular de caranguejo marinho apresentam
coloração laranja luminoso, ao passo que os adultos desta espécie são
brancos. Foi perguntado a uma especialista no assunto, “Por que os dois
diferentes estágios de vida são também diferentes em sua coloração?” Ela
respondeu:“As larvas acumulam pigmentos carotenoides de coloração alaranjada, mas os adultos não”. Ela conseguiu reconhecer todos os pontos
significantes na pergunta feita? Explique.
4. Analisando a Figura 1.8, o período de gestação de zebras, javalis africanos e
cudos é normal ou excepcionalmente longo? Justifique a sua resposta para
cada caso.
5. Pelo menos três alelos de hemoglobina em populações humanas alteram a estrutura da hemoglobina de tal forma a debilitar o transporte
de O2 pelo sangue, mas, ao mesmo tempo, aumentam a resistência dos
eritrócitos ao ataque do agente causador da malária. Explique como esses alelos exemplificam a pleotropia e discuta se eles poderiam levar a
uma evolução não adaptativa do transporte de O2 no sangue em certas
situações.
6. Quais são alguns dos microclimas que um camundongo poderia vir a encontrar na casa de seu professor?
7. À primeira vista, a Figura 1.13 parece ser simplesmente uma descrição das
propriedades físicas e químicas de um lago. Descreva como organismos
vivos participam na determinação dos padrões físicos e químicos (p. ex.,
temperatura e O2). Considere organismos vivendo na água do lago e outros organismos vivendo na terra às margens do lago. Considere também
uma pesquisa recente que demonstra que populações densas de algas alteram em alguns casos a estrutura térmica dos lagos por meio do aumento
do termoclina e, com isso, por meio do aumento da espessura da camada
profunda de água fria; como as populações de algas fazem isso e quais
podem ser as consequências para os animais que vivem nas profundidades
do lago?
8. Você concorda com François Jacob, que evolução é mais uma atividade
aleatória e não planejada do que uma atividade de engenharia? Explique.
9. Explique como métodos comparativos, animais knockout, padrões geográficos e frequência genética podem ser utilizados para analisar se uma característica é adaptativa. Na medida do possível, comente as vantagens e
desvantagens de cada abordagem.
o
10. Alguns animais toleram temperaturas do corpo de até 50 C, mas a grande
maioria não. Algumas espécies conseguem viver em altitudes extremas,
outras não. Quais são as razões em potencial que levaram algumas espécies singulares a se desenvolverem para uma vida em ambientes física e
quimicamente tão extremos que chegam a ser letais para outras espécies?
Como você poderia testar algumas das ideias que propôs?
11. Usando os dados a seguir, calcule quantas das moléculas de O2 que foram
utilizadas no catabolismo por Júlio César se encontram em cada litro de
ar atmosférico hoje em dia. Todos os valores fornecidos são expressos sob
condições padrão de temperatura e pressão (ver Apêndice C) e, desta forma, podem ser comparados legitimamente. Taxa média de consumo de O2
de um ser humano masculino durante atividades diárias normais: 25 L/h.
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Quantidade de anos após o seu nascimento, quando, então, César foi mortalmente esfaqueado no Foro de Roma: 56 anos. Quantidade de litros de
O2 por mol: 22,4 L/mol. Quantidade de móis de O2 na atmosfera terrestre:
19
23
3,7 x 10 mol. Quantidade de moléculas por mol: 6 x 10 moléculas/mol.
o
Quantidade de O2 por litro de ar ao nível do mar (20 C): 195 mL/L. Esteja
preparado para se surpreender. Obviamente, critique os cálculos se você
acha que os mesmos merecem crítica.
Referências
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filogenética para analisar a evolução da impressionante capacidade de inflar a bexiga natatória com O2 quase puro encontrada em alguns peixes.
O autor tem por objetivo apresentar um modelo para a compreensão da
evolução de sistemas complexos, em que muitas características fisiológicas
e morfológicas interagem.
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considerados.
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Uma visão curta, atual e estimulante de como a fisiologia comparada foi
importante no passado e continua a ser no futuro, escrita por um renomado especialista em bioquímica comparada.
Ver também Referências Adicionais e Citações de Figuras e Tabelas.
13/07/11 16:28
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