TENHO CÂNCER. E AGORA? ENFRENTANDO O CÂNCER SEM MEDOS OU FANTASIAS AUTORES Vitoria Herzberg PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO CÂNCER Claudio Luiz S. Ferrari MÉDICO HEMATOLOGISTA E ONCOLOGISTA PUBLICITÁRIO DIRETOR DE ATENDIMENTO DA PUBLICIS BRASIL sumário COORDENAÇÃO Roberta Viganó PROJETO GRÁFICO Luciana Gianesi REVISÃO Eduardo Calil TENHO CÂNCER. E AGORA? Enfrentando o Câncer sem Medos ou Fantasias Todos os direitos reservados para ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO CÂNCER 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 Associação Brasileira do Câncer Prefácio O que é câncer? As causas do câncer O diagnóstico A escolha do oncologista O câncer e as emoções Conversando com as crianças Tratamentos Cirurgia oncológica Quimioterapia Radioterapia Hormonioterapia Imunoterapia Transplante de medula óssea Transfusões sanguíneas Lidando com infecções Terapias complementares Terapias de suporte Fadiga Nutrição e câncer Lidando com a dor Depressão Os direitos dos pacientes 5 7 8 14 20 26 30 36 44 48 50 58 66 68 70 76 80 86 90 96 104 114 124 130 E-mail: [email protected] Internet: www.abcancer.org.br TENHO CÂNCER. E AGORA? associação brasileira do câncer Missão A Associação Brasileira do Câncer é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), sem fins lucrativos, inteiramente mantida por doações e patrocínios corporativos. Parceira da American Cancer Society, a entidade tem o papel de educar a população a respeito da prevenção e detecção precoce do câncer, diminuir o sofrimento dos portadores da doença, bem como de seus familiares, cuidadores, amigos e profissionais de saúde e o de conscientizar os legisladores sobre a importância de disponibilizar os melhores cuidados no combate ao câncer. www.abcancer.org.br TENHO CÂNCER. E AGORA? 5 prefácio Quando a palavra câncer não é suficiente para aterrorizar, a expectativa pelo seu tratamento se encarrega disso. Toda a ansiedade que precedeu o diagnóstico é imediatamente substituída pelo peso da confirmação, com revolta e incerteza quanto ao futuro. Nesse momento, somente bem informados os pacientes e seus familiares poderão entender a situação nas suas reais dimensões. O que a maioria das pessoas ignora é que já existem tratamentos para praticamente todas as doenças malignas e que o câncer pode, em muitos casos, ser curado. É verdade que parte desses tratamentos é traumática, exigindo, quase sempre, sacrifícios tanto do paciente como de sua família. Mas seus benefícios tornam-se mais evidentes a cada dia. E não há escolha. O câncer está aí e deve ser enfrentado. Com isso em mente, elaboramos o presente livro: um guia informativo para o paciente com câncer e seus familiares. Somente exorcizando seus “fantasmas”, o paciente estará apto a administrar, de forma construtiva, sua nova realidade. Oferecendo respostas às mais freqüentes dúvidas que surgem durante os tratamentos, esperamos poder contribuir para tornar o caminho menos difícil. 6 CLAUDIO FERRARI VITORIA HERZBERG TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 7 1 o que é câncer? 8 A cada dia, tornam-se mais freqüentes os diagnósticos de câncer. Na grande maioria dos países, essas doenças, também chamadas malignas, já representam a segunda maior causa determinante dos óbitos, ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares. Mas não se trata de uma epidemia. Ocorre que o melhor controle sobre as demais doenças vem permitindo uma vida mais longa, o que abre espaço para o desenvolvimento do câncer. Temos, hoje, mais de 200 doenças agrupadas sob o nome de câncer. Todas elas resultando do crescimento autônomo e desordenado de uma pequena parte do organismo. Entretanto, na prática médica, cada uma delas é abordada de forma diferenciada e tratada de acordo com seu órgão de origem e, extensão no organismo. O termo câncer foi empregado pela primeira vez na Grécia antiga. Observando-se que algumas feridas pareciam penetrar profundamente na pele, comparou-se esse comportamento ao de um caranguejo (karkinos em grego, câncer em latim) agarrado à superfície. Apesar de reconhecidas há tanto tempo, somente com a descoberta do microscópio o estudo das doenças malignas pôde evoluir. A partir da identificação da célula como a unidade funcional dos organismos evoluídos, foi possível compreender um pouco melhor o desenvolvimento das doenças malignas. TENHO CÂNCER. E AGORA? A célula É a menor porção do nosso organismo capaz de criar sua própria energia, crescer e se multiplicar. São estruturas que medem milésimos de milímetros, isto é: mil vezes menores que uma bolinha de gude. Todos os órgãos do corpo são formados por células e cada uma delas apresenta características adequadas à função que desempenha. Por exemplo, as células musculares são alongadas, agrupam-se em feixes e têm a capacidade de se encurtar. Essas particularidades permitem que o músculo se contraia quando estimulado, criando movimentos. Já as células da pele são achatadas e dispostas em diversas camadas. Produzem grande quantidade de proteínas, que formam um revestimento impermeável, constituindose numa importante barreira à entrada de substâncias químicas ou à invasão por agentes infecciosos. De fato, em cada órgão do corpo, vamos encontrar células que se diferenciaram para o melhor desempenho de suas tarefas. É somente pela multiplicação celular que o organismo pode crescer e reparar-se. Nesse processo, uma célula origina duas outras exatamente iguais, que passam a ocupar o seu lugar. Orientadas pelas necessidades do organismo, células jovens estão constantemente se dividindo para substituir suas estruturas obsoletas e permitir seu crescimento. No indivíduo adulto, essa multiplicação ocorre, exclusivamente, para substituição de células mortas e reparação de estruturas, sendo todo o processo rigorosamente controlado. Material genético Apesar da multiplicidade de formas e localização dentro do corpo, todas as células de um organismo apresentam TENHO CÂNCER. E AGORA? 9 10 o mesmo material genético. No interior de cada célula, encontram-se dados suficientes para reproduzir toda a estrutura do organismo. As moléculas do Ácido Desoxirribonucleico (DNA), que formam os cromossomos, arquivam essas informações, estabelecendo a forma e a função de cada elemento do nosso corpo. Cada pedaço de DNA com uma formação completa é chamado de gene, enquanto o conjunto de todo esse material recebe o nome de genoma. O crescimento, a multiplicação e a diferenciação de todas as células são determinados por esses comandos genéticos. Podendo ser definido como uma verdadeira planta do organismo, que estabelece cada detalhe de sua arquitetura, o genoma é uma “herança eterna”, recebida dos pais e transmitida aos filhos. No momento da concepção, espermatozóide e óvulo se fundem, cada um deles contribuindo com a metade do material genético do futuro embrião. Durante o crescimento do organismo, a cada divisão celular, o genoma é integralmente transmitido para todas as células filhas. Mutações As moléculas de DNA, responsáveis pelo plano de formação e funcionamento de todas as células do nosso organismo, estão sujeitas a modificações. Fatores externos, como substâncias químicas, radiações e infecções virais, podem interferir em sua estrutura, alterando a informação básica da célula. Essas alterações, chamadas mutações não trazem repercussões à forma ou função das células, na maioria das vezes. Entretanto, quando ocorrem em “genes chaves”, responsáveis pelo controle do crescimento, pela multiplicaTENHO CÂNCER. E AGORA? ção ou diferenciação das células, mesmo pequenas modificações podem determinar profundas transformações no seu comportamento. O câncer Os incríveis avanços da Biologia Molecular permitiram compreender o câncer a partir das alterações no material genético de suas células. Mutações em determinados genes alteram os comandos de divisão, diferenciação e morte celular, possibilitando sua multiplicação desenfreada. Com seus mecanismos de controle da divisão inoperantes passam a se multiplicar independentemente das necessidades do organismo. Por meio de sucessivas divisões, a célula, agora chamada de maligna, acaba formando um agrupamento de células praticamente idênticas que recebe o nome de tumor. Diante dessa perda de controle intrínseca da multiplicação celular, só resta ao organismo tentar identificar e destruir essas células anormais por intermédio do seu Sistema Imunológico. Se esse sistema mostrar-se ineficaz, a doença passará a ter condições de evoluir. As mutações vão se acumulando no genoma da célula, determinando novas alterações em seu comportamento. As células malignas podem, por exemplo, adquirir a capacidade de disseminação, crescendo em áreas do corpo distantes de seu órgão de origem. Esses focos de crescimento a distância chamam-se metástases. Isto é o câncer: um grupo de células crescendo descontroladamente, capaz de invadir estruturas próximas e, ainda, espalhar-se para diversas regiões do organismo. Não há, entretanto, possibilidade de transmissão entre pessoas, mesmo nos contatos mais íntimos. Qualquer céluTENHO CÂNCER. E AGORA? 11 la maligna que penetrasse em outro corpo seria rapidamente destruída pelo Sistema Imunológico desse organismo. Todo câncer é formado por células que, ao sofrerem modificações em seu material genético, passam a apresentar crescimento e multiplicação desordenados. Essas células deixam de responder aos mecanismos de controle do organismo, duplicando-se continuamente para criar os tumores. Algumas células malignas adquirem a capacidade de migrar e se desenvolver em outros órgãos, na maioria das vezes, distantes do seu local de origem. Esse último processo dá origem às metástases, um importante obstáculo ao controle do câncer. 13 12 TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 2 14 as causas do câncer Por quê? Para essa pergunta tão comum diante do diagnóstico de um câncer, já começam a surgir algumas respostas esclarecedoras. Inúmeros fatores estão ligados ao desenvolvimento dessa doença, na maior parte das vezes, identificados no meio ambiente. Fatores ambientais Agente carcinogênico é todo o causador de modificações no DNA de uma célula capaz de levá-la a uma proliferação desordenada, dando origem ao câncer. São agentes cancerígenos: produtos químicos, radiações e microrganismos. Um exemplo de agente cancerígeno do tipo radiação é a luz solar que, com seus raios ultravioleta, é responsável pela grande maioria dos cânceres de pele. Agentes cancerígenos químicos são encontrados no fumo, que representa o maior risco conhecido ao desenvolvimento de doenças malignas no ser humano. Acredita-se que um terço dos tumores malignos seja causado pelo hábito de fumar, reconhecendo-se, hoje, mais de 400 substâncias carcinogênicas na fumaça do cigarro. Outras substâncias químicas têm sido responsabilizadas pelo desenvolvimento de doenças malignas, boa parte delas após exposições prolongadas no ambiente de trabalho. Asbesto, na indústria naval e de construção civil, aminas aromáticas, presentes na manufatura de tinturas; e benzeno, da indústria química, são alguns desses carcinógenos. TENHO CÂNCER. E AGORA? Microrganismos como o Papiloma vírus (causador da verruga genital) e o Vírus Epstein-Baar (agente responsável pela mononucleose infecciosa) têm a capacidade de promover alterações no DNA das células que infectam, favorecendo sua malignização. O vírus da AIDS (HIV) causa um comprometimento do Sistema Imunológico que pode favorecer o crescimento de doenças malignas dentro do organismo por ele infectado. Embora esse vírus não cause diretamente o câncer, cria condições ideais para o seu desenvolvimento dentro de um organismo debilitado. Estima-se que até 70% dos casos de câncer podem ser evitados simplesmente impedindo-se a exposição aos fatores de risco ambientais. A eliminação do hábito de fumar, modificações na dieta, com maior consumo de frutas, verduras, legumes e cereais, a prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e o controle na exposição a agentes químicos, radiações ionizantes e raios ultravioleta são medidas práticas que contribuem para a redução máxima do risco de desenvolver um câncer. Aspectos psicológicos Certas características da personalidade do paciente e o seu próprio estado emocional são freqüentemente apontados como possíveis causas para o desenvolvimento do seu câncer. Nenhum trabalho científico, entretanto, conseguiu relacionar aspectos da personalidade, ou mesmo o estado depressivo, à formação de tumores. Muitas vezes, dando crédito a essas possíveis contribuições psicológicas, o paciente acaba culpando-se pelo surgimento de sua própria doença, o que gera um sofrimento adicional desnecessário. TENHO CÂNCER. E AGORA? 15 16 Herança genética Todas as nossas características físicas são determinadas pelas informações genéticas, armazenadas em moléculas de DNA, que herdamos de nossos pais. Detalhes como altura, cor dos olhos, aptidões artísticas, matemáticas e esportivas, resistência às infecções, tendência à obesidade e às doenças cardiovasculares são determinados por essa herança, em grau variado. A programação codificada dentro dos genes vai sendo cumprida de acordo com as condições que o organismo encontra no meio ambiente. Isto é, se há alimento disponível, o organismo pode crescer; havendo treinamento físico, um atleta pode se desenvolver; com os estímulos adequados, um artista pode criar. Para as doenças, isso também é verdade. Toda doença surge da interação do organismo com o meio ambiente. Uma doença infecciosa não se desenvolve sem o agente invasor, mas sua evolução varia muito de acordo com a reação do organismo. O câncer não é diferente. Cada pessoa apresenta uma sensibilidade própria aos diversos agentes causadores do câncer, definida pelo seu patrimônio genético. Enquanto, em certos indivíduos, quantidades mínimas de uma substância química promovem o desenvolvimento de um determinado tumor maligno, em outros, isso só ocorre com doses muito elevadas. Tais características, geneticamente determinadas, são comuns aos indivíduos de uma mesma família. Assim, da mesma forma que o membro de uma família de obesos com doenças cardíacas tem maiores chances de apresentar um infarto do miocárdio, principalmente se também for gordo, uma mulher com mãe, tias e irmãs portadoras do câncer de mama é TENHO CÂNCER. E AGORA? forte candidata a apresentar essa mesma doença. Algumas vezes, a participação das características genéticas é tão marcante no desenvolvimento de uma doença que passamos a chamá-la hereditária. Nessa situação, a enfermidade se manifesta quase que independentemente das condições ambientais. Só muito raramente, o câncer se apresenta com um componente hereditário realmente importante, com algumas poucas famílias carregando genes que predispõem ao desenvolvimento de tumores malignos. Do ponto de vista prático, as doenças malignas devem ser entendidas como resultantes da exposição do organismo a agentes cancerígenos que criam condições para o desenvolvimento do câncer. A sensibilidade individual determina o maior ou menor risco da pessoa a ser afetada. É claro que a existência de casos familiares deve ser sempre pesquisada quando se estabelece um programa individual de prevenção e diagnóstico precoce. Entretanto, os aspectos hereditários do câncer não devem ser motivo de preocupação imediata no momento em que se enfrenta o diagnóstico de câncer em algum parente próximo. O fator tempo Um longo tempo transcorre desde a formação da primeira célula maligna até o diagnóstico do câncer. Na maioria das vezes, esse tempo é medido em anos ou mesmo décadas, mas ele pode variar de acordo com a velocidade com que a célula tumoral se multiplica. Dessa forma, enquanto um câncer de pulmão tem origem no crescimento de células malignas formadas em décadas anteriores ao seu diagnóstico, uma leucemia desenvolve-se em meses. Esse longo período, geralmente necessário para o TENHO CÂNCER. E AGORA? 17 18 desenvolvimento do câncer, cria dificuldades para a determinação de suas causas. Os elementos responsáveis pela formação de uma doença maligna precisam ser pesquisados no passado do paciente. Eventos recentes, como acidentes e infecções, costumam apenas chamar a atenção do paciente e de seu médico para a doença já instalada, não interferindo de forma significativa em o seu curso. O fator tempo é também importante no desfecho do tratamento. Os melhores resultados costumam ser obtidos nos casos diagnosticados precocemente, o que justifica os esforços empreendidos para surpreender o câncer nos seus estágios iniciais. Essa também é uma boa razão para não se retardar o início do tratamento, quando já se tem o diagnóstico nas mãos. Todo câncer surge pela combinação de fatores ambientais com predisposições genéticas. Estímulos externos, químicos, físicos ou biológicos (os chamados agentes cancerígenos), ao determinar modificações no material genético de uma célula, tornam-se responsáveis pela sua malignização. A sensibilidade pessoal a esses agentes surge como um fator adicional na formação do câncer. Devido ao longo tempo necessário para o desenvolvimento de uma doença maligna, suas causas só podem ser encontradas no passado de cada paciente. O diagnóstico precoce do câncer costuma aumentar as chances de cura e pode possibilitar a realização de tratamentos mais eficazes. TENHO CÂNCER. E AGORA? 19 TENHO CÂNCER. E AGORA? 3 20 o diagnóstico A suspeita sobre a existência de uma doença maligna pode surgir de várias maneiras. Freqüentemente, o paciente percebe o crescimento anormal de uma parte de seu corpo. Outras vezes, perda de peso, cansaço e palidez levam-no ao médico. Um sangramento inesperado na urina ou nas fezes também pode ser o primeiro aviso de que algo não está bem. Esses exemplos não foram escolhidos ao acaso; na verdade, são os sintomas que mais comumente levam ao diagnóstico do câncer. Qualquer que seja a doença, o médico começa sua investigação orientado por sintomas relatados e sinais reconhecidos no exame clínico. Na busca de um diagnóstico, passa a utilizar diferentes recursos tecnológicos: radiografias, ultras-sonografias, exames laboratoriais etc. Nos casos de câncer, sua confirmação quase sempre exige a retirada, para análise, de uma pequena amostra de tecido do órgão sob suspeita. Esse procedimento recebe o nome de biópsia, sendo geralmente realizado por meio de uma pequena cirurgia. O passo seguinte é o estudo microscópico do material recolhido. Nessa fase, um médico patologista tentará reconhecer suas células originais e a natureza do processo, isto é, definir se há uma doença maligna em curso e de qual tipo. Como veremos mais adiante, uma célula maligna se caracteriza pela capacidade de crescimento e multiplicação TENHO CÂNCER. E AGORA? desordenada. Além disso, essas células suspendem seu amadurecimento normal, mantendo-se com um aspecto jovem, que se costuma chamar indiferenciado. Assim, o patologista é capaz de identificar o câncer pela presença de grupos de células com características jovens e sinais de intensa multiplicação. Algumas vezes, o aspecto das células apresenta-se tão modificado que torna o trabalho do patologista extremamente difícil. Para auxiliá-lo no reconhecimento da origem dessas células, ele conta com diversos recursos laboratoriais adicionais que aumentam a exatidão do diagnóstico. A palavra tumor é freqüentemente empregada como sinônimo de doença maligna, mas, na verdade, significa qualquer crescimento anormal de uma parte do corpo. Processos exclusivamente inflamatórios, infecciosos, ou mesmo crescimentos celulares benignos podem ser assim chamados. Somente após uma análise minuciosa do tumor é possível reconhecer a natureza do processo. Sob a denominação de câncer agrupam-se mais de 200 doenças diferentes, com comportamentos biológicos distintos. Daí a importância de um diagnóstico microscópico preciso. Confirmadas as suspeitas sobre a malignidade da doença, entra em cena um novo especialista. A partir desse momento, o oncologista clínico, médico com profundo conhecimento sobre as doenças malignas, sua evolução natural e os possíveis tratamentos, começa a participar de todas as decisões relevantes. CLASSIFICAÇÃO As doenças malignas são comumente divididas em neoplasias hematológicas e tumores sólidos. TENHO CÂNCER. E AGORA? 21 Neoplasias hematológicas São doenças malignas com origem em células do sangue. Nesse grupo de doenças, encontram-se as leucemias agudas e crônicas, os linfomas, o mieloma, a doença de Hodgkin e algumas outras mais raras. Essas doenças, já em sua apresentação inicial, não costumam estar restritas a uma única região do corpo, manifestando-se em várias áreas do organismo sem respeitar barreiras anatômicas. O sangue, a medula óssea e os gânglios linfáticos, além do baço e do fígado, são os órgãos mais freqüentemente envolvidos nesse processo. O comportamento biológico desse grupo de doenças é caracterizado por uma rápida evolução, quando não tratadas, e por uma grande sensibilidade às diferentes formas de tratamento. 22 Tumores sólidos Os diversos tumores sólidos, que respondem em conjunto por quase 90% dos casos diagnosticados de câncer, têm um comportamento biológico semelhante. Originando-se de um determinado órgão, as células malignas crescem em seu interior, migram para os gânglios linfáticos, podem se estender para órgãos vizinhos e, com alguma freqüência, criam implantes (metástases) em regiões distantes do tumor de origem. Essa forma de evolução dos tumores sólidos fundamenta os esforços para se diagnosticar precocemente todo câncer. Por meio de exames e testes periódicos, busca-se reconhecer a doença em sua fase inicial, tentando evitar, com o tratamento precoce, a disseminação das células malignas pelo corpo. Os tumores sólidos podem ser divididos em dois granTENHO CÂNCER. E AGORA? des grupos: carcinomas e sarcomas, termos empregados com freqüência pelos profissionais envolvidos no tratamento do câncer, merecendo, por isso, ser conhecidos. Carcinomas são doenças malignas com origem em tecidos epiteliais, isto é, com função de revestimento ou que formam glândulas. Dessa forma, sempre que estivermos diante de um tumor que se iniciou numa célula de revestimento (por exemplo: pele, mucosa das vias aéreas e mucosa do tubo digestivo) ou numa glândula (por exemplo: tireóide, mama e próstata), ele receberá o nome de carcinoma. Já os sarcomas são definidos por sua origem embriológica, ou seja, classificados de acordo com a formação do órgão durante a fase de embrião. Nos estágios iniciais do desenvolvimento do embrião, ocorre uma diferenciação bastante importante de suas células que se dispõem em camadas. As diferentes camadas do embrião evoluem para formar os diversos tecidos e órgãos do corpo. A camada intermediária, que recebe o nome de mesoderme, dá origem aos ossos, músculos, gordura, tendões, vasos sanguíneos e diversos outros tecidos. Como regra, os tumores formados por células com origem na mesoderme, que não apresentam função epitelial, são chamados de sarcomas. Completam ainda a lista dos tumores sólidos: os melanomas, formados por células pigmentadas da pele; os tumores de células germinativas, com origem nas células reprodutoras, presentes nos testículos e ovários; e os tumores do Sistema Nervoso. ESTADIAMENTO Com o diagnóstico em mãos, inicia-se uma nova fase de exames para que se avalie a extensão da doença. Esse processo recebe o nome de “estadiamento”, sendo comum a reaTENHO CÂNCER. E AGORA? 23 24 lização de radiografias, tomografias, ressonância nuclear magnética, ultras-sonografias, mapeamento radioisotópico etc. Nos casos de neoplasias hematológicas, o estudo da medula óssea tem especial importância. A medula óssea se distribui pelo interior dos ossos do corpo. Concentrando-se nos ossos da bacia, nos corpos vertebrais, em ossos achatados e em alguns ossos longos, é responsável pela produção de todas as células do sangue. Nas neoplasias hematológicas, é fundamental identificar-se a extensão da doença para o interior da medula óssea. A biópsia de medula óssea e o mielograma são os exames mais freqüentemente empregados. Tumores sólidos são geralmente classificados de acordo com seu tamanho, sua profundidade no interior do órgão, envolvimento dos gânglios linfáticos e sua eventual extensão para órgãos vizinhos ou distantes. A necessidade de informações tão detalhadas faz com que o estadiamento se complete após a cirurgia. Na verdade, a presença de metástases em órgãos distantes é o elemento de maior importância no estadiamento de um tumor sólido, caracterizando as doenças em fases mais avançadas. Essas informações orientam o oncologista sobre a melhor estratégia de tratamento e as chances de cura de cada paciente. ta um obstáculo adicional à comunicação entre um médico e seu paciente. A leitura de livros como este permite aumentar a compreensão do que acontece em nosso corpo. Entretanto, informações genéricas não devem substituir o médico como fonte de informação. Todas as dúvidas sobre diagnóstico e tratamento devem ser sempre esclarecidas com a equipe médica responsável. As dificuldades iniciais em compreender as explicações não devem inibir pacientes e familiares para buscarem maior participação. 25 A IMPORTÂNCIA DO DIÁLOGO Poucas situações criam tanta ansiedade como a de receber a notícia de que se está com câncer. Esse trauma emocional torna ainda mais difícil o entendimento da situação que o médico passa a descrever. O vocabulário médico, repleto de nomes que não fazem parte do repertório das pessoas em geral, represenTENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? centivados a tomar parte ativa nas decisões sobre a sua saúde. 4 26 a escolha do oncologista Para tratar o câncer adequadamente, é fundamental que o médico tenha especialização em oncologia. Portanto, após o diagnóstico, a sua prioridade é escolher um oncologista e optar pelo melhor tratamento. Ao contrário do que se imagina, você não deve simplesmente submeter-se a médicos e tratamentos. Você, paciente com câncer, é um consumidor prestes a contratar um “serviço”, talvez o mais importante da sua vida. Você deve escolher o médico oncologista que lhe inspire confiança, empatia, que tenha disponibilidade de tempo e boa comunicação com você. Não se apresse em tomar decisões. Os poucos dias de que você precisa para ouvir uma segunda, terceira ou quarta opinião médica não terão o menor impacto no resultado do seu tratamento. Mas são fundamentais para você. Você precisa de tempo para refletir sobre as opções de tratamento que forem sugeridas e escolher o oncologista com quem mais se identificar. Não se esqueça de que o oncologista será o seu maior aliado na luta contra o câncer. Escolha-o com cuidado. Tomar consciência dessa postura faz parte de um aprendizado difícil para muitas pessoas. Até pouco tempo, os pacientes tinham um papel passivo e eram encorajados a aceitar ordens médicas, sem muitos questionamentos. Felizmente, isso está mudando e, atualmente, os pacientes são in- TENHO CÂNCER. E AGORA? “O meu relacionamento com o meu médico é de confiança mútua. Acredito piamente que esse é um fator muito importante para minha recuperação.” WILSON T., 57 ANOS, DIAGNOSTICADO DE CÂNCER DE PRÓSTATA EM 2002. Segunda opinião Embora, atualmente, seja praticamente rotina ouvir uma segunda opinião, ainda há pessoas que acham que o médico pode ficar melindrado. Buscar uma segunda opinião, antes de tomar uma decisão sobre as opções de tratamento, não significa que você está inseguro ou que tem dúvidas sobre o diagnóstico ou o tratamento. Por tratar-se de uma doença da magnitude do câncer, você deve ter o benefício de mais de uma opinião médica sobre o seu caso. Um bom médico não se sentirá ofendido. Ao contrário, vai apreciar a sua sinceridade. Peça ao seu próprio médico a indicação de um outro oncologista para você buscar a segunda opinião. Isso fará com que troquem idéias sobre a sua doença e aumentará a sua certeza sobre as decisões a serem tomadas. “Ouvir uma segunda opinião aumentou ainda mais a confiança que eu já tinha no meu médico.” JOÃO PAULO DE M. M., 60 ANOS, DIAGNOSTICADO DE CÂNCER DE RIM EM 2005. A COMUNICAÇÃO COM O SEU ONCOLOGISTA Uma comunicação fácil e aberta entre você e o seu oncologista é uma das facetas mais importantes durante o TENHO CÂNCER. E AGORA? 27 28 período de tratamento contra o câncer. Você quer ser bem informado e espera retorno quando solicita. Essas coisas nem sempre ocorrem voluntariamente. Você tem de fazer a sua parte. Leve sempre um amigo ou familiar às suas consultas. Não vá sozinho, pois estudos demonstram que somente pouco mais de 20% das informações médicas são registradas de forma acurada pelo paciente, principalmente nas primeiras consultas que seguem o diagnóstico. Existem inúmeros motivos para isso, como o seu estado de espírito e os termos médicos novos e complicados que precisam ser compreendidos. A sua capacidade de atenção está flutuante devido à raiva, ao medo e à ansiedade e a sua audição está seletiva, isto é, inconscientemente, você só ouve o que quer. Não confie somente na sua memória. Mantenha um caderno de anotações. Suas consultas serão muito mais proveitosas se você levar as suas perguntas por escrito e anotar as respostas do seu médico. Em caso de dúvida, você poderá consultá-las, evitando, assim, mal-entendidos e telefonemas posteriores. É comum o paciente ter vergonha da sua ignorância sobre assuntos que julga serem óbvios para o médico. Não tenha receio, você tem o direito de estar ignorante, afinal de contas, é a primeira vez que está com câncer. Por isso, não subestime suas dúvidas, esclareça todas elas. Lembre-se: trocar o conhecido pelo desconhecido é adquirir poder. TENHO CÂNCER. E AGORA? 29 TENHO CÂNCER. E AGORA? outros sentimentos exagerados e estará apto a participar inteiramente do programa de tratamento e reabilitação. 5 30 o câncer e as emoções Você deve ser o primeiro a receber a notícia do seu diagnóstico. Essa informação lhe pertence e, por mais dolorosa e inesperada que seja, é importante que você conheça a realidade para que possa compreender o seu estado de saúde e tomar decisões quanto aos tratamentos a serem adotados, saber quais os objetivos a serem alcançados e os resultados esperados. Ficar sabendo que está com câncer provoca uma série de emoções e sentimentos confusos, difíceis de compreender e de aceitar. A primeira reação ao diagnóstico é de choque e medo. Em seguida, surgem pensamentos como: “O que eu fiz para ter câncer?”. Depois, perguntas como: “Vou morrer?”, “Quanto tempo de vida me resta?”. Tente não entrar em pânico e lembre-se de que o câncer, apesar de ser uma doença importante, não é mais considerado necessariamente fatal e já existe tratamento para qualquer tipo dessa enfermidade. Para que você possa lidar de forma racional com os seus sentimentos e as suas dúvidas, é necessário fazer um esforço no sentido de distinguir entre as fantasias e as verdades sobre a sua doença. Essa distinção é extremamente importante para que você conheça, de maneira clara e precisa, a real situação que se apresenta. Por isso, uma comunicação franca com o seu médico é de fundamental importância. Somente assim você evitará medos, frustrações e TENHO CÂNCER. E AGORA? “Se a gente sabe o que está por vir, o nosso medo, a nossa ansiedade e, o mais importante, a nossa ignorância diminuem.” RENATO L. DE C., 48 ANOS, DIAGNOSTICADO DE MELANOMA CUTÂNEO EM 2003. Não há uma maneira padrão para enfrentar o câncer e as emoções, pois essa é uma questão individual. Cada um reage ao seu modo, mas, geralmente, a primeira reação de alguém que acaba de saber que está com câncer é a negação. Duvidar da veracidade do diagnóstico é muito comum e a aceitação da realidade pode levar semanas. Trata-se de um processo de defesa natural, e respeitar o tempo de adaptação de cada um é importante. Outra reação comum é a barganha. Essa é uma tentativa de negociacão. “Se eu for curado, nunca mais vou...” É pensar que, por ter um bom comportamento, estará livre de algo mais grave. Esse sentimento pode vir aliado à culpa por ações feitas no passado, como se a doença fosse um castigo de Deus. Outro sentimento comum é a raiva, expressa pela clássica pergunta: “Por que eu?”. Não há resposta para essa pergunta e você só vai parar de perguntar quando o seu questionamento for: “Com que propósito?”. A partir desse momento, a raiva poderá atuar como um caminho para a transformação ou como um sinal de que algo pode ser modificado. Isto é: “Como posso usar esta experiência para o meu benefício?”. Pode parecer difícil nesse momento falar em transformação, mas muitos pacientes relatam que o aparecimento TENHO CÂNCER. E AGORA? 31 do câncer em suas vidas foi uma oportunidade para reflexão, reavaliação de valores, de prioridades e também da fé. Diversos pacientes usaram a experiência do câncer como um ponto de mutação, substituindo vocações, relacionamentos sociais e hábitos de vida. “O câncer pode até ser uma experiência positiva se você tirar proveito dela. A vida continua depois do câncer – às vezes, até uma vida melhor.” CLAUDIA L., 50 ANOS, DIAGNOSTICADA DE CÂNCER COLORRETAL EM 2003. O estigma que a palavra câncer traz consigo é capaz de causar um grande choque entre os parentes. As incertezas e a falta de conhecimento sobre a doença podem deixar a família sob grande estresse, confusa e inábil para lidar com a nova situação, que, geralmente, provoca uma comunicação limitada entre os seus membros. “Meu cunhado está com câncer e a minha reação foi de correr e de me esconder. Eu não o visitei, pois acho que não tenho nada para falar nem oferecer.” MARCELA DE S., 45 ANOS, CUNHADA DE PACIENTE COM TUMOR CEREBRAL, 32 Combater o câncer é muito mais do que simplesmente extirpar um tumor, tratar uma malignidade com radioterapia ou injetar quimioterapia na veia. Além do tratamento, é preciso buscar recursos e forças internas para controlar as emoções e tentar conviver da melhor forma possível com a doença. Como nem todas as pessoas funcionam da mesma maneira, quando se trata de emoções, é importante lembrar que, em momentos difíceis como esse, uma terapia com psicólogo pode ajudar muito a aliviar sentimentos irracionais e a reunir e organizar suas forças. Muitos de nós cresceram acreditando que “resolver sozinho” significa maturidade e força, mas, em momentos de crise, é importante reconhecer que podemos precisar de ajuda. Procure ajuda. Você não precisa enfrentar tudo isso sozinho. A FAMÍLIA Câncer é uma doença familiar, não sob o ponto de vista genético, mas pelo impacto que provoca. Quando um membro da família é diagnosticado, todos os familiares são tocados. TENHO CÂNCER. E AGORA? DIAGNOSTICADO EM 2002. Em muitas famílias, poupar uns aos outros sobre o diagnóstico reflete apenas uma busca de proteção contra sentimentos dolorosos e a dificuldade de seus membros em lidar com o problema. Ao contrário do que se espera, com essas atitudes cada um dos familiares e o próprio paciente acabam sofrendo ainda mais, tendo de lidar sozinhos com suas próprias dores, incertezas e medos, sentimentos tão comuns entre pessoas que convivem com o câncer. Inúmeros estudos demonstram que famílias com comunicação franca conseguem manter sua unidade, promover uma qualidade de vida mais satisfatória para o paciente e aumentar sua capacidade de lidar com as situações de crise e se adequar a elas. Nem todas as famílias têm o hábito de uma comunicação aberta ou se sentem à vontade para compartilhar experiências e emoções. Crises são momentos difíceis para se adotar novos padrões familiares. Por isso, procurar ajuda externa pode ser de grande utilidade, embora seja uma atiTENHO CÂNCER. E AGORA? 33 tude difícil para algumas pessoas. O suporte emocional para o paciente com câncer e seus familiares já faz parte dos protocolos de atendimento dos maiores centros oncológicos do mundo. O câncer não é mais tratado como uma doença de um indivíduo, mas visto como um problema que envolve toda a sua família. Existem várias formas de se obter apoio emocional: aconselhamento ou terapia psicológica individuais, em grupos ou específicos para familiares; grupos de apoio formados por pessoas que passaram pela experiência do câncer etc. Para muitas pessoas, a religião pode ser uma fonte de força. “Poder trocar informações e experiências com outros que estão passando pelo mesmo problema que eu foi muito útil. Foi bom perceber que não estou sozinha.” XÊNIA F. B., 38 ANOS, MÃE DE PACIENTE COM LEUCEMIA, 34 DIAGNOSTICADO EM 2001. Muitas pessoas relatam dificuldades para lidar com o fato de um amigo estar com câncer: “Sobre o que falar? O que dizer?”. Alguns esperam do paciente um sinal ou “uma dica” de como se comportar e sobre o que falar. Ficam com dúvidas se sua companhia é realmente desejada. Gostariam de oferecer ajuda, mas não sabem como fazê-lo. Discutindo abertamente sobre seus sentimentos e necessidades, o paciente lhes dá diretrizes de como falar sobre a sua doença, permitindo que lhe façam companhia e ajudem na realização de tarefas. “Hoje não estou muito disposta, mas, se você trouxer o seu livro e ficar lendo ao meu lado, me fará muito bem.” ROBERTA A., 28 ANOS, DIAGNOSTICADA DE LEUCEMIA EM 2003. Para muitas pessoas, é muito difícil falar ou demonstrar sentimentos, mas essas mesmas pessoas sentem-se muito bem quando podem ajudar, dando provas de amizade. DEVE-SE OU NÃO CONTAR AOS AMIGOS? Geralmente, os amigos mais próximos do paciente, cedo ou tarde, percebem que algo de incomum está acontecendo. Como a palavra câncer não é mais necessariamente associada à morte, muitos pacientes preferem contar aos amigos o seu diagnóstico, dando a eles a oportunidade de oferecerem ou não o seu apoio. Acreditam que seja mais fácil compartilhar seus medos e suas esperanças do que escondê-los. “Só fique comigo. Tudo bem que você esteja também com medo ou não saiba o que dizer. Ninguém sabe. Sua companhia já me faz sentir bem.” “Seus filhos não viajaram em nenhum fim de semana desde que você ficou doente. Será que eles gostariam de que nós os levássemos à praia no próximo sábado? Meus filhos, certamente, vão adorar a companhia.” MANUEL R. G., 47 ANOS, AMIGO DE PACIENTE DIAGNOSTICADO DE CÂNCER DE PULMÃO EM 2005. Saber pedir e aceitar ajuda faz parte de um importante aprendizado. FERNANDO F. S., DIAGNOSTICADO DE LEUCEMIA, EM 1994, AOS 37 ANOS. TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 35 6 36 conversando com as crianças Conversar com uma criança a respeito de um familiar que está com câncer tem sido uma tarefa difícil para muitos pais. Por estarem tão preocupados e emocionalmente abalados, não se sentem aptos a falar com o filho e tampouco se sentem preparados para ajudá-lo a lidar com a notícia da doença. Por que contar? Seu filho tem o direito de saber a respeito de qualquer assunto que afete a família da qual ele faz parte. Quando a verdade lhe é omitida, ele poderá sentir-se isolado, excluído das questões familiares. As crianças têm suas “antenas ligadas” que “captam” o clima pesado do ambiente. Mesmo que nada lhes seja dito, elas percebem que algo não vai bem. Se não sabem do que se trata, só poderão contar com a sua própria imaginação para tentar explicar o que está acontecendo. Suas fantasias podem ser ainda piores do que a realidade. Ciente da verdade, seu filho terá a chance de lhe fazer perguntas sempre que surgirem dúvidas e poderá ser confortado quando sentir medo. Por mais que você queira, não há como protegê-lo contra tristezas, mas vocês podem compartilhar os momentos tristes apoiando-se mutuamente. Muitos pais se surpreendem ao verificar que a criança, não raras vezes, lida com a realidade com mais facilidade do que os adultos, que acabam sendo consolados por ela. TENHO CÂNCER. E AGORA? Quem deve contar? Quem, senão você, conhece tão bem as características individuais do seu filho? É em você que ele confia, é com você que ele sabe que poderá sempre contar. Se, no decorrer da conversa, você chorar, não se preocupe; assim, seu filho se sentirá à vontade para chorar também, se desejar. Não é preciso se fazer de forte; não adianta revelar a verdade e esconder seus sentimentos. Mas, se você sente que, nesse momento, não está mesmo em condições de ter uma boa conversa com o seu filho, deixe essa tarefa para algum parente ou amigo em quem você e seu filho confiem e de quem tenham uma relação próxima. Quando contar? Pode parecer mais conveniente deixar essa conversa para depois. Afinal, há tantas providências a serem tomadas, que, nesse momento, falar com a criança parece não ser tão importante. Procure resistir à tentação de protelar uma conversa franca e esclarecedora com o seu filho. Quanto antes ele souber o que está acontecendo, tanto melhor para todos. Logo após a diagnóstico, nem você sabe ainda o que virá pela frente. Conte o que você sabe, de forma objetiva, em uma linguagem que ele possa compreender. Como contar? Use uma linguagem simples e adequada, escolhendo palavras que já façam parte do vocabulário do seu filho. Respeite os sentimentos e as opiniões da criança; incentivá-la a expressar o que está pensando e sentindo é uma das melhores maneiras de ajudá-la a enfrentar e elaborar os TENHO CÂNCER. E AGORA? 37 38 assuntos difíceis da vida. Responda às suas perguntas, à medida que elas forem surgindo. Seja honesto com relação àquilo que você não sabe. Procure não distorcer a verdade, com a intenção de evitar perguntas difíceis ou embaraçosas. O mais importante não é “falar tudo” ou “ter todas as respostas”, e, sim, mostrar-se como uma pessoa em quem se pode confiar. Respostas falsas ou evasivas costumam desencorajar outras perguntas e podem levar a criança a imaginar algo muito pior do que a verdade. Demonstre atenção e interesse, agindo de modo que a criança perceba a existência de uma preocupação sincera com o seu bem-estar e uma disposição para ajudá-la de todas as formas possíveis. Transmitir-lhe sentimentos de amor, compreensão, aceitação e respeito é tão importante quanto as palavras empregadas na comunicação. Expressar uma atitude de confiança e esperança a respeito da doença e seus tratamentos ajuda a criança a desenvolver essa atitude em si mesma, além de fazê-la sentir-se mais segura e apoiada. uma idade talvez não retrate exatamente o grau de maturidade do seu filho, que poderá, muitas vezes, caber em mais de uma categoria. Além disso, nenhuma categoria consegue descrever satisfatoriamente uma criança. CONSIDERANDO A IDADE DA CRIANÇA De 3 a 7 anos Nesse período, a criança já é capaz de compreender o que é doença. Ela vê o mundo sob um único ponto de vista: o dela mesma – e pensa que o mundo gira à sua volta. Portanto, é muito importante que ela seja assegurada de que a doença não foi causada por algo que ela tenha feito, dito ou pensado. É preciso esclarecer que ela não é culpada pelo adoecimento de ninguém. Até os 5 anos de idade, a criança não tem noção de temporalidade. Quando for falar sobre um período de tempo, recorra a exemplos concretos. É importante verifi- O grau de maturidade da criança, sua idade e nível de compreensão são pontos fundamentais a serem considerados no momento de se decidir sobre a forma e a quantidade de informações que serão apresentadas a ela. Alguns aspectos do desenvolvimento infantil podem ser definidos por idade. Sabe-se, porém, que as crianças se desenvolvem em ritmos diferentes. Por isso, é preciso considerar essa definição apenas como um ponto de referência e fazer as adaptações necessárias a cada criança. É importante lembrar que a descrição apresentada para TENHO CÂNCER. E AGORA? Até 2 anos de idade A criança não é capaz de compreender uma doença como câncer. Ela está envolvida com suas próprias sensações e com sua habilidade de controlar e interagir com os acontecimentos que a cercam. Dessa forma, mesmo que ela não compreenda o significado exato das palavras, associará os acontecimentos a um sentimento de segurança, apoio e aceitação. Quando uma criança não fala e/ou não compreende bem a linguagem, o agarrar, o tocar, o abraçar, o chorar e o se aproximar são quase que os únicos meios de ligação e comunicação disponíveis. Por essa razão, é muito importante estar atento a esses comportamentos, para poder atendê-la nos momentos em que ela estiver precisando de mais apoio, atenção, carinho ou informação. TENHO CÂNCER. E AGORA? 39 car se a criança compreendeu a mensagem. Para isso, basta pedir a ela que repita a informação recebida. De 7 a 12 anos Nessa faixa etária, a criança ainda está limitada às suas próprias experiências, mas já é capaz de entender as relações entre situações. Assim, ela pode definir doença como uma combinação de sintomas. Nessa fase, a criança está menos propensa a associar a doença a algo que possa ter feito de errado. No entanto, é sempre aconselhável deixar isso claro durante as conversas. A explicação sobre o câncer já pode ser mais detalhada, devendo, sempre, incluir situações com as quais ela esteja familiarizada. 40 Mais de 12 anos A partir dessa idade, a criança já é capaz de entender a complexa relação entre os fatos. Seu entendimento não está mais limitado às suas experiências, sendo-lhe possível pensar sobre situações que ainda não tenha vivenciado e compreender a sua gravidade. Portanto, o câncer pode ser-lhe definido como uma doença em que algumas células do corpo multiplicam-se desordenadamente e mais rápido do que outras, comprometendo, dessa forma, o funcionamento normal do organismo, e que o objetivo do tratamento é destruir essas células e/ou impedir que continuem crescendo. Como manter a comunicação com o seu filho Para estabelecer uma boa comunicação e um bom relacionamento com a criança, sugerimos: ◗ Conversar várias vezes sobre os mesmos assuntos, TENHO CÂNCER. E AGORA? pois a repetição permite à criança o esclarecimento das dúvidas, mal-entendidos, fazendo com que ela se acostume, gradativamente, à realidade que tem de enfrentar. ◗ Brincar com seu filho é uma boa maneira de observar seus sentimentos. Desenhando, brincando com bonecos, fantoches etc., a criança poderá expressar seus medos e ansiedades, demonstrando que está precisando de mais apoio, atenção e carinho. ◗ Impor limites. Durante esse período, a criança poderá tentar desafiar os limites e as regras já estabelecidos em casa e na escola. Abrandar regras ou relaxar a disciplina poderão fazer com que a criança imagine que as coisas estão piores do que realmente estão. ◗ Procurar aceitar os sentimentos da criança, dizendo-lhe que é normal chorar, sentir tristeza, raiva e medo. Isso dará a ela a oportunidade de extravasar seus sentimentos. ◗ Encorajar a criança a falar abertamente sobre o que sente e pensa. As conversas em família são uma boa maneira de aliviar tensões e de ajudar toda a família a lidar melhor com as situações. Algumas vezes, a criança tem conhecimento de alguém que morreu de câncer. Como conseqüência, ela tem medo de perguntar se o membro da família que está doente vai sarar, pois teme a resposta. É importante que ela saiba que há diferentes tipos de câncer e que o que acontece a uma pessoa não precisa, necessariamente, acontecer a outra. Conviver com o câncer é viver na incerteza. Poderão surgir algumas questões para as quais você não terá resposTENHO CÂNCER. E AGORA? 41 tas. Converse com seu filho sobre isto também. Procure fazer com que ele compreenda que situações desconhecidas e mudanças em sua rotina talvez ocorram e que, juntos, saberão lidar com elas conforme forem acontecendo. Por outro lado, tente fazer, na medida do possível, com que a vida da criança transcorra normalmente. Manter suas atividades sociais, escolares etc. pode ajudá-la a entender que, apesar das adversidades, o mundo não pára. É importante lembrar que não é necessário ser um perito para falar com a criança sobre câncer. Caso ela faça uma pergunta cuja resposta você não conheça, diga que não sabe e convide-a para buscarem juntos o esclarecimento. 43 42 TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 7 44 tratamentos Há razões para otimismo. Durante a segunda metade do século passado, os avanços tecnológicos determinaram uma verdadeira revolução no tratamento do câncer, com a formação de um arsenal médico bastante eficiente. Cirurgia, quimioterapia e radioterapia representam as principais armas na luta contra as doenças malignas, e seu uso combinado tem proporcionado resultados excelentes. Uma cirurgia, por exemplo, passou a ser freqüentemente seguida por um tratamento quimioterápico ou pela administração de hormônios, enquanto a radioterapia pode complementar a retirada cirúrgica de um tumor ou reforçar a ação de uma série de aplicações quimioterápicas. Qualquer que seja a opção do médico, ela obedece a uma estratégia de tratamento baseada em estudos científicos, submetidos a análises estatísticas rigorosas. A experiência acumulada ao longo das últimas décadas no combate ao câncer é empregada para orientar todas as condutas médicas. Detalhes sobre o diagnóstico e as condições do paciente são levados em conta na escolha do melhor tratamento disponível em cada caso. Efeitos colaterais ou adversos são conseqüências indesejáveis de qualquer tratamento. É de conhecimento geral que tanto a radioterapia como a quimioterapia apresentam uma grande quantidade desses efeitos, exigindo que sejam empregadas com muito critério. Por isso, podemos afirmar que, no tratamento do câncer, nem sempre mais é melhor. TENHO CÂNCER. E AGORA? O desafio atual para todos os profissionais ligados à área oncológica consiste em encontrar a maneira mais eficaz de tratar a doença com o mínimo de agressões ao paciente. A diversidade de recursos disponíveis tem contribuído para esse intuito. Existem três propostas básicas de tratamento para os pacientes com câncer: A) TRATAMENTO CURATIVO — que visa à eliminação completa da doença. Para a maior parte das neoplasias hematológicas e de tumores sólidos em fases iniciais de desenvolvimento, o objetivo do tratamento é eliminar todas as células malignas do corpo. Para isso, os recursos terapêuticos são usados, muitas vezes, de forma combinada. B) TRATAMENTO PALIATIVO — busca o controle da doença e de seus sintomas pelo maior tempo possível. O tratamento paliativo de uma doença maligna proporciona melhora na qualidade e aumento do tempo de vida do paciente. C) MEDIDAS DE SUPORTE — que permitem ao organismo conviver com a doença. São todos os cuidados que visam à diminuição do sofrimento físico e das complicações da doença. Na verdade, as medidas de suporte fazem parte dos cuidados de qualquer paciente. Durante um tratamento curativo ou paliativo, são tomadas precauções ou administradas medicações com o objetivo de garantir o conforto do paciente. Um dos principais exemplos é o uso de analgésicos no combate à dor. Ao decidir por um tratamento, o médico considera os TENHO CÂNCER. E AGORA? 45 riscos envolvidos e seus possíveis benefícios. Havendo possibilidade de cura, é comum submeter o paciente a tratamentos mais agressivos, com maiores chances de sucesso. Mesmo nos casos em que a doença só pode ser parcialmente controlada, é razoável exigir do paciente que tolere algum desconforto temporário em função de um tratamento eficaz. 47 46 TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 8 48 cirurgia oncológica A mais antiga das formas de tratamento do câncer ainda ocupa uma posição de destaque no controle dessa doença. A era moderna das cirurgias para tratamento de tumores teve início nos Estados Unidos, no século XIX, com a retirada de volumosos tumores ovarianos, antes mesmo do desenvolvimento da anestesia (1846) e da implantação das medidas de assepsia na rotina cirúrgica (1867). Ao longo desse período, a cirurgia conseguiu aumentar ainda mais seu prestígio como recurso terapêutico, devido ao desenvolvimento de técnicas operatórias cada vez mais precisas e seguras e ao melhor entendimento do padrão de disseminação das doenças malignas. A cirurgia se impõe já na fase do diagnóstico. Por meio desse procedimento são obtidas amostras do tecido suspeito para análise laboratorial. Entretanto, é no controle local dos tumores que a cirurgia assume seu mais importante papel. Uma cirurgia oncológica definitiva visa à remoção mecânica de todas as células malignas presentes no câncer primário. Para isso, é necessário que o cirurgião retire não apenas o tumor aparente, mas também uma boa quantidade de tecido ao redor, o que se convencionou chamar de “margem de segurança”. Dada a capacidade invasora do câncer, a retirada de tecidos aparentemente saudáveis ao redor do tumor diminui a chance de pedaços microscópicos permanecerem no organismo. Os gânglios linfáticos que recebem a drenagem TENHO CÂNCER. E AGORA? da região onde se encontra o tumor costumam ser removidos também, para aumentar a eficácia dessa “limpeza”. Além disso, o exame microscópico dos gânglios retirados completa o diagnóstico sobre a extensão da doença. Na cirurgia do câncer mamário, por exemplo, boa parte ou mesmo toda a mama doente é retirada, juntamente com os gânglios axilares do mesmo lado. Esse procedimento torna possível eliminar por completo o tumor, aumentando as chances de cura. É claro que abordagens tão agressivas podem não ser isentas de seqüelas. Muitas vezes, a perda parcial ou até completa da função de um órgão é o preço a ser pago pelo sucesso de uma cirurgia. Nesse contexto, torna-se extremamente importante um bom conhecimento prévio sobre a extensão da doença no organismo, o que permite ao cirurgião esclarecer o paciente, antes do ato operatório, sobre os objetivos do tratamento e os limites de sua atuação. Retiradas apenas parciais de tumores são indicadas em alguns casos, não só visando ao diagnóstico, mas também para reduzir sintomas ou evitar possíveis complicações causadas pela presença do tumor. Em fases mais tardias do tratamento, a cirurgia pode assumir um importante papel na reabilitação. TRATAMENTOS COMPLEMENTARES Obtido o controle local por meio da cirurgia, é o momento de se considerarem os possíveis benefícios de um tratamento complementar com radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia, imunoterapia ou uso de modificadores da resposta biológica. TENHO CÂNCER. E AGORA? 49 9 50 quimioterapia A guerra química foi responsável pela descoberta do primeiro agente quimioterápico para uso clínico, o que permitiu uma verdadeira revolução no tratamento de tumores malignos. Estudando-se a conseqüência da exposição de soldados ao gás mostarda, durante a I Guerra Mundial, foi possível obter as primeiras pistas que levaram ao desenvolvimento da Mostarda Nitrogenada. Esse agente quimioterápico representou um marco na medicina moderna. A partir de então, por meio de pesquisas laboratoriais sistemáticas e de observações clínicas cuidadosas, foram desenvolvidas dezenas de diferentes drogas com ação anticâncer. Hoje, encontram-se disponíveis no mercado mais de 70 agentes quimioterápicos diversos. Quimioterápicos são drogas que, ingeridas ou injetadas em veias, músculos ou sob a pele do paciente, causam danos às células tumorais. Distribuindo-se para todas as partes do corpo, não encontram obstáculo anatômico à sua ação. Dessa forma, enquanto a cirurgia e a radioterapia se limitam a eliminar as células malignas de uma área restrita, a quimioterapia tem a capacidade de alcançá-las onde quer que estejam. O único limite a essa ação sistêmica é determinado pelas barreiras à penetração das drogas no Sistema Nervoso Central, isto é, cérebro, meninges etc. Sendo assim, quando se torna necessário destruir células nessa parte do corpo, emprega-se a administração direta da droga no líqui- TENHO CÂNCER. E AGORA? do cefalorraquidiano (liquor). Ao contrário de um antibiótico, que age sobre processos metabólicos quase sempre exclusivos das bactérias, os agentes quimioterápicos bloqueiam reações comuns ao tumor e aos tecidos sadios. Por isso, efeitos colaterais ocorrem com bastante freqüência durante esse tipo de tratamento. Os quimioterápicos podem atuar em diversas etapas do metabolismo celular. Geralmente, interferem na síntese ou na transcrição do Ácido Desoxirribonucleico (DNA) ou diretamente na produção de proteínas, agredindo principalmente as células em divisão. Por estarem constantemente se multiplicando, as células malignas se tornam um alvo fácil para essas drogas. Seus efeitos tóxicos também decorrem dessa particularidade. Durante o tratamento, são os tecidos do corpo com maiores índices de renovação celular, como o sangue e as mucosas, que acabam, também, sendo agredidos pela medicação. Alguns efeitos colaterais comuns da quimioterapia são: náuseas, queda de cabelo, diminuição da disposição física, maior susceptibilidade às infecções, sangramentos espontâneos, inflamação na mucosa da boca e diarréia. De muita importância para a maioria dos pacientes é a queda dos cabelos; um processo absolutamente reversível, que começa a ocorrer de duas a três semanas após o início das aplicações de quimioterapia. A queda dos cabelos decorre da ação das drogas sobre suas raízes e varia de acordo com os medicamentos utilizados. Após o término do tratamento, suspensa a agressão, os cabelos voltam a crescer em um ritmo próximo ao normal. Grandes responsáveis pelo estigma que sempre envolveu a quimioterapia, as náuseas e os vômitos foram efeitos colaterais comuns em décadas passadas. Entretanto, TENHO CÂNCER. E AGORA? 51 52 nos anos 1990, algumas conquistas da indústria farmacêutica possibilitaram praticamente eliminar essas reações do dia-a-dia dos pacientes. Novos medicamentos contra náuseas e vômitos (antieméticos), ajustes nas doses ou mesmo novas combinações desses medicamentos vêm permitindo ampliar a tolerância à quimioterapia. Cada medicamento pode determinar diferentes efeitos colaterais, com uma intensidade que, na maioria das vezes, varia de acordo com a dose administrada. As náuseas e os vômitos, quando ocorrem, são imediatos. Porém, a maior parte dos efeitos colaterais mencionados só será notada algum tempo após a aplicação do quimioterápico, no momento em que a reparação dos tecidos danificados do corpo se tornar necessária e as células sadias não puderem se duplicar. Por exemplo: os glóbulos brancos, ou leucócitos, esgotam-se, em média, dez dias após a administração da quimioterapia, tornando o organismo mais vulnerável a infecções nessa fase. Da mesma forma, aftas e diarréia, decorrentes do comprometimento das mucosas, podem surgir na semana seguinte às aplicações. Em função desses efeitos tóxicos, durante um tratamento quimioterápico é necessário aguardar a recuperação do organismo para uma nova aplicação. Sendo assim, o plano de tratamento prevê intervalos adequados para a reabilitação dos tecidos sadios, tendo-se o cuidado para que o espaçamento das doses não seja excessivo, a ponto de permitir a recuperação das células malignas. Na maioria das vezes, os quimioterápicos são usados de forma combinada, o que aumenta sua eficácia, enquanto mantêm a toxicidade do tratamento em níveis aceitáveis. A administração conjunta de diferentes drogas, que agem em etapas distintas do ciclo celular, impede o desenvolvimento de céluTENHO CÂNCER. E AGORA? las malignas resistentes aos próprios medicamentos, aumentando as chances de uma destruição completa do câncer. Protocolo Sempre baseado nas análises estatísticas de estudos rigorosamente controlados, o oncologista escolhe o tratamento com maiores chances de sucesso para cada caso. A combinação das drogas, suas doses e todo o esquema de administração formam um protocolo. Trata-se de um guia para o tratamento que será adaptado à realidade de cada paciente. Durante o tratamento, ajustes de doses e mudanças nas datas de aplicação ocorrem com certa freqüência, o que não deve se tornar motivo de ansiedade para o paciente. A quimioterapia, como modalidade de tratamento, pode ser empregada em três condições distintas: como terapia principal, de forma adjuvante e neo-adjuvante. Terapia principal A quimioterapia é indicada como tratamento principal, isto é, como a base de toda a proposta de tratamento, para a maior parte das neoplasias hematológicas e diversos tumores sólidos. O objetivo pode ser a cura ou o controle da doença. Seguindo um protocolo de tratamento com diferentes drogas, o médico busca eliminar qualquer vestígio da doença de seu organismo (remissão). Obter a remissão é o primeiro passo para a cura. Quimioterapia adjuvante Mesmo após um tratamento local aparentemente completo, células malignas podem permanecer espalhadas pelo corpo, formando agrupamentos celulares microscópicos. Impossíveis de serem identificadas por qualquer método de TENHO CÂNCER. E AGORA? 53 54 imagem, as micrometástases têm capacidade de gerar novos tumores, determinando a recidiva da doença. A quimioterapia aplicada imediatamente após a remoção cirúrgica do tumor primário recebe o nome de quimioterapia adjuvante e apresenta grande eficácia na destruição dessas metástases microscópicas, aproximando ainda mais o paciente da cura. A quimioterapia adjuvante é escolhida tendo por base todas as informações obtidas durante a cirurgia e após o estudo microscópico do material colhido. Esses achados indicam a probabilidade de ocorrer uma recidiva da doença e orientam o oncologista quanto à necessidade de um tratamento complementar. No tratamento adjuvante, não há sinais clínicos ou laboratoriais da doença. Na verdade, uma boa parte dos pacientes que inicia a quimioterapia adjuvante já está livre da doença antes mesmo de começar a receber a medicação. Ocorre, entretanto, que não há meios para se afirmar isso com segurança. O fato de se estar tratando algumas pessoas já curadas faz com que os protocolos de quimioterapia adjuvante sejam necessariamente seguros e bem tolerados. Quimioterapia neo-adjuvante Quando o tratamento quimioterápico precede a cirurgia, é chamado de neo-adjuvante. Nesses casos, a idéia é reduzir o tumor para permitir um melhor resultado cirúrgico, ao mesmo tempo em que se avalia a sensibilidade do tumor às drogas. Quimioterapia regional No tratamento quimioterápico regional, o objetivo é o TENHO CÂNCER. E AGORA? controle local da doença. Injeção na artéria hepática para tratamento de tumores do fígado e aplicação de drogas dentro da bexiga, como complemento à retirada de um tumor nesse órgão, são alguns exemplos dessa modalidade de tratamento. Apesar de não poder contar com a atividade sistêmica do quimioterápico, o paciente se beneficia pela grande ação local e menor intensidade de efeitos colaterais. Tratamento combinado Os tratamentos combinados, em que a ação de duas modalidades de tratamento se somam para uma maior efetividade, tornam-se mais comuns a cada dia. Na aplicação de quimioterápicos simultaneamente à radioterapia, por exemplo, obtêm-se melhores resultados locais, com alguma ação no resto do corpo. 55 ADMINISTRANDO UMA NOVA REALIDADE Seja qual for o tratamento em curso, a aplicação de drogas quimioterápicas cria uma condição de fragilidade para o paciente. Cuidados com a higiene pessoal, respeito aos novos limites do corpo e atenção aos possíveis sinais e sintomas de complicações infecciosas devem ser incorporados ao dia-a-dia de todo paciente. Quimioterapia é uma forma de tratamento baseada na administração de substâncias químicas no organismo do paciente. Esses medicamentos atuam na célula maligna principalmente durante sua divisão, interferindo na duplicação do DNA ou na produção de proteínas. Tais efeitos, acentuados nos tecidos com alto grau de renovação, determinam sua grande toxicidade. A ação dos quimioterápicos se estende para todas as TENHO CÂNCER. E AGORA? partes do corpo, sem obedecer a limites anatômicos – exceção feita ao Sistema Nervoso. Os quimioterápicos, utilizados de forma combinada ou isolados, são administrados de acordo com um calendário. Intervalos de tempo, que permitam a recuperação do organismo, separam as aplicações. 57 56 TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? FORMAS DE TRATAMENTO 10 58 radioterapia Em 1985, Wilhelm C. Röentgen, físico alemão, descobriu uma nova forma de energia capaz de sensibilizar filmes fotográficos protegidos da ação da luz. Batizada de Raios X, essa energia rapidamente transformou-se em ferramenta para diagnósticos na medicina. Os primeiros experimentos para demonstrar a ação biológica da radioatividade ocorreram ainda no século passado. Nomes como Pierre e Marie Curie fazem parte dessa história. Pela sua capacidade de destruir células malignas, a radioterapia representa hoje uma importante arma no combate ao câncer. O princípio dessa ação é semelhante ao da quimioterapia: interferindo nas moléculas de DNA, os raios ionizantes bloqueiam a divisão celular ou determinam sua destruição na tentativa de realizar a divisão. Por isso, sua ação é maior sobre células em processo de multiplicação. A ação da radioterapia está restrita à área tratada, constituindo-se, como a cirurgia, em um tratamento com caráter local e regional. Seus efeitos tóxicos são também localmente limitados. Assim, não há risco de lesão aos órgãos fora do campo de irradiação. Irritações ou leves queimaduras na pele, inflamações das mucosas, queda de cabelo nas áreas irradiadas e diminuição na quantidade de células do sangue são os efeitos colaterais mais freqüentes, variando sua intensidade de acordo com as doses utilizadas e as regiões tratadas. TENHO CÂNCER. E AGORA? A radioterapia pode ser empregada com o objetivo de eliminar totalmente o câncer, visando à cura do paciente, ou diminuir os sintomas da doença para evitar as possíveis complicações decorrentes da presença e do crescimento do tumor. Para alcançar esses objetivos, a radioterapia pode ser combinada à cirurgia e à quimioterapia ou mesmo empregada como recurso isolado. Duas formas de irradiação são utilizadas na prática clínica: a Teleterapia e a Braquiterapia. Teleterapia É a irradiação feita à distância da área tratada, podendo-se definir com clareza os limites desse tratamento. Nessa forma de radioterapia, os efeitos tóxicos aos órgãos saudáveis são evitados ou minimizados por meio de proteções especiais, pelo fracionamento das doses (aplicações diárias ao longo de semanas) e pela administração dos raios através de diversos ângulos (campos de irradiação). Optando-se pelo tratamento com radioterapia, o seu planejamento normalmente inicia-se com a simulação. Simulação Nessa fase, são reproduzidas as condições de tratamento. Define-se a posição que o paciente irá adotar durante as futuras aplicações e, utilizando-se raios X, visualiza-se a área a ser irradiada. O posicionamento preciso é definido nessa fase, o que pode exigir o desenvolvimento de suportes e apoios que garantam que o paciente permaneça exatamente na mesma posição em todas as sessões. As áreas pelas quais os raios ionizantes vão penetrar no TENHO CÂNCER. E AGORA? 59 organismo são chamadas de campos de irradiação, sendo marcadas na pele para orientar as futuras aplicações e garantir a reprodutibilidade de forma precisa. 60 Planejamento A fase de planejamento é desenvolvida com os dados obtidos durante a simulação. Nessa etapa, todos os cálculos de dose – dose total, distribuição, período de administração – são realizados. Participam dessa etapa o médico, o físico e o dosimetrista. As aplicações são geralmente realizadas de segunda a sexta-feira, reservando-se os fins de semana para a recuperação dos tecidos saudáveis. A distribuição da dose total ao longo de semanas permite uma maior tolerância do organismo à irradiação. Durante todo o tratamento, o paciente recebe o acompanhamento do médico radioncologista, que avaliará a tolerância de seu organismo. Efeitos tóxicos acentuados podem determinar a suspensão temporária ou permanente das irradiações. Esses têm sido pouco freqüentes nos dias atuais. Nos últimos anos, a ampla informatização do setor vem possibilitando maior exatidão na aplicação das irradiações. Planejamentos computadorizados, baseados em imagens radiológicas precisas, garantem absoluto rigor na administração dos raios, determinando melhores resultados, com mínimos efeitos colaterais. Essas novas modalidades são chamadas de radioterapia conformada tridimensional (RT3D – que contorna o formato do tumor), com modulação de intensidade da radiação (IMRT), e permitem aumentar a dose na área de interesse, com maiores chances de eliminar o tumor e, ao mesmo tempo, poupar os tecidos normais ao redor, diminuindo os efeitos colaterais e melhoranTENHO CÂNCER. E AGORA? do a qualidade de vida dos pacientes. Etapa de teleterapia Após a realização do planejamento, inicia-se o tratamento que, na teleterapia, consiste em sessões diárias de aproximadamente 15 minutos, por períodos que variam entre duas e sete semanas. É indolor e, para sua reprodução com perfeição, deve ser realizado exatamente como na simulação. Para tal, os técnicos irão posicioná-lo da mesma forma e localizar os campos de tratamento demarcados na sua pele. Durante o tratamento, são realizadas radiografias periódicas, geralmente uma vez por semana, que servem para controle de qualidade e para ter certeza de que o tratamento está sendo aplicado corretamente. Braquiterapia É uma forma de radioterapia em que materiais radioativos são implantados nas proximidades do tumor. A palavra braquiterapia origina-se do grego (brachys = junto, próximo) e define uma modalidade de tratamento que permite administrar doses de radiação diretamente nas células malignas, poupando os tecidos saudáveis de seus efeitos tóxicos. A braquiterapia pode ser diferenciada pela taxa de dose de radiação e pelo local de aplicação. Quanto às taxas de radiação, os procedimentos são classificados em braquiterapia com altas (HDR) ou baixas taxas de dose (LDR). A braquiterapia de alta taxa de dose costuma ser aplicada em regime ambulatorial. O material radioativo permanece por poucos minutos no interior do organismo, tempo suficiente para a liberação da dose ideal de radiação. TENHO CÂNCER. E AGORA? 61 62 Quando baixas taxas de dose são utilizadas, a fonte de radiação deve ser mantida no interior do corpo por mais tempo, geralmente de dois a três dias. Durante esse período, o paciente fica internado no hospital. A braquiterapia pode ser realizada com a introdução de material radioativo no órgão. Essa técnica, freqüentemente empregada no tratamento dos tumores ginecológicos, recebe o nome de intracavitária (dentro da cavidade). Uma outra forma de braquiterapia é a endoluminal (dentro da luz), na qual a fonte de radiação é posicionada no interior de um órgão tubular, como o brônquio pulmonar ou o esôfago, através de um cateter, para liberar altas doses de radiação, por um curto período de tempo. Na braquiterapia intersticial (em meio ao tecido), o material radioativo é introduzido por uma cirurgia, podendo permanecer por um tempo limitado (implante temporário) ou ser mantido indefinidamente no local (implante permanente). Na braquiterapia intersticial temporária, o material radioativo é retirado após alcançar-se a dose planejada. O tratamento do câncer de próstata pela implantação de “sementes” é um exemplo de braquiterapia intersticial permanente. Radiocirurgia Os avanços tecnológicos viabilizaram o que se convencionou chamar de radiocirurgia. Esse tratamento é freqüentemente utilizado para o controle de tumores cerebrais de difícil acesso para o neurocirurgião. Trata-se de uma forma de radioterapia externa, realizada em uma única sessão ou em poucas sessões, com a aplicação de uma alta dose de radiação, restrita a uma área TENHO CÂNCER. E AGORA? muito pequena do cérebro. Na radiocirurgia, o tumor localizado na profundidade do cérebro é atingido por altas doses de radiação, enquanto os danos ao restante do tecido nervoso são evitados pela multiplicação dos pontos de entrada de raios. A passagem dos feixes de raios através de uma infinidade de diferentes áreas do cérebro, todos convergindo para o tumor, determina um efeito terapêutico máximo, com mínima ação dos tecidos nervosos sadios. Os raios ionizantes são aplicados em arcos de radiação ou através da composição de múltiplos campos colimados, orientados por um sistema de coordenadas espaciais que localiza a lesão no interior do tecido cerebral. Isto é, a posição da fonte da radiação varia durante a aplicação, mantendo-se o feixe de raios focalizado na lesão a ser tratada. A necessidade de extrema precisão na aplicação dos raios ionizantes por uma fonte de radiação que varia sua posição exige uma imobilização precisa, que pode ser obtida pela fixação de um arco metálico no crânio do paciente ou pela confecção de máscaras especiais. MITOS E VERDADES As informações sobre o tratamento serão fornecidas pela equipe da radioterapia. Todas as dúvidas devem ser discutidas com os profissionais do setor que estão preparados para solucioná-las. Independentemente da forma de irradiação empregada, interna ou externa, os efeitos da radioterapia estão restritos ao paciente. Não há qualquer possibilidade de transmissão da radiação entre pessoas, mesmo nos contatos mais íntimos. Isto é, o paciente não se torna radioativo. Com o desenvolvimento tecnológico da especialidade o TENHO CÂNCER. E AGORA? 63 64 risco de efeitos colaterais diminuiu. O indivíduo sob tratamento pode ficar mais suscetível a infecções, apresentando-se, muitas vezes, indisposto para atividades físicas e sociais. Freqüentemente, em função de inflamações nas mucosas (mucosite) do tubo digestivo atingidas pelo feixe de raios, o paciente tem dificuldades para alimentar-se. A opção por comidas frias, evitando a ingestão de substâncias ácidas, é uma boa orientação a ser seguida. A radioterapia administrada externamente ao corpo ou pela colocação da fonte de raios no seu interior representa uma importante ferramenta no combate ao câncer. Sua ação é local e determina a destruição das células malignas ao interferir na estrutura das moléculas de DNA. Seus efeitos colaterais, geralmente restritos às áreas irradiadas, também decorrem dessa ação sobre as células do sangue. TENHO CÂNCER. E AGORA? 65 TENHO CÂNCER. E AGORA? apesar de implicar poucos riscos aos pacientes, pode determinar sintomas de menopausa e impotência. 11 hormonioterapia 66 Hormônios são mensageiros químicos que circulam pelo sangue, coordenando uma série de ajustes internos do organismo. A ação dos hormônios se faz notar no metabolismo, no crescimento, na diferenciação sexual e na reprodução. Uma grande diversidade de modificações no metabolismo pode ser creditada aos hormônios da tireóide, das glândulas supra-renais e do pâncreas. Algumas características das mulheres, como crescimento das mamas e acúmulo de gordura nos quadris, são determinadas pela presença de hormônios sexuais femininos. Nos homens, o crescimento dos pêlos e a maior massa muscular resultam da ação dos hormônios masculinos. Os hormônios sexuais estão também envolvidos no desenvolvimento de diversos tumores malignos: câncer de mama, do útero, da próstata etc. Os tumores com origem nesses órgãos são constituídos por células originalmente sensíveis à ação desses hormônios. Daí a dependência que tais tumores costumam estabelecer com os hormônios. Devido a essa dependência, o bloqueio hormonal é eficaz na destruição das células malignas, inibindo o crescimento tumoral. O bloqueio hormonal, após a retirada de um tumor de mama, por exemplo, já é rotina na prática clínica. Para o câncer de próstata também há várias alternativas de terapia hormonal. A hormonioterapia é indicada com muito critério, pois, TENHO CÂNCER. E AGORA? 67 TENHO CÂNCER. E AGORA? 12 68 imunoterapia As últimas três décadas assistiram a um grande avanço no conhecimento médico sobre o Sistema Imunológico. Seus componentes, os “mensageiros” envolvidos e a forma de atuação de cada um deles puderam ser reconhecidos, permitindo uma clara visão do seu funcionamento. O câncer é um elemento estranho ao organismo sadio, sendo muitas vezes comparado a um parasita invasor. Dessa forma, não deve causar surpresa o fato de que o Sistema Imunológico pode reconhecê-lo e destruí-lo e que, em condições de mau funcionamento das defesas do organismo, como na AIDS, as doenças malignas tornem-se freqüentes. Grandes investimentos em pesquisa vêm sendo realizados na tentativa de desenvolver ferramentas que permitam interferir no funcionamento do Sistema Imunológico, com o objetivo de controlar o câncer. Nesse processo, vários medicamentos já foram criados e introduzidos na prática clínica. Interferon, Interleucinas e, principalmente, os anticorpos monoclonais são parte integrante do arsenal terapêutico para o combate ao câncer em nosso meio, sendo utilizados dentro de diversos protocolos de tratamento. Atualmente, os anticorpos monoclonais vêm demonstrando ser merecedores do título de terapia-alvo, pela sua alta eficácia e especificidade. TENHO CÂNCER. E AGORA? 69 TENHO CÂNCER. E AGORA? 13 70 transplante de medula óssea Esqueça qualquer imagem de cirurgias complexas e demoradas ou mesmo de recuperações pós-operatórias delicadas em centros de terapia intensiva. O transplante de medula óssea (TMO) é um procedimento clínico no qual os limites de tolerância do organismo à ação dos quimioterápicos são estendidos, permitindo tratamentos mais agressivos e eficazes. Por isso, o TMO, que surgiu timidamente na década de 1960, ocupa hoje um lugar de destaque no combate ao câncer. Medula óssea É o tecido responsável pela produção das células do sangue: leucócitos (glóbulos brancos), eritrócitos (glóbulos vermelhos) e plaquetas. Formada por um conjunto de células jovens em suspensão, a medula distribui-se no interior dos ossos, concentrando-se em algumas áreas do esqueleto. Os ossos da bacia e da coluna vertebral e alguns ossos chatos, espalhados pelo corpo, são os principais sítios de produção das células do sangue no adulto. óssea é destruída, tornando-se necessária a sua substituição. A recuperação da capacidade de produzir sangue no organismo do paciente é determinada por células sanguíneas jovens de uma medula óssea não tratada. Uma quantidade relativamente pequena dessas células, denominadas toti-potentes, administradas ao paciente que teve sua medula óssea destruída pela quimioterapia, consegue repovoar o interior de seus ossos, retomando a produção das células do sangue. Na coleta de células para um TMO, a medula óssea é aspirada do interior dos ossos, geralmente da bacia, filtrada e armazenada em bolsas plásticas iguais às usadas em coletas de sangue, podendo ser congelada para posterior utilização. Trata-se de um procedimento realizado no centro cirúrgico com o doador anestesiado. Já há algum tempo, passou-se a coletar as células totipotentes do doador no sangue periférico, por um processo denominado de aférese, após a estimulação de sua medula óssea (ver adiante). Para a reposição da medula óssea, o processo é simples: basta administrar o conteúdo da bolsa através de uma veia do paciente, como numa transfusão de sangue convencional. Classificação dos transplantes de medula óssea Existem três tipos de TMO: em que a medula óssea do próprio paciente é empregada para sua recuperação; B) ALOGÊNICO, quando a medula óssea de um doador é empregada para a reconstituição do Sistema Hematológico; C) SINGÊNICO, realizado entre gêmeos idênticos. A) AUTÓLOGO, Transplante de medula óssea O TMO é uma forma de tratamento que se utiliza da quimioterapia em altas doses, combinada ou não à radioterapia, para eliminar as células malignas do organismo. Como conseqüência das altas doses empregadas, a medula TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 71 Um TMO só é possível quando há uma grande semelhança entre alguns marcadores do Sistema Imunológico, conhecidos como HLA, dos indivíduos envolvidos. Essa semelhança é muito mais provável de acontecer entre membros da mesma família. Por isso, no TMO alogênico, a medula empregada para a recuperação do paciente é geralmente doada por um irmão. Etapas do TMO Todo o procedimento é desenvolvido em quatro fases: Recentemente, células de cordão umbilical de recémnascidos mostraram-se uma alternativa viável para a recuperação da medula óssea. CONDICIONAMENTO É a etapa em que o paciente recebe o tratamento quimioterápico, associado ou não à radioterapia, com o objetivo de destruir as células malignas presentes no interior do seu organismo. No caso dos transplantes alogênicos, a destruição da medula óssea com o condicionamento cria o espaço necessário para a medula do doador implantar-se. COLETA 72 No caso de ser o próprio paciente o doador (TMO autólogo), a medula óssea ou as células toti-potentes colhidas no sangue periférico devem ser obtidas antes de iniciar a quimioterapia, devendo ser armazenadas sob congelamento, para a posterior infusão. Nos transplantes alogênicos e singênicos, a coleta de medula do doador ocorre após completar a quimioterapia do paciente, próximo ao momento do recebimento dessa medula, não havendo a necessidade de congelamento. Avanços tecnológicos permitiram desenvolver uma nova forma de obtenção das células toti-potentes, tornando desnecessária a aspiração da medula óssea do interior dos ossos. Por meio da aférese, uma técnica de coleta para componentes isolados do sangue, as células toti-potentes podem ser recolhidas da circulação sanguínea do paciente após estimulação da medula. O material assim obtido recebe o nome de células totipotentes do sangue periférico, tendo capacidade para recuperar a produção do sangue nos pacientes submetidos à quimioterapia. TENHO CÂNCER. E AGORA? INFUSÃO Momento de maior expectativa de todo o TMO, a infusão é um procedimento simples e rápido. A medula ou as células toti-potentes colhidas no sangue periférico são injetadas em uma veia qualquer do paciente, distribuindo-se por todo o organismo. Espontaneamente, essas células jovens irão procurar seu espaço no interior dos ossos, passando a produzir as células do sangue. “PEGA” DO TRANSPLANTE Aproximadamente duas semanas após a infusão, começam a surgir, no sangue do paciente, células já produzidas pela nova medula. Diz-se, então, que houve “pega” dessa medula transplantada. O período entre o condicionamento e a “pega” da medula é o de maior risco para o paciente. Nessa fase, o Sistema Imunológico apresenta-se inoperante, abrindo espaço para graves infecções; daí o uso rotineiro de antibióticos para profilaxia das infecções, na maioria das unidades de transplante. TENHO CÂNCER. E AGORA? 73 Além dos leucócitos, as demais células do sangue, eritrócitos e plaquetas, encontram-se em número reduzido. Para evitar complicações, utiliza-se, com freqüência, o recurso das transfusões. Outro problema bastante comum é a mucosite. Essa inflamação das mucosas do tubo digestivo pode impedir a ingestão de alimentos, causando diarréia e dores no abdome. A complicação cessa com a recuperação do organismo. 74 na forma aguda, podendo apresentar lesões de pele, problemas no intestino e mau funcionamento do fígado. Mais tardiamente, alguns pacientes passam para a fase crônica, com lesões na pele, boca e olhos, além de problemas intestinais e pulmonares, de intensidade variável. Após um tratamento No caso de um transplante autólogo, a recuperação medular praticamente encerra o tratamento. Pouco resta a fazer a não ser acompanhar as possíveis complicações desse procedimento e manter a vigilância sobre a doença que motivou o tratamento. Já no TMO alogênico, o acompanhamento médico é necessário por um tempo indefinido. Com o transplante, o paciente adquire um novo Sistema Imunológico, que passa a reconhecer o restante do seu organismo como estranho. Ao contrário dos transplantes de órgãos, nos quais a rejeição é o maior obstáculo para o sucesso do tratamento, no TMO alogênico, a nova medula é que pode agredir o organismo que passou a hospedá-la. Esse efeito é conhecido como doença do enxerto contra o hospedeiro, em inglês = Graft Versus Host Disease ou GVHD. Ao mesmo tempo em que é capaz de causar importantes transtornos para o paciente submetido ao transplante, acredita-se que essa reação tenha algum efeito contra as doenças malignas em tratamento, especialmente no caso das leucemias. Boa parte dos pacientes submetidos ao TMO alogênico evolui nos primeiros meses após o tratamento com GVHD TENHO CÂNCER. E AGORA? 75 TENHO CÂNCER. E AGORA? 14 76 transfusões sanguíneas A primeira transfusão sanguínea entre seres humanos de que se tem registro ocorreu no século XVII. Entretanto, foi somente no início deste século que as conquistas tecnológicas permitiram o uso mais difundido desse recurso. O reconhecimento das diferenças entre os indivíduos para a escolha do doador, o uso dos anticoagulantes durante a coleta e o domínio das técnicas de esterilização foram fundamentais para essa evolução. O fracionamento do sangue, que permite o uso isolado de cada um de seus elementos, e a identificação das doenças transmissíveis representam os avanços mais recentes dessa forma de tratamento. Por que usar o sangue? Mesmo com toda a evolução da medicina, ainda não foi possível reproduzir muitas das funções que o sangue exerce em nosso organismo. Daí a importância das transfusões em diferentes condições: no atendimento aos politraumatizados e queimados, nas cirurgias, nas infecções e no câncer. O sangue O sangue é formado por três diferentes tipos de células: ◗ glóbulos vermelhos, ou eritrócitos (também chamados de hemácias); ◗ glóbulos brancos, ou leucócitos; ◗ plaquetas. TENHO CÂNCER. E AGORA? Os glóbulos vermelhos são as células encontradas em maior número na circulação, sendo as responsáveis pelo transporte de oxigênio para todo o corpo. Sua cor vermelha é devida a uma proteína chamada hemoglobina, que se liga ao oxigênio nos pulmões, liberando-o nas diferentes partes do organismo. Já os leucócitos desempenham um importante papel de proteção no corpo: reconhecem e eliminam o agente invasor. As plaquetas correspondem a pedaços de células que atuam impedindo as hemorragias ao formar, na parede dos vasos sanguíneos, um tampão sobre o qual o coágulo se deposita. Tendo em mente essas diferentes funções, fica fácil compreender as conseqüências da diminuição no número de cada uma dessas células na circulação. Quando há falta de hemácias, o transporte de oxigênio fica prejudicado, fazendo com que a pessoa se canse aos mínimos esforços e exigindo que seu coração trabalhe acelerado todo o tempo. Quando a contagem de plaquetas no sangue cai, condição conhecida como plaquetopenia, passam a ocorrer sangramentos espontâneos. As gengivas e a pele são locais comumente envolvidos, mas podem ocorrer hemorragias internas, de maior gravidade. A diminuição dos leucócitos expõe o organismo às infecções. Transfusões Todas essas alterações causadas pela própria doença ou pelo seu tratamento são, na maioria das vezes, transitórias e bem toleradas. Para os raros casos em que uma situação de maior gravidade se desenvolve, em decorrência da TENHO CÂNCER. E AGORA? 77 78 redução na contagem das células do sangue, existe o recurso das transfusões. Concentrados de hemácias, para a correção da anemia, e concentrados de plaquetas, para casos de plaquetopenias severas, são os mais utilizados. A seleção dos doadores de sangue obedece a rigorosos critérios, visando à proteção dos próprios doadores e de quem for receber o sangue. Após a coleta, são realizados diversos testes em amostras do material, com o objetivo de reconhecer qualquer doença que possa ser transmitida por esse sangue. Nos casos em que persistem dúvidas, o sangue é sempre desprezado. Antes de qualquer transfusão, são colhidas amostras de sangue do paciente para confrontá-lo com o material a ser transfundido. Dessa forma, a maior parte das reações possíveis de ocorrer durante uma transfusão é reconhecida no laboratório e, portanto, evitada. Os bancos de sangue podem proceder às coletas de duas formas distintas: a) por meio da retirada de um volume padrão (450 ml) de sangue “integral”, que posteriormente será fracionado nos seus componentes (plasma, crioprecipitado, concentrado de hemácias e de plaquetas); b) pela coleta seletiva de um elemento específico do sangue no qual se esteja interessado. Nesse procedimento, chamado de aférese, o sangue do doador é processado por uma máquina que retira apenas a parte desejada. de sangue, com menor risco de reação para o paciente que receber a transfusão. 79 A aférese é extremamente útil na doação de plaquetas. Um doador, em uma única coleta, fornece a mesma quantidade de plaquetas obtida em dez coletas convencionais TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 15 lidando com infecções 80 O homem convive com milhões de formas de vida distintas, a maior parte delas microscópica. Todo o nosso corpo é recoberto por microrganismos, principalmente bactérias, que vivem sobre a pele sem causar grandes transtornos. No interior da boca, são responsáveis pelas cáries e inflamações nas gengivas, enquanto no intestino, ao mesmo tempo em que produzem vitaminas utilizadas no nosso metabolismo, podem causar infecções. Para permitir essa convivência, o organismo dispõe de diversos mecanismos de defesa. A pele e as mucosas representam um obstáculo mecânico à entrada desses seres em nosso corpo. No Sistema Urinário, nas vias biliares, nas vias aéreas e em diversos outros setores do organismo, o fluxo contínuo de líquidos impede o crescimento das bactérias e facilita sua remoção. Nos casos em que o microrganismo consegue vencer essas defesas, ele passa a ser tratado como um agente invasor pelo nosso Sistema Imunológico. Diversas células sanguíneas participam dessa reação: macrófagos, linfócitos e neutrófilos (os leucócitos) são os responsáveis pela resposta imunológica do organismo. Uma doença maligna pode desestruturar essas defesas ao romper as barreiras mecânicas, paralisar a eliminação das secreções ou interferir com o funcionamento das células de defesa. Tais situações colocam o paciente com câncer sob constante risco de infecção. TENHO CÂNCER. E AGORA? Em tratamento Iniciado o tratamento, os riscos de infecção tornam-se maiores, principalmente quando a radioterapia ou a quimioterapia são utilizadas. A maior parte dos quimioterápicos interfere também na multiplicação das células normais do corpo, sendo as células do sangue e das mucosas as mais atingidas. Combina-se, dessa forma, a dificuldade de recuperação das mucosas com a diminuição das células responsáveis pela defesa do organismo. Por isso, as infecções tornam-se relativamente comuns durante o tratamento. As regiões de maior risco são os pulmões, a boca e a região próxima ao ânus, que representam uma “porta de entrada” para o interior do corpo. Uma vez na circulação, os agentes infecciosos encontram certa facilidade de crescimento e multiplicação, em decorrência do pequeno número de leucócitos no sangue, o que permite às infecções uma evolução mais agressiva. Nas infecções em indivíduos com baixas contagens de leucócitos (leucopênicos), o médico precisa agir prontamente para impedir sua disseminação. Nesses casos, são geralmente empregados potentes antibióticos, mantendose controle rigoroso da evolução do quadro clínico e vigilância sobre a contagem de células do sangue. Atualmente, existem disponíveis no mercado medicamentos capazes de estimular a produção de leucócitos pela medula óssea. Com o nome de Fatores de Crescimento de Colônias de Granulócitos (G-CSF) e de Granulócitos e Monócitos (GM-CSF), essas drogas podem acelerar a recuperação do organismo submetido à quimioterapia ou radioterapia. Cada quimioterápico determina efeitos colaterais distintos e com intensidade diferente nas várias células do nosso organismo. Esses danos também diferem quanto ao TENHO CÂNCER. E AGORA? 81 momento em que se manifestam. Na maior parte das vezes em que se emprega uma droga tóxica à medula óssea, a queda na contagem de leucócitos no sangue passa a ser reconhecida uma semana após sua aplicação, época em que os sinais de mucosite também se manifestam. Nos tratamentos radioterápicos, os efeitos colaterais variam conforme a área irradiada. A diminuição do número de leucócitos, semelhante à descrita para a quimioterapia, e a inflamação das mucosas das áreas envolvidas pelo tratamento são os danos mais comuns. 82 Cuidados Alguns cuidados, como banho diário, ótima higiene oral (incluindo a limpeza dos dentes com escovas de cerdas macias e fio dental) e uso de água e sabão para limpeza da região anal, mostram-se importantes para evitar as infecções. De qualquer maneira, todas as orientações quanto à profilaxia de infecção devem ser discutidas com a equipe médica antes de serem implantadas. Quando o número de leucócitos estiver reduzido, é preciso evitar qualquer manipulação da região anal, mesmo a simples colocação de supositórios, pelo risco de infecção. Nos casos de prisão de ventre (obstipação) severa, quando os laxativos não forem eficazes, o médico avaliará a contagem de leucócitos no sangue antes de realizar uma lavagem intestinal. Como regra geral, o paciente sob quimioterapia deve evitar aglomerações e contato com pessoas suspeitas de doenças infecciosas. Situações em que possam ocorrer traumatismos têm de ser evitadas também, exigindo a suspensão das atividades esportivas durante o tratamento. TENHO CÂNCER. E AGORA? As relações sexuais genitais não costumam representar um fator de risco para infecção. Nos casos em que a região próxima aos órgãos genitais estiver sendo irradiada, podem ser usados lubrificantes solúveis em água para evitar lesões pelo atrito na mucosa genital. IMPORTANTE: as dúvidas devem ser sempre esclarecidas. Perguntar ao seu médico sobre a necessidade de cuidados especiais pode evitar uma série de transtornos. A febre Febre significa elevação da temperatura do corpo e pode ser causada pela presença de diferentes substâncias na circulação sanguínea. A temperatura normal do corpo, medida com um termômetro na região axilar, é 36,8ºC, sendo discretamente superior quando obtida pela boca ou ânus. O grau de atividade física, a temperatura e as condições de ventilação no ambiente podem determinar pequenas variações nesse número. Na prática, qualquer temperatura superior a 37,5ºC, medida com um termômetro na região axilar, é considerada febre. As infecções são as principais responsáveis pelo surgimento da febre. Em alguns casos, em que a contagem de leucócitos está diminuída, a febre pode representar o único sinal de que um processo infeccioso esteja se desenvolvendo. Por isso, a febre é um alarme valioso para o paciente em tratamento e a sua ocorrência deve ser notificada à equipe médica sem perda de tempo. O início precoce do tratamento com antibióticos é fundamental para o controle da infecção nos indivíduos leucopênicos. Retardar o traTENHO CÂNCER. E AGORA? 83 tamento pode permitir a disseminação da infecção em curto intervalo de tempo. Quando se recorre a um médico não envolvido no tratamento, é fundamental informá-lo sobre o diagnóstico, as condições clínicas e o tratamento em curso. Só assim ele terá mais possibilidades de tomar uma decisão acertada sobre o caso. 85 84 TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 16 86 terapias complementares O câncer afeta o paciente e sua família em todos os aspectos da sua vida, exigindo, além de uma equipe médica especializada, um suporte multidisciplinar de profissionais habilitados para promover o alívio do sofrimento e atender às suas mais diversas necessidades. O que são terapias complementares? São consultas realizadas por profissionais especializados, visando à promoção do bem-estar do paciente, assim como sua adesão aos tratamentos médicos convencionais, dando apoio, informações e orientações direcionadas para um melhor enfrentamento da doença e seus tratamentos. Converse com seu médico a respeito e procure informar-se sobre os serviços de terapia de suporte disponíveis na sua cidade. rar ou manter a condição física de pacientes e ex-pacientes com câncer, estando ou não em tratamento quimioterápico e/ou radioterápico. Devido aos tratamentos, o paciente pode apresentar seqüelas como: diminuição da capacidade física e respiratória para as atividades de vida diária, diminuição ou ausência da movimentação em alguma parte do corpo, dor, enfraquecimento muscular e/ou encurtamentos musculares, que podem ser minimizados por meio de tratamentos fisioterápicos específicos. Fonoaudiologia Em decorrência de alguns tipos de câncer na área do cérebro, de cabeça e pescoço ou em conseqüência dos tratamentos, os pacientes podem encontrar dificuldades na área da fala e/ou linguagem, articulação, voz, mastigação ou deglutição. As intervenções terapêuticas em fonoaudiologia, na maioria dos casos relacionados ao câncer de cabeça e pescoço, têm resultados rápidos, o que mantém o otimismo do paciente, facilitando os seus objetivos de reabilitação e adaptação de próteses (traqueoesofágicas ou eletrolaringes, por exemplo). Psicoterapia Aconselhamento e suporte para pacientes e familiares por meio de atendimento psicológico individual e/ou em grupo, bem como assistência na abordagem de sintomas como fadiga, depressão, ansiedade e estresse, podem ser de grande ajuda para o melhor enfrentamento da doença. Nutrição O suporte nutricional direcionado para efeitos colaterais específicos de tratamentos quimioterápicos ou radioterápicos e a orientação de dietas específicas são de especial relevância para o bem-estar do paciente durante a terapia, pois o consumo adequado de calorias e proteínas é muito importante para a recuperação dos tecidos sadios afetados pelo tratamento. Fisioterapia Abordagem terapêutica que tem como objetivo melho- Enfermagem A enfermagem oncológica desempenha um papel de PRINCIPAIS TIPOS DE TERAPIAS COMPLEMENTARES TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 87 grande importância na equipe interdisciplinar de saúde, por atuar nas diversas áreas que atendem o paciente durante o tratamento, seja ele curativo ou paliativo. A assistência prestada pela enfermagem oncológica nas terapias complementares aos tratamentos visa promover a qualidade de vida por meio de informações adequadas e compreensíveis, assim como orientar o paciente e seus familiares na administração de medicamentos, cuidados com ostomias, cateteres etc., facilitando, assim, a adaptação do paciente às limitações físicas decorrentes da doença ou do tratamento. 88 Serviço social Identificação das condições sociais, econômicas e culturais e orientação de recursos (privados, públicos, filantrópicos e previdenciários) do paciente. O assistente social presta orientação para facilitar o retorno à rotina do paciente, identificando o momento de ser assistido em casa e assegurando sua volta ao trabalho. Assistência espiritual Pode ser de grande valia para pacientes e familiares em momentos difíceis de questionamentos. Muitos poderão encontrar respostas na reafirmação da fé e da religião. Arteterapia Trabalho terapêutico, individual ou em grupo, que utiliza a arte (pintura, colagem, argila, por exemplo) como expressão das emoções. O enfoque é terapêutico, sem preocupação com o desempenho estético e artístico. Por meio da arte, o paciente desenvolve uma linguagem plástica, não apenas para expor sua sensibilidade estética, mas para estabelecer um diálogo interno, podendo TENHO CÂNCER. E AGORA? fazer opções formais de equilíbrio, cores, materais etc. Ao travar esse diálogo, o paciente abre as portas para sua percepção e se enriquece em um momento difícil e doloroso. Musicoterapia Explora os efeitos terapêuticos da música, promovendo autoconhecimento, criatividade, prazer e relaxamento. Na musicoterapia, os pacientes “produzem” sons e melodias utilizando instrumentos musicais, corporais e outros. Ao contrário do que se pensa, o paciente não precisa saber ou conhecer música. Terapias corporais Intervenções utilizadas para favorecer o alívio da dor e de sintomas, reduzir ansiedade e estresse do paciente. Tais técnicas contribuem para a conscientização corporal e para o bem-estar geral, integrando com harmonia as dimensões físicas, psicológicas, sociais e espirituais do paciente. Entre elas, destacam-se: ACUPUNTURA, que tem como objetivo controlar as dores e aliviar os efeitos colaterais induzidos por determinados tipos de quimioterapia, como náusea e fadiga, por exemplo. REFLEXOLOGIA, ciência que lida com o princípio de que nos pés e nas mãos existem áreas de reflexos que correspondem a todos os órgãos, glândulas e partes do corpo e que podem ser estimuladas por massagens. Seu objetivo é diminuir o estresse, a depressão e promover o alívio da dor. IMPORTANTE: seu médico deve ser informado a respeito de qualquer abordagem terapêutica complementar que você venha a fazer. TENHO CÂNCER. E AGORA? 89 RICARDO CAPONERO 17 90 terapias de suporte Submeter-se a terapia para um câncer significa, muitas vezes, receber uma combinação de tratamentos potencialmente tóxicos, com impactos severos na vida do indivíduo. A cirurgia pode trazer mutilação, como a retirada de uma mama ou a amputação de um membro; ou alteração de uma função, como a perda da voz, em uma cirurgia de laringe. A radioterapia talvez provoque diversas alterações nos tecidos em que é aplicada, causando um prejuízo por vezes estético, funcional, ou ambos. Mesmo tratamentos tidos como menos “drásticos”, como a imunoterapia, as “vacinas”, também podem causar reações de hipersensibilidade e até choque anafilático. A quimioterapia é recordista de efeitos colaterais. Por ser um tratamento sistêmico (que abrange o corpo todo), eles podem ser mais numerosos. Além disso, a quimioterapia costuma ser o tratamento mais longo que os outros, o que faz com que haja mais tempo para os eventos adversos aparecerem ou se tornarem incômodos. De qualquer forma, o que desejamos aqui não é assustá-lo ainda mais, mas sim falar sobre a importância das terapias de suporte, ou seja, que há formas adequadas e bem definidas de lidar com a quase totalidade desses eventos e, se não preveni-los, pelo menos minimizá-los. É certo que houve avanços na oncologia nas últimas duas décadas. Muitos medicamentos novos surgiram, sendo que alguns deles constituíram novas classes terapêu- TENHO CÂNCER. E AGORA? ticas e formas de abordagem. Paralelamente, ocorreu, também, uma grande progressão nos cuidados de suporte, ou seja, nos tratamentos complementares à terapêutica principal, que poderíamos chamar de “coadjuvantes”. O tratamento de suporte é de fundamental importância para o sucesso da estratégia terapêutica. Seu objetivo é promover melhor qualidade de vida ao paciente, aumentando sua confiança e adesão aos tratamentos. Pode parecer muita presunção para um tratamento de suporte ter objetivos tão amplos, mas não é. Se um paciente tem vômitos em excesso, sua qualidade de vida é ruim, ele pensa em desistir, alimenta-se mal, emagrece, desnutre-se, fica mais vulnerável a infecções, falta às consultas e aplicações, não recebe as medicações nas doses ou nos dias adequados etc. Os efeitos colaterais dos diversos tratamentos são amplos e variáveis de pessoa para pessoa, de doença para doença e de tratamento para tratamento, por isso seria impossível discutir cada um deles nos mínimos detalhes. Também é verdade que há uma grande discrepância na importância que o médico e o paciente dão aos diversos eventos adversos. Nem sempre um efeito colateral, que é bem desconfortável para o paciente, é considerado grave pelo médico, e vice-versa. Como este é um livro voltado para os pacientes, optamos por oferecer uma visão aproximada para os problemas que os afligem mais freqüentemente. Um autor chamado Coates fez, em 1983, uma pesquisa na qual relatou os dez efeitos mais incômodos da quimioterapia, na visão dos pacientes. São eles: ◗ vômitos; ◗ náuseas; ◗ perda de cabelo; TENHO CÂNCER. E AGORA? 91 ◗ ◗ ◗ ◗ ◗ ◗ ◗ 92 pensar em comparecer ao tratamento; tempo gasto com o tratamento na clínica; ter de tomar injeção; falta de ar; cansaço constante; dificuldade para dormir; efeitos na família ou no parceiro. Vamos ver o que foi desenvolvido para lidar com esses efeitos adversos, iniciando pelas náuseas e vômitos. Talvez pareça estranho que náuseas e vômitos causem mais desconforto do que a perda de cabelo, mas uma paciente uma vez me ensinou essa resposta. Ela trabalhava como balconista e me disse que podia trabalhar normalmente com uma peruca ou com um turbante, mas que não conseguia atender um cliente com ânsia de vômito. Para esses eventos adversos dispomos, hoje, de um grupo de medicamentos que podem ser usados isoladamente ou combinados aos antieméticos tradicionais (medicamentos para controle da náusea). Com o ajuste adequado da dose e da melhor medicação antiemética, pode-se dizer que a imensa maioria dos pacientes experimentará apenas um leve desconforto, como se tivesse comido algo que “não caiu muito bem”, e essa sensação perdurará por dois ou três dias. Depois disso, tudo voltará praticamente ao normal. O único problema é que, para conseguir esse nível de alívio, para alguns pacientes bastará tomar comprimidos em casa, enquanto para outros serão necessários alguns dias de medicação endovenosa. O próximo efeito que mais incomoda na quimioterapia é a perda de cabelo (alopecia). Embora não seja considerada pelos médicos como grave, já que ninguém morre de TENHO CÂNCER. E AGORA? queda de cabelo, ela tem grande repercussão na vida do paciente, porque é o que estampa na pessoa o seu “diagnóstico”, seu estigma. É a queda dos cabelos que a faz lembrar-se da doença e do tratamento todos os dias de manhã, ao olhar-se no espelho, mesmo naquele dia em que ela se sente extremamente bem e não há nenhum medicamento para tomar, nenhuma consulta e nenhum exame para colher. Mesmo sem nada disso, sua calvície está lá, lembrando-a de que é uma pessoa doente. A radioterapia é um tratamento localizado que só costuma produzir efeitos colaterais por onde ela passa (no volume do corpo que é irradiado) por isso, só produz queda de pêlos na região onde é aplicada. De forma diversa, a quimioterapia, que circula pelo corpo todo, pode produzir queda de pêlos de todo o corpo. Só que nem todos os medicamentos empregados na quimioterapia têm o mesmo efeito sobre o folículo piloso. Então dizemos que há medicamentos com maior ou menor risco de produzir alopecia. Pensar em comparecer ao tratamento está relacionado ao mal-estar que se sente. Quando se controla adequadamente o mal-estar, também se está melhorando esse desconforto. Mas é evidente que, por mais que se minimizem os efeitos adversos, há todo um significado a mais, toda uma mudança no ritmo da vida, e é claro que seria muito melhor poder estar indo para uma infinidade de outros lugares. Uma forma de evitar o tempo gasto com o tratamento na clínica e também o “pensar em comparecer” tem sido o desenvolvimento de medicamentos que podem ser utilizados por via oral, sem a necessidade de ir a clínicas. Poderíamos incluir em nossa lista de conquistas a solução para o medo ou o desconforto de ter de tomar injeção, e estaríamos certos. Mas, aqui, dispomos de uma outra TENHO CÂNCER. E AGORA? 93 94 solução, que são os cateteres totalmente implantáveis, também chamados de dispositivos de acesso venoso permanente. Há vários tipos deles e, embora ainda seja necessária uma picada para ultrapassar a pele sobre o reservatório do cateter, seu uso é bastante confortável e seguro. Já a falta de ar não é um efeito colateral comum aos tratamentos. Na maioria das vezes, a falta de ar é decorrente de complicações da própria doença, devendo ser sempre relatada, para que medidas apropriadas possam ser tomadas. Há situações em que é preciso distinguir falta de ar de fadiga; perceber se o que falta é o “ar” ou a “energia”. Lutar contra um câncer, submetendo-se a seu longo tratamento e às angústias do seguimento, requer disposição e energia. Muita força mesmo. E isso, às vezes, cansa. Algumas pessoas têm um sono de pedra. Eu ficava de boca aberta quando pegava um ônibus e via gente dormindo, e tão pesadamente que até perdia o ponto! Há outras tantas pessoas que, mesmo muito cansadas, precisam conseguir um mínimo de conforto e tranqüilidade para conseguir adormecer. A insônia não é um efeito direto da medicação quimioterápica nem da radioterapia, mas é fácil imaginar que os mais diversos efeitos colaterais da quimioterapia poderão interferir no sono. A primeira providência para tratar a insônia é tentar eliminar as causas que perturbam o sono, ou seja, tratar todos os outros sintomas. Se nem assim o sono vier, observe os hábitos do dia-adia e retire todos os estimulantes (chá, café, chocolate, psicoestimulantes e alguns antidepressivos) do período da tarde; faça atividades físicas no período da manhã; evite resolver problemas desgastantes à noite e procure fazer uma atividade que seja relaxante antes de dormir (um TENHO CÂNCER. E AGORA? banho quente, uma música suave à meia luz). Se nada disso der certo, então é a hora de recorrer aos hipnóticos. Há diversos deles, de diferentes potências e variados períodos de ação, por isso, sempre existe um que funcione. É importante lembrar que, se você tiver de acordar 15 vezes à noite para ir ao banheiro, o hipnótico não vai deixá-lo dormir. Por isso, analise bem a causa da insônia. Pense também que, muitas vezes, a idéia de adormecer está relacionada com morrer, e a noite traz em si o medo da morte, a solidão. Muitos pacientes temem que, por estarem todos dormindo, eles vão passar mal e ninguém vai ver, ou que vão morrer e ninguém vai perceber. Quando esse é o caso, psicoterapia é uma ótima idéia. O último evento adverso da nossa lista, mas não o último efeito colateral dos tratamentos, é o “dano” que se causa aos que estão ao nosso redor. É comum ouvir pacientes dizendo que não têm medo de morrer, só de sofrerem e de ficarem dependentes dos outros. Essa situação é uma das mais complexas e lidar com ela implica ter de trabalhar com a dinâmica sociofamiliar. Mas, como dizíamos no início deste capítulo, “o que os olhos não vêem, o coração não sente”; o paciente está mais preocupado com a sua unha que está descolando e doendo do que com o resultado alterado de um exame laboratorial. Não que isso seja errado, mas é bom saber que há um tratamento de suporte eficiente e que estão sendo tomadas todas as medidas necessárias para que os eventos adversos sejam evitados, se possível, ou minimizados. O mais importante é manter um bom contato com a equipe médica e informar, o mais minuciosamente possível, quais são seus sintomas. Temos o tratamento de suporte. Faça a sua parte. TENHO CÂNCER. E AGORA? 95 18 96 fadiga A maioria dos pacientes com câncer costuma enfrentar, além da doença em si, diversos efeitos colaterais, provocados pelos tratamentos para combatê-la, tais como queda de cabelo, náuseas, vômitos, cansaço e fadiga. A fadiga pode ser uma das complicações mais freqüentes e desagradáveis associadas ao câncer e ao seu tratamento, particularmente à quimioterapia. Pequenas mudanças na sua rotina, como alterações no seu padrão de sono ou de alimentacão, poderão levá-lo a sentir-se profundamente cansado, desanimado e fraco. Antes de mais nada, a fadiga não deve ser ignorada. É preciso considerá-la como um sintoma relevante que pode afetar negativamente sua vida. A fadiga costuma ser descrita, pela maioria dos pacientes, como um estado de constante letargia, falta de ânimo e de energia, um cansaço, uma indisposição e sonolência. Muitos pacientes se culpam por considerarem que deveriam enfrentar essa “preguiça” com mais “coragem”, quando, na verdade, a fadiga é uma decorrência de fatores físicos importantes, para os quais o “heroísmo” não é o tratamento indicado. Você já deve ter passado por algumas situações de cansaço que se resolvem simplesmente com uma boa noite de sono. A fadiga é mais do que isso. É um grau mais profundo de cansaço que não passa apenas com uma noite bem dormida. Se você tem se sentido fraco o tempo todo e se cansa TENHO CÂNCER. E AGORA? com mais freqüência ou mais rapidamente do que de costume no simples desempenho de suas atividades rotineiras, é provável que esteja fatigado. Em alguns pacientes, a sensação de fadiga ocorre até mesmo enquanto estão em repouso. Além de constantemente cansado, você poderá sentir-se exausto depois de atividades simples e rotineiras, como, por exemplo, tomar banho ou fazer uma pequena caminhada. Dificuldades de concentração, desânimo para falar ou até para tomar decisões simples podem ser também sintomas de fadiga. Ela pode manifestar-se de diversas maneiras, em diferentes pessoas. Cada paciente reage a seu modo e desenvolve sua própria estratégia para melhor manejá-la. Causas da fadiga Não há uma única causa específica para a fadiga, pois são diversos os fatores que podem desencadeá-la. Tristeza, ansiedade, estresse, conflitos emocionais ou até mesmo tensão nas relações familiares exigem uma dose extra de energia e podem causar fadiga. Alterações na sua rotina também poderão contribuir. Seu tratamento contra o câncer leva, muitas vezes, a mudanças no seu padrão de sono, de alimentação e no seu ritmo de trabalho, o que também resulta em um enorme cansaço. O fato é que, de repente, toda a sua vida está de pontacabeça e, além de desempenhar suas atividades normais, precisa arrumar tempo para fazer o tratamento e lidar com suas novas emoções, que não são poucas, nem fáceis! Com tudo isso, você está exigindo do seu corpo muito mais do que ele está acostumado a desempenhar. Pacientes que sofrem de náuseas ou vômitos durante o tratamento ou que apresentam perda do apetite acabam TENHO CÂNCER. E AGORA? 97 alimentando-se de forma inadequada e insuficiente para a manutenção do seu nível normal de energia. A anemia é um efeito colateral freqüente entre pacientes que estão em tratamento contra câncer e que também pode levar à fadiga ou agravá-la. Ela pode ser tratada com medicamentos que estimulam a medula óssea a produzir glóbulos vermelhos em maior quantidade ou com transfusão sanguínea, que é o recurso usado no tratamento de anemias mais severas. 98 Algumas sugestões para atenuar a fadiga Para que seu médico possa ajudá-lo a administrar sua fadiga, é fundamental que você consiga descrevê-la. Anote todos os detalhes que puder observar, tais como em que período do dia ela costuma ocorrer e com qual intensidade. Discuta-os com o seu médico na sua próxima consulta. Reavalie suas metas de longo e curto prazo. Defina novos prazos, para torná-las possíveis de se realizar, levando em conta suas atuais condições físicas. Seja seletivo, dando prioridade aos seus objetivos realmente necessários e interessantes, adiando os menos urgentes. Isso aliviará o estresse, a ansiedade e sentimentos de culpa e de impotência que normalmente experimentamos quando não conseguimos atingir nossas metas. Faça duas listas: na primeira, relacione os afazeres inadiáveis que você tem para amanhã. Na segunda, os que podem esperar um pouco mais. Releia sua primeira lista após algumas horas, observando se não poderia passar alguns itens desta para a segunda lista. Faça uma nova lista para cada dia, até que você se habitue a colocar em primeiro plano as atividades realmente necessárias. No fim do dia, numa folha de papel, descreva seu nível TENHO CÂNCER. E AGORA? de cansaço para cada uma das atividades desempenhadas. Depois de alguns dias, examinando e comparando seus relatos, você poderá facilmente identificar seu próprio padrão de fadiga, detectando quais as atividades que exigem mais de suas forças. Se elas não puderem ser evitadas, reserve-lhes o período do dia em que costuma estar fisicamente mais disposto para executá-las. Descubra seu próprio ritmo. Flexibilize seus prazos para que você possa desenvolver suas atividades confortavelmente. Procure “escutar” o que o seu corpo está lhe dizendo para não sobrecarregá-lo. Evite fazer mais do que pode, para poder fazer sempre. Descanse, mas não demais! Estamos acostumados a associar sensação de cansaço a necessidade de descanso. Entretanto, vários estudos comprovam que o excesso de descanso pode baixar a capacidade do seu organismo de produzir energia. Talvez isso explique por que, quanto mais uma pessoa descansa, mais ela deseja descansar. Quando estiver fatigado, procure descansar sentado, ou até mesmo em pé, ficando deitado apenas por um pequeno período de tempo. Isso pode parecer contraditório. Como vou melhorar do cansaço se não descansar? Lembrese de que o condicionamento físico melhora com o exercício e que nenhum atleta ganha uma competição “descansando”. Por outro lado, o esforço desproporcional acaba levando a contusões. A situação ideal, de melhor rendimento, é obtida com a adequada proporção de atividades programadas e descanso. Para algumas pessoas, pequenas caminhadas ou exercícios leves, ao contrário do que possa parecer, contribuem para debelar o cansaço, proporcionando um relaxamento agradável e revigorante. Consulte seu médico a esse respeiTENHO CÂNCER. E AGORA? 99 100 to, talvez ele recomende um fisioterapeuta que programará exercícios adequados para o seu caso. Quando sentir que está precisando descansar, descanse, mas por períodos curtos de tempo. Assim que você começa a repousar, a freqüência de seus batimentos cardíacos cai rapidamente, porém, logo em seguida, o ritmo se estabiliza, mesmo que você continue descansando. Portanto, com vários e breves intervalos de descanso, você estará dando ao seu coração a oportunidade de bater devagar, conservando sua energia. Se desejar cochilar um pouquinho, faça como os gatos, que dormem por alguns minutos, várias vezes por dia. Tome cuidado para que isso não interfira no seu sono noturno, pois nada pode ser melhor do que uma noite de sono sem interrupções para restaurar suas energias, fazendo-o acordar bem disposto e animado. Caso sinta dificuldades para adormecer à noite, evite estimulantes como cafeína, álcool e nicotina por, no mínimo, quatro horas antes de deitar-se. Da mesma forma, não leve problemas para a cama; deixe para resolver situações de potencial tensão emocional pela manhã. Quando estiver na cama, prevendo que terá dificuldades para adormecer, não fique virando de um lado para o outro. Acenda a luz e leia alguma coisa divertida ou ligue a TV. Não tenha medo de pedir ajuda. Distribua entre seus familiares e amigos as tarefas que exigem grande dispêndio de energia, tais como arrumar a cama ou fazer compras de supermercado. Certamente, eles terão prazer em ajudá-lo a poupar suas forças para atividades mais agradáveis, que lhe proporcionem maior satisfação pessoal. Procure manter-se socialmente ativo. Não se isole dos amigos. Compartilhar sentimentos com pessoas queridas TENHO CÂNCER. E AGORA? nos momentos difíceis pode ser muito positivo, desde que seu ritmo e seus limites de tolerância sejam respeitados. Não se obrigue a parecer sociável e bem disposto quando, na verdade, está desanimado e sem vontade de conversar ou de “fazer sala” para visitas. Seus amigos irão compreendê-lo se você lhes disser francamente que deseja ficar um pouco em silêncio. Se as longas conversas ao telefone têm esgotado suas energias, deixe a secretária eletrônica atender a todas as ligações. Assim, mesmo estando em casa, você poderá selecionar com quem e quando deseja falar. Mantenha sua mente sempre ocupada, mesmo enquanto estiver repousando. Quando perceber que está focando a atenção na sua doença ou nos seus sintomas, desvie-a para assuntos de boa qualidade, tais como leitura, música, cinema ou até mesmo um bom programa de TV. Trabalhos manuais costumam ser muito eficazes no combate aos pensamentos negativos. Alimente-se bem e beba o suficiente para manter seu corpo bem hidratado. Uma dieta equilibrada, rica em ferro, vitaminas, proteínas e carboidratos, é fundamental para que seu organismo possa produzir glóbulos vermelhos em quantidades suficientes para a manutenção de um bom nível de energia. Pequenas refeições a curtos intervalos de tempo também são recomendáveis. Seu médico poderá orientá-lo sobre a dieta mais adequada para você e, caso julgue necessário, irá prescrever vitaminas e complementos alimentares para suplementá-la. Lidando com a fadiga no ambiente de trabalho Dados obtidos em recentes pesquisas mostram que 80% dos pacientes com câncer mantêm suas atividades TENHO CÂNCER. E AGORA? 101 102 profissionais durante o período de tratamento. Se for esse o seu caso, uma conversa franca com colegas, subalternos e chefes sobre sua doença e as limitações pelas quais está passando (tais como a fadiga) é fundamental para que você se sinta confortável em seu ambiente de trabalho. Fale sobre suas atuais condições de produtividade e remaneje suas metas de maneira realista, de modo a poder cumprilas. Explique aos seus colegas o que é a fadiga, como e por que ela ocorre. Quanto mais informações eles tiverem, melhor poderão apoiá-lo, além de evitar eventuais mal-entendidos. Procure administrar bem o seu tempo e delegue poderes para dedicar-se ao que realmente interessa. Não tenha vergonha de falar sobre suas limitações e de pedir ajuda. Se, apesar de tudo isso, você sentir que seu desempenho permanece aquém do razoável, considere a possibilidade de um afastamento temporário. Sua saúde vale mais do que a sua “produtividade”. 103 Questões emocionais Constatar que você está sempre cansado, sem energia para levar sua vida como antes, não é nada agradável e normalmente traz à tona sentimentos de angústia e impotência. Esses costumam ser os dois maiores temores dos pacientes portadores de uma doença crônica: sofrimento físico e sentir-se um peso, um estorvo para os entes queridos. Essas emoções, difíceis de lidar, poderão dificultar o relacionamento com a família e amigos, piorando ainda mais a situação. Se você e seus familiares têm sentido dificuldades para lidar com esses sentimentos, peça que seu médico indique um grupo de apoio, com profissionais capacitados para fornecer-lhes suporte emocional. TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 1 alimento construtor 19 104 + nutrição e câncer Alimentação é um item importante que deve ser observado com atenção durante o tratamento do câncer. É comum o paciente com câncer apresentar diminuição do apetite e/ou sintomas (náuseas, vômitos, diarréia, prisão de ventre e dificuldades de deglutição) relacionados à doença ou aos seus tratamentos, resultando em menor aceitação alimentar. Quando ele come menos do que o necessário, o organismo passa a usar as suas reservas, aproveitando a energia contida na gordura e também nos músculos. Ao longo do tempo, o paciente emagrece e os seus músculos diminuem de tamanho, deixando-o mais fraco. Se a falta de nutrientes no organismo for prolongada, começa a prejudicar sua capacidade de reparação e de defesa contra agentes infecciosos. Entretanto, nem todo paciente perde peso. Comendo mais, ao mesmo tempo em que diminuem suas atividades físicas, muitos pacientes chegam a engordar durante o tratamento. Por isso, é importante estar atento ao próprio peso e manter uma dieta balanceada e saudável. O que é uma refeição saudável? Refeição saudável é uma porção de alimentos que contém nutrientes (proteínas, carboidratos, gorduras, vitaminas, sais minerais e fibras) em quantidade adequada para suprir as necessidades do organismo. Para que isso ocorra, deve-se consumir diariamente uma variedade de alimentos TENHO CÂNCER. E AGORA? 1 alimento regulador + 1 alimento energético { { { constrói, mantém e repara os tecidos do organismo. Carnes, leguminosas, ovos e leite. regula as funções do organismo e auxilia a digestão. Frutas, verduras e legumes. fornece energia para as atividades diárias. Açúcar, óleo, pães, cereais e feculentos. 1 refeição saudável cujas propriedades forneçam os nutrientes essenciais, na proporção ideal. Tanto a falta como o excesso podem causar desequilíbrio. Nutrição durante o tratamento do câncer Quanto MAIS BEM nutrido você estiver, MAIOR será a sua tolerância aos tratamentos. Isto é, pacientes que seguem uma dieta balanceada têm melhores condições de suportar os efeitos colaterais da quimioterapia, radioterapia ou cirurgia. Isso não significa que você deve comer muito, e sim comer BEM. As reservas de energia são importantes para os períodos em que os efeitos colaterais dos tratamentos ficam mais acentuados. A seguir, algumas sugestões para atenuar os possíveis efeitos colaterais provocados pelos tratamentos. TENHO CÂNCER. E AGORA? 105 INAPETÊNCIA A perda do apetite pode ocorrer como conseqüência direta da doença ou em decorrência de sintomas como de febre, problemas gastrointestinais, efeitos colaterais do tratamento ou provocados por questões emocionais. Orientações: ◗ faça várias refeições por dia; ◗ dê preferência a alimentos de que você gosta; ◗ evite situações de estresse durante as refeições; ◗ experimente lanches frios, iogurtes, sorvetes, pudins ou sucos de frutas entre as refeições; ◗ se puder, faça algum exercício físico, com orientação prévia do seu médico. 106 Náuseas e vômitos As drogas usadas na quimioterapia vêm sendo cada vez mais eficazes e menos tóxicas. Mesmo assim, náuseas e vômitos ainda acometem muitos pacientes, trazendo-lhes conseqüências indesejáveis como perda de apetite, desnutrição, além de desânimo, fraqueza e desmotivação para continuar o tratamento. Orientações: ◗ dê preferência aos alimentos frios ou gelados, como iogurtes, queijos frescos, frutas cozidas ou frescas, gelatinas e sorvetes. Picolés de frutas, iogurtes batidos com polpa de frutas costumam ser bem aceitos; ◗ após as refeições, faça repouso mantendo a cabeça e os ombros em posição mais elevada; ◗ procure alimentar-se nos momentos em que sentir menos enjôo. Não force a TENHO CÂNCER. E AGORA? alimentação se já estiver com náuseas; ◗ coma devagar, mastigando bem os alimentos; ◗ faça várias pequenas refeições por dia, diminuindo as quantidades, para facilitar a digestão; ◗ evite tomar líquidos durante as refeições. Quando estiver com náuseas, procure ingeri-los nos intervalos, dando preferência a água ou sucos naturais gelados; ◗ se o aroma de algum alimento incomodar você, afaste-se do local; ◗ procure não ficar muito tempo de estômago vazio; tenha sempre por perto torradas ou biscoitos de água e sal e coma alguns, de vez em quando, entre as refeições. Mucosite Os agentes quimioterápicos bloqueiam alguns processos metabólicos das células malignas. Entretanto, as células sadias, com características parecidas, também são afetadas, como as da mucosa oral, por exemplo. Orientações: ◗ evite alimentos muito quentes, condimentados ou ácidos e bebidas alcoólicas; ◗ não use fio dental na fase aguda da mucosite e dê preferência a escovas de dentes com cerdas bem macias; ◗ use anti-sépticos bucais, recomendados pelo médico ou pela enfermagem; ◗ não fume nenhum tipo de tabaco; ◗ caso use próteses dentárias removíveis, retire-as sempre que possível, mantendo-as higienizadas, para que não acumulem bactérias; TENHO CÂNCER. E AGORA? 107 ◗ consuma alimentos macios, evitando alimentos ásperos ou pontiagudos que podem machucar e irritar a mucosa. Purês, cremes, sopas, pudins e sorvetes são os mais indicados. Dificuldade para engolir Pacientes em tratamento quimioterápico, bem como os que têm a área cervical (pescoço) irradiada, costumam queixar-se de dificuldades para deglutir os alimentos. Isso ocorre devido à irritação da mucosa do tubo digestivo, que tende a desaparecer logo após o término do tratamento. 108 Orientações: ◗ consuma alimentos pastosos, liquidificados, como purês, caldos, pudins, musses e gelatinas; ◗ evite alimentos muito quentes ou excessivamente gelados. O ideal é estarem na temperatura ambiente; ◗ beba devagar, em pequenos goles, usando canudo se preferir; ◗ incline a cabeça um pouco para trás, a fim de facilitar a deglutição; ◗ evite alimentos ásperos, secos, ácidos ou picantes; ◗ divida sua dieta em várias refeições pequenas. Boca seca Pacientes em tratamento radioterápico de cabeça e pescoço, dependendo da área irradiada, podem sentir alterações em suas glândulas salivares, com diminuição temporária da produção de saliva, o que talvez cause secura na boca. Esse efeito colateral costuma desaparecer, gradativamente, após o término do tratamento. TENHO CÂNCER. E AGORA? Orientações: ◗ tenha sempre à mão uma garrafa de água, para poder beber quando sentir a boca seca; ◗ prefira alimentos pastosos, liquidificados, como purês, cremes, pudins, musses e sorvetes; ◗ umedeça os alimentos em caldos ou sucos, maionese, iogurte ou molhos, para torná-los mais fáceis de deglutir; ◗ chupe balas ou mastigue goma de mascar (de preferência, sem açúcar); ◗ evite lamber os lábios: isso irá ressecá-los ainda mais, ao invés de umedecê-los; ◗ passe manteiga de cacau ou batom incolor nos lábios; ◗ algumas gotas de limão sob a língua podem estimular a produção de saliva (caso não tenha mucosite); ◗ converse com o seu médico ou a sua enfermeira sobre a possibilidade de você utilizar saliva artificial. Prisão de ventre Prisão de ventre (obstipação intestinal) é um dos possíveis efeitos colaterais provocados por certos tipos de quimioterápicos, caracterizando-se por fezes excessivamente sólidas, muito pequenas, pouco freqüentes ou difíceis de expelir. A prisão de ventre costuma causar sensação de estufamento após as refeições, eructações (arrotos) e flatulência (formação de gases). Essas situações desconfortáveis e inconvenientes podem ser evitadas com dieta adequada. Consuma alimentos laxativos, incluindo-os gradativamente na dieta. São eles: TENHO CÂNCER. E AGORA? 109 – encharcam-se de água, aumentando o bolo fecal. São encontrados no farelo de aveia, nas algas em geral, em feijões e frutas como laranja, mamão, pêra, uva, ameixa, mexerica, abacaxi (principalmente na casca e no bagaço) e em frutas secas como uva passa, figo, ameixa e damasco. ALIMENTOS RICOS EM FIBRAS INSOLÚVEIS – também aumentam o bolo fecal, evitando a reabsorção de água pelo intestino. Estão presentes nas cascas e nos cereais integrais, nas verduras de folhas e no farelo de trigo. SEMENTES OLEAGINOSAS – seu maior benefício é a lubrificação intestinal. São as nozes, avelãs, amêndoas, castanhas, o amendoim e pistache. ALIMENTOS RICOS EM FIBRAS SOLÚVEIS 110 Sugestões de ações laxativas: ◗ ferva 1 xícara de água com com 6 ameixas secas, coe e tome à noite ou, em jejum, pela manhã; ◗ tome 1 colher de sopa de azeite pela manhã, em jejum; ◗ dê preferência a pães integrais, arroz integral e massas verdes e/ou integrais; ◗ consuma bastante líquido, no mínimo dois litros por dia, nos intervalos das refeições; ◗ tome sucos de frutas laxativas sem coar; ◗ mastigue bem os alimentos; ◗ faça exercícios leves e caminhadas diariamente. Não tome nenhuma medicação laxativa antes de consultar o seu médico. Diarréia Alguns quimioterápicos, bem como a radioterapia apliTENHO CÂNCER. E AGORA? cada na região abdominal e pélvica, podem provocar diarréia. Geralmente, esse efeito colateral é controlado com dietas apropriadas. Orientações: ◗ consuma pequenas porções de alimentos durante o dia; ◗ beba de oito a dez copos de líquido ao dia (de preferência, entre as refeições), para repor o que foi perdido nas evacuações. Ex.: água-de-coco, bebidas isotônicas, soros para hidratação, limonada suave; ◗ alimente-se com chá, torradas, bolachas, pão branco, frutas cozidas sem casca (maçã, pêra), batata cozida ou assada, arroz e legumes bem cozidos (exceto vagem ou ervilha), carnes ou peixes magros grelhados, massas bancas sem molho, refogadas em pouca manteiga ou margarina; ◗ evite frituras, alimentos gordurosos ou muito condimentados, feijões e grãos, verduras de folha, café, doces concentrados, bebidas alcoólicas ou gasosas e frutas laxativas; ◗ frutas cozidas ou assadas, como banana e maçã, são bem toleradas; ◗ procure não fazer atividades físicas logo após as refeições; ◗ evite alimentos muito quentes ou gelados; ◗ se tiver flatulência (gases), mastigue bem os alimentos com a boca fechada, evitando falar, para não engolir ar. Substitua o açúcar por adoçante artificial. Alteração do paladar Alterações do paladar e do olfato são freqüentes e contribuem para a diminuição do apetite do paciente em trataTENHO CÂNCER. E AGORA? 111 mento contra o câncer. São variáveis e geralmente provocam mudanças no reconhecimento dos sabores doce, salgado e amargo. Dificuldades na distinção dos sabores amargo e salgado podem ocasionar aversão à carne vermelha. Orientações: ◗ dê preferência aos alimentos frios, como sanduíches, frutas frescas, gelatinas, musses; ◗ alimentos lácteos, como iogurtes, queijos frescos, sorvetes e vitaminas com leite e com frutas são bem tolerados. 113 112 TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 20 114 que que que que lidando com a dor A dor não é uma simples sensação como enxergar ou ouvir. É muito mais complexa. Aristóteles descreveu-a como “uma paixão da alma”. Ela, certamente, reflete a maior área de interação entre o corpo e a mente. A dor tem diferentes origens e sua intensidade pode ser alterada não apenas pelos medicamentos, mas também pelo humor, moral e pelo significado que ela tem para cada indivíduo. Viver com o câncer é difícil e, muitas vezes, traz conseqüências como perda de energia, do emprego, dependência financeira, entre outras. Esses fatores desencadeiam sentimentos como raiva, ansiedade e desânimo, que podem aumentar o grau de sensibilidade à dor, formando um círculo vicioso que deve ser quebrado. Muitas pessoas crêem ser normal sentir dor, que não vale a pena tratá-la e que suportá-la sem reclamar é uma provação pela qual devem passar corajosamente. Não acredite nisso! Você não precisa se submeter ao “castigo” de conviver com a dor, que pode comprometer seriamente a qualidade da sua vida. A dor merece atenção e tratamento adequado. Não tratá-la leva a um desperdício de energia e a um sofrimento tão inúteis quanto os descritos nos versos de Carlos Drummond de Andrade: João amava Tereza que amava Raimundo TENHO CÂNCER. E AGORA? amava Maria amava Joaquim amava Lili não amava ninguém. A dor provoca tensão, que aumenta a ansiedade, que afeta o sono, que leva ao cansaço, que causa desânimo, que desencadeia depressão, que tira o apetite, que dá uma fraqueza que não tem fim. Por que você está sentindo dor? A dor pode ocorrer por inúmeras razões, como, por exemplo, uma infecção que se manifesta de forma dolorosa, um tumor que pode estar pressionando um órgão vizinho ou um nervo, ou ser secundária ao próprio tratamento cirúrgico, radioterápico ou quimioterápico. Às vezes, a dor ocorre em lugares distantes do tumor, porque os nervos podem estar conduzindo-a pelo corpo. Por exemplo: uma dor causada por um tumor localizado no tórax, que é sentida nos ombros ou no braço. A essa dor, chamamos de reflexa. Você deve comunicar ao seu médico toda dor que sentir, lembrando sempre de que você está suscetível a dores de cabeça ou musculares como sempre esteve, mesmo antes de ter câncer. Descrevendo sua dor Às vezes, é difícil, mas, se você conseguir descrever sua dor com precisão, seu médico poderá solucioná-la com maior facilidade. Quanto melhor você descrevê-la, mais condições ele terá para ajudá-lo. Responder a algumas perguntas pode facilitar a descrição: TENHO CÂNCER. E AGORA? 115 ◗ Onde é a dor? ◗ Dói em uma ou mais partes do corpo? ◗ Começa em um lugar e se irradia para outras partes do corpo? ◗ Como é a dor? É intensa ou apenas dolorida? Arde, lateja ou dá pontadas? ◗ É semelhante a alguma dor que já sentiu antes? ◗ É superficial ou profunda? ◗ Qual a intensidade? Tente compará-la a alguma que já teve antes, como dor de cabeça, dor de dente, dor nas costas, cólicas ou dor de parto. Existe algo que alivia ou piora a dor? Por exemplo: você se sente melhor em pé, sentado ou deitado? 116 ◗ Calor ou frio ajudam? ◗ Você consegue controlar a dor com analgésico? ◗ Consegue distrair-se vendo TV, escutando música ou lendo um livro, por exemplo? ◗ A dor é constante? Ela vai e vem? Piora à noite? Não deixa você adormecer? Interrompe o seu sono? Se você tivesse de dar uma nota, de 0 a 10, para a sua dor, qual seria? ESCALA DE DOR ESCALA DA DOR nenhuma dor dor extrema 0 2 4 6 8 10 TIPO DA DOR ❑ constante ❑ com pontadas TENHO CÂNCER. E AGORA? ❑ intermitente ❑ aguda ❑ irradiada para onde ❑ profunda ❑ latejante Com uma descrição detalhada, você ajudará o médico a entender melhor o porquê de sua dor e, depois de medicá-lo, ele poderá observar como evolui o processo. Pela internet, entrando no site www.abcancer.org.br, você encontrará uma FICHA DE AVALIAÇÃO DE DOR que poderá ser útil na hora de descrever sua dor. Você poderá preenchê-la e enviá-la ao seu médico, via e-mail ou fax, ou entregar-lhe pessoalmente, na sua próxima consulta. Muitas coisas podem interferir em sua sensação dolorosa, variando sua intensidade. Todos nós lidamos melhor com qualquer tipo de dor quando estamos felizes e relaxados. Portanto, é importante que você relate ao médico outras questões, além da dor, que o estão preocupando. Quanto mais informações você lhe fornecer, maiores chances ele terá de utilizar os recursos apropriados para o seu caso específico. Tratando sua dor Muitas pessoas suportam a dor até seu limite máximo sem recorrer a analgésicos, acreditando que, se ficarem tomando remédio sempre que sentirem uma “dorzinha”, seu organismo ficará “acostumado” e, então, o remédio não fará efeito quando sentirem dores mais fortes. Isso não é verdade. Existem vários tipos de analgésicos para diferentes graus de dor. Portanto, não é preciso suportar nenhuma dor. Seu médico tem condições de receitar analgésicos leves, moderados ou potentes, sempre levando em conta a intensidade da dor. A escolha do analgésico dependerá do tipo e da gravidade da dor a ser tratada. Felizmente, existe uma vasta gama de analgésicos disponíveis no mercado, sob forma de TENHO CÂNCER. E AGORA? 117 118 comprimido, gotas ou injetável. Como toda medicação, os analgésicos são prescritos para serem tomados ou injetados a intervalos regulares. Por esse motivo, não espere a dor recomeçar para tomar a sua medicação, pois, assim, você sofrerá desnecessariamente até que o remédio seja absorvido pelo seu organismo e comece a agir. A dose de analgésico prescrita pelo seu médico deverá ser suficiente para controlar a sua dor até a próxima dose. Se ela voltar antes da hora da próxima dose, avise seu médico. Assim, ele poderá aumentar a dose, diminuir os intervalos ou mudar a medicação. Siga à risca a prescrição médica. Alguns pacientes fazem alterações nas doses ou nos intervalos entre elas por conta própria, para não “incomodar” o médico “à toa”. Acredite: o que costuma “incomodar” um médico é saber que seu paciente está sofrendo à toa. Uma nova forma potente de controle de dor é feita por meio de analgésico transdérmico. Difere dos outros por ser aplicado através de um adesivo colado à pele, que vai liberando a medicação gradativamente, necessitando de troca apenas a cada três dias. Seu médico poderá, também, juntamente com o analgésico, receitar antiinflamatórios, antidepressivos ou outras medicações. A combinação de várias drogas facilitará a eliminação da dor, atacando as diversas causas que possam ter provocado o seu aparecimento. Muitas pessoas não têm a necessidade de aumentar ou trocar a medicação durante meses e, se as dores diminuírem, as doses poderão ser diminuídas, com a devida supervisão médica. Ficar dependente de analgésicos fortes, como morfina, TENHO CÂNCER. E AGORA? é uma preocupação comum entre os pacientes. É muito pouco provável que você fique “viciado”, pois as doses que seu médico receitar serão calculadas de acordo com a sua necessidade. Se as doses de morfina tiverem de ser aumentadas, isso não significa, necessariamente, que a doença piorou, mas que suas dores aumentaram. Leva algum tempo até que as necessidades de cada organismo sejam atendidas, portanto, tenha paciência, mas não sofra em silêncio. Quando a dor não estiver sendo aliviada com medicação ou com outros procedimentos já mencionados, informe seu médico. Recursos cirúrgicos simples, realizados ambulatorialmente (sem necessidade de internação), podem, em muitos casos, resultar em alívio da dor. O importante é que você saiba que uma equipe de profissionais está à sua disposição para ouvi-lo e oferecer-lhe recursos para aliviar ou eliminar a dor, proporcionando-lhe uma melhor qualidade de vida. Outros métodos de controle da dor podem ser usados, conjugados ou não com analgésicos, como a radioterapia ou até bloqueio de nervos. Seu médico poderá explicar-lhe como esses recursos funcionam e indicá-los, se considerar adequado para o seu caso. Conforme já mencionado, a ansiedade e depressão podem piorar a dor. Pessoas com câncer deveriam poder falar sobre suas preocupações e medos com alguém próximo ou com um terapeuta especializado em trabalhar com pacientes com câncer. Ele poderá escutar os seus problemas e ajudá-lo a organizá-los e colocá-los nas suas reais dimensões. Ele também poderá auxiliá-lo nas resoluções de problemas práticos e de suporte. Relaxamento, visualização ou a combinação das duas TENHO CÂNCER. E AGORA? 119 120 técnicas podem contribuir para diminuir a dor. A aplicação dessas técnicas varia, mas o objetivo é sempre o mesmo: aliviar tensões, ansiedades e outros fatores emocionais que possam acentuar a sensação da dor. A acupuntura tem sido muito utilizada como terapia complementar no controle da dor. Hipnose é uma outra técnica de controle de dor por meio da qual algumas pessoas sentem-se beneficiadas. Um profissional qualificado pode ajudá-lo diretamente e também ensinar técnicas de auto-hipnose. Não estamos sugerindo que esses recursos sejam “curas milagrosas” contra dor, mas, juntamente com os analgésicos, poderão ser de grande utilidade. Medicamento e suporte caminham juntos. Um sem o outro não é suficiente. O segredo é encontrar a combinação certa de recursos e medicamentos específicos para o seu caso e adaptá-los ou mudá-los, sempre que necessário. O que sua família e amigos podem fazer por você Os medicamentos são a base do controle da dor, mas representam apenas um dos aspectos do tratamento. Existem muitas coisas que seus familiares podem fazer para que você se sinta mais confortável e tenha sua dor aliviada. É importante explicar-lhes exatamente como você se sente e avisá-los quando você precisar de ajuda. Por vezes, familiares ou amigos também não sabem ao certo como lidar com tudo isso, mas ficar junto, saber escutar e entender, muitas vezes, é o suficiente. Explique-lhes isso. A forma como você está sentado ou deitado pode afetar a sua dor e o que agora parece ser confortável pode ser desconfortável em 15 ou 20 minutos. Se for preciso, peça que alguém o ajude a mudar de posição. TENHO CÂNCER. E AGORA? É bom trocar a roupa de cama com maior freqüência do que normalmente. A pessoa doente se sente melhor quando volta para uma cama fresca, com lençóis esticados. Travesseiros usados como apoio podem ajudar a reduzir dores no pescoço ou nas costas. Não é preciso ser um massagista profissional para aliviar dores nas costas ou em qualquer parte do corpo com massagens suaves. Com leves toques na área dolorida, conseguese confundir as mensagens de dor que os nervos enviam ao cérebro e, ao mesmo tempo, relaxar a musculatura. Assistir televisão, escutar música ou conversar com alguém não vão diminuir suas dores, mas ajudarão a distrair sua atenção delas, pelo menos por algum tempo. Visitas curtas e freqüentes são melhores que as muito longas. São menos cansativas e mais variadas. Ficar sentado ou deitado sem fazer nada costuma ser deprimente. Atividades, mesmo que de curta duração, podem ajudar a levantar o ânimo e a lidar melhor com a dor. Um detalhe importante Dizer que está sob controle é bem mais fácil do que realmente estar. Até o mais forte de nós se intimida diante de um jaleco branco de médico. Quando você não está se sentindo bem, sente dores ou está preocupado, é difícil fazer as perguntas certas e formulá-las como você realmente gostaria. Assim, muitas vezes, quando médicos ou enfermeiras apressados e ocupados lhe perguntam: “Como vai?”, você se espanta ao ouvir a sua própria voz respondendo: “Bem, obrigado…” e ao vê-los se afastando com um sorriso satisfeito. Não deixe que isso aconteça com você! Se algo não vai bem, não tenha vergonha nem medo de “incomodá-los”. TENHO CÂNCER. E AGORA? 121 Para superar a dor, a preocupação e a angústia provocadas pelo câncer, seus tratamentos e efeitos colaterais, é necessário o esforço de toda uma equipe e, para melhores resultados, você precisa de todos ao seu lado. 123 122 TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? 21 depressão 124 Depressão não é apenas sentir-se “pra baixo” ou desanimado. É muito mais do que sentir-se triste. Estar deprimido é diferente das sensações de tristeza que fazem parte da vida de todos nós. Para uma pessoa deprimida, esses sentimentos podem ser persistentes, incapacitantes e desproporcionais a qualquer causa externa. Quem sofre de depressão não tem condições de livrarse dela simplesmente com as próprias forças e sentir-se bem. Sem tratamento adequado, os sintomas podem persistir por semanas, meses ou anos. A depressão não ocorre por sua culpa. Não é uma fraqueza. É uma doença que, assim como qualquer outra, pode e deve ser tratada, pois afeta os pensamentos, os sentimentos e as atitudes. Geralmente, vem acompanhada de alterações do humor, sono, apetite e de outras funções do organismo. Possíveis causas da depressão A depressão pode ser provocada por fatores genéticos, biológicos, psicológicos ou circunstanciais, isolados ou combinados entre si, tais como: ◗ história familiar; ◗ alterações hormonais, como hipotireoidismo; ◗ uso de drogas ou álcool; ◗ certos medicamentos; ◗ doenças crônicas, como AIDS ou câncer; ◗ doenças psiquiátricas. TENHO CÂNCER. E AGORA? Algumas situações de estresse intenso ou uma perda importante podem desencadear depressão. Muitas vezes, a depressão pode surgir mesmo quando tudo vai muito bem na vida da pessoa. É importante lembrar que depressão não é resultado de fraquezas pessoais, preguiça ou falta de força de vontade. Depressão não é sua culpa! É uma doença tratável. Depressão e câncer A confirmação de um diagnóstico de câncer pode desencadear depressão em pacientes ou em seus familiares. Sem ajuda profissional, é quase impossível superar a depressão causada pelos obstáculos psicológicos que o câncer provoca. Obstáculos psicológicos Quase sempre, o diagnóstico e os tratamentos de câncer são acompanhados por problemas sociais e psicológicos que, geralmente, não são relatados ao médico. Dessa forma, essas questões costumam passar despercebidas, não recebendo a devida atencão, e acabam transformando-se em obstáculos psicológicos que podem aumentar as chances de ocorrência de depressão. Tais obstáculos podem ser: ◗ INCERTEZAS SOBRE O FUTURO – pacientes com câncer têm constantes e inevitáveis dúvidas sobre cura, opções e eficácia de tratamentos, recidiva etc. ◗ BUSCA POR SIGNIFICADOS – questionamentos tais como “Por que eu?” ou “Ou que eu fiz para merecer isto?” são recorrentes entre a maioria das pessoas com câncer. Geralmente, elas lidam TENHO CÂNCER. E AGORA? 125 melhor com as adversidades provocadas pela doença quando encontram explicações aceitáveis. ◗ PERDA DE CONTROLE – familiares de pacientes costumam excluí-los de decisões quanto ao seu tratamento. O isolamento deixa o paciente desesperançoso, o que pode levar à depressão. ◗ ISOLAMENTO – a palavra câncer ainda é um estigma. Em muitos casos, amigos e familiares acham difícil manter o mesmo contato depois do diagnóstico de câncer. Não sabem o que dizer ou como agir. ◗ FALTA DE APOIO DO MÉDICO – muitos pacientes não expõem seus problemas emocionais ao médico, com receio de incomodá-lo ou por acreditarem que esses problemas nada têm que ver com a doença. 126 Como reconhecer a depressão Muitos não procuram tratamento para sua depressão porque não reconhecem os sintomas. Pessoas com depressão sentem-se deprimidas quase todos os dias, durante o dia inteiro, por 15 dias seguidos, pelo menos. Os sintomas a seguir costumam estar presentes em quase todos os casos de depressão. Geralmente, a pessoa não apresenta todos eles, mas apenas alguns, com intensidade suficiente para interferir no seu funcionamento normal. Estes incluem, no mínimo, um dos seguintes sintomas: ◗ falta de interesse por coisas que antes davam prazer; ◗ crises de choro freqüentes; ◗ sensação de tristeza ou de “baixo astral” durante a maior parte do dia. Devem, ainda, ocorrer, pelo menos, três dos sintomas a seguir: TENHO CÂNCER. E AGORA? ◗ ◗ ◗ ◗ ◗ ◗ ◗ ◗ ◗ ◗ sensação de inutilidade ou de culpa; aumento ou perda de apetite; pensamentos sobre morte ou suicídio; dificuldade de relacionamento interpessoal, tendência ao isolamento; irritabilidade; dificuldades de concentração, de tomar decisões; lapsos de memória, dificuldade de relembrar fatos; dificuldade para adormecer ou dormir demais; negligência com a higiene, falta de asseio; falta de energia ou cansaço o tempo todo. A depressão, muitas vezes, é acompanhada também por sintomas físicos ou psicológicos: ◗ dores de cabeça; ◗ dores em geral; ◗ problemas digestivos; ◗ problemas sexuais; ◗ pessimismo e desesperança; ◗ ansiedade e preocupação. Alguns desses sintomas podem ser provocados pelos efeitos colaterais dos tratamentos contra câncer, bem como pela própria doença. Somente seu médico oncologista poderá distinguir a origem dos sintomas. Cabe a ele medicá-lo ou encaminhá-lo a um especialista, para tratamento específico. Como é tratada a depressão Os tratamentos mais comuns são: ◗ MEDICAMENTO ANTIDEPRESSIVO – o objetivo do TENHO CÂNCER. E AGORA? 127 128 tratamento medicamentoso é eliminar todos os sintomas da depressão e não apenas melhorar um sintoma específico, como, por exemplo, a insônia. Existem vários tipos de antidepressivos. Cada um deles age de forma diferente. Os seus sintomas e a história médica e familiar vão ajudar o médico na escolha do medicamento e da dose ideal para o seu caso. É importante lembrar que antidepressivos não viciam e tampouco causam dependência física. ◗ PSICOTERAPIA – o objetivo do tratamento psicoterápico é auxiliar o paciente a reconhecer os sintomas, lidar melhor com seus obstáculos e superar as dificuldades e limitações geradas pela doença primária (câncer) e pela depressão. A psicoterapia, como tratamento único, nem sempre é suficiente para curar a depressão. ◗ MEDICAMENTO ANTIDEPRESSIVO ASSOCIADO À PSICOTERAPIA – no tratamento combinado, o medicamento é usado para tratar dos sintomas da depressão enquanto a psicoterapia atua na resolução dos efeitos que os sintomas da depressão causam na vida cotidiana. Evite tomar decisões importantes durante o episódio depressivo. Se for impossível adiar uma tomada de decisão importante, peça ajuda a seu médico ou terapeuta ou a alguém em quem você confie. A prática de exercícios moderados pode ser benéfica em casos de depressão leve. Converse com seu médico a respeito; ele poderá indicar alguns exercícios. Algumas pessoas, por desconhecerem o que é a depressão, tentarão convencê-lo a “ser mais forte”, “ter mais coragem” para superar seu desânimo. Não se deixe influenciar por esse tipo de discurso. Lembre-se: você não tem culpa de estar deprimido e não tem como deixar de sentir-se assim com mais ou com menos coragem. 129 O que você pode fazer a seu favor Respeite suas limitações. Não espere fazer tudo que estava acostumado a fazer. Estabeleça metas compatíveis com sua condição atual. Pensamentos negativos, auto-reprovação, desânimo, sensação de fracasso e outras idéias desse tipo fazem parte do quadro depressivo. Tenha em mente que os pensamentos negativos irão desaparecer na medida em que você superar a depressão. TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA? MAURÍCIO JAYME E SILVA 22 130 os direitos dos pacientes Não é preciso contratar advogado para exercer os direitos previstos em lei aos pacientes portadores de câncer. Não se trata de uma tarefa difícil. Burocrática e lenta, sim. Mas sempre vale a pena! “Apesar da burocracia e das dificuldades enfrentadas, especialmente indiferença, preconceito e insinuações humilhantes ao longo do caminho, o exercício dos nossos direitos é gratificante. Pude sentir que estou viva – mesmo acometida pela doença e durante o árduo tratamento – e que mereço respeito e dignidade em minha nova condição de vida.” JULIANA CRISTINA FINCATTI MOREIRA, 27 ANOS, DIAGNOSTICADA DE CÂNCER DE MAMA EM 2004. O grande problema está na falta de informação da população. Os direitos dos pacientes com câncer até podem ser localizados com facilidade em alguns sites de internet. Mas, como em uma receita de bolo, não bastam os ingredientes, é preciso saber o preparo: aonde ir, o que fazer, quem se beneficia, quais são os documentos necessários e o impacto que isso causará. Os direitos previstos em lei em casos de câncer são muitos e variados. Difícil fazer uma lista, pois a legislação brasileira concede benefícios legais específicos para determinados tipos de câncer que não poderão ser exercidos por TENHO CÂNCER. E AGORA? portadores de outros tipos da doença. Vão desde o resgate do Fundo de Garantia (FGTS), válido a todos, passando por casos de gratuidade para cirurgia de reconstituição mamária no SUS e nos planos de saúde, resgate de seguros de vida e planos de previdência privada e isenção de impostos, até a quitação de financiamentos imobiliários. PARA SABER MAIS No site da Associação Brasileira do Câncer (www.abcancer.org.br), você encontra informações detalhadas sobre todos os direitos do pacientes com câncer, assim como documentos necessários, pacientes beneficiados, modelos de requerimentos exigidos e endereços e telefones dos órgãos públicos. Basta entrar na seção “Câncer e cidadania” e acessar o Guia da Cidadania do Paciente com Câncer. Este Guia também está disposnível em versão impressa, à venda em livrarias por R$ 10,00. Todo o dinheiro arrecadado com a venda da cartilha será revertido aos projetos da Associação. Há informações claras e precisas sobre os direitos dos pacientes também no site do Instituto Nacional do Câncer (www.inca.gov.br) e em páginas on-line escritas por pacientes que já passaram por essa experiência. A ex-paciente e advogada Antonieta Barbosa publicou um livro chamado Câncer, Direito e Cidadania, muito útil aos pacientes. DICAS Guarde bem seus documentos ◗ É com base neles que os pacientes com câncer comprovarão tudo aquilo que pedirem a órgãos públicos como Receita Federal e INSS ou a entidades privadas como bancos, planos de saúde e outros. É muito importante que os pacientes com TENHO CÂNCER. E AGORA? 131 132 câncer tenham em mãos as vias originais de seus laudos médicos, exames, atestados, biópsias, radiografias e tomografias. ◗ Eventualmente, podem ser importantes também os laudos e exames médicos, as radiografias e as tomografias realizados antes do diagnóstico do câncer, como, por exemplo, para comprovar que a doença não era preexistente em caso de questionamento dos planos de saúde. Guarde-os muito bem. Todos esses documentos são essenciais para que os pacientes com câncer possam exercer seus direitos. Tire cópias autenticadas dos seus documentos ◗ Os documentos originais devem ficar sempre em casa, em lugar seguro, mas de fácil acesso. As cópias autenticadas têm o mesmo valor que as vias originais e, para o exercício dos seus direitos, nenhum órgão, público ou privado, poderá exigir a entrega do documento original ou se recusar a aceitar as cópias autenticadas. Conheça seus direitos antes de exigi-los ◗ Isso evitará perda de tempo e dinheiro e desgastes desnecessários. Antes de ir a qualquer repartição pública ou privada para exercer seus direitos, consulte o Guia da Cidadania do Paciente com Câncer. Ele foi elaborado para conter todas as informações necessárias para que os pacientes com câncer possam exercer seus direitos previstos em lei. Se possível, entre em contato antes com a repartição para certificar-se sobre horários de funcionamento, documentos importantes, previsão de atendimento, possibilidade de agendamento de TENHO CÂNCER. E AGORA? horário, endereço, formulários e tudo o mais que for necessário para o exercício dos seus direitos. Protocole todos os seus requerimentos ◗ Todos os requerimentos deverão ser feitos em duas vias. Uma, com as cópias autenticadas dos documentos que acompanharão o requerimento, deverá ser entregue ao órgão para o qual o direito está sendo pleiteado. A outra deverá ser bem guardada pelo paciente. Essa via deverá conter o carimbo do órgão que recebeu a documentação e a data do protocolo. Outros documentos importantes Tenha sempre em casa os seguintes documentos. Quando solicitados, apresente a cópia autenticada: ◗ Certidões de nascimento, casamento, divórcio, óbito, dos pacientes e de seus dependentes; ◗ Carteira de Trabalho e Previdência Social; ◗ Carnês de contribuição previdenciária; ◗ Contratos de plano de saúde, de seguros e de financiamento da casa própria; ◗ Cartão do PIS/PASEP; ◗ Extratos do FGTS; ◗ Declarações do Imposto de Renda; ◗ Contracheques; ◗ Carta de concessão da aposentadoria; ◗ Outros documentos que possam comprovar situações previstas em lei, que garantam direitos. Caso você não tenha mais algum documento médico exigido, é necessário elaborar um requerimento dirigido ao médico, ao hospital ou ao posto de saúde onde foi realizaTENHO CÂNCER. E AGORA? 133 do o atendimento médico. Felizmente, todos os dados dos prontuários médicos dos pacientes são arquivados e protegidos pelo Código de Ética Médica. Por ele, os interessados (pacientes e familiares), e somente eles, podem ter acesso às informações arquivadas. Esse requerimento deverá ser feito em duas vias. Uma via, protocolada, ficará com o paciente e a outra com o médico, o hospital ou o posto de saúde, conforme o caso. Peça sempre uma previsão de entrega dos dados e anote o telefone do local, para que você possa acompanhar por telefone se os dados já estão disponíveis. 135 134 TENHO CÂNCER. E AGORA? TENHO CÂNCER. E AGORA?