Coração das Trevas e a Ideologia Imperialista Por Juliana Moura, Natasha Piedras e Nathália Machado. *Charge criada por David Bainbridge, cujo título é The Mad Scramble for Africa. Antropologia e Imperialismo “Cultura, ou civilização... é este todo complexo que inclui conhecimento, crença, arte, leis, moral, costumes, e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem enquanto membro da sociedade.” (Tylor, 1871) Percebe-se que nesta definição existe a associação “cultura – civilização”. Essa concepção, utilizada pela Antropologia, legitimou a expansão colonial européia. Nesse sentido, as teorias Antropológicas da época da definição de cultura de Tylor passam a ser fundadas no evolucionismo, influenciadas pela Teoria da Evolução das Espécies proposta por Darwin. Para a Antropologia as diversidades culturais seriam fundamentadas na crença da unidade do gênero humano e, desta forma, estudadas como etapas de um único processo evolutivo que culminaria no branco europeu. A partir dessas concepções, caberia ao dito civilizado levar o progresso aos povos que ainda não haviam atingido este estágio1. Segundo Hobsbawm, a partir de 1875, iniciou-se um novo modelo de império - o colonial - representado pelas potencias industriais européias. Inseridas no sistema colonial, as nações colonizadas tornaram-se fornecedoras de matérias-primas imprescindíveis à expansão industrial, base para a economia, que, segundo Hobsbawm, já era “globalizada”. * Mapa que ilustra a partilha da África pelas potencias européias antes de 1914. 1 Cf. Giberto Velho e Eduardo Castro, 1978. * Foto de um chefe com uma tribo do Congo francês. Dentro desse contexto, analisaremos o livro de Joseph Conrad, “Coração das Trevas”, publicado pela primeira vez em 1902, que em mais de um século possuiu inúmeras edições e diversas traduções2. Devido a sua importância, como não poderia deixar de ser, recebeu diversas interpretações. O livro é construído a partir do relato do narrador secundário Marlow – capitão inglês a serviço de uma companhia de exploração de marfim. Marlow atravessa o interior da floresta africana em busca de Kurtz, um dos maiores caçadores de Marfim dessa companhia. A narração de Marlow é permeada pelo imaginário em relação à Kurtz e ao encontrá-lo, se depara com um homem doente, que não agüenta a viagem de volta. Segundo Alencastro, a narrativa de Conrad possui duas linhas de interpretação. A primeira estaria mais relacionada às ações do Imperialismo, enquanto a segunda, após o encontro com Kurtz, se relacionaria a inquietação existencial, causada pelo afastamento dos laços sociais devido à distância de sua sociedade de origem e das pessoas próximas. O trabalho será construído a partir da explicitação das interpretações mais usuais, atualmente, sobre a obra de Conrad - a de Chinua Achebe e a de Edward W. Said. A análise antropológica foi explicitada acima como recurso para desconstruir a interpretação que enxerga a obra de Conrad como imperialista, assim como para fundamentarmos os argumentos sobre nossa visão do objetivo do autor: uma denúncia ao imperialismo. 2 Letras. A edição utilizada é de 2008, traduzida por Sérgio Flaksman, da Editora Companhia das (Re)leituras de “Coração das Trevas” A interpretação de Achebe considera “Coração das Trevas” uma obra Imperialista, onde haveria a dicotomia entre a África e a Europa. Esta seria o centro da civilização, enquanto aquela apareceria como um território selvagem. Para ele, a narrativa seria fundamentalmente eurocêntrica e não se preocuparia, de fato, com o território e o povo africano. Desta forma, ambos seriam apenas “panos de fundo” para o desenvolvimento das concepções européias. Além disso, para Achebe, o autor evidencia a incapacidade dos povos africanos de pronunciar corretamente a língua inglesa. Essa colocação deixaria evidente a sua concepção do europeu como a frente do povo colonizado. Conrad seria, portanto, um homem de sua época, influenciado pelas concepções racistas enraizadas na mentalidade européia. Por outro lado, Said, em seu livro “Cultura e Imperialismo”, enxerga a obra de Conrad como uma tentativa de denuncia das ações imperialistas, todavia, percebe limitações nesse objetivo. A visão antiimperialista estaria limitada à denuncia da violência e do sofrimento vivido pelos povos africanos. Segundo Said, Conrad, em sua narrativa, não poderia apreender alternativas futuras aos africanos, senão o Imperialismo. Como uma obra de sua própria época, não poderia conceber a liberdade aos nativos, mesmo reconhecendo e criticando os abusos sofridos por eles. O autor, apesar de reivindicar o que fora tomado pelo imperialismo, não consegue concluir que seu fim é necessário para que os nativos tenham sua própria vida, livres da dominação imperial. Tendo em vista as concepções supracitadas, buscaremos traçar nosso ponto de vista. Seguindo nossas análises da obra de Conrad e utilizando a argumentação desenvolvida por Raquel Gomes, explicitaremos divergências com as idéias propostas por Achebe. Em relação ao proposto por Said, concordaremos em parte com seus pensamentos acerca da obra de Conrad, uma vez que ele reconhece a denúncia das atrocidades promovidas em nome do Imperialismo. A fim de legitimar o caráter antiimperialista de “Coração das Trevas”, buscaremos enfatizar os pontos em que este se distancia do discurso antropológico da época. Através da exposição de trechos do próprio livro, percebemos seu distanciamento do pensamento tradicional europeu: “Um silêncio imponente em volta e no alto. Talvez, em alguma noite serena, a pulsação de tambores distantes, sumindo, engrossando, uma pulsação vasta, débil; um som estranho, sedutor, sugestivo e selvagem – e com um significado tão profundo, talvez, quanto o repicar de sinos numa terra cristã.” Podemos perceber que, ontologicamente, o rito africano é igualado ao cristianismo europeu, através da associação do som dos tambores com o repicar dos sinos. Nesse sentido, nota-se o distanciamento do discurso antropológico de fins do século XIX, já que a cultura africana não é vista como primitiva em relação à européia. Outra questão relevante vincula-se à forma como Conrad considera o viés irracional da ação imperialista. Através disso, inverte a noção de que os africanos, como selvagens, alcançariam a civilização devido a lógica da ação colonizadora. Destaca-se o trecho: “Certa vez, lembro-me de termos encontrado um navio de guerra ancorado ao largo da costa. Não havia nem um abrigo sequer por lá, mas eles estavam bombardeando a mata. (...) Na vastidão deserta de terra, céu e mar, ali estava ele, incompreensível, atirando num continente. (...) Havia um quê de loucura no procedimento, uma impressão de brincadeira sinistra na visão”. *** A edição utilizada no trabalho traz uma mudança no título tradicional da obra de Conrad. Anteriormente usava-se a denominação “No Coração das Trevas”, passando, então, a utilizar o título “Coração das Trevas”. Segundo Alencastro, esta nova tradução seria mais pertinente, uma vez que o título original é “Heart of Darkness”. Julgamos que as questões relacionadas ao título estão além de uma tradução mais fidedigna. A nova tradução “Coração das Trevas” possui um caráter mais subjetivo que a anterior. Ela leva-nos a questionar o que seria, de fato, o coração das trevas. Seria a ação Imperialista? Ou o próprio interior da África Equatorial? O caráter subjetivo pode ser encontrado em toda obra, o que gerou e continuará gerando diferentes interpretações, de acordo com as questões pertinentes de cada época e as vivências de cada leitor. Filmografia Apocalypse Now (Apocalypse Now), Francis Ford Coppola, 1979 (Estados Unidos). O homem que queria ser rei (The man who would be king), Jonh Huston, 1975 (Estados Unidos). O Elo Perdido (Man to Man), Régis Wargnier, 2005 (França, África do Sul, Inglaterra) Zulu (Zulu), Cy Endfield, 1964 (Inglaterra). Biblografia ALENCASTRO, Luiz Felipe. Persistência de Trevas. In: CONRAD, J. O coração das trevas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. CONRAD, J. O coração das trevas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. GOMES, Raquel Gryszczenko Alves . O lugar das trevas: Leituras e releituras de O Coração das Trevas em tempos de pós-modernismo. Disponível em:http://veredasdahistoria.kea.kinghost.net/edicao1/03_artigo_lugar_trevas.pdf. HOBSBAWN, Eric J. A Era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2010. SAID, Edward W. Cultura e imperialismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. VELHO, Gilberto & CASTRO, Eduardo B. Viveiros de. O conceito de cultura e os estudo das sociedades complexas: uma perspectiva antropológica. Artefato, ano I, n. 1, jan. 1978, p. 4-9. Fonte das imagens: http://www.infoescola.com/historia/imperialismo-na-africa/ (acessado pela última vez em 21/06/11) http://marcos-silveira-marcos.blogspot.com/ (acessado pela última vem em 21/06/11) http://civilizacoesafricanas.blogspot.com/2010/06/um-pedaco-de-bolo-no-meioda-africa.html (acessado pela última vez em 21/06/11)