103 Original Lóbulo paracentral humano: contribuição à microneurocirurgia endoscópica e à neuroimagem Human Paracentral lobule: contribution to endoscopic microneurosurgery and neuroimaging Luiz Carlos Buarque de Gusmão1, Jaqueline Silva Brito Lima2, André Marinho Vitório Cavalcante3, Daniel Fonseca Oliveira3 RESUMO ABSTRACT Objetivo: Trata-se de um estudo anatômico que visa estudar os sulcos que delimitam o lóbulo paracentral (LPC). Objective: This is an anatomical study about the sulci that surround the paracentral lobule (PCL). Material e Métodos: Foram analisados 45 hemisférios telencefálicos, sendo 25 direitos e 20 esquerdos, delimitandose o LPC e verificando se existiam sulcos anômalos ou interrompidos. Material and Methods: We analyzed 45 telencephalic hemispheres, 25 right and 20 left, bordering the PCL to verify whether there are any abnormal or interrupted sulci. Resultados: O sulco paracentral, limite anterior do LPC, é ramo exclusivo do sulco do cíngulo em 88,9% dos casos. Em 11,1 %, esse sulco é formado por um ramo ascendente do sulco do cíngulo e por um ramo descendente da superfície súpero-lateral do hemisfério telencenfálico. Em 80 % dos casos, o sulco paracentral apresenta interrupção em seu trajeto. O ramo marginal do sulco do cíngulo, limite posterior, encontra-se interrompido em 15,55% dos casos. O sulco do cíngulo, limite inferior, encontra-se interrompido em 4,44% dos casos. Conclusões: Os resultados obtidos permitem uma melhor compreensão acerca da delimitação do LPC, fornecendo subsídios anatômicos para a neuroimagem e neuroendoscopia. Palavras chaves: Encéfalo, Córtex cerebral, neuroendoscopia, neuroimagem. Results: The paracentral sulcus, at the anterior border of the LPC, is in 88.9% of cases a unique branch of the cingulate sulcus. In 11.1% it is formed by an ascending branch of the cingulate sulcus and a descending branch of the superolateral surface of the telencephalic hemisphere. In 80% of cases the course of the paracentral sulcus is interrupted. The marginal branch of the cingulate sulcus, posterior border of the PCL, is interrupted at 15.55% of cases. The cingulate sulcus, lower border of the PCL, is interrupted at 4.44% of cases. Conclusions: The results allow a better understanding of the sorroundings of the PCL, providing anatomical information for neuroimgaging and neuroendoscopy. Key words: Brain, Cerebral Cortex, Neuroendoscopy, Neuroimaging. 1 - Mestre e Doutor em Anatomia Humana; Professor da Universidade Federal de Alagoas e Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões - Maceió / AL / Brazil. 2 - Mestra em Anatomia Humana e Professora da Universidade Federal de Alagoas - Maceió / AL / Brazil. 3 - Estudantes de Medicina e Monitores de Anatomia Humana - Maceió / AL / Brazil. * Trabalho realizado no Departamento de Morfologia da Universidade Federal de Alagoas. Recebido em 14 de janeiro de 2012, aceito em 19 de fevereiro de 2012 Gusmão LCB, Lima JSB, Cavalcante AMV, Oliveira DF - Lóbulo paracentral humano: contribuição à microneurocirurgia endoscópica e à neuroimagem J Bras Neurocirurg 23 (2): 103-107, 2012 104 Original Introdução Baseado em critérios embriológicos, o cérebro é dividido em diencéfalo e telencéfalo. O telencéfalo, por sua vez, é formado por dois hemisférios laterais e uma parte mediana. Por necessidades clínicas, a superfície dos hemisférios telencefálicos é dividida em lobos, e estes, em giros e lóbulos, separadas por giros11. Na face medial do hemisfério telencéfalico, acima do corpo caloso, o telencéfalo é subdividido em partes, denominadas de: giro do cíngulo, cúneos, pré-cúneos, lóbulo paracentral e a parte medial do giro frontal superior21,23. O lóbulo paracentral (LPC) é um giro quadrilátero localizado na superfície medial do hemisfério telencefálico, correspondendo a partes do lobo frontal e do lobo parietal, recebendo esta denominação em razão de suas relações com o sulco central4,7,11,24. Esse lóbulo une o giro pós-central ao giro pré-central por uma prega, denominada prega fronto-parietal superior5,9. O LPC é delimitado: superiormente pela margem superior do hemisfério telencefálico; anteriormente pelo sulco paracentral; inferiormente pelo sulco do cíngulo e posteriormente pelo ramo marginal do sulco do cíngulo3,11,15,18. O sulco do cíngulo apresenta-se contínuo em mais de 80 % dos hemisférios estudados em amostra de imagens de ressonância magnética de alta definição16. Já em amostra de hemisférios cerebrais formolizados, esse sulco aparece contínuo em cerca de 51% dos casos14,19,25. O sulco paracentral pode aparecer de quatro formas ou padrões morfológicos: ele pode se apresentar como um ramo do sulco do cíngulo; como um sulco da superfície súpero-lateral; como ambos, sendo um ramo do sulco do cíngulo e um ramo da superfície súpero-lateral; ou como uma extensão do segmento posterior do sulco do cíngulo14. Em amostras de imagem de ressonância magnética, o sulco paracentral é formado por um ramo do sulco do cíngulo e um ramo da superfície súpero-lateral em 100% dos casos8. O ramo marginal do sulco do cíngulo apresenta-se sem interrupção em seu trajeto até a margem supero-lateral do hemisfério cerebral em 80% dos casos10. O sulco central projeta-se no interior do LPC em 65% dos casos, dividindo parcialmente o LPC em uma parte anterior, cuja função é motora, e uma parte posterior que tem função sensi- tiva.10,13 A parte anterior é responsável pelo controle da musculatura esquelética dos membros inferiores e da musculatura do períneo, o que torna essa área importante no controle dos esfincteres vesical e anal, sendo, por isso, considerada a região do centro cortical da micção e da defecação2,22. Já a parte posterior, continuação do giro pós-central, está relacionado com a sensibilidade dos membros inferiores e períneo6. Apesar de não ser possível precisar a localização da representação da genitália através de estimulação cortical, evidências clínicas sugerem que essa região esteja no LPC17. Clinicamente, o LPC é uma região não raramente acometida por crises convulsivas focais e neoplasias, além disso, é uma das áreas mais comprometidas quando há obstrução da artéria cerebral anterior1. Dada à complexidade de funções e a localização do LPC, as lesões nele cituadas, especialmente aquelas consideradas profundas, são um dos maiores desafios da neurocirurgia devido às injurias causadas durante o acesso cirurgico, que frequentemente levam a déficits motores e/ou sensitivos12. O desenvolvimento dos acessos transsulcal, transciternal e transfissural utilizados pela microneurocirurgia endoscópica moderna, minimizou os déficits causados pela cirurgia convencional, ao passo que tornou imprescindível o conhecimento anatômico dos sulcos cerebrais, como meio de localização e de acesso cirúrgico20. A fim de contribuir com o avanço desses acessos, os autores estudaram os sulcos que delimitam o LPC, fornecendo subsídios sobre as variações anatômicas que podem confundir o cirurgião e o imaginologista no diagnóstico e tratamento de anomalias vasculares, tumorais e isquêmicas nessa região. Material e Métodos Foram analisados 45 hemisférios telencefálicos, sendo 25 direitos e 20 esquerdos, pertencentes a indivíduos adultos, de ambos os sexos, fixados em formaldeíldo a 10%, e pertencentes ao Laboratório de Anatomia da faculdade de medicina da Universidade Federal de Alagoas. Seguindo os critérios utilizados na literatura, o LPC foi delimitado e verificou-se, então, se existiam sulcos anômalos, ou interrompidos, que pudessem prejudicar ou confundir os limites deste lóbulo. Gusmão LCB, Lima JSB, Cavalcante AMV, Oliveira DF - Lóbulo paracentral humano: contribuição à microneurocirurgia endoscópica e à neuroimagem J Bras Neurocirurg 23 (2): 103-107, 2012 105 Original Resultados Quadro 1. Limites do LPC. Distribuição dos casos de acordo com a interrupção no trajeto dos sulcos. Trajeto Interrompido (% de casos) Trajeto Não-Interrompido (% de casos) TOTAL ( % de casos) LIMITE INFERIOR: Sulco do cíngulo 43 (95,56%) 2 (4,44%) 45 (100%) LIMITE SUPERIOR Margem superior do hemisfério cerebral 0 (0%) 45 (100%) 45 (100%) LIMITE ANTERIOR Sulco paracentral 36 (80%) 9 (20%) 45 (100%) LIMITE POSTERIOR Ramo marginal do sulco do cíngulo 7 (15,55%) 38 (84,45%) 45 (100%) Foram identificados os limites do LPC, bem como os sulcos contidos no seu interior, e estes foram separados nos tópicos a seguir. 1 - Quanto aos limites do LPC: 1.1 - Limite superior Em 100% dos casos, a margem superior do hemisfério telencefálico foi o limite superior do LPC. 1.2 - Limite inferior: Em 43 casos (95,56%), o sulco do cíngulo apresentava-se sem interrupções. Em 2 casos (4,44%) o sulco do cíngulo estava interrompido. 1.3 - Limite posterior: Todos os casos apresentavam o ramo marginal do sulco do cíngulo como seu limite posterior. O ramo marginal ascendia à margem superior do telencéfalo, onde em 38 casos (84,45%) invadia a face superior. Apenas em 7 casos (15,55%) esse sulco apresentou interrupção em seu trajeto. 1.4 - Limite anterior: Em 9 casos (20%) o sulco paracentral chegava à margem superior do encéfalo. Estes casos apresentavam sulcos bem definidos. Em 36 casos (80%) o sulco paracentral estava interrompido. Foi analisada também a formação do sulco paracentral de acordo com os padrões citados por Ono et al.(1990). Assim, foi possível observar que, em 40 casos (88,9%), o sulco paracentral foi formado apenas por um ramo ascendente proveniente do sulco do cíngulo, enquanto em 5 casos (11,1%), esse sulco estava constituído por um ramo ascendente do sulco do cíngulo e por um ramo descendente da superfície súpero-lateral. A C C B B D D A C E C E B 2 - Quanto aos sulcos no interior do LPC: D Em todos os casos foram encontrados sulcos de formas variadas na superfície do LPC; oblíquos, longitudinais, em cunha e horizontais, mas sem repetição significativa. Em 40 casos (88,9%), o sulco central invadia o LPC através da margem superior. B D Figura 1: a) Sulco central; b) Sulco paracentral; c) Ramo marginal do sulco do cíngulo; d) Sulco do cíngulo; e) Sulcos no interior do LPC. Gusmão LCB, Lima JSB, Cavalcante AMV, Oliveira DF - Lóbulo paracentral humano: contribuição à microneurocirurgia endoscópica e à neuroimagem J Bras Neurocirurg 23 (2): 103-107, 2012 106 Original Discussão Nossos achados não diferiram da literatura quanto aos limites do LPC. O sulco do cíngulo é a grande referência na delimitação do LPC, visto que constitui o seu limite inferior e emite os ramos marginal e paracentral, que representam, respectivamente, os limites posterior e anterior. O sulco do cíngulo apresentouse contínuo em 95,56% dos casos, o que está próximo aos resultados citados por Paus et al16 que foi de 80%, porém são muito superiores aos apresentados por Ono et al14, Weinberg25 e Retzius19, respectivemente, 58%, 54% e 41%. Isso se deve provavelmente aos critérios utilizados por esses autores para considerar a descontinuidade do sulco. O sulco paracentral é o limite anterior do LPC, porém é um sulco muito variável. De acordo com os padrões citados por Ono et al14, observamos que na maioria dos casos (88,88%) esse sulco é formado somente por um ramo ascendente proveniente do sulco do cíngulo, enquanto que em 11,1 % é constituído por um ramo ascendente do sulco do cíngulo e por um ramo descendente proveniente da superfície súperolateral do hemisfério cerebral. Desse modo, nossos resultados divergem dos encontrados por Grosbras et al8, os quais, utilizando imagens de ressonância magnética, encontraram em todos os 10 hemisférios estudados, o padrão em que o sulco paracentral é formado pelo ramo ascendente do sulco do cíngulo e pelo ramo descendente da superfície lateral do hemisfério telencefálico. O ramo marginal do sulco do cíngulo é o limite posterior do LPC e frequentemente (84,45%) este ramo chega até a margem superior do hemisfério telencefálico, invadindo sua superfície súpero-lateral. Esse resultado está próximo ao citado por Lürders & Comair10, os quais relatam que o ramo marginal invade a superfície súpero-lateral em 80 % dos casos. Na literatura pesquisada, não houve citação da ocorrência de outros sulcos, além da projeção do sulco central, no interior do LPC. Entretanto, nossos resultados demonstram que existem outros sulcos de morfologia variável, oblíquos, longitudinais, em cunha e horizontais, no interior do LPC; entretanto, a percentagem em que esses sulcos se repetem nos hemisférios cerebrais é muito baixa para serem anatomicamente significativos. Apesar disso, é importante ter o conhecimento dos mesmos, já que esses sulcos podem ser causas de confusão na delimitação do LPC em imagens do encéfalo. O sulco central, por sua vez, encontra-se frequentemente no interior do LPC (88,88%), sendo, portanto, um bom parâmetro para localização do LPC em imagens do encéfalo. Esses resultados divergem dos citados por Lürders & Comair10, que foi de 65%. Devido a essa intima conexão com o LPC, o sulco central deverá ser uma via de acesso cirúrgico a ser utilizado pela microneurocirurgia endoscópica, a fim de diagnosticar e tratar lesões situadas profundamente no lóbulo paracentral. Referências 1. Bruni JE, Montemurro DG, editors. Human Neuroanatomy: a text, brain atlas, and laboratory dissection guide. New York: Oxford University Press; 2009. 2. Campbell WW, editor. DeJong’s: the neurologic examination. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. 3. Carpenter MB, editor. Neuroanatomia Humana. Rio de Janeiro: Interamericana; 1978. 4. Chusid JG, editor. Neuroanatomia correlativa & Neurologia funcional. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1972. 5. Erhart AE, editor. Neuroanatomia. São Paulo: Atheneu; 1968. 6. Fisch A, editor. Neuroanatomy: Draw it to know it. New York: Oxford University Press; 2009. 7. Goss CM, editor. Gray Anatomia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1988. 8. Grosbras M H, Lobel E, Van de Moortele P F, Lebihan D, Berthoz A. An anatomical landmark for the supplementary eye fields in human revealed with functional magnetic resonance imaging. Cerebral Cortex. 1999; 9 (7): 705-11. 9. Latarjet M, Ruiz- Liard A, editors. Anatomia Humana. São Paulo: Medicina Panamericana; 1989. 10. Lürders HO, Comair YG, editors. Epilepsy Surgery. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001. 11. Machado A, editor. Neuroanatomia funcional. São Paulo: Atheneu; 2002. 12. Mikuni N, Hashimoto N. A minimally invasive transsulcal approach to the paracentral inner lesion. Minim Invas Neurosurg. 2006; 49(5): 291–95. 13. Noback CR, Strominger NL, Demarest RJ, Ruggiero DA, editors. The human nervous system: structure and function. Totowa: Humana Press; 2005. 14. Ono M, Kubik S, Abernathey CD, editors. Atlas of the cerebral sulci. Stuttgart: Thieme; 1990. 15. Orts-Llorca F, editor. Anatomia Humana. Barcelona: Editorial Científico-Medica; 1964 16. Paus T, Tomaiuolo F, Otaky N, MacDonald D, Petrides M, Atlas J, et. al. Human Cingulate and Paracingulate Sulci: Pattern, Variability, Asymmetry, and Probabilistic Map. Cerebral Cortex. 1996; 6 (2): 207-14. Gusmão LCB, Lima JSB, Cavalcante AMV, Oliveira DF - Lóbulo paracentral humano: contribuição à microneurocirurgia endoscópica e à neuroimagem J Bras Neurocirurg 23 (2): 103-107, 2012 107 Original 17. Penfield W, Rasmussen T, editors. The cerebral cortex of man: a clinical study of localization of function. New York: Mac Millan; 1950. 18. Ranson SW, Clark L, editors. Anatomia del sistema nervioso. Mexico: Interamericana; 1983. 19. Retzius G. Das Menschenhirn. Stockholm: Norstedt soner; 1896. 20. Ribas GC, Yasuda A, Ribas EC, Nishikuni K, Rodrigues AJ. Surgical anatomy of microneurosurgical sulcal key points. Neurosurgery. 2006; 59 (4):177-211. 21. Segala N, editor. Neuroanatomia Funcional: perguntas e respostas. Rio Grande do Sul: Edições UFSM; 1987. 22. Singh V, editor. Textbook of Clinical Neuroanatomy. Noida: Elsevier; 2004. 23. Testut L, Latarget A, editors. Compendio de Anatomía descriptiva. Barcelona: Salvat; 1945. 24. Truex RC, Carpenter MB, Mosovich A, editors. Neuroanatomia humana. Buenos Aires: El Ateneo; 1967. 25. Weinberg R. Die Gehirnform der Polen. Z Morphol Anthropol. 1905; 8: 123-214, 279-424. Autor Correspondente Prof. Dr. Luiz Carlos Buarque de Gusmão Condominio Aldebaran Alfa Quadra F, nº 08. Tabuleiro dos Martins CEP: 57080-900. Maceió-AL. BRASIL [email protected] Gusmão LCB, Lima JSB, Cavalcante AMV, Oliveira DF - Lóbulo paracentral humano: contribuição à microneurocirurgia endoscópica e à neuroimagem J Bras Neurocirurg 23 (2): 103-107, 2012