Fitorremediação de solos contaminados com metais pesados O solo foi, é, e continuará a ser - a par dos sedimentos – um dos principais receptores de metais pesados. Aí são depositados ou enterrados, apesar da existência de algumas leis que visam a sua protecção. Esta contaminação tem sobretudo as origens seguintes: - municipal e industrial: esgotos, aterros, injecção de efluentes em furos, deposição de lamas de depuração em zonas agrícolas, bacias e lagoas para efluentes líquidos e lamas, parques de lamas, tanques de armazenamento, subterrâneo ou não, cemitérios e contentores de resíduos, instalações de incineração, condutas e valas de transporte de efluentes, derrames, etc - agrícola: aplicação de fertilizantes e pesticidas, em especial - e outra: exploração mineira, exploração petrolífera, estações de serviço, bases e actividades militares, oleodutos, tráfego, deposição atmosférica, etc. No solo, os metais pesados tendem a ligar-se fortemente às argilas e outras partículas, concentrando-se e acumulando nas camadas superiores. No entanto, se estes elementos se tornarem mais móveis, podem ser “lavados”, acumulando-se nas águas subterrâneas. E nesse caso, a qualidade das águas subterrâneas, que muitas vezes podem ser utilizadas no abastecimento doméstico, industrial ou para rega pode piorar. O risco para a Saúde Pública ocorre se os metais forem assimilados pelas raízes das plantas ou pelos organismos presentes no solo, propagando-se ao longo da cadeia alimentar. A fitorremediação pode ser definida como, o uso de vegetação in situ para o tratamento de solos contaminados. Como ilustrado na Figura 1, as plantas podem remediar os solos contaminados com metais pesados através dos seguintes mecanismos: 1 Fitorremediação de solos contaminados com metais pesados • absorção e acumulação dos metais pesados nos tecidos das plantas (fitoextracção). • adsorção dos metais no sistema radicular, imobilizando os contaminantes (fitoadsorção). • libertação para o solo de oxigénio e outros compostos, que podem imobilizar os metais pesados (fitoestabilização). • estimulação da biorremediação por fungos ou outros microrganismos localizados no sistema solo-raíz (rizorremediação). Figura 1 - Mecanismos de fitorremediação de solos contaminados com metais pesados. 2 Fitorremediação de solos contaminados com metais pesados O Quadro 1 resume as vantagens da fitorremediação de solos contaminados com metais pesados mas também as suas limitações. Quadro 3.3 - Vantagens e limitações da Fitorremediação. Vantagens Limitações Baixo custo Melhoria da paisagem Fornece cobertura para a vida animal Reduzido impacte ambiental Os metais não são remediados, se não estiverem ao alcance das raízes. Tratamento adequado a solos cuja contaminação está localizada à superfície (< 5m). Tecnologia ainda em desenvolvimento e portanto, ainda não aceite por organismos reguladores Aceitação pelo público Útil em locais onde a quantidade de solo a Tratamento mais lento do que pelas técnicas descontaminar é muito elevado físico-químicas tradicionais (dura pelo menos o Redução da dispersão aérea de contaminantes e tempo de crescimento da planta) poeiras (são armadilhados na vegetação) Se a concentração de metais no solo é muito Redução das escorrências retidas pela vegetação) superficiais (são tóxica, a vegetação pode não se desenvolver Se as plantas libertarem compostos que Redução dos lixiviados e do transporte dos permitam o aumento da mobilidade dos metais, contaminantes no solo (são retidos pela estes em vez de serem depois assimilados pelas vegetação) plantas podem ser “lavados” para as águas O produto final (a planta) pode ser valorizado subterrâneas economicamente. Possibilidade de reciclagem As plantas são, em geral, selectivas no metal a dos metais remediar, embora possam ocasionalmente Útil na remediação de solos contaminados com remediar mais do que um metal misturas heterogéneas (orgânicos e metais) Conhece-se pouco sobre o cultivo, a genética, a A colheita das plantas que acumularam os metais reprodução e as doenças das plantas pesados é fácil de realizar com a tecnologia fitorremediadoras existente A área a descontaminar deve ser suficiente para Processo mais facilmente controlado do que com permitir a aplicação de técnicas de cultivo microrganismos (suficiente para colocar um tractor, p. ex.) Tecnologia que fornece a sua própria energia As plantas fitoextractoras colhidas ainda não são (pela fotossíntese) comercializadas Pode haver propagação da contaminação na cadeia alimentar se as plantas acumuladoras forem ingeridas por animais As plantas podem não se adaptar às condições climatéricas e ambientais dos solos a descontaminar, p. ex. temperaturas muito elevadas ou muito negativas, défice de água No campo da fitorremediação de solos contaminados com metais pesados, a fitoextracção tem sido a técnica mais estudada, devido sobretudo, à possibilidade de elevada eficiência que pode apresentar e também à possível valorização económica. 3 Fitorremediação de solos contaminados com metais pesados A acumulação de metais pelas plantas só é eficiente se o contaminante for depois removido do solo, através, por exemplo, da colheita da matéria vegetal. Se a maior parte dos metais pesados capturados se localizar na parte aérea das plantas, a colheita poderá ser realizada utilizando os métodos de agricultura tradicionais. Em geral, é necessário colher as plantas antes da queda das folhas ou antes da sua morte e decomposição, de modo a que os contaminantes não se dispersem ou retornem ao solo. Depois da colheita, a biomassa deverá ser processada para extracção e recolha da maior parte dos metais. Se forem solos com Ni, Zn, Cu ou Co, o valor do metal extraído pode incentivar a remediação. Alternativamente, o volume ou o peso da biomassa podem ser reduzidos por meio de processos térmicos, físicos, químicos ou microbiano. No caso da queima das plantas, por exemplo, a energia produzida representa uma valorização económica do processo. E as cinzas podem ser tratadas como um minério, do qual pode ainda ser extraída a contaminação metálica (especialmente, se as cinzas estiverem enriquecidas em apenas um ou dois metais). Em alguns casos, a remoção é realizada espontaneamente, por volatilização dos metais absorvidos pela vegetação. É o caso, por exemplo, do metalóide selénio, que se volatiliza em alguns sistemas vegetativos, sob a forma de dimetilselenídeo (Se(CH3)2) e dimetildiselenídeo (Se2(CH3)2). O arroz, os bróculos, as couves, e algumas outras plantas, são capazes de volatilizar o selénio. Foi também já desenvolvido um método para a volatilização do mercúrio. Este método envolve a introdução do gene bacteriano, reductase do ião mercúrico, que reduz o catião ao metal (Hg), que é volátil à temperatura ambiente, nas plantas. 4 Fitorremediação de solos contaminados com metais pesados Materiais de construção Sub-produtos valorizáveis: Óleos, açúcares, ácidos gordos, proteínas, vitaminas, substâncias tensioactivas, substâncias farmacológicas Produção de pasta para papel Extracção dos metais Fibra Outros ex: aditivo em rações ou em solos, como suplemento proteico e/ou mineral Valorização Combustão, Gasificação, Pirólise Produção de energia Aplicação de técnicas electroquímicas e/ou adição de agentes correctores ao solo (ácidos, agentes quelantes, agentes redutores, substâncias tensioactivas) Resíduo Fermentação a metanol ou etanol Processamento: processos térmicos, físicos, químicos ou microbianos Fitovolatilização Colheita Metabolização Aumento da disponibilidade dos metais Deposição translocação para outras zonas da planta Acumulação pelas raízes Figura 2 - Processos envolvidos na fitoextracção. Um amplo número de factores influencia largamente a absorção dos metais pesados pela planta. São factores que se relacionam com o solo, com as condições climatéricas e com as características da própria planta. Algumas plantas são hiperacumuladoras de metais, ou seja são capazes de absorver, através das suas raízes, teores muito elevados destes contaminantes. Durante centenas de anos, os prospectores de cobre ou de outros metais, usavam esta informação para encontrar minérios preciosos localizados perto da superfície. Esta capacidade desenvolveu-se provavelmente durante longos períodos de tempo à medida que as plantas cresciam em solos contendo elevadas concentrações de metais pesados, como por exemplo os solos perto de extrações mineiras. A 5 Fitorremediação de solos contaminados com metais pesados hiperacumulação pode ter evoluído, também, como mecanismo de adaptação contra os herbívoros. Efectivamente, os teores elevados em metais nas folhas, defendem a planta contra herbívoros (especialmente insectos) e contra microrganismos patogénicos, protegendo a planta de doenças e pestes. A maioria das espécies hiperacumuladoras são provenientes dos trópicos, e pertencem sobretudo à família das Euforbiáceas. Nos climas temperados o maior número de espécies pertence à família das Brassicáceas. Espécies do género Thlaspi, são capazes de acumular zinco, cádmio ou chumbo, espécies do género Alyssum, acumulam elevadas quantidades de níquel e algumas cultivares de Brassica juncea podem acumular e tolerar Pb, Cd, Cr, Ni, Zn, Se e Cu. São, geralmente, plantas com flores muito bonitas, atraíndo facilmente um elevado número de predadores potenciais (Figura 3), podendo haver propagação da contaminação ao longo da cadeia alimentar. O risco pode ser minorado se fôr colocada uma protecção em rede em volta da cultura, ou se fôrem colocados reflectores metálicos ou instrumentos com ruído que afugentem os animais. Por outro lado, alguns estudos mostram que os insectos preterem as plantas que acumularam metais, às plantas sem acumulação. a) b) Figura 3 - a) Thlaspi caerulescens. b) Brassica juncea. As plantas hiperacumuladoras são relativamente raras, existindo geralmente em áreas geograficamente remotas ou distribuindo-se em zonas ameaçadas pela devastação da actividade mineira. Efectivamente, a maioria das plantas com características hiperacumuladoras de metais, encontram-se nos trópicos e sub6 Fitorremediação de solos contaminados com metais pesados trópicos e nas zonas montanhosas como os Alpes e as Montanhas Rochosas, áreas que sobreviveram à Era Glaciar. Além disso, o seu potencial de exploração, como meio de descontaminação dos solos, é claramente limitado pela baixa produção que apresentam. Por exemplo, da hiperacumuladora de Pb Thlaspi rotundifolium só se consegue obter 5 a 50 mg de tecido seco, por planta, após cinco meses de crescimento. Por outro lado, as plantas com elevadas produtividades acumulam geralmente pequenas quantidades de metais pesados, e se estes estiverem disponíveis em concentrações moderadas. Estas características das plantas, assim como a disponibilidade dos metais pesados no solo, influenciam fortemente o tempo necessário para a descontaminação, que pode variar entre um a centenas de anos, o que pode comprometer a utilização desta técnica. Assim, o progresso na área da fitoextracção pode ter várias opções: a) Recolha e identificação de espécies de plantas em áreas onde os solos contêm teores superiores ao normal em metais pesados, devido a factores geológicos ou à poluição. b) Aumento da produção das hiperacumuladoras. A optimização das práticas agrícolas, como a irrigação, a fertilização, a aplicação de correctores, a plantação ou a data da colheita, pode incrementar em cerca de 25%, a produtividade destas culturas. A selecção dos melhores genótipos e um programa de multiplicação de sementes poderá, também, contribuir para o aumento da produtividade. O aumento da biomassa pode também ser obtido, por exemplo, através do cruzamento com plantas aparentadas que tenham uma maior produtividade, originando variedades de crescimento mais rápido e de maior produtividade. c) Aumento da quantidade e da velocidade de acumulação dos metais. Vários aspectos da estrutura das raízes das plantas podem ser melhorados. Raízes mais profundas aumentam a profundidade a partir da qual o contaminante pode ser retirado do solo por fitoextracção. Também o aumento da densidade das raízes no solo torna a extracção mais eficiente. O conhecimento mais profundo dos mecanismos fisiológicos, bioquímicos, moleculares e dos genes envolvidos na hiperacumulação em espécies tolerantes aos metais pesados, pode fornecer a base para o melhoramento do seu desempenho em termos de tolerância e acumulação de metais. 7 Fitorremediação de solos contaminados com metais pesados Outro objectivo, é o desenvolvimento de plantas transgénicas, com maior capacidade de acumulação de metais, mas em que a acumulação permaneça e se localize apenas nas raízes. Desta forma, pode haver uma redução do movimento dos metais ao longo da cadeia alimentar e, particularmente, a diminuição de metais pesados, como o cádmio, nas folhas do tabaco. Em muitos casos a fitorremediação é considerada como um passo de polimento final, para encerramento de locais após terem sido aplicadas outras tecnologias de remediação. A combinação de diferentes técnicas de remediação deverá ser um ponto chave na investigação futura, de forma a optimizar as eficiências dos diferentes processos. Efectivamente, nenhuma tecnologia é, por si só, universalmente aplicável com o mesmo sucesso a todos os tipos de contaminantes e em todos os locais. Sobretudo nos casos em que a poluição é provocada por mais de um tipo de contaminante, será necessário utilizar mais de uma técnica de remediação para resolver eficazmente os problemas de contaminação. Bibliografia consultada Baird, C. (1999) Environmental chemistry, 2nd ed. W.H. Freeman and Company, New York, EUA, 557 p. Baker, A.J.M., McGrath, S.P., Reeves, R.D. and Smith, J.A.C. (2000) Metal hyperaccumulator plants: a review of the ecology and physiology of a biological resource for phytoremediation of metalpolluted soils. In: Terry, N. and Bañuelos, G. (eds), Phytoremediation of contaminated soil and water, Lewis Publishers, Boca Raton, EUA, pp 85-107. Bañuelos, G.S. 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