Braphupada Foi Anibal Barca e Seneca

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BRAPHUPADA FOI
ANÍBAL BARCA E SÊNECA
Luiz Guilherme Marques
1
As revelações sobre vidas passadas podem
acontecer de muitas maneiras, mas é sempre
bom conferir os dados para não “embarcarmos
em canoa furada”, afirmando situações que
podem nos levar ao ridículo.
Acontece que um espírito que se
manifestou por meu intermédio ontem disse
que Prabhupada, o grande guru indiano, que
morreu envenenado há poucos anos atrás, foi
Aníbal Barca, o militar e político cartaginês
que suicidou por envenenamento há cerca de
vinte e dois séculos atrás.
De início procurei na Internet algum
retrato de Aníbal e encontrei a estátua acima.
Abaixo mostro uma fotografia de
Prabhupada para vocês, prezados leitores,
fazerem a comparação.
2
Um militar e político tornar-se, em
relativamente pouco tempo, líder religioso pode
parecer impossível para quem olha tudo com
olhos da desconfiança ou faz uma pesquisa
superficial, sem enxergar nas entrelinhas das
informações que vai coletando.
Mas é preciso, para quem quer conhecer a
verdade, aprofundar realmente a análise
primeiro sobre a “índole” desse homem
extraordinário naquele tempo em que a
brutalidade era muito maior do que hoje.
Não era um brutamontes, mas um homem
instruído, versado em vários idiomas, tendo
escrito um livro de História, era adepto do
estoicismo, segundo o qual a autodisciplina
interior é regra inderrogável, e viveu
modestamente, primando sempre por intenções
nobres, mas, infelizmente, por uma visão
equivocada do que se deve entender como
“dever”, terminou por suicidar, porque não
queria que os romanos, que tanto o odiavam,
porque Cartago e Roma eram países inimigos,
perdessem tempo com um velho que não podia
mais guerrear contra eles.
Infelizmente, o que a maioria dos
historiadores e biógrafos registrou e faz
questão de ressaltar são as guerras que Aníbal
vivenciou e estratégias que utilizou, ora saindo
vitorioso ora derrotado.
3
A leitura de suas biografias e as
referências que a ele se faz se tornam
fastidiosas pelo detalhamento entusiasta e
incomodativo das guerras e estratégias.
Sua verdadeira face era a de um homem
dedicado à evolução da humanidade.
As
conjunturas
daquele
momento
histórico é que o levaram a guerrear, pois
Roma não sossegou enquanto não arrasou
Cartago.
Agora vamos dar um pulo de dois
milênios e dois séculos para a frente, quando
vamos encontrar Prabhupada tentando
encaminhar para a ponderação drogados e
desajustados de vários tipos sobretudo na nova
Roma, que são os Estados Unidos.
Como
Aníbal
tentou
conter
o
imperialismo avassalador dos romanos.
Foi criticado pelos estrategistas frios,
porque, depois de vencer o exército romano, na
Segunda Guerra Púnica, não invadiu e destruiu
a capital do inimigo, mas sim desviou-se para
cumprir outra meta, que era enfraquecer lhe o
poderio, sem destruir sua capital.
Com essa benevolência acabou permitindo
que o poderoso adversário ganhasse forças e
viesse, daí a algum tempo, a destruir Cartago.
A coragem de peito aberto e que quer
apenas neutralizar o inimigo, sem o destruir,
4
perdeu para a mentalidade vingativa e
traiçoeira.
São coisas deste mundo onde a
perversidade ainda domina.
Deu para entender, prezados leitores?
Como Prabhupada cuidou do que muitos
chamariam de “restolhos podres” do
imperialismo cruel, ou seja, os egressos das
guerras e os perturbados de vários tipos, de que
a sociedade americana está cheia e que
considera como carga desagradável, da qual se
livraria, se pudesse, com a maior satisfação.
Mas, em outra ocasião, foi-nos revelado,
através da nossa própria mediunidade, que esse
espírito missionário, dos mais evoluídos que a
terra tem a honra de contar entre seus
habitantes, tinha sido o filósofo estoico e
político romano Sêneca, que viveu cerca de dois
séculos depois da encarnação como Aníbal e,
nessa oportunidade, depois de uma vida cheia
de realizações nobres, foi obrigado a suicidar
por ordem do imperador Nero, de quem tinha
sido preceptor.
Essa
outra
afirmação
causa-lhes
estranheza mais uma vez, prezados leitores?
Vamos transcrever primeiro o que a
Wikipédia registra sobre Aníbal Barca.
5
Se acharem que a citação é cansativa
podem ir pulando as referências que não lhes
interessarem.
Depois vamos transcrever o texto
intitulado SÊNECA E PRABHUPADA, O
MESMO MESTRE E SEUS ENSINAMENTOS
Luiz Guilherme Marques
Vera Lúcia Ribeiro Rodrigues
Frases de Clay Newman:
―Há uma grande diferença entre existir e
estar vivo.‖
―A primeira vez que me embebedei tinha
14 anos. A primeira vez que fumei um
baseado, 15 e meio. A primeira vez que fui
preso, 16, quase 17. A primeira vez que
tomei meu primeiro antidepressivo, 18
recém-completados.‖
Frase de Sêneca:
―A sabedoria é o único remédio que cura
as doenças da alma.‖
Frases dos autores:
―O único fator que define a conduta de
cada ser humano são suas intenções e elas
é que proporcionam a felicidade ou a
infelicidade.‖
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―Não olhamos em função de uma única
vida, mas sim da ideia de eternidade.‖
Frases de Prabhupada:
―Vida simples, pensamento elevado.‖
―A pureza é a força.‖
ÍNDICE
Introdução
1. A ideologia de Sêneca
1.1 – Honestidade
1.2 – Humildade
1.3 – Autoconhecimento
1.4 – Consciência
1.5 – Energia
1.6 – Silêncio
1.7 – Auto aceitação
1.8 – Responsabilidade
1.9 – Proatividade
1.10 – Compaixão
1.11 – Perdão
1.12 – Desapego
1.13 – Assertividade
1.14 – Aceitação dos outros
1.15 – Evolução
1.16 – Correspondência
1.17 – Equanimidade
1.18 – Gratidão
1.19 – Confiança
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1.20 – Obediência
1.21 – Aceitação da realidade
2. A ideologia de Prabhupada
3. A mesma base ideológica
Notas
INTRODUÇÃO
Este livro não pretende retratar as
biografias de Sêneca [1] e de Prabhupada
[2] no sentido de relato detalhado de fatos
e ideias relacionados com esses dois
homens, que, aparentemente, nada têm a
ver um com o outro.
Uma pessoa que leia a biografia de
um e do outro sem a ideia de unidade que
caracteriza o nosso estudo, achará que
estamos forçando uma similaridade
inexistente.
Todavia, através da percepção extrasensorial, viemos a tomar ciência de que
são a mesma individualidade espiritiual
em duas épocas e locais diferentes, com o
mesmo propósito de instruir as criaturas
terráqueas sobre a necessidade do auto
aperfeiçoamento espiritual.
Muitas
das
circunstâncias
da
biografia de um e do outro se devem às
peculiaridades do meio onde viveram e da
8
própria necessidade de utilizarem as
ferramentas disponíveis no momento.
Não se deve achar que a biografia de
um deva repetir exatamente a do outro.
Também temos de considerar que
inclusive os mestres evoluem enquanto
desempenham suas missões.
Queremos esclarecer, também, que, da
vida de Sêneca, interessa-nos apenas o que
ele realizou em função da aplicação da
Ciência Secreta [3] que aprendeu no
Egito,
restringindo-nos
aos
seus
ensinamentos relacionados com esse tema.
Seus textos de Filosofia e de
Literatura não ligados diretamente à
Ciência Secreta estão fora de cogitação
para efeito deste nosso estudo.
Quanto a Prabhupada, igualmente
importam-nos apenas o seu trabalho e o
seu esforço de divulgar a ideologia de
Krishna [4].
Sêneca cumpriu sua missão em Roma
e Prabhupada nos Estados Unidos.
Os prezados leitores podem não
enxergar a correlação entre a Roma
antiga e os USA, mas a verdade é que os
remanescentes dos antigos romanos são os
atuais
estadunidenses,
além
dos
britânicos.
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Muitos daqueles que tiveram a
oportunidade de conviver com Sêneca e
ouvir seus ensinamentos são os mesmos
que ouviram Prabhupada, dos quais um
foi quem o envenenou.
As vidas que esse grande trabalhador
da Luz viveu entre uma encarnação e
outra não serão abordadas aqui.
Alguns seguidores de Prabhupada
estranharão nossa afirmativa de que ele
foi um romano em época passada, mas o
mestre não está obrigado a seguir ―ad
aeternum‖ uma única linha de trabalho e
pensamento e, muito menos, encarnar
num único país, mas sim muda suas áreas
e locais de atuação conforme planos
estabelecidos pelo Conselho Cármico, no
caso da Terra.
Entenda-se que o Conselho Cármico é
a equipe de 42 espíritos superiores, que,
sob o comando de Jesus, dirige os destinos
da Terra.
Atualmente há uma tendência a
valorizar-se novamente Sêneca, mas
somente há um ou outro admirador desse
grande mestre como tal, dentre os quais o
psicólogo americano Clay Newman,
enquanto
que
os
seguidores
de
Prabhupada contam-se aos milhões,
10
principalmente os que se autoqualificam
de adeptos do Hare Krishna.
É importante ficar bem claro que
Sêneca procurou ensinar não o Estoicismo
[5] no sentido restritivo de vitimismo que
lhe deram muitas mentes confusas e
outras mal intencionadas, ou seja, a
renúncia forçada e antinatural ao que é
necessário para se viver em condições
razoáveis.
Ele ensinou e exemplificou que a vida
deve ter como objetivo maior a evolução
espiritual própria e a contribuição à dos
outros.
O ser humano, segundo ensinou, deve
viver em função desse objetivo,
independente de ser rico ou pobre,
instruído ou analfabeto, sacrificado pela
maldade alheia ou benquisto pelos que lhe
compõem o ―entourage‖.
As deturpações que muitos filósofos e
religiosos pregam, em nome do
Estoicismo, com o isolamento da
sociedade, autopunições etc., não têm
nada a ver com a ideologia ensinada por
Sêneca.
Se houve ou há estoicos extremistas isso
não tem nada a ver com Sêneca: deve ficar
bem claro.
11
Quanto a Prabhupada igualmente
priorizou o auto aprimoramento espiritual,
apesar de que há alguns discípulos que
acreditam que ele focou, como meta
máxima, a alimentação não carnívora.
Nosso objetivo não é atacar nenhuma
forma de crença, mas sim deixar claro o
que esse mestre quis ensinar nas duas
épocas.
Sempre seu público-alvo foi o mesmo, ou
seja, os decadentes romanos de
antigamente e de hoje.
Por isso, a enorme quantidade de
aderentes dependentes químicos ou
dominados por outros vícios igualmente
escravizantes.
O nível espiritual desse trabalhador da
Luz pode ser medido pelo grau de
dificuldade das suas missões.
Sêneca estudou no Egito do seu tempo a
Ciência Secreta e Prabhupada estudou o
Hinduísmo [6] (com profundidade) na
Índia.
As duas ramificações do Conhecimento
são, na verdade, uma só árvore, mudando
apenas os nomes utilizados por uma e pela
outra.
Os prezados leitores podem observar que
muito se escreveu sobre Sêneca, mas
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ninguém, pelo que conseguimos verificar,
abordou a mensagem principal da sua
vida, que foi baseada na Ciência Secreta.
Essa omissão é que pretendemos suprir
através deste livro.
Os temas mais relevantes abordados pelo
mestre foram abafados, esquecidos e
muitos engrandeceram justamente aquilo
que ele compôs como mero complemento
da sua obra notável.
Já Prabhupada concentrou sua atenção
apenas na divulgação da ideologia de
Krishna, no que fez melhor do que Sêneca,
que misturou ―alhos com bugalhos‖ e isso
possibilitou que as Trevas colocassem em
foco o que menos valia na sua obra.
Hoje em dia, Sêneca é lembrado apenas
como um filósofo estoico, de fisionomia
triste, que ele, na verdade, não tinha.
Apenas como lembrete final desta
introdução, temos a dizer aos prezados
leitores que nosso objetivo não é outro que
transmitir-lhes os ensinamentos desse
mestre.
Se o fez como Sêneca ou como
Prabhupada não importa.
O que vale é conhecer e aplicar as lições.
Da mesma forma diríamos que também
não faz diferença se foi ele quem abordou,
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de forma sábia, esses tópicos ou se foi
outro.
A Verdade é que interessa, mas a Verdade
a que Jesus se referiu quando disse:
―Conhecereis a Verdade e a Verdade vos
libertará.‖
Estamos ―forçando a barra‖ com esta
tese?
Os prezados leitores irão avaliar e
desejamos que aproveite bastante estas
informações para sua vida diária, pois este
estudo não é mera teorização, mas visa ser
útil para o aperfeiçoamento espiritual de
cada um, a começar pelo nosso.
Os autores
1. A IDEOLOGIA DE SÊNECA
Tentar resumir tudo de mais importante
que Sêneca ensinou é uma tarefa
hercúlea, mas há quem tenha feito isso e é
justamente o autor a quem nos referimos
linhas atrás: Clay Newman, que escreveu
―Mais Sêneca, Menos Prozac‖, publicado
no Brasil pela Editora Best Seller, em
2015.
Típico seguidor de Sêneca (portanto
daqueles do público alvo de Prabhupada),
relaciona vinte e um itens como
14
importantes
no
processo
de
aprimoramento espiritual.
Tomaremos, como ponto de referência,
como base, em linhas gerais, sua obra.
Então, vamos adiante.
1.1 – HONESTIDADE
A honestidade tem tudo a ver com a ideia
de intenção.
Não Queremos valorizar a honestidade
aparente, aquela que se faz apresentar
com a máscara da virtude, mas costuma
representar um simulacro.
Essa não resolve os problemas internos do
ser humano.
A única honestidade que dá a paz da
consciência é aquela baseada na intenção
pura.
Atentemos sempre para as nossas
verdadeiras e mais profundas intenções.
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Só é realmente feliz que tem intenções
puras.
1.2 – HUMILDADE
Humildade nada tem a ver com andar
esfarrapada, pedir desculpas por tudo que
faz e outras atitudes de aparente
humildade.
Humilde é que, mesmo sabendo das
próprias
virtudes,
inteligência
e
superioridade, não se prevalece disso para
humilhar as outras criaturas.
A pessoa humildade pode ser firme e até
incisiva quando tal se faz necessário, mas
nunca transforma essas oportunidades em
pretexto para arrasar a autoestima de
ninguém.
1.3 – AUTOCONHECIMENTO
Ninguém
precisa,
necessariamente,
conhecer suas vidas passadas para
autoconhecer-se no sentido comum da
palavra.
O bom senso e a humildade nos
mostram quem somos, ou seja, qual o
nosso nível de inteligência e quais são
nossas virtudes e nossos defeitos.
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Há
muito
exagero
e
muita
desinformação quanto ao que diz respeito
ao autoconhecimento.
Basta ter vontade sincera de
autoanalisar-se para chegar-se à verdade
sobre si mesmo.
Mas há quem fique chocado com o
que descobriu sobre si mesmo e desiste de
continuar a procura do autoconhecimento.
A pessoa tem de baixar o próprio ego e
seguir adiante, auto avaliando-se para
poder superar os defeitos e aperfeiçoar as
próprias virtudes.
Para isso tem de ter coragem e
verdadeira humildade.
1.4 – CONSCIÊNCIA
Estar seguro de que pretende aperfeiçoarse como ser humano significa ter
consciência da sua condição de espírito
eterno.
Não somos o corpo, apesar de ele ser
importante para nossa vida neste planeta.
Devemos cuidar dele, mas não sermos seu
escravo.
1.5 – ENERGIA
Não queremos nos referir apenas à
energia no sentido de força de vontade,
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mas principalmente à substância eterizada
que cada criatura tem em si e que pode ser
direcionada a outras criaturas para ajudálas inclusive na cura.
Toda criatura tem essa energia a que nos
referimos e, pelo direcionamento que a
vontade lhe dá, transforma-se em
importante
ferramenta
para
o
aperfeiçoamento e a cura alheios.
Aprender a usar essa ferramenta no Bem é
muito importante até para a gente gozar de
boa saúde, pois essa energia tem de
circular de criatura para criatura.
Quem não a doa aos outros acaba
adoecendo.
O egoísmo é altamente prejudicial até para
a própria saúde física e espiritual.
1.6 – SILÊNCIO
Nem sempre se devem rebater os pontos de
vista alheios.
Há ocasiões em que se deve esperar que o
tempo esclareça o impetuoso, o agressivo e
o inconsequente.
Nós mesmos devemos silenciar muitas
vezes ao invés de falarmos, porque a
palavra, depois de proferida, não volta à
boca de quem a falou.
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Há uma sequência muito boa: ―silenciar,
observar e agir.‖
Isso é sabedoria.
Infelizmente, pouca gente procede dessa
maneira.
1.7 – AUTOACEITAÇÃO
Auto aceitação não significa acomodação,
mas sim conformar-se com o que não pode
ser mudado em si.
Nem tudo conseguimos aperfeiçoar
em nós e devemos saber aceitar nossos
limites.
Querer o impossível e sofrer por isso é
sinal de falta de inteligência e, sobretudo,
hipertrofia do ego.
1.8 – RESPONSABILIDADE
Responsabilidade significa assunção do
compromisso de realizar o que nos
compete.
Querer
eximir-se
das
próprias
responsabilidades com desculpismos é
uma das piores opções que podemos
adotar.
Quem pretende evoluir desse procurar
cumprir o que lhe deve e levar adiante
19
suas tarefas, sem procrastinações nem
desculpismos ou vitimismo.
1.9 – PROATIVIDADE
Proatividade significa a capacidade de
encontrar as melhores possíveis soluções
para cada problema.
Ninguém precisa ser gênio para ser
proativo, bastando que tenha boa vontade
e perseverança.
Outrem pode apresentar melhores
soluções, mas dê conta da sua com a
presteza possível, pois mais importa uma
solução que ajude as pessoas quando elas
precisam do que outra que fique apenas
na promessa.
1.10– COMPAIXÃO
Compaixão é sinônimo de bondade,
caridade etc.
A pessoa compassiva não deve ficar
somente no domínio da solidariedade
verbal, mas deve passar da palavra à ação.
Isso, todavia, varia de caso para caso.
Há situações em que se deve deixar a
iniciativa
por
conta
do
próprio
necessitado.
1.11– PERDÃO
20
Perdoar não significa que devamos ser
omissos e, indiretamente, incentivar o
ofensor a continuar abusando da força ou
da astúcia.
Tudo tem de ter uma finalidade
construtiva e neste caso igualmente.
O mestre nem sempre elogia o aprendiz e
nem sempre deixa de dizer-lhe umas
verdades até duras sob o pretexto do
perdão.
1.12– DESAPEGO
O verdadeiro desapego é interno e está
dentro do capítulo das intenções.
Ninguém consegue saber se outrem é
desapegado ou não, pois o desapego está
dentro do coração de cada um.
Dentro do nosso coração devemos ser
desapegados.
Sêneca, apesar de milionário, era
desapegado de tudo.
1.13– ASSERTIVIDADE
Assertividade
significa
que,
sem
arrogância, alguém afirma seus pontos de
vista, seu modo de ser.
Devemos respeitar os sagrados pontos de
vista alheios, mas afirmarmos os nossos
para todos saberem o que somos.
21
Isso contribui para o aperfeiçoamento do
meio onde vivemos, pois a multiplicidade
de pontos de vista sempre enriquece.
1.14– ACEITAÇÃO DOS OUTROS
Mesmo as criaturas mais evoluídas têm
seus pontos fracos.
Devemos aceitar cada um com seus pontos
fracos, pois também temos os nossos.
O respeito mútuo faz com que cada um
mantenha certa tolerância para com as
fraquezas alheias e vice-versa.
Imagine-se se cada um cobrasse dos
outros a perfeição absoluta: seria uma
guerra permanente.
1.15– EVOLUÇÃO
A evolução se processa a cada dia, mesmo
que pareça o contrário.
É como a plantícula, que cresce sem que
consigamos perceber.
Por isso as mudanças em cada um muitas
vezes surgem inesperadamente: é porque
não
tínhamos
percebido
certo
amadurecimento que estava acontecendo.
Não devemos julgar nossos semelhantes
pelas aparências, porque ele pode estar, na
22
verdade, mais pronto que nós para os
grandes saltos qualitativos.
1.16– CORRESPONDÊNCIA
―Cada pessoa é um conjunto de fatores
inacessível às demais‖.
É possível conhecer alguns itens sobre
os outros, mas não tudo.
Costuma-se dizer que para ―conhecer
alguém devemos ter caminhado duas luas
com suas sandálias‖.
Mas devemos respeitar as vivências
alheias, pois elas são o seu acervo de
experiências, que, cedo ou tarde, levam
cada um à evolução espiritual.
Nós, que lidamos com os espíritos
voltados para o Mal, aprendemos que cada
um tem seu momento de despertamento
para a Luz.
Não devemos olhar apenas o
transcurso de uma encarnação, mas a
eternidade.
1.17– EQUANIMIDADE
―Equanimidade significa serenidade de
espírito‖. É um estado natural e relaxado,
a capacidade de experimentar de maneira
estável as diferentes situações do mundo
físico, das sensações, da mente e dos
23
fenômenos. É caracterizada pela profunda
tranquilidade, completamente livre de
oscilações.
Nada paga o preço de estarmos felizes por
nós mesmos. Alcançando esse estágio, até
mesmo os relacionamentos ficam mais
fáceis de lidar, de pensar usando a razão
ao invés do coração. ―Isso traz uma paz
incomensurável.‖
(http://www.dicionarioinformal.com.br/eq
uanimidade)
Com o estilo de vida estressante atual,
não é fácil manter-se equânime, mas
devemos tentar viver dessa forma a maior
parte do tempo possível.
1.18– GRATIDÃO
As pessoas têm-se esquecido de ser gratas,
sobretudo aos pais, e a primeira coisa que
costumam fazer quando eles envelhecem,
é interná-las nas chamadas ―casas de
repouso‖, em vez de conviver com elas e
devolver-lhes o carinho e a atenção que
receberam deles nos tempos passados.
A ingratidão dói muito em que a recebe.
1.19– CONFIANÇA
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Devemos confiar em Deus, em nós
mesmos e, até prova em contrário, nas
pessoas.
Se o nível de desconfiança nos outros
chegar às raias do absurdo, perderemos
até a condição de conviver em sociedade.
É claro que ninguém deve ser ingênuo e
colocar a própria vida nas mãos dos
outros.
1.20– OBEDIÊNCIA
As pessoas têm vivido em pé de guerra,
porque ninguém está aceitando mais
obedecer nem aos próprios chefes.
Há ―muito cacique para pouco índio‖.
Mas quem obedece está obedecendo ao seu
conjunto de deveres e não à pessoa que
está dando as ordens.
Essa mudança de foco ajuda-nos a
obedecer ―numa boa‖.
1.21 – ACEITAÇÃO DA REALIDADE
A vida é o que é.
Estamos em um mundo primário
espiritualmente falando.
Poucos aqui vivem cumprindo missões
de esclarecimento.
25
A maioria está em função da
satisfação dos objetivos básicos: ―comer,
dormir e reproduzir‖.
Querer obrigar a maioria à evolução
espiritual é ―malhar em ferro frio‖.
Devemos semear, mas a colheita fica
por conta de cada um, que vai despertando
gradativa e imperceptivelmente.
Quem cumpre sua missão, chega a
hora de ir para outros mundos e aqui as
criaturas responderão por suas próprias
intenções.
Essa é a regra que devemos compreender e
seguir.
2. A IDEOLOGIA DE PRABHUPADA
Resumir sua ideologia é impossível.
Por isso, transcreveremos algumas das
suas frases:
―Todo aquele que queira lograr uma vida
perfeita,
deve
buscar
primeiro
conhecimento.‖
―A vida sexual é o principio básico da vida
material. E devido a isso pensamos: eu sou
este corpo e tudo o que está relacionado
com este corpo é meu.‖
―O verdadeiro objetivo da vida é regressar
ao mundo espiritual.‖
26
―Primeiro de tudo faça com que sua vida
seja perfeita. Então tente ensinar aos
outros.‖
―Vida material significa tentar satisfazer
aos seus sentidos. E quando queira servir
a Deus, isso é vida espiritual.‖
―Inteligência significa: Saber quem eu sou
quem é Deus, e o que é este mundo.‖
―A verdadeira honestidade consiste em
não usurpar a propriedade dos outros‖.
―Quando o discípulo está satisfeito com o
mestre, se entrega e faz da sua vida um
sucesso.‖
―Devemos entender que é impossível ser
feliz
no
mundo
material,
independentemente de quaisquer ajustes
que façamos, e não podemos ser felizes a
menos que levemos uma vida espiritual.‖
―Fazer simplesmente uma exibição de
ginástica não é a perfeição da yoga‖. Yoga
significa controlar os sentidos.
―Nunca terá êxito alguém que parece
praticar yoga, mas que satisfaça seus
sentidos, sem restrição.‖
―Baseado no Bhagavad-Gita, entendemos
que estamos mudando de um corpo para
outro, mesmo em nossa vida atual. Todos
tivemos antes o corpo de um bebê
27
pequeno. Onde está o corpo agora? Esse
corpo se foi.‖
―Se você ama alguém, você sempre
pensará nele naturalmente.‖
―Se eu aceito que ―eu sou este corpo‖,
então eu não sou melhor do que os cães e
gatos, já que essa é a noção que eles têm
sobre a vida.‖
―A literatura védica completa abrange três
tópicos: o primeiro é o nosso
relacionamento com Deus, segundo,
depois de haver entendido essa relação,
aprendemos a praticá-la.‖
―Cada criatura viva tem uma relação
especial com Deus, mas agora se encontra
esquecida.‖
―O peixe não pode ser feliz fora da água,
pois é um animal aquático. Da mesma
forma, todos nós somos almas espirituais,
e não podemos ser felizes a menos que
levemos uma vida espiritual ou que
estejamos no mundo espiritual.‖
―Um pode continuar tentar ser feliz, mas a
vida
materialista
nunca
produzirá
felicidade. Este é um facto.‖
―A vida materialista se passa mastigando o
mastigado.‖
―Não sabemos que estamos atados pelas
severas leis da natureza material.‖
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―Ego falso significa identificação falsa.
Nossa vida ignorante começou a partir
desta falsa identificação: pensar que sou
esta materia, apesar de todos os dias e
cada momento vejo que não sou esta
materia. A alma existe permanentemente,
enquanto que a materia está mudando.‖
―A verdadeira fórmula para a paz consiste
no que saber que Deus é o proprietário de
todo esse universo.‖
―Nosso tempo está sendo desperdiçado na
construção de muitos dispositivos que nos
dão um conforto temporário e artificial, o
preço de uma quantidade proporcional de
inconvenientes. Tudo isso é parte da lei do
karma, a lei de ação e reação. Pois tudo o
que fazemos, há uma reação pela qual nos
envolvemos.‖
―Este mundo material está destinado a
sofrer, a menos que existam os
sofrimentos, não poderemos voltar
conscientes do espiritual. Os sofrimentos
são em realidade um incentivo e nos
ajudam a elevar-nos para o espiritual.‖
―Devemos ser muito sérios para alcançar
a nossa vida eterna, plena de bemaventurança e conhecimento. Temos
esquecido que este é o verdadeiro
propósito da vida, nosso interesse real.‖
29
―Como o mundo espiritual é real, este
mundo material, que é uma imitação,
parece ser real, devemos compreender o
significado da realidade: realidade
significa existência que não pode
desaparecer;
realidade
significa
eternidade.‖
―Um homem que está dormindo pode ser
acordado por uma vibração sonora.
Embora
ele
esteja
praticamente
inconsciente, incapaz de ver, sentir,
cheirar etc., o sentido da audição é tão
proeminente que é possível acordar a esse
homem dormido com uma vibração
sonora. Da mesma forma, a alma
espiritual, ainda que já fosse vencida pelo
sono material, pode ser despertada com a
vibração do som transcendental do
mantra. ‖
3. A MESMA BASE IDEOLÓGICA
Ambos ensinaram que a única coisa
que importa na vida é evoluir
espiritualmente, de que faz parte ajudar os
outros nesse caminho.
Eis aí o resumo de tudo que fizeram e
falaram.
NOTAS
30
[1]
―Lúcio Aneu Séneca (português europeu)
ou Sêneca (português brasileiro) (em
latim: Lucius Annaeus Seneca; Corduba,
4 a.C. — Roma, 65) foi um dos mais
célebres
advogados,
escritores
e
intelectuais
do
Império
Romano.
Conhecido também como Séneca (ou
Sêneca), o Moço, o Filósofo, ou ainda, o
Jovem, sua obra literária e filosófica, tida
como modelo do pensador estoico durante
o
Renascimento,
inspirou
o
desenvolvimento
da
tragédia
na
dramaturgia europeia renascentista.
Origens familiares
Oriundo de família ilustre, era o segundo
filho de Hélvia e de Marco Aneu Sêneca
(Séneca, o Velho). O irmão mais velho de
Lúcio chamava-se Lúcio Júnio Gálio e era
procônsul (administrador público) na
Acaia, onde, em 53, se encontrou com o
apóstolo cristão Paulo. Séneca, o Jovem,
foi tio do poeta Lucano.
Ainda criança (três anos), foi enviado a
Roma para estudar oratória e filosofia.
31
Com a saúde abalada pelo rigor dos
estudos, passou uma temporada no Egito
para se recuperar e regressou a Roma por
volta do ano 31. Nessa ocasião, iniciou
carreira como orador e advogado e logo
chegou ao senado.
Exílio
Em 41, foi acusado por Messalina, esposa
do imperador Cláudio, de ter cometido
adultério com Júlia Livila, sobrinha do
imperador. Como consequência, foi
exilado para a Córsega. No exílio, em
meio a grandes privações materiais,
Séneca dedicou-se aos estudos e redigiu
vários de seus principais tratados
filosóficos. Entre eles, os três intitulados
Consolationes ("Consolos"), em que
expõe os ideais estoicos clássicos de
renúncia aos bens materiais em busca da
tranquilidade da alma mediante o
conhecimento e a contemplação.
Por influência de Agripina, a Jovem,
sobrinha do imperador e uma das
mulheres com quem este se casou, Séneca
retornou a Roma em 49. Agripina tornouo preceptor de seu filho, o jovem Nero, e
elevou-o a pretor em 50. Séneca contraiu
32
matrimônio com Pompeia Paulina e
organizou um poderoso grupo de amigos.
Conselheiro de Nero
Logo após a morte de Cláudio, ocorrida
em 54, o escritor vingou-se com um escrito
que foi considerado obra-prima das sátiras
romanas, Apocolocyntosis divi Claudii
("Transformação em abóbora do divino
Cláudio"). Nessa obra, Séneca critica o
autoritarismo do imperador e narra como
ele é recusado pelos deuses. Seu irmão,
Lúcio Júnio Gálio, também ridicularizou
Cláudio, fazendo uma analogia com as
pessoas executadas, que eram levadas ao
Fórum Romano puxadas por ganchos: ele
disse que Cláudio havia sido elevado aos
céus puxado por um gancho
Quando Nero, aos dezessete anos, tornouse imperador, Séneca continuou a seu
lado, porém não mais como pedagogo e
sim como seu principal conselheiro
(ajudado por Afrânio Burro, prefeito do
Pretório). Sêneca procurou orientar para
uma política justa e humanitária. Se,
durante os primeiros sete anos, o governo
de Nero lembra o de Augusto, o mérito
exclusivo é desses dois homens que, na
33
realidade, governaram ao lado do jovem
príncipe. A índole de Nero foi mitigada,
corrigida, freada. Mais tarde, porém, a
malvadez de Nero teve o predomínio.
Séneca, durante algum tempo, exerceu
influência benéfica sobre o jovem, mas,
aos poucos, foi forçado a adotar atitudes
de complacência. Chegou mesmo a redigir
uma carta ao senado na qual se alega que
tentou justificar a execução de Agripina
em 59. Séneca sabia que a maior culpa por
sua morte havia sido da própria Agripina,
que pretendia imperar e que se tornara
hostil por ambição, capricho e corrupção;
sua raiva crescente só fez aumentar a
vingança matricida de Nero, que não deu
mais ouvidos às palavras severas de seus
dois conselheiros. Séneca foi, então, muito
criticado pela fraca oposição à tirania e à
acumulação de riquezas de Nero,
incompatíveis com as concepções estoicas.
Conforme concluiu o emérito professor
Giulio Davide Leoni, o destino foi, em
parte, malvado para com Séneca, fazendo
chegar até nós as acusações e perdendo as
defesas. Da leitura atenta de suas páginas,
do modo como aceitou e caminhou para a
morte, como Sócrates, surge um juízo
sincero
que
as
reticências
dos
34
historiadores e estudiosos, muitas vezes,
acabam por ofuscar.
Em De Beneficiis (II, 18), Séneca lembra
que "às vezes, mesmo contra a nossa
vontade, devemos aceitar um benefício,
quando é dado por um tirano cruel e
iracundo, que reputaria injúria que tu
desdenhasses seu presente. Não deverei
aceitar?" Assim, mais importante do que
saber que Séneca era rico, é saber se ele
era ávido de riquezas, se viveu no fausto e
na opulência.
Conforme suas Epistulae Morales ad
Lucilium, 18, seu pensamento era este: é
lícito ser rico, contudo é preciso viver de
tal modo que se possa, em cada
contingência, bastar a si próprio e
renunciar a qualquer bem que a sorte
pode dar, mas também tirar. Rico, Séneca
viveu com certo conforto, mas, conforme
acreditava e pregava, sempre de maneira
modesta.
"Séneca", no Museu Arqueológico
Nacional de Nápoles
O professor G.D. Leoni, da Sedes
Sapientiae, afirma, em seu estudo
35
introdutivo ao volume XLIV da Biblioteca
Clássica da Atena Editora, São Paulo,
1957, que a posteridade foi injusta,
recolhendo contra Sêneca somente as
invejosas acusações dos seus inimigos.
Mas a perfeita intuição dos poetas define
aquilo que os críticos se esforçam por
esclarecer, mas amiúde ofuscam. Dante,
no limbo, vê, entre os sumos escritores e
heróis antigos - Sócrates, Platão,
Demócrito,
Diógenes
de
Sinope,
Anaxágoras, Tales de Mileto, Empédocles,
Heráclito, Zenão de Cítio, Dioscórides,
Orfeu, Cícero, Lino e "Séneca morale".
Séneca, diferente de um filósofo, é um
entusiasta
da
filosofia,
estudioso
apaixonado, informado de todas as
correntes filosóficas do seu tempo, mas
contrário a encerrar-se em qualquer
sistema ou fórmula. Nele, a filosofia era
viva, era a própria vida. "A prosa adere ao
pensamento, uniformiza-se se adapta a
ele; e muitas vezes um subentendido
produz um jogo de luzes e sombras cheios
de profunda beleza, amiúde a frase breve
produz inesperadas imagens pictóricas,
outras vezes antíteses, ou as anedotas
enriquecem as sentenças austeras, a
argúcia atenua a trágica solenidade do
36
assunto". Poeta, humanista, mais que
filósofo, o elemento preponderante em
suas obras são os sentimentos, mais do
que as ideias, com as quais, na origem,
pouco contribuiu. Entretanto, na história
do pensamento, nunca ninguém foi tão
compenetrado do sentimento da nobreza
do espírito humano, e soube tão bem e
poderosamente transmitir esse sentimento
em palavras." Sua prosa é vivaz, variada,
alegre, moderna, eterna; como quando
procura mostrar como as desventuras
pelas quais passam os bons, devem ser
encaradas como provas para melhor
evidenciar suas virtudes, ajudar o
próximo: "Os deuses põem à prova a
virtude e exercitam a força de espírito dos
bons, que devem seguir seu destino
preestabelecido: o sábio, por isso, nunca
será infeliz."
Sêneca, busto em mármore, por um autor
anônimo do século XVII, Museu do
Prado.
Séneca retirou-se da vida pública em 62.
Entre seus últimos textos, estão a
compilação
científica
Naturales
quaestiones ("Problemas naturais"); os
tratados De tranquillitate animi (Sobre a
37
tranquilidade da alma), De vita beata
(Sobre a vida beata) e, talvez sua obra
mais profunda, as Epistolae morales,
dirigidas a Lucílio, em que reúne
conselhos estoicos e elementos epicuristas
na pregação de uma fraternidade
universal mais tarde considerada próxima
ao cristianismo.
Morte
No ano 65, Séneca foi acusado de ter
participado da conspiração de Pisão, na
qual o assassínio de Nero teria sido
planejado. Sem qualquer julgamento, foi
obrigado a cometer o suicídio. Na
presença dos seus amigos, cortou os pulsos
com o ânimo sereno que defendia em sua
filosofia. Tácito relatou a morte de Séneca
e da mulher, que também cortou os pulsos.
Nero, com medo da repercussão negativa
dessa dupla morte, mandou que médicos a
tratassem, e ela sobreviveu ao marido
alguns anos.
Contemporâneo de Cristo
Ver artigo principal: Correspondência
entre Paulo e Séneca
Apesar de ter sido contemporâneo de
Cristo, Séneca não fez quaisquer relatos
38
significativos de fenómenos milagrosos
que aparentemente anunciavam o advento
de uma poderosa nova religião;
entretanto, segundo Jerónimo ("De Viris
Illustribus", xii), Séneca teria trocado
correspondências com Paulo (apóstolo
com
cidadania
romana,
também
conhecido por Saulo). Constata-se que os
cristãos, por intermédio de Lúcio Aneu
Séneca, assimilaram os princípios
estoicos, utilizando, inclusive, as mesmas
metáforas estoicas na Bíblia. Um facto
tanto mais curioso é que Séneca, como
filósofo, interessou-se por todos os
fenómenos da natureza, resultando nas
cartas
intituladas
posteriormente
"Questões da natureza", como observou
Edward
Gibbon,
historiador
do
iluminismo do século XVIII, perito na
história do Império Romano e autor do
livro História do Declínio e Queda do
Império Romano.
A filosofia de Séneca
Séneca desenhado por Peter Paul Rubens
Sêneca ocupava-se da forma correta de
viver a vida (ou seja, da ética), da física e
da lógica. Via o sereno estoicismo como a
maior virtude, o que lhe permitiu praticar
39
a
imperturbabilidade
da
alma,
denominada ataraxia (termo utilizado a
primeira vez por Demócrito em 400 a.C.
Juntamente com Marco Aurélio e Cícero,
conta-se entre os mais importantes
representantes
da
intelectualidade
romana.
Sêneca via, no cumprimento do dever, um
serviço à humanidade. Procurava aplicar
a sua filosofia à prática. Deste modo,
apesar de ser rico, vivia modestamente:
bebia apenas água, comia pouco, dormia
sobre um colchão duro. Sêneca não viu
nenhuma contradição entre a sua filosofia
estoica e a sua riqueza material: dizia que
o sábio não estava obrigado à pobreza,
desde que o seu dinheiro tivesse sido
ganho de forma honesta. No entanto,
devia ser capaz de abdicar da riqueza.
Sêneca via-se como um sábio imperfeito:
"Eu elogio a vida, não a que levo, mas
aquela que sei dever ser vivida." Os afetos
(como relutância, vontade, cobiça, receio)
devem ser ultrapassados. O objetivo não é
a perda de sentimentos, mas a superação
dos afetos. Os bens podem ser adquiridos,
40
à condição de não deixarmos que se
estabeleça uma dependência deles.
O pensamento de Sêneca, especialmente
suas críticas ao comportamento vulgar,
permite que se conheça melhor a
sociedade de Roma no século I d.C.
Para Sêneca, o destino é uma realidade. O
homem pode apenas aceitá-lo ou rejeitálo. Se o aceitar de livre vontade, goza de
liberdade. A morte é um dado natural. O
suicídio não é categoricamente excluído
por Sêneca.
Sêneca influenciaria profundamente o
pensamento de João Calvino. O primeiro
livro de Calvino foi um comentário ao De
Clementia, de Sêneca.
A obra literária de Séneca
Ao se analisarem os escritos de Séneca, é
possível perceber a forma pela qual
alcançou
o
conhecimento
e
desenvolvimento da ideia de fluxo de
energia, que advém, segundo ele, de algum
"princípio ativo" (termo utilizado em seu
livro "Questões Naturais"), o qual sujeita
à regra geral: "causa e efeito", ou "ação e
41
reação", de tal forma que sugeria, em uma
de suas Cartas a Lucílio, que só tem
domínio de si aquele que não faz de seu
corpo um peregrinador por outros corpos.
Séneca destacou-se como estilista literário.
Numa prosa coloquial, seus trabalhos
exemplificam a maneira de escrever
retórica, declamatória, com frases curtas,
conclusões epigramáticas e emprego de
metáforas. A ironia é a arma que emprega
com
maestria,
principalmente
nas
tragédias que escreveu, as únicas do
gênero na literatura da antiga Roma.
Versões retóricas de peças gregas, elas
substituem o elemento dramático por
efeitos brutais, como assassinatos em
cena, espectros vingativos e discursos
violentos, numa visão trágica e mais
individualista da existência.
Diálogos
(40) Ad Marciam, De consolatione
(41) De Ira - Estudo sobre as
consequências e sobre o controle da ira
(42) Ad Helviam matrem, De
consolatione
(44) De Consolatione ad Polybium
42
(49) De Brevitate Vitæ ("Sobre a
brevidade da vida")
(62) De Otio ("Do ócio")
(63) De Tranquillitate Animi ("Sobre a
tranquilidade da alma")
(64) De Providentia ("Sobre a
Providência")
(55) De Constantia Sapientis ("A
constância do sábio")
(58) De Vita Beata
Tragédias
Hercules furens (Hércules furioso)
Troades (As Troianas)
Phoenissae (As Fenícias)
Medea (Medeia)
Phaedra (Fedra)
Oedipus (Édipo)
Agamemnon
Thyestes (Tiestes)
Hercules Oetaeus (Hércules no Eta)‖
(https://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9ne
ca)
[2]
―Abhay Charanaravinda Bhaktivedanta
Swami
Prabhupada
(Bengali:
) (1 de
43
setembro de 1896 - 14 de novembro de
1977) foi um líder religioso indiano,
fundador da Sociedade Internacional para
a Consciência de Krishna, comumente
conhecida
como
Movimento
Hare
Krishna.
Nascido
em
Calcutá,
Prabhupada migrou para os Estados
Unidos em 1965 e surgiu como uma figura
importante da contracultura ocidental,
apresentando a cultura védica a milhões
de pessoas em todo o mundo.
Apesar dos ataques de membros da
comunidade acadêmica e de grupos de
apologética cristã, Prabhupada recebeu
acolhida favorável de muitos estudiosos da
religião, tais como J. Stillson Judá,
Harvey Cox, Shinn Larry e Thomas
Hopkins, que elogiou as traduções de
Prabhupada e defendeu seu movimento
contra as imagens distorcidas e as más
apresentações veiculadas pela mídia.
Prabhupada foi descrito como um líder
carismático, no sentido usado pelo
sociólogo Max Weber, devido à sua bemsucedida aquisição de seguidores nos
Estados Unidos, Índia, Austrália, países
da Europa, da África e outras regiões.
44
Após sua morte, o Movimento Hare
Krishna
continuou
a
crescer
e
desenvolver-se e está presente até os dias
de hoje, contando com diferentes sedes ao
redor do mundo que celebram a vida de
Prabhupada e seus discípulos.
Biografia
A. C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada
nasceu em 1896 em Calcutá, filho de Gour
Mohan e Rajani De. Seus pais eram
devotos de Krishna e deram-lhe o nome de
Abhay Charan ( "destemido por ter se
abrigado no Senhor" ). Seu pai, Gour
Mohan, educou-o à risca de acordo com a
etiqueta devocional (vaishnava) e deu-lhe
todos os ensinamentos básicos do
Bhagavad Gita, ensinou-o a cozinhar e a
tocar mridanga (instrumento de percussão
de origem indiana). Gour Mohan sempre
quis que o seu filho se tornasse um devoto
de Sri Radha e Krishna.
Srila Prabhupada concluiu em 1920 os
seus estudos em sânscrito, filosofia, inglês
e economia no Scottisch Churches
College. Por circunstâncias auspiciosas
ele encontrou em 1922 o seu mestre
45
espiritual
Bhaktisiddhanta
Sarasvati
Maharaja, em Calcutá. Em 1932 ele
recebeu a primeira e segunda iniciação
por Bhaktisiddhanta Sarasvati Maharaja,
um proeminente erudito devocional e
fundador de sessenta e quatro Gaudiya
Mathas(institutos védicos), que lhe deu o
nome de Abhay Caranaravinda. Naquela
época, Srila Prabhupada ainda estava
enredado na vida familiar e nos negócios.
Quando pensava em abandonar os seus
afazeres materiais para viver no templo,
Bhaktisiddhanta
Maharaja
o
desencorajava. Alguns dos devotos
queriam que Srila Prabhupada assumisse
a direção de um dos maiores templos da
Gaudiya-Matha de Srila Bhaktisiddhanta,
mas o próprio Bhaktisiddhanta tinha
outros planos. Ele não queria que Srila
Prabhupada se envolvesse diretamente
com a Gaudiya-Matha. No primeiro
encontro que tiveram em 1922, Srila
Bhaktisiddhanta
pediu
que
Srila
Prabhupada difundisse o conhecimento
védico na língua inglesa. Nos anos que se
seguiram, Srila Prabhupada escreveu um
comentário sobre o Bhagavad Gita e
ajudou a Gaudiya Matha no seu serviço de
pregação.
46
Obras
Em 1944 ele publicou o primeiro número
duma revista quinzenal em inglês Back to
Godhead ( De volta para o Supremo) .Ele
próprio
redigia,
datilografava
os
manuscritos e revia as provas, distribuindo
ele mesmo as revistas nas ruas de Nova
Délhi de forma gratuita. Lutava para
manter a publicação, pedindo doações de
papel e algumas moedas. Desde então, a
revista chamada "De Volta ao Supremo"
continua
a
ser
publicada
ininterruptamente e é editada em mais de
trinta línguas. Em seguida, começou a
tradução do Bhagavad Gita e do Sri
Ishopanishad. Embora Srila Prabhupada
sempre tentasse organizar a pregação, não
sabia como transformá-la em realidade. A
sua ideia era inspirar devotos na Índia e ir
com eles para os Estados Unidos.Com esse
objetivo, ele fundou a League of Devotes
(Sociedade dos Devotos), por intermédio
da qual conseguiu alguns colaboradores.
"Pelo reconhecimento da erudição
filosófica e devoção, a Sociedade
vaishnava Gaudiya honrou, em 1947, Srila
Prabhupada
com
o
título
de
47
'Bhaktivedanta'." Em 1954, com 58 anos,
Srila Prabhupada retirou-se da vida
familiar e tomou vanaprastha (ordem de
vida retirada), para poder dedicar-se mais
tempo aos estudos e às atividades
literárias. Srila Prabhupada dirigiu-se
para a cidade de Vrindavan, o famoso
lugar sagrado onde Krishna tinha
aparecido cinco mil anos atrás. Ele achou
abrigo no templo medieval de RadhaDamodara, onde vivia em condições
humildes, dedicando-se profundamente
aos estudos por muitos anos.
Em 1959 entrou na ordem de vida
renunciada (sannyasa). No templo de
Radha-Damodara
Srila
Prabhupada
iniciou a obra da sua vida - a tradução dos
muitos volumes do Srimad-Bhagavatam
com comentários dos 18.000 versos! Ali
escreveu também o livro Easy Journey to
Other Planets (Fácil viagem a outros
planetas).
Sendo um sannyasi sem recursos
materiais,
Srila
Prabhupada
teve
dificuldade em arranjar os meios
necessários para suas publicações. Apesar
disso conseguiu publicar até 1965, graças
48
a donativos, o Primeiro Canto do SrimadBhagavatam em 3 volumes. Além disso
Srila Prabhupada esforçava-se para
conseguir uma viagem grátis para os
Estados Unidos, que por fim lhe foi
concedida
pro
Sumati
Morarji,
proprietária da Scindia Steamship
Company. E assim Srila Prabhupada
viajou, sozinho, para os Estados Unidos
no outono de 1965 a bordo do cargueiro
Jaladuta, para cumprir a missão do seu
mestre
espiritual.
Quando
Srila
Prabhupada chegou com o navio no porto
de Nova Iorque, ele praticamente estava
sem recursos financeiros. Após um ano
cheio de dificuldades Srila Prabhupada
fundou em julho de 1966 a Sociedade
Internacional da Consciência de Krishna
(ISKCON), que sob sua direção pessoal se
desenvolveu
numa
década
num
movimento mundial com mais de 100
ashramas, escolas, templos e comunidades
rurais. Em 1968 Srila Prabhupada fundou
nas colinas do Oeste da Virginia a
primeira comunidade rural da consciência
de Krishna, que serviu de exemplo para
projetos idênticos em todos os continentes.
Em 1972, com a fundação da escola
gurukula em Dallas, Texas, Srila
49
Prabhupada introduziu o sistema védico
de ensino elementar e secundário no
Ocidente.
Com o constante aumento do número de
alunos formaram-se 10 outras escolas até
1978. A mais importante das suas escolas
está sediada em Vrindavan, Índia.
Também na Índia Srila Prabhupada criou
muitos projetos, como por exemplo o
impressionante templo de KrishnaBalarama em Vrindavana, o Centro de
Congresso e Cultural junto com o templo e
casa internacional de hóspedes em
Bombay e o Centro Mundial da ISKCON
em Sridhama Mayapur (Bengala), onde se
projeta erguer uma cidade em moldes
védicos.
Além destas muitas atividades Srila
Prabhupada sempre via na publicação de
livros sua tarefa principal, e assim em
1972 ele fundou a Bhaktivedanta Book
Trust (BBT), hoje a maior editora na
Índia de literatura religiosa e filosófica.
Até seu desaparecimento em 14 de
novembro de 1977 em Vrindavana, Srila
Prabhupada, apesar da sua idade
avançada, viajou 14 vezes em viagens de
50
pregação ao redor da Terra. Não obstante
desta
apertada
agenda,
publicou
continuamente novos livros - num total de
mais de 80 volumes - que hoje em dia são
traduzidos em todas as línguas do mundo.
Nestes onze anos, de 1966 até 1977, Srila
Prabhupada iniciou milhares de discípulos
e escreveu, além dos seus livros, cinco mil
cartas que hoje estão disponíveis em forma
de livros, para seus seguidores.
Srila Prabhupada faleceu em Vrindavan,
Índia, no ano de 1977. Seus discípulos
continuam levando adiante o movimento
que ele iniciou e a mensagem que ele
trouxe da Índia para o Ocidente.‖
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Bhaktivedant
a_Swami_Prabhupada)
[3]
―A religião no Antigo Egito refere-se ao
complexo conjunto de crenças religiosas e
rituais praticados no Antigo Egito. Não
existiu propriamente uma religião egípcia,
pois as crenças - frequentemente
diferentes de região para região - não
eram a parte mais importante, mas sim o
culto aos deuses, que eram considerados
51
os donos legítimos do solo, terra que
tinham governado no passado distante.
Este conjunto de crenças foi praticado no
antigo Egito desde o período pré-dinástico,
cerca de 3000 anos a.C., até o surgimento
do cristianismo. Inicialmente, era uma
religião politeísta por crer em várias
divindades, como forças da natureza. Com
o passar dos séculos, a crença se
diversificou, sendo considerada henoteísta,
porque acreditava em uma divindade
criadora do universo, tendo outras forças
independentes, mas não iguais em poder a
este. Também pode ser considerada
monoteísta, pois tinha a crença em um
único deus, as outras divindades eram
neteru (plural de neter), participantes da
criação e manutenção da realidade, mas
ainda assim inferiores em poder ao grande
Ser supremo. Amenófis IV instaurou o
monoteísmo, que fenece
As fontes para o estudo da antiga religião
egípcia são variadas: templos, pirâmides,
estátuas, túmulos e textos. Em relação às
fontes escritas, os egípcios não deixaram
obras que sistematizassem, de forma clara
e organizada, as suas crenças. Em geral,
52
os investigadores modernos centram seu
estudo em três obras principais: o Livro
das Pirâmides, o Livro dos Sarcófagos e o
Livro dos Mortos.
O Livro das pirâmides de Sacará. Do
ponto de vista cronológico, situam-se na
época da V dinastia;
O Livro dos Sarcófagos, uma recolha de
textos escritos em caracteres hieroglíficos
cursivos no interior de sarcófagos de
madeira da época do Império Médio, tinha
também como função ajudar os mortos no
outro mundo;
Por último, o Livro dos Mortos, que
inclui os textos das obras anteriores, para
além de textos originais, datando do
Império Novo. Esta obra era escrita em
rolos de papiro pelos escribas e vendida às
pessoas para ser colocada nos túmulos.
Outras fontes escritas são os textos dos
autores gregos e romanos, como os relatos
de Heródoto (século V a.C.) e Plutarco
(século I d.C.).
Divindades
53
As várias divindades egípcias existentes
caracterizavam-se pela sua capacidade de
estar em vários locais ao mesmo tempo e
de sobreviver a ataques. A maioria delas
era benevolente, com exceção de algumas
divindades com personalidade mais
ambivalente como as deusas Sekhet e Mut.
Um deus poderia também assumir várias
formas e possuir outros nomes. O exemplo
mais claro é o da divindade solar Rá, que
era conhecido como Kepra, representado
como um escaravelho, quando era o sol da
manhã. Recebia o nome de Atom
enquanto sol do entardecer, sendo visto
como velho e curvado, um deus esperado
pelos mortos, que se aquecem com os seus
raios. Durante o dia, Rá anda pela Terra
como um falcão. Estes três aspectos e
outros setenta e dois são invocados numa
ladainha sempre na entrada dos túmulos
reais.
Estas divindades eram agrupadas de
várias maneiras, como em grupos de nove
deuses (as Enéades), de oito deuses (as
Ogdóades), ou de três deuses (tríades). A
principal Enéade era a da cidade de
54
Heliópolis, presidida pela divindade solar
Rá.
Cosmologia e criação
O princípio do universo é a formação
única de Deus, que não se fez do nada, e
sim, autocriou seus aspectos. Os aspectos
de Deus, como dito anteriormente,
chamam-se neteru (no singular: neter no
masculino e netert no feminino). Tudo
vem a início de um líquido infinito
cósmico chamado Nun (Nu ou Ny): este é
o "ser subjetivo". Quando esse líquido se
autocria e torna-se real, é Atum, o "ser
objetivo". Essa passagem é semelhante à
passagem de inconsciente para consciente
do ser humano. Atum criou uma massa
única universal que deu origem a uma
explosão, porém pré-planejada. Atum
também tem o poder de "tornar-se a si
mesmo", que, segundo os antigos egípcios,
é algo muito complicado para um
humano, seria uma "obra divina". Mas
isto é o princípio da Terra. A oração para
a transformação de Atum é a seguinte:
Saudamos a vós, Atum!
55
Saudamos a vós, aquele que torna a si
mesmo!
Vós sois em vosso nome o altíssimo!
Vós tornais em vosso nome Khepri, aquele
que se torna si mesmo!
Khepri é um nome dado ao primeiro neter
da Terra, Rá, o que é outra forma de
Atum. Para criar a Terra, Rá deu origem
ao Sol da manhã, enquanto o Sol da tarde
era Atum. Cuspiu Chu e Tefnut, que
deram origem a ar e a umidade. A seguir
outro texto de "obra divina":
Fui anterior aos dois anteriores que criei,
pois tinha prioridade sobre os dois
anteriores que criei.
Visto que meu nome é anterior ao deles,
porque os criei antes dos dois anteriores.
Os próximos neteru a serem gerados eram
Geb e Nut, que criaram os dois ambientes
da Terra: o céu e a terra (plana). Estes
56
também deram origem aos quatro neteru
da vida: Osíris, Ísis, Seth e Néftis. Osíris
criou a vida no além e todo o processo de
jornada até o céu. Ísis é responsável por
todos os seres vivos. Seth representa os
opostos, mas também coisas más, como
ódio e caos. Néftis representa o deserto, a
orientação, e o ato de morte. A história
desses quatro neteru é a origem do
próximo a ser gerado. Lembrando que as
próximas histórias são semelhantes aos
humanos porque esses neteru eram de
espécies bem próximas aos humanos.
Existem milhares de versões, no geral a
história é a seguinte: Osíris era o neter
que criou o ciclo de vida e morte, por isso
governava a terra. Seth, movido a inveja,
resolveu armar uma forma de matá-lo.
Então, de forma incerta, provavelmente
mostrando outra intenção, o trancafiou
em um caixão e jogou no Nilo para se
perder e ninguém nunca achar. Néftis
percebeu isso e avisou Ísis, quando
começaram a procurar e encontraram um
caixão, e recuperaram Osíris. Seth como
era uma forma do mal, esquartejou a
forma material de Osíris em 40 pedaços e
espalhou-os por todo o deserto e no Nilo.
57
Ísis, depois de muito tempo, conseguiu
encontrar todos eles, exceto o pênis, que
foi devorado por três peixes. Então, Osíris
uniu-se a Ísis e gerou um filho, a primeira
ideia de "imaculada concepção", ela ficou
conhecida com "Virgem Ísis". O filho era
Hórus, o herdeiro que então lutou contra
Seth, perdendo um olho na batalha, mas
consegui vencê-lo. Esse olho ficou
conhecido como "Olho de Hórus", que foi
reconhecido como símbolo de proteção
pelos egípcios. A seguir uma oração
relacionada a isso:
Ó benevolente Ísis
que protegeu o seu irmão Osíris,
que procurou por ele incansavelmente,
que atravessou o país enlutada,
e nunca descansou
encontrado.
antes
de
tê-lo
Ela, que lhe proporcionou sombra com
suas asas
58
e lhe deu ar com suas penas,
que se alegrou e levou o seu irmão para
casa.
Ela, que reviveu o que,
desesperançado, estava morto,
para
o
que recebeu a sua semente e concebeu um
herdeiro,
e que o alimentou na solidão,
enquanto ninguém sabia quem era...
Hórus também era conhecido como o
"salvador da humanidade". Depois disso,
Seth se tornou um neter menor.
Também há histórias dizendo que Hórus
encarnou
na
terra
e
mostrou
ensinamentos à humanidade. Ele seria
guiado pela estrela Sirius e presenteado
em seu nascimento por três reis, que
seriam representados pelas Três Marias.
Também fez milagres na terra, como
andar sobre as águas do Nilo. Em outra
versão, teria ressuscitado um homem
59
chamado El-Azar-Us. Foi morto pelo
faraó (por inveja deste) e também teria
ressuscitado alguns dias depois. Fora da
terra, teria se casado com Hator.
Os templos
Pilone do Templo de Luxor
Os templos no Antigo Egito eram
entendidos como os locais onde residia a
divindade (hut-netjer, "casa do deus"),
que poderia ser acompanhada pela sua
família e por outras Divindades, sendo,
por isso, muito diferentes dos modernos
edifícios religiosos.
Os templos dos períodos mais antigos da
história do Antigo Egito, como o Império
Antigo e o Império Médio, não chegaram
em bom estado até aos dias de hoje, pelo
que são as construções do Império Novo e
da época ptolomaica que permitem o
conhecimento da estrutura dos templos.
Na estrutura "clássica" dos templos
egípcios podem ser distinguidas três
partes: o pátio, as salas hipóstilas e o
santuário.
À entrada de um templo, encontravam-se
obeliscos e estátuas monumentais, que
60
antecediam o pilone. Nos templos do
Império Novo, é comum a existência de
uma avenida de acesso ladeada por
esfinges com corpo de leão e cabeça de
carneiro (que se acreditava protegerem o
templo e o deus), na qual desfilava a
procissão em dias de festa.
Um pilone era uma porta monumental
composta por duas torres em forma de
trapézio, entre as quais se situava a
entrada propriamente dita. Nas paredes do
pilone, representavam-se as divindades ou,
muitas vezes, a cena clássica na qual se vê
o faraó a atacar os inimigos do Egito.
Passado o pilone, existia uma grande pátio
(uba), a única zona acessível ao público,
onde a estátua da Divindade era mostrada
nos dias de festa. O pátio era rodeado por
colunas e possuía por vezes um altar
(aba), onde se efetuavam os sacrifícios.
Este pátio precedia uma sala hipostila (ou
seja, uma sala de colunas), mais ou menos
imersa na escuridão, que antecedia outros
salas onde se guardavam a mesa de
oferendas e a barca sagrada. Finalmente,
achava-se o santuário do deus (kari). Se os
61
faraós entendessem ampliar um templo
construíam-se novas salas, átrios e
pilones.
Os templos mais importantes poderiam
possuir um lago sagrado, nilómetros, per
ankh (casas de vida), armazéns e locais
para a residência dos sacerdotes.
Pilone do Templo de Edfu visto desde o
pátio
O culto nos templos
Teoricamente, o rei egípcio tinha o dever
de realizar a liturgia em cada templo. Uma
vez que era fisicamente impossível para o
rei estar presente em todos os templos que
existiam no Egito, o soberano nomeava
representantes para realizar as cerimónias
a Deus. Os reis só visitavam os templos em
ocasiões especiais associadas a festivais, o
que não impedia que fossem representados
nos templos fazendo oferendas às
Divindades.
A vida nos templos seguia o curso da vida
normal. Antes do nascer do sol, abatiamse os animais que seriam oferecidos as
Divindades. Os sacerdotes purificavam-se
com água, e, vestidos com trajes brancos,
62
entravam em procissão no templo. No
pátio
do
templo,
os
sacerdotes
apresentavam as suas oferendas e
queimavam incenso. Um sacerdote dirigiase ao santuário da divindade, uma sala
especialmente consagrada, localizada na
parte mais reservada do templo. Aqui, o
sacerdote acendia um archote e abria o
naos, tabernáculo onde se guardava a
estátua da Divindade. O sacerdote
apresentava-se à divindade e anunciava
vir cumprir os seus deveres. Limpava o
tabernáculo, queimava incenso, lavava a
estátua e aplicava sobre ela óleos, vestia-a,
maquilhava-a e colocava-lhe a coroa.
Terminado este processo, o sacerdote
colocava a estátua no naos, abandonando
a sala e apagando o archote e as pegadas
que havia feito. Ao meio-dia, poderia ser
feita uma nova cerimónia na qual se
ofereciam alimentos.
Sacerdotes
Sacerdotes vestidos com pele de leopardo
realizam rituais de purificação. Túmulo de
Userhat. XIX Dinastia.
No Antigo Egito, não existiu uma
estrutura sacerdotal centralizada; cada
Divindade possuía um grupo de homens e
63
mulheres dedicados ao seu culto. O termo
mais comum para designar um sacerdote
em egípcio era hem-netjer, o que significa
"Servo de Deus".
Não se sabe em que época da história
egípcia se estruturou o grupo sacerdotal.
Na época do Império Antigo, os sacerdotes
não estavam ainda organizados em corpos
fixos como sucederia no Império Novo. De
acordo com os Textos das Pirâmides,
datados do Império Antigo, os reis tinham
cinco refeições diariamente: três no céu e
duas na terra; estas últimas estavam a
cargo dos sacerdotes funerários.
As fontes do Império Novo mostram que
os sacerdotes estavam organizados em
quatro grupos (em grego: phyles), cada
um dos quais trabalhava durante um mês
cada três meses. Durante os oito meses
que tinham livres, os sacerdotes levavam
uma vida comum inserida na comunidade,
junto das suas esposas e filhos.
O clero egípcio estava estruturado de
forma hierárquica. O rei era, em teoria, o
líder de todos os cultos egípcios, mas,
como já foi referido, este delegava o seu
64
poder a outro homem devidamente
preparado por Deus: o Sumo Sacerdote,
que, na hierarquia, era seguido do
segundo sacerdote, por sua vez seguido do
terceiro e quarto sacerdotes. O grupo
seguinte era o dos "pais divinos" e "dos
"puros". Existiam também os sacerdotes
leitores, os que calculavam o momento
ideal para realizar uma determinada
cerimónia através da observação do sol
("horólogos") e os que determinavam os
dias fastos e nefastos ("horóscopos").
Finalmente, pode distinguir-se um grupo
dedicado aos serviços de manutenção do
templo (imiu-seté).
As mulheres também trabalhavam nos
templos seguindo o mesmo regime de
rotatividade dos homens. Frequentemente,
estas mulheres eram esposas dos
sacerdotes. As mulheres poderiam ser
cantoras (chemait), músicas (hesit) ou
dançarinas (khebait). Durante o Império
Antigo e o Império Novo, muitas mulheres
da classe abastada serviram a deusa
Hathor. No culto de Amon, o cargo mais
importante ocupado por mulheres era o de
"Adoradora Divina". As mulheres que
65
ocuparam este cargo foram filhas ou
irmãs do faraó governante.‖
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Religi%C3%
A3o_no_Antigo_Egito)
[4]
―Krishna ou Críxena (em sânscrito:
,
pronunciado K a ou
kr
) no
hinduísmo, é um avatar ou manifestação
de Brâma, Vishnu e Shiva, os três nomes
da divindade. Considerado o oitavo avatar
de Vishnu, é uma das divindades mais
cultuadas em toda a Índia possivelmente
por ser o interlocutor de Arjuna no
Bhagavad-Gitā e pelas comunidade Hare
Krishna de seus seguidores.
Krishna é muitas vezes descrito e retratado
como uma criança comendo manteiga, um
jovem rapaz tocando uma flauta como no
Bhagavata Purana, :56 ou como um
ancião que dá direção e orientação como
no Bhagavad Gita. :15 As histórias de
Krishna aparecem em várias tradições
filosóficas e teológicas hindus que o
retratam de vários modos: um deuscriança, um brincalhão, um modelo de
amante, um herói divino e o Ser
66
Supremo[7] As escrituras principais que
discutem a história de Krishna são o
Mahabharata, o Harivamsa, o Bhagavata
Purana e o Vishnu Purana.
Nome e títulos
A palavra em sânscrito k a é
essencialmente um adjetivo que significa
"negro", "azul" ou "azul-escuro". Como
um substantivo feminino, k a é usado
no sentido de "noite", "escuridão" no
Rigveda. Krishna é um nome de Deus que
significa "o todo atraente", a Verdade
absoluta.
O Mahabharata (Udyogaparva 71.4)
analisa a palavra K ishna da seguinte
maneira:
krishir bhu-vacakah sabdo nas ca
nirvriti-vacakah
tayor aikyam param brahma krishna ity
abhidhiyate
A palavra 'krish' é a característica atrativa
da existência divina, e 'na' significa
'prazer espiritual.' Quando o verbo 'krish'
é adicionado ao 'na', ele se torna
67
'krishna', que indica a Suprema Verdade
Absoluta.
Krishna também é conhecido por diversos
nomes, epítetos e títulos, que refletem suas
múltiplas qualidades e atividades. Entre os
mais usados, estão Hari ("Aquele que
tira" [pecados, ou que afasta samsara, o
ciclo de nascimentos e mortes]), Govinda
("Aquele que dá prazer às vacas, à Terra e
aos sentidos") e Gopala ("Protetor das
vacas" ou, mais precisamente, "Protetor
da vida").
Iconografia
Krishna é facilmente reconhecido por suas
representações artísticas. Sua pele é
retratada na cor preta ou azul-escura,
conforme descrito nas Escrituras, embora
em representações pictóricas modernas ele
geralmente seja mostrado com pele azul.
Ele aparece usando um dhoti de seda
amarelo e uma coroa de penas de pavão.
Representações comuns mostram-no como
um bebê, um menino ou um jovem.
Normalmente, está com uma perna
dobrada na frente da outra, levando uma
68
flauta aos lábios, esboçando um sorriso
misterioso, e acompanhado por vacas.
A cena no campo de batalha de
Kurukshetra, nomeadamente quando se
dirige a Arjuna no Bhagavad Gita, é outro
tema comum para sua representação.
Nessas cenas, ele é mostrado como um
homem de dois braços atuando como
cocheiro, ou com as típicas características
da arte religiosa hindu (tais como braços
ou cabeças múltiplas) e com atributos de
Vishnu, como o chakra.
Biografia
Este resumo se baseia no Mahabharata,
no Harivamsa, no Bhagavata Purana e no
Vishnu Purana . Os fatos narrados
ocorreram no norte da Índia, a maior
parte nos atuais estados de Uttar Pradesh,
Bihar, Haryana, Deli e Gujarat.
Nascimento e infância
Yashoda, a mãe adotiva de Krishna,
adornando-o, em pintura de Raja Ravi
Varma (1848-1906)
De acordo com o Bhagavata Purana,
Krishna nasceu sem uma união sexual,
mas por meio da "transmissão mental"
69
ióguica da mente de Vasudeva no ventre
de Devaki. Baseado em dados das
escrituras e cálculos astrológicos, a data
de nascimento de Krishna, conhecida
como Janmastami, é o dia 18 de julho de
3228 a.C. Krishna pertencia ao clã Vrishni
dos Yadavas, de Mathura, capital dos clãs
Vrishni, Andhaka e Bhoja. Foi o oitavo
filho da princesa Devaki e seu marido
Vasudeva
O rei Kamsa subiu ao trono após mandar
prender o próprio pai, Ugrasena (rei da
dinastia Bhoja). Kamsa é tido como um
grande demônio, que pertencia à classe
dos Kshatriyas, mas que, de algum modo,
havia se desviado do Dharma universal.
No caminho que conduzia os noivos até a
nova casa, Kamsa escutou uma voz que
dizia que o oitavo filho de Devaki iria leválo à morte. Imediatamente fez menção de
matar Devaki, mas Vasudeva implorou
pela vida da esposa, prometendo que cada
filho que nascesse, seria levado à presença
de Kamsa.
Receoso, mandou prender Vasudeva e a
esposa no porão do castelo, sendo vigiados
70
dia e noite por guardas. Cada filho do
casal que nascia era morto por Kamsa,
que mesmo sabendo que a profecia se
cumpriria apenas no oitavo filho, não
tinha piedade de nenhum e matava a
todos.
Kamsa havia sido alertado por Narada
Muni que, em breve, Vishnu nasceria na
família de Vasudeva. Soube também,
através deste sábio, que, em uma
encarnação anterior, Kamsa havia sido
um demônio chamado Kalanemi que tinha
sido morto por Vishnu.
Conta a tradição védica que Kamsa,
temendo que Vishnu nascesse em
qualquer uma das famílias do reino,
mandou matar todos os meninos com até
dois anos de idade, a fim de evitar o
cumprimento da profecia.
E foi então que o oitavo filho de Devaki
nasceu - Bhagavan Sri Krishna. O local
do nascimento é conhecido atualmente
como Krishnajanmabhoomi, onde um
templo foi erguido em honra. Como sua
vida corria risco na prisão, foi tirado da
71
prisão e entregue aos pais adotivos
Yashoda e Nanda em Gokula.
Juventude
Nanda, pai adotivo de Krishna, era o líder
de uma comunidade de pastores de gado.
As histórias da infância e juventude
contam a vida e relação com as pessoas da
região. Uma dessas histórias conta que
Kamsa, descobrindo que ele havia sido
libertado da prisão, enviou vários
demônios para impedir que isso
acontecesse. Todos falharam. São muitas
as façanhas de Krishna e as aventuras
com as Gopis da vila, incluindo Radha,
aventuras estas que se tornaram
conhecidas como Rasa lila.
Krishna, o Príncipe
Krishna, então um jovem homem, retorna
para Mathura, acaba com o governo de
Kamsa, e institui o pai, Vasudeva, que
havia sido aprisionado por Kamsa, como
rei de Yadavas. Em seguida declarou a si
mesmo príncipe da corte. Neste período,
iniciou a amizade com Arjuna e outros
príncipes de Pandava do reino de Kuru.
Casou-se com Rukmini, filha do rei
Bishmaka de Vidarbha. Ele também teve
72
150 mil esposas, incluindo Satyabhama e
Jambavati.
A guerra de Kurukshetra
Ver artigo principal: Guerra de
Kurukshetra
Krishna possuía primos em ambos os
lados na guerra entre os Pandavas e os
Kauravas, porém ele tomou o lado dos
Pandavas e concordou em ser o cocheiro
da carruagem de Arjuna - o primo e
grande amigo - na batalha decisiva. O
Bhagavad Gita consiste nos conselhos
dados por Krishna a Arjuna, antes do
início do combate.
Últimos dias
Segundo o Mahabharata, a Batalha de
Kurukshetra resultou na morte de todos os
cem filhos de Gandhari. Na noite antes da
morte de Duryodhana, o Senhor Krishna
visitou Gandhari para oferecer suas
condolências. Pressentindo que Krishna
conscientemente não tinha posto fim à
guerra, Gandhari teve um acesso de raiva
e tristeza, e amaldiçoou Krishna e toda a
dinastia dos Yadu a morrerem no prazo de
36 anos.
73
Em um festival, uma briga começou entre
os Yadavas, que exterminaram uns aos
outros. Balarama, o irmão mais velho de
Krishna, entregou conscientemente o
corpo usando yoga. Krishna se retirou
para a floresta e sentou-se debaixo de uma
árvore em meditação. Um caçador
chamado
Jara
confundiu
o
pé
parcialmente visível de Krishna com um
veado, e atirou uma flecha ferindo-o
mortalmente.
De acordo com os eruditos vaishnavas, o
corpo de Krishna é completamente
espiritual, e não seria corruptível nem
sujeito à morte e à deterioração. Mesmo
assim, na execução de seus passatempos
terrenos, ele "aparenta" nascer e morrer
como uma pessoa comum.
Ao ver que tinha ferido Krishna, o caçador
ficou muito perturbado e pediu perdão.
Krishna então respondeu-lhe: "Você era
Vali em seu nascimento anterior, e eu era
Rama, que o matei secretamente. Você
queria se vingar, e, assim, neste meu
aparecimento, estou cumprindo seu
desejo; tudo isso fazia parte do meu
74
plano". Dizendo isso, Krishna partiu para
Goloka, sua morada celestial.
Segundo as Escrituras hindus, o
desaparecimento de Krishna ocorreu na
meia-noite de 17 para 18 de fevereiro de
3102 a.C. e marca o fim de Dwapara Yuga
e o início de Kali Yuga, a era da hipocrisia
e das desavenças. Devido à presença de
Krishna no planeta, o demônio Kali não se
atreveu a manifestar-se com toda a sua
força. Mas neste mesmo dia, Kali entra no
mundo na forma do delito de ferir uma
vaca - justamente o animal preferido de
Krishna.
Devoção a Krishna
Segundo o Srimad Bhagavatam, Krishna é
a forma original de Deus, superior a todas
as outras expansões divinas, já que todas
emanam dele. Krishna é um ser eterno,
sem nascimento nem morte, que adotou
uma manifestação temporária na terra
para poder agraciar seus devotos e
aniquilar os demônios - mas que
simultaneamente
está
presente
eternamente em seu planeta espiritual.
Gita Govinda
75
Vários trabalhos foram importantes na
difusão
da
devoção
a
Krishna,
especialmente o Gita Govinda, escrito por
Jayadeva Goswami na Índia oriental, no
século XII. Trata a respeito da relação
íntima de Krishna com uma gopi em
particular,
Radharani
(que
no
Mahabharata teve papel secundário).
Movimentos recentes de Krishna-bhakti
Derivações posteriores das primeiras
tradições de devoção a Krishna incluem a
que foi promovida pelo santo bengali
Caitanya Mahaprabhu, no século XVI.
Seus seguidores consideram-no uma
encarnação de Krishna e Radharani num
só corpo. Vários movimentos pertencem a
esta tradição, entre eles o Movimento Hare
Krishna.
Fundado em nova York pelo guru indiano
Bhaktivedanta Swami Prabhupada em
1966, o Movimento Hare Krishna é o
principal responsável pela disseminação
contemporânea da figura de Krishna no
Ocidente.‖
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Krishna)
[5]
76
―O estoicismo (do grego Στωικισμός) é
uma escola de filosofia helenística
fundada em Atenas por Zenão de Cício no
início do século III a.C. Os estoicos
ensinavam que as emoções destrutivas
resultam de erros de julgamento, e que um
sábio, ou pessoa com "perfeição moral e
intelectual", não sofreria dessas emoções.
O estoicismo afirma que todo o universo é
corpóreo e governado por um Logos
divino (noção que os estoicos tomam de
Heráclito de Éfeso e desenvolvem). A alma
está identificada com este princípio divino
como parte de um todo ao qual pertence.
Este logos (ou razão universal) ordena
todas as coisas: tudo surge a partir dele e
de acordo com ele, graças a ele o mundo é
um kosmos (termo grego que significa
"harmonia").
Busto de Zenão de Cítio (334 a.C. - 262
a.C.), fundador do estoicismo, em Atenas,
na Grécia
O estoicismo propõe se viver de acordo
com a lei racional da natureza e aconselha
a indiferença (apathea) em relação a tudo
que é externo ao ser. O homem sábio
obedece à lei natural, reconhecendo-se
77
como uma peça na grande ordem e
propósito do universo, devendo, assim,
manter a serenidade perante tanto as
tragédias quanto as coisas boas. A partir
disso, surgem duas consequências éticas:
primeiro, deve-se "viver conforme a
natureza". Mas, sendo a natureza
essencialmente o logos, essa máxima é
prescrição para se viver de acordo com a
razão. Sendo a razão aquilo por meio do
que o homem torna-se livre e feliz, o
homem sábio não apreende o seu
verdadeiro bem nos objetos externos, mas
usando estes objetos através de uma
sabedoria pela qual não se deixa
escravizar pelas paixões e pelas coisas
externas.
Os estoicos preocupavam-se com a relação
activa entre o determinismo cósmico e a
liberdade humana, e com a crença de que
é virtuoso manter uma vontade
(denominada prohairesis) que esteja de
acordo com a natureza. Por causa disso,
os estoicos apresentaram a sua filosofia
como um modo de vida, e pensavam que a
melhor indicação da filosofia de uma
pessoa não era o que teria dito mas como
se teria comportado.
78
Estoicos mais tardios, como Séneca e
Epicteto, enfatizaram que porque a
"virtude é suficiente para a felicidade",
um sábio era imune aos infortúnios. Esta
crença é semelhante ao significado de
"calma estoica", apesar de essa expressão
não incluir as visões "éticas radicais"
estoicas de que apenas um "sábio" pode
ser verdadeiramente considerado livre, e
que todas as corrupções morais são
igualmente
viciosas.
O
estoicismo
floresceu na Grécia com Cleantes de Assos
e Crisipo de Solis, sendo levado a Roma no
ano 155 a.C. por Diógenes de Babilônia.
Ali, seus continuadores foram Marco
Aurélio, Séneca, Epiteto e Lucano.
Busto de Crisipo de Solis (c. 279 a.C. - c.
206 a.C.)
O estoicismo foi uma doutrina que
sobreviveu todo o período da Grécia
Antiga, até o Império Romano, incluindo
a época do imperador Marco Aurélio, até
que todas as escolas filosóficas foram
encerradas em 529 por ordem do
imperador Justiniano I, que percepcionou
as suas características pagãs, contrárias à
fé cristã.
79
A escola estoica preconizava a indiferença
à dor de ânimo causada pelos males e
agruras da vida. Reunia seus discípulos
sob pórticos ("stoa", em grego) situados
em templos, mercados e ginásios. Foi
bastante influenciada pelas doutrinas
cínica e epicurista, além da influência de
Sócrates.
Princípios básicos do estoicismo
Cquote1.svg A filosofia não visa a
assegurar qualquer coisa externa ao
homem. Isso seria admitir algo que está
além de seu próprio objeto. Pois assim
como o material do carpinteiro é a
madeira, e o do estatuário é o bronze, a
matéria-prima da arte de viver é a própria
vida de cada pessoa.
Cquote2.svg
— Epiteto
Os estoicos apresentavam uma visão
unificada do mundo consistindo de uma
lógica formal, uma física não dualista e
uma ética naturalista. Dentre estes, eles
enfatizavam a ética como o foco principal
do conhecimento humano, embora suas
teorias lógicas fossem de mais interesse
para os filósofos posteriores.
80
Busto de Sêneca (4 a.C. - 65) em Córdoba,
na Espanha
O estoicismo ensina o desenvolvimento do
autocontrole e da firmeza como um meio
de superar emoções destrutivas. Defende
que tornar-se um pensador claro e
imparcial permite compreender a razão
universal
(logos).
Um
aspecto
fundamental do estoicismo envolve a
melhoria da ética do indivíduo e de seu
bem-estar moral: "A virtude consiste em
um desejo que está de acordo com a
natureza". Este princípio também se
aplica ao contexto das relações
interpessoais; "libertar-se da raiva, da
inveja e do ciúme" e aceitar até mesmo os
escravos como "iguais aos outros homens,
porque todos os homens são igualmente
produtos da natureza".
A ética estoica defende uma perspectiva
determinista. Com relação àqueles que
não têm a virtude estoica, Cleanto uma vez
opinou que o homem ímpio é "como um
cão amarrado a uma carroça, obrigado a
ir para onde ela vai". Já um estoico de
virtude, por sua vez, alteraria a sua
vontade para se adequar ao mundo e
81
permanecer, nas palavras de Epicteto,
"doente e ainda feliz, em perigo e ainda
assim feliz, morrendo e ainda assim feliz,
no exílio e feliz, na desgraça e feliz",
assim afirmando um desejo individual
"completamente autónomo" e, ao mesmo
tempo, um universo que é "um todo
rigidamente determinista".
Retrato de Epiteto (55 - 135) na capa de
uma tradução inglesa de 1751 do Manual
de Epiteto
O estoicismo tornou-se a filosofia mais
popular entre as elites educadas do mundo
helenístico e do Império Romano, a ponto
de, nas palavras de Gilbert Murray,
"quase todos os sucessores de Alexandre
[...] declararem-se estoicos."
História
Por volta de 301 a.C., Zenão de Cítio
ensinou filosofia no Pórtico Pintado, lugar
a partir do qual o nome da filosofia se
originou. Ao contrário de outras escolas
de filosofia, como a dos epicuristas, Zenão
escolheu ensinar a sua filosofia num
espaço público, que era uma colunata com
vista para o local central de manifestação
da opinião pública, a Ágora de Atenas.
82
As ideias de Zenão desenvolveram-se a
partir do cinismo, cujo fundador,
Antístenes, foi um discípulo de Sócrates. O
seguidor mais influente de Zenão foi
Crisipo de Solis, responsável pela
moldagem do que actualmente é
denominado
estoicismo.
Estoicos
posteriores, da época do Império Romano,
focaram o aspecto da promoção de uma
vida em harmonia com o universo, sobre o
qual não se tem controlo directo.
Os académicos dividem, normalmente, a
história de estoicismo em três fases:
A
primeira
(estoicismo
antigo)
desenvolveu-se no século III a.C., com
Zenão de Cítio, Cleanto, Crisipo de Solis e
Antíprato de Tarso, se preocupando com a
lógica, a física, a metafísica e a moral.
Na segunda (estoicismo médio), o
pensamento estoico combinou-se com o
espírito romano. Foi representado por
Panécio de Rodes (180 a.C. - 110 a.C.) e
Possidónio (135 a.C. - 51 a.C.).
A terceira (estoicismo imperial ou novo
estoicismo), com representantes como:
Caio Musónio Rufo, Séneca (nascido no
83
início da era cristã e falecido em 65 d.C.,
Epicteto (50 d.C. - 125 d.C.) e Marco
Aurélio (121 d.C. - 180 d.C.), que foi
imperador romano em 161 d.C. As obras
de Séneca, Epicteto e Marco Aurélio
propagaram o estoicismo no mundo
ocidental. A última época do estoicismo,
ou período romano, caracteriza-se pela
sua tendência prática e religiosa,
fortemente acentuada como se verifica nos
"Discursos" e no "Enchiridion" de
Epiteto e nos "Pensamentos" ou
"Meditações" de Marco Aurélio.
Não sobreviveu, até a actualidade,
qualquer obra completa de um filósofo
estoico das duas primeiras fases. Apenas
textos romanos da última fase nos
chegaram completos.
Epistemologia
Os
estoicos
acreditavam
que
o
conhecimento pode ser atingido através do
uso da razão. A verdade pode ser
distinguida da falácia, mesmo que, na
prática, apenas uma aproximação possa
ser efetuada. De acordo com os estoicos,
os sentidos recebem constantemente
sensações: pulsações que passam dos
84
objectos através dos sentidos em direcção
à mente, onde deixam uma impressão na
imaginação (phantasia). Uma impressão
originária da mente era designada de
phantasma.
A mente tem a capacidade de julgar
(sunkatathesis) — aprovar ou rejeitar —
uma impressão, permitindo que possa ser
feita uma distinção entre uma verdadeira
representação da realidade de uma falsa.
Algumas impressões podem ter um
assentimento imediato, enquanto que
outras podem apenas atingir diferentes
graus de aprovação hesitante, que podem
ser chamadas de crenças ou opiniões
(doxa). É apenas através da razão que
podemos atingir uma clara compreensão e
convicção (katalepsis). A certeza e o
conhecimento
verdadeiro
(episteme),
alcançável pelo sábio estoico, podem
apenas ser atingidos pela verificação da
convicção com a experiência dos pares e
pelo julgamento colectivo da humanidade.
Cquote1.svg Produz para ti próprio uma
definição ou descrição da coisa que te é
apresentada, de modo a veres de maneira
distintiva que tipo de coisa é na sua
substância, na sua nudez, na sua completa
85
totalidade, e diz a ti próprio é seu nome
apropriado, e os nomes das coisas de que
foi composta, e nas quais irá resultar. Pois
nada é mais produtivo para a elevação da
alma, como ser-se capaz de examinar
metódica e verdadeiramente cada objecto
que te é apresentado na tua vida, e sempre
observar as coisas de modo a ver ao
mesmo tempo que universo é este, e que
tipo de uso tudo nele realiza, e que valor
todas as coisas têm em relação com o todo.
Cquote2.svg
— Marco Aurélio
Filosofia social
Uma característica distintiva do estoicismo
é o seu cosmopolitismo: todas as pessoas
seriam manifestações do espírito universal
único e deveriam, de acordo com os
estoicos, em amor fraternal, ajudarem-se
uns ao outros de maneira eficaz. Nos
Discursos, Epicteto comenta sobre a
relação do ser humano com o mundo:
"cada ser humano é, primeiro, um
cidadão da sua comunidade; mas também
é membro da grande cidade dos homens e
deuses..." Este sentimento ecoa o de
Diógenes de Sínope, que disse "Eu não
86
sou nem ateniense nem coríntio, mas um
cidadão do mundo."
Apoiavam a ideia de que as diferenças
externas, como status e riqueza, não são
importantes nas relações sociais. Em vez
disso, advogavam a irmandade da
humanidade e a natural igualdade do ser
humano. O estoicismo tornou-se a mais
influente escola do mundo greco-romano.
O estoicismo produziu uma grande
quantidade de escritores e personalidades
de renome, como Catão, o Jovem e
Epicteto.
Em particular, os estoicos eram notados
pela sua defesa à clemência aos escravos.
Séneca exortava: "Lembra-te, com
simpatia, de que aquele a quem chamas de
escravo veio da mesma origem, os mesmos
céus lhe sorriem, e, em iguais termos,
contigo respira, vive e morre."
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Estoicismo)
[6]
―Hinduísmo é uma tradição religiosa que
se originou no subcontinente indiano. É
frequentemente chamado de Sanātana
87
Dharma
(
) por seus
praticantes, frase em sânscrito que
significa "a eterna (perpétua) dharma
(lei)". Num sentido mais abrangente, o
hinduísmo engloba o bramanismo, isto é,
a crença na "Alma Universal", Brâman;
num sentido mais específico, o termo se
refere ao mundo cultural e religioso,
ordenado por castas, da Índia pósbudista.De acordo com o livro História das
Grandes Religiões, "o hinduísmo é um
estado de espírito, uma atitude mental
dentro
de
seu
quadro
peculiar,
socialmente dividido, teologicamente sem
crença, desprovido de veneração em
conjunto e de formalidades eclesiásticas
ou de congregação: e ainda substitui o
nacionalismo". Entre as suas raízes está a
religião védica da Idade do Ferro na Índia
e, como tal, o hinduísmo é citado
frequentemente como a "religião mais
antiga", a "mais antiga tradição viva" ou
a "mais antiga das principais tradições
existentes".
É formado por diferentes tradições e
composto por diversos tipos, e não possui
um fundador. Estes tipos de sub-tradições
88
e denominações, quando somadas, fazem
do hinduísmo a terceira maior religião,
depois do cristianismo e do islamismo,
com aproximadamente um bilhão de fiéis,
dos quais cerca de 905 milhões vivem na
Índia e no Nepal. Outros países com
populações significativas de hinduístas são
Bangladesh, Sri Lanka, Paquistão,
Malásia, Singapura, ilhas Maurício, Fiji,
Suriname, Guiana, Trinidad e Tobago,
Reino Unido, Canadá e Estados Unidos.
O vasto corpo de escrituras do hinduísmo
se divide em shruti ("revelado") e smriti
("lembrado"). Estas escrituras discutem a
teologia, filosofia e a mitologia hinduísta,
e fornecem informações sobre a prática do
dharma (vida religiosa). Entre estes textos
os Vedas e os Upanixades possuem a
primazia na autoridade, importância e
antiguidade. Outras escrituras importantes
são os Tantras, os Ágamas, sectários, e os
Puranas (AFI: Purā as ), além dos
épicos Maabárata (AFI: Mahābhārata ) e
Ramáiana
(AFI:
Rāmāya a ).
O
Bagavadguitá (AFI: Bhagavad Gītā ), um
tratado do Maabárata, narrado pelo deus
Críxena (Krishna), costuma ser definido
89
como um sumário dos ensinamentos
espirituais dos Vedas.
Os hindus acreditam num espírito
supremo cósmico, que é adorado de muitas
formas, representado por divindades
individuais. O hinduísmo é centrado sobre
uma variedade de práticas que são vistos
como meios de ajudar o indivíduo a
experimentar a divindade que está em
todas as partes, e realizar a verdadeira
natureza de seu Ser. A teologia hinduísta
se fundamenta no culto aos avatares
(manifestações corporais) da divindade
suprema, Brâman. Particular destaque é
dado à Trimurti - uma trindade
constituída por Brama (Brahma), Xiva
(Shiva)
e
Vixnu
(Vishnu).
Tradicionalmente o culto direto aos
membros da Trimurti é relativamente raro
- em vez disso, costumam-se cultuar
avatares mais específicos e mais próximos
da realidade cultural e psicológica dos
praticantes, como por exemplo Críxena
(Krishna), avatar de Vixnu e personagem
central do Bagavadguitá. Os hindus
cultuam cerca de 330 mil divindades
diferentes.
90
Etimologia
Hindū é o nome em persa do rio Indo,
encontrado pela primeira vez na palavra
Hindu (h ndu) do persa antigo,
correspondente ao sânscrito védico
Sindhu. O Rigveda chama a terra dos
indo-arianos como Sapta Sindhu (a terra
dos sete rios no noroeste da Ásia
Meridional, um deles o Indo), que
corresponde ao Hapta H ndu no Avesta
(Vendidad or Videvdad, 1.18), escritura
sagrada do zoroastrianismo. O termo foi
utilizado para designar aqueles que viviam
no subcontinente indiano, ou para além do
"Sindhu".
O termo persa (persa médio Hindūk, persa
moderno Hindū) entrou na Índia pelo
Sultanato de Délhi e aparece nos textos do
sul da Índia, bem como da Caxemira, a
partir de 1323 d.C, e a partir daí é cada vez
mais utilizado, especialmente durante o
Raj britânico. Desde o fim do século XVIII
a palavra passou a ser usada no Ocidente
como um termo que abrange a maioria das
tradições religiosas, espirituais e culturais
do subcontinente, com a exceção do
91
sikhismo, budismo e jainismo, religiões
distintas.
Divisões
O hinduísmo pode ser subdividido em
diversas correntes principais. Dos seis
darshanas ou divisões históricas originais,
apenas duas escolas, a vedanta e a ioga,
sobrevivem. As principais divisões do
hinduísmo hoje em dia são o vixnuísmo, o
xivaísmo, o smartismo e shaktismo. A
imensa maioria dos hindus atuais podem
ser categorizados sob um destes quatro
grupos, embora ainda existam outros,
cujas denominações e filiações variam
imensamente.
Alguns estudiosos dividem as correntes do
hinduísmo moderno em seus "tipos":
Hinduísmo popular, baseado nas
tradições locais e nos cultos das
divindades tutelares, praticado em nível
mais localizado;
Hinduísmo dármico ou "moral diária",
baseado na noção de carma, na astrologia,
nas normas de sociedade como o sistema
de castas, os costumes de casamentos.
92
Hinduísmo vedanta, especialmente o
Advaita
(smartismo),
baseado
nos
Upanixades e nos Puranas;
Bhakti,
ou
"devocionalismo",
especialmente o vixnuísmo;
Hinduísmo bramânico védico, tal como
é
praticado
pelos
brâmanes
tradicionalistas,
especialmente
os
shrautins;
Hinduísmo
iogue,
baseado
especialmente nos Yoga Sutras de
Patandjáli. Com os principais templos
Hoysaleswara e Khajuraho.
Definições
Templo hinduísta em Mysore, Índia.
O hinduísmo não tem um "sistema
unificado de crenças, codificado numa
declaração de fé ou um credo", mas sim é
um termo abrangente, que engloba a
pluralidade de fenômenos religiosos que se
originaram e são baseados nas tradições
vêdicas.
Hindu é originalmente um termo persa,
em uso desde os tempos do Sultanato
Délhi, e que se referia a qualquer tradição
nativa da Índia, em contraste com o islã.
93
Hindu é usado no inglês no sentido de
"pagão indiano" desde o século XVII,
porém a noção do hinduísmo como uma
tradição
religiosa
identificável,
qualificando uma das religiões do mundo,
surgiu apenas durante o século XIX.
A
característica
da
tolerância
compreensiva às diferenças de credo e a
abertura dogmática do hinduísmo o torna
difícil de ser definido como uma religião
de acordo com o conceito ocidental
tradicional. Embora o hinduísmo seja um
conceito prático claro para a maior parte
de seus seguidores, muitos manifestam
algum tipo de problema ao tentar chegar a
uma definição do termo, principalmente
devido à ampla gama de tradições e ideias
incorporadas ou cobertas por ele. Embora
seja descrito como uma religião, o
hinduísmo costuma ser definido com mais
frequência como uma 'tradição religiosa'.
É descrito como a mais antiga das
religiões mundiais, e mais diversa em
tradições religiosas.
A maior parte das tradições hindus
reverenciam um corpo de literatura
sagrada ou religiosa, os Vedas, embora
94
existem exceções; algumas tradições
religiosas acreditam que certos rituais
específicos sejam essenciais para a
salvação, mas diversos pontos de vista
sobre o assunto podem coexistir. Algumas
filosofias hindus postulam uma ontologia
teística da criação, sustento e destruição
do universo, enquanto outros hindus são
ateus. O hinduísmo por vezes é
caracterizado
pela
crença
na
reencarnação (samsara), determinada pela
lei do karma (karma), e que a salvação é a
liberdade deste ciclo de sucessivos
nascimentos e mortes; outras religiões da
região, no entanto, como o budismo e o
jainismo, também acreditam nisto, mesmo
estando fora do escopo do hinduísmo. O
hinduísmo é visto como a mais complexa
de todas as religiões históricas vivas do
mundo,
porém
a
despeito
desta
complexidade
é
não
apenas
numericamente a maior delas, como
também a mais antiga tradição em
existência na Terra, com raízes que se
estendem até a pré-história.
Uma definição do hinduísmo dada pelo
primeiro vice-presidente da Índia, o
reputado
teólogo
Sarvepalli
95
Radhakrishnan, diz que ele não é "apenas
uma fé", mas que, por estar ele próprio
relacionado à união da razão e intuição,
não
pode
ser
definido,
apenas
experimentado.[30] De maneira similar,
alguns acadêmicos sugerem que o
hinduísmo pode ser visto como uma
categoria com seus limites pouco
definidos, e não uma entidade rígida e
bem-definida.
Algumas
formas
de
expressão religiosa são centrais ao
hinduísmo, enquanto outras não são tão
centrais, porém ainda enquadram-se
dentro da categoria; com base nisto
desenvolveram-se algumas teorias acerca
da definição do hinduísmo, como a 'teoria
dos protótipos'.
Os problemas com uma única definição do
que realmente se quer dizer pelo termo
'hinduísmo' frequentemente são atribuídas
ao fato de que o hinduísmo não tem um
fundador histórico único ou comum. O
hinduísmo ou, como alguns dizem,
'hinduísmos', não tem um sistema único
de salvação, e apresenta diferentes metas
de acordo com a seita ou denominação. As
formas da religião vêdica são vistos não
como uma alternativa ao hinduísmo, mas
96
como a sua forma mais antiga, e
praticamente não há justificativa para as
divisões estabelecidas pela maior parte dos
acadêmicos ocidentais entre o vedismo, o
bramanismo e o próprio hinduísmo.
Uma possível definição de hinduísmo é
ainda mais complicada pelo uso frequente
do termo "fé" como sinônimo para
"religião". Alguns acadêmicos e diversos
praticantes se referem ao hinduísmo com
uma definição nativa, como 'Sanātana
Dharma', uma frase em sânscrito que
significa "a eterna lei" ou "eterno
caminho".
Crenças
Escultura no templo de Hoysaleswara
representando a Trimurti: Brahma, Shiva
e Vishnu.
O hinduísmo é uma corrente religiosa que
evoluiu organicamente através dum
grande território marcado por uma
diversidade étnica e cultural significativa.
Esta corrente evoluiu tanto através da
inovação interior quanto pela assimilação
de tradições ou cultos externos ao próprio
hinduísmo. O resultado foi uma variedade
enorme de tradições religiosas, que vai de
97
cultos pequenos e pouco sofisticados aos
principais movimentos da religião, que
contam com milhões de aderentes
espalhados por todo o subcontinente
indiano e outras regiões do mundo. A
identificação do hinduísmo como uma
religião independente, separada do
budismo e do jainismo, depende muitas
vezes da afirmação dos próprios fiéis de
que ela o é.
Temas proeminentes nas (porém não
restritos às) crenças hinduístas incluem o
darma (dharma, ética hindu), samsara
(samsāra, o contínuo ciclo do nascimento,
morte e renascimento), carma (karma,
ação e consequente reação), mocsa
(moksha, libertação do samsara), e as
diversas iogas (caminhos ou práticas).
Conceito de Deus
Ver artigo principal: Deus no hinduísmo
Brama, uma das principais divindades do
hinduísmo.
O hinduísmo é um sistema diversificado de
pensamento, com crenças que abrangem o
monoteísmo, politeísmo, panenteísmo,
panteísmo, monismo e ateísmo, e o seu
conceito de Deus é complexo, e está
98
vinculado a cada uma das suas tradições e
filosofias. Por vezes é tido como uma
religião henoteísta (isto é, que envolve a
devoção a um único deus, embora aceite a
existência de outros), porém o termo é
visto, da mesma maneira que os outros,
como uma generalização excessiva.
A maior parte dos hindus acredita que o
espírito ou a alma - o "eu" verdadeiro de
cada pessoa, chamado de ātman — é
eterno. De acordo com as teologias
monistas/panteístas do hinduísmo (tais
como a escola Advaita Vedanta), este
Atman não pode ser distinguido, em
última instância, do Brâman, o espírito
supremo; estas escolas são, portanto,
chamadas de não-dualistas. A meta da
vida, de acordo com a escola Advaita, é
chegar à conclusão que o seu ātman é
idêntico ao Brâman, a alma suprema. Os
Upanixades afirmam que quem que tome
consciência do ātman como o âmago de si
próprio estabelece uma identidade com
Brâman, atingindo assim o moksha
("liberação" ou "liberdade").
Escolas dualísticas (Ver Dvaita e Bhakti)
compreendem Brâman como um Ser
99
Supremo que possui personalidade, e o/a
veneram como Vishnu, Brahma, shiva ou
Shakti, dependendo da seita. O ātman é
dependente de Deus, enquanto o moksha
depende do amor a Deus e da graça de
Deus. Quando Deus é visto como um ser
supremo pessoal (em lugar do princípio
infinito), Deus é chamado de Ishvara ("O
Senhor"), Bhagavan ("O Auspicioso") ou
Parameshwara ("O Senhor Supremo" As
interpretações de Ishvara variam, no
entanto, da não-crença no Ishvara dos
seguidores do Mimamsakas, até a sua
identificação
com
Brâman,
pelo
Advaita.[39] Na maior parte das tradições
do vishnuísmo Deus é Vishnu, e o texto
das
escrituras
desta
denominação
identifica este Ser como Krishna, por vezes
chamado de svayam bhagavan. Também
existem escolas, como o Samkhya, que têm
tendências ateias.
Devas e avatares
Críxena (à esquerda), a oitava encarnação
(avatar) de Vishnu, ou svaym bhagavan,
com sua consorte, Rada - venerada como
Radha Krishna em diversas tradições.
Pintura tradicional do século XVII.
100
As escrituras hindus se referem a
entidades celestiais chamadas devas (ou
devī, na sua forma feminina; devatā é
usado como sinônimo de Deva em hindi),
"os brilhantes", que pode ser traduzido
como "deuses" ou "seres celestiais". Os
devas são uma parte integrante da cultura
hindu, e foram retratados na sua arte,
arquitetura, e através de ícones, e histórias
mitológicas sobre eles foram relatadas nas
escrituras da religião, particularmente na
poesia épica indiana e nos Puranas.
Frequentemente
são,
no
entanto,
dissociados de Ishvara, um deus pessoal
supremo que muitos hindus veneram de
uma forma particular, como seu i ṭa
devatā, ou "ideal escolhido". A escolha é
uma questão de preferência individual e
tradições regionais e familiares.
Os épicos hindus e os Puranas relatam
diversos episódios da descida de Deus à
Terra em sua forma corpórea para
restaurar o dharma da sociedade e guiar
os humanos ao moksha. Tal encarnação é
chamada de avatar. Os avatares mais são
os de Vishnu, e incluem Rama
(protagonista do Ramáyana) e Krishna
(figura central do épico Mahabárata).
101
Karma e samsara
Ver artigo principal: Karma
Karma pode ser traduzido literalmente
como "ação", "obra" ou "feito" e pode
ser descrito como a "lei moral de causa e
efeito". De acordo com os Upanixades um
indivíduo, conhecido como o jiva-atma,
desenvolve samskaras (impressões) a
partir das ações, sejam elas físicas ou
mentais. O linga sharira, um corpo mais
sutil que o físico, porém menos sutil que a
alma, armazena as impressões, e lhes
carrega à vida seguinte, estabelecendo
uma trajetória única para o indivíduo.
Assim, o conceito de um carma infalível,
neutro
e
universal,
relaciona-se
intrinsecamente à reencarnação, assim
como à personalidade, característica e
família de cada um. O carma une os
conceitos de livre-arbítrio e destino.
O ciclo de ação, reação, nascimento, morte
e renascimento é um contínuo, chamado
de samsara. A noção de reencarnação e
carma é uma premissa forte do
pensamento hindu. O Bagavadguitá
afirma que:
102
― Assim como uma pessoa veste roupas
novas e joga fora as roupas antigas e
rasgadas, uma alma encarnada entra em
novos corpos materiais, abandonando os
antigos. (B.G. 2:22)‖
A samsara dá prazeres efêmeros, que
levam as pessoas a desejarem o
renascimento para gozar dos prazeres de
um corpo perecível. No entanto, acreditase que escapar do mundo da samsara
através do moksha assegura felicidade e
paz duradouras. Acredita-se que depois de
diversas reencarnações um atman
eventualmente procura a união com o
espírito cósmico (Brâman/Paramatman).
A meta final da vida, referida como
moksha, nirvana ou samādhi, é
compreendida de diversas maneiras
diferentes: como uma realização da união
de alguém com Deus; como a realização
da relação eterna de alguém com Deus;
realização da unidade de toda a
existência;
abnegação
total
e
conhecimento perfeito do próprio Eu;
como o alcance de uma paz mental
perfeita; e como o desprendimento dos
desejos mundanos. Tal realização libera o
103
indivíduo da samsara e termina com o
ciclo de renascimentos.
A conceitualização do moksha difere entre
as várias escolas de pensamento hindu. O
Advaita Vedanta, por exemplo, sustenta
que após alcançar o moksha um atman
não mais identifica a si próprio como um
indivíduo, mas sim como sendo idêntico a
Brâman em todos os aspectos. Os
seguidores das escolas Dvaita (dualísticas)
se identificam como parte de Brâman, e,
após atingir o moksha, esperam passar a
eternidade num loka (céu),[57] na
companhia de sua forma escolhida de
Ishvara. Assim, diz-se os seguidores do
Dvaita desejam "provar o açúcar",
enquanto os seguidores do Advaita querem
"se tornar açúcar".
Objetivos da vida humana
Ver artigo principal: Purusharthas
O pensamento hindu clássico aceita os
seguintes objetivos da vida humana,
conhecidos como os puru ārthas ou
"quatro objetivos da vida": dharma
"retidão", "ethikos", artha "sustento",
"riqueza", kāma "prazer sensual", mok a
"liberação", "liberdade" [do samsara]".
104
No hinduísmo, acredita-se que todos os
homens seguem o kama e o artha, mas
brevemente,
com maturidade,
eles
aprendem a controlar estes desejos com o
dharma, ou a harmonia moral presente em
toda a natureza. O objetivo maior seria o
infinito, cujo resultado é a absoluta
felicidade, moksha, ou liberação (também
conhecida como mukti, samadhi, nirvana,
etc.) do samsara, o ciclo da vida, morte, e
da existência dual.
Ioga
Ver artigo principal: Ioga
Estátua de Xiva em meditação yogue.
Qualquer que seja a maneira na qual o
hindu defina a meta de sua vida, existem
diversos métodos (yôgas) que os sábios
ensinaram para se atingir aquela meta.
Textos dedicados ao ioga incluem o
Bagavadgitá (Bhagavad Gita), os Yôga
Sutras, o Hatha Yoga Pradipika, a
Gheranda Samhita, entre outros, e, como
sua
base
filosófico-histórica,
os
Upanixades. Os caminhos que um
indivíduo pode seguir para atingir a meta
espiritual da vida (moksha ou samadhi)
incluem, entre outros:
105
Bhakti Yoga (o caminho do amor e da
devoção)
Karma Yoga (o caminho da ação
correta)
Raja Yoga (o caminho da meditação)
Jnana Yoga (o caminho da sabedoria)
Raja Yoga (o caminho da união real)
Um indivíduo pode preferir um ou alguns
iogas sobre os outros, de acordo com a sua
inclinação e entendimento. Algumas
escolas devocionais ensinam que o bhakti
é, para a maior parte das pessoas, a único
caminho prático para se alcançar a
perfeição espiritual, com base em sua
crença de que o mundo atualmente estaria
no Kali Yuga (uma das quatro épocas que
formam o ciclo Yuga). A prática de um
yoga não exclui as outras, e muitos
estudiosos acreditam que os diferentes
yogas se misturam naturalmente e
auxiliam na prática das outros yogas. Por
exemplo, acredita-se que a prática da
Jñana Yoga inevitavelmente leve ao amor
puro (a meta do bacti-ioga), e vice-versa.
Alguém que pratica a meditação profunda
(como no raja-ioga) deve incorporar os
princípios centrais do karma-ioga, do
106
jnana-ioga e do bacti-ioga, seja direta ou
indiretamente.
Práticas
As
práticas hinduístas
geralmente
envolvem a procura da consciência de
Deus, e por vezes também a procura de
bençãos dos devas. Assim, o hinduísmo
desenvolveu muitas destas práticas como
forma de ajudar o indivíduo a pensar na
divindade em meio à vida cotidiana. Os
hindus podem praticar a pūjā (culto ou
veneração) tanto em casa como num
templo. Em seus próprios lares os hindus
frequentemente costumam criar um altar,
com ícones dedicados às suas formas
escolhidas de Deus. Os templos costumam
ser dedicados a uma divindade primária e
às divindades subordinadas que lhe são
associadas, embora alguns templos sejam
dedicados a mais de uma divindade. A
visita a templos não é obrigatória, e muitos
os visitam apenas durante os festivais
religiosos. Os hindus realizam seu culto
através dos murtis, ícones; o ícone serve
como uma ligação tangível entre o fiel e
Deus. A imagem costuma ser considerada
uma manifestação de Deus, já que Ele é
imanente. O Padma Purana afirma que o
107
mūrti não deve ser visto como apenas
pedra ou madeira, mas sim como uma
forma manifesta da Divindade. Algumas
seitas hindus, como o Ārya Samāj, não
acreditam em venerar Deus através de
ícones.
O hinduísmo possui um sistema
desenvolvido de simbolismo e iconografia
para representar o sagrado na arte,
arquitetura, literatura e em seu culto.
Estes símbolos ganham seu significado
das escrituras, mitologia ou tradições
culturais. A sílaba Om (que representa o
Parabrahman) e o sinal da suástica (que
simboliza
auspiciosidade)
acabaram
passando a representar o próprio
hinduísmo, enquanto outros símbolos,
como a tilaka, identificam um seguidor da
fé. O hinduísmo ainda apresenta diversos
símbolos que são costumeiramente
associados a divindades específicas, como
o lótus, chakra e veena.
Os mantras são invocações, louvores e
orações que, através de seu significado,
som e estilo de canto, ajudam um devoto a
focar a sua mente nos pensamentos
sagrados ou exprimir devoção a Deus ou
108
às divindades. Muitos devotos realizam
abluções matinais às margens de um rio
sagrado, enquanto cantam o Gayatri
Mantra ou os mantras Mahamrityunjaya.
O poema épico Maabárata exalta o japa
(canto ritualístico) como o maior dever
durante o Kali Yuga (que os hindus
acreditam ser a era presente), e muitos
adotam o japa como sua prática espiritual
primordial.
Rituais
Tradicionais diyas e outros itens usados
em orações durante uma cerimônia de
casamento hindu.
A imensa maioria dos hindus praticam
rituais religiosos diariamente, porém a
observância
destes
rituais
varia
enormemente de acordo com as regiões,
cidades ou aldeias e indivíduos. A maior
parte dos hindus segue estes rituais
religiosos em seus lares. Os hindus mais
devotos também executam tarefas diárias,
como venerar durante a alvorada, depois
de se banhar (normalmente num santuário
familiar, num ritual que também envolve o
acendimento de uma lâmpada e a
colocação de oferendas de alimentos
diante de imagens das divindades), recitar
109
os escritos religiosos, cantar hinos
devocionais, meditar, cantar mantras,
entre outros. Um fator de destaque nos
rituais religiosos é a divisão entre o puro e
o impuro (ou poluído). Atos religiosos
pressupõem algum grau de impureza ou
poluição para o seu praticamente, que
devem ser anulados ou neutralizados antes
ou durante o decorrer do ritual. A
purificação, feita geralmente com água, é
portanto um aspecto típico da maior parte
dos atos religiosos do hinduísmo. Outras
características incluem a crença na
eficácia do sacrifício e do conceito de
mérito, ganho através da realização da
caridade ou de bons atos, que acumulam
com o tempo e reduzem o sofrimento no
próximo mundo. Os ritos védicos da
oblação pelo fogo (yajna) são atualmente
apenas práticas ocasionais, embora sejam
altamente reverenciadas na teoria. Nas
cerimônias de casamentos e funerais
hindus, no entanto, o yajña e o
entoamento de mantras védicos ainda são
a norma. Os rituais, upacharas, mudam
com o tempo; por exemplo, nas últimas
centenas de anos alguns rituais, como as
danças sagradas e as oferendas musicais
nos tradicionais conjuntos de Upacharas
110
Sodasa, recomendados pelo Agama
Shastra, foram substituídos por oferendas
de arroz e doces.
Ocasiões como nascimentos, casamentos e
mortes
envolvem
o
que
são
frequentemente conjuntos elaborados de
costumes religiosos. No hinduísmo, os
rituais que tratam do ciclo da vida incluem
o Annaprashan (a primeira ingestão de
comida sólida por um bebê), Upanayanam
("cerimônia do fio sagrado" pela qual
passam as crianças de castas elevadas em
sua iniciação na educação formal) e
Shraadh (ritual de conceder banquetes em
nome dos falecidos). Para a maior parte
das pessoas na Índia, o noivado de um
jovem casal e a data e hora exatas do
casamento são questões decididas pelos
pais, em consultas com astrólogos. Na
morte, a cremação, que é considerada
obrigatória para todos, com a exceção de
sanyasis, hijra e crianças abaixo de cinco
anos,[carece de fontes] costuma ser
executada envolvendo-se o corpo em
algum tecido e queimando-o sobre uma
pira.
Peregrinação e festivais
Ver artigo principal: Festivais hindus
111
Diwali, o festival das luzes,
principal do hinduísmo.
mostradas as tradicionais
frequentemente são acesas
Diwali.
é o festival
Aqui são
Diyas, que
durante o
A peregrinação não é obrigatória no
hinduísmo, embora muitos de seus
seguidores as realizem. Os hindus
reconhecem diversas cidades sagradas na
Índia, incluindo Allahabad, Haridwar,
Varanasi e Vrindavan. Entre as cidades
que possuem templos famosos está Puri,
que abriga um dos principais templos
vixnuísta de Jagannath e a comemoração
de Rath Yatra; Tirumala - Tirupati, lar do
Templo Tirumala Venkateswara; e Katra,
onde se localiza o templo de Vaishno Devi.
Os quatro locais sagrados de Puri,
Rameswaram, Dwarka e Badrinath (ou,
alternativamente, as cidades de Badrinath,
Kedarnath, Gangotri e Yamunotri, no
Himalaia) compõem o circuito de
peregrinação de Char Dham (quatro
moradas). O Kumbh Mela (o "festival das
jarras") é uma das peregrinações hindus
mais sagradas, realizada a cada quatro
anos; a localização é alternada entre
Allahabad, Haridwar, Nashik e Ujjain.
112
Outro importante grupo de peregrinações
são os Shakti Peethas, onde a Deusa Mãe
é cultuada, da qual as duas principais são
Kalighat e Kamakhya.
O hinduísmo apresenta diversos festivais
ao longo do ano. O calendário hindu
costuma prescrever estas datas. Estes
festivais tipicamente celebram eventos da
mitologia hindu, e coincidem muitas vezes
com as mudanças de estação. Existem
festivais
que
são
celebrados
principalmente por seitas específicas ou
em certas regiões do Subcontinente
Indiano. Alguns dos festivais mais
importantes são o Maha Shivaratri, Holi,
Ram Navami, Krishna Janmastami,
Ganesh Chaturthi, Dussera e Durga Puja,
além do Diwali.
Escrituras
O Rig Veda é um dos mais antigos textos
religiosos. Este manuscrito do Rig Veda
em particular esta no alfabeto devanágari.
O hinduísmo baseia-se no "tesouro
acumulado de leis espirituais descobertas
por diferentes pessoas em diferentes
tempos." As escrituras foram transmitidas
oralmente, na forma de versos - para
113
auxiliar na sua memorização, muitos
séculos antes de serem escritos. Ao longo
dos séculos diversos sábios refinaram estes
ensinamentos e expandiram o cânone. Na
crença hindu pós-védica e moderna a
maior parte das escrituras não costuma
ser interpretadas literalmente; dá-se mais
importância aos significados éticos e
metafóricos derivados deles. A maior parte
dos textos sagrados está em sânscrito, e os
textos se dividem em duas classes: Shruti e
Smriti.
Shruti
Ver artigo principal: Śruti
Shruti (lit: "aquilo que é ouvido") referese primordialmente aos Vedas, que
compõem o mais antigo registro das
escrituras hindus. Enquanto muitos
hindus veneram os Vedas como verdades
eternas reveladas aos antigos sábios
(Ṛ is), alguns devotos não associam a
criação deles com qualquer divindade ou
pessoa, acreditando serem leis do mundo
espiritual, que existiriam mesmo se não
tivessem sido reveladas aos sábios. Os
hindus acreditam que, como as verdades
espirituais dos Vedas são eternas, eles
114
estão sendo expressos continuamente, de
diferentes maneiras.
Vedas
Os Vedas são os textos mais antigos do
hinduísmo, e também influenciaram o
budismo, o jainismo e o sikhismo. Os
Vedas contêm hinos, encantamentos e
rituais da Índia antiga. Juntamente com o
Livro dos Mortos, com o Enuma Elish, I
Ching e o Avesta, eles estão entre os mais
antigos textos religiosos existentes. Além
de seu valor espiritual, eles também
oferecem uma visão única da vida
cotidiana na Índia antiga. Enquanto a
maioria dos hindus provavelmente nunca
leram os Vedas, a reverência por mais
uma noção abstrata de conhecimento
(Veda significa "conhecimento" em
sânscrito) está profundamente impregnada
no coração daqueles que seguem o Veda
Dharma.
Existem quatro Vedas: Rig Veda, Sama
Veda, Yajur Veda, Atharva Veda. O Rig
Veda é o primeiro e mais importante deles.
Cada Veda se divide em quatro partes: a
primeira, o Veda propriamente dito, é o
Saṃhitā, que contém mantras sagrados.
115
As outras três partes formam um conjunto
em três camadas de comentários,
costumeiramente em prosa, tidos como
feitos numa data um pouco posterior ao
Saṃhitā. São os Brâmanas (Brāhma as),
Āra yakas e os Upanixades. As primeiras
duas
partes
foram
chamadas
posteriormente de Karmakā ḍa (parte
ritualística), enquanto as últimas duas
formam a Jñānakā ḍa (parte do
conhecimento). Embora os Vedas tenham
como foco os rituais, os Upanixades se
concentram numa abordagem espiritual e
em ensinamentos filosóficos, discutindo
Brâman e a reencarnação.
Upanixades
Os Upanixades são denominados Vedanta,
porque eles contêm uma exposição da
essência espiritual dos Vedas. Entretanto é
importante observar que os Upanixades
são textos e Vedanta é uma filosofia. A
palavra Upanishad significa "sentar-se
próximo ou perto", pois os estudantes
costumavam sentar-se no solo, próximos a
seus mestres.
Os
Upanixades organizaram mais
precisamente a doutrina védica de auto116
realização, yoga, e meditação, karma e
reencarnação, que eram veladas no
simbolismo da antiga religião de mistérios.
Os mais antigos Upanixades são
geralmente associados a um Veda em
particular, através da exposição de uma
brâmana ou Aranyaka, enquanto os mais
recentes não.
Formando o coração da Vedanta (Final
dos Vedas), eles contêm a técnica de
adoração aos deuses védicos e capturam a
essência do dito do Rig Veda "A Verdade é
Uma". Eles colocam a filosofia hindu
separada e acolhendo uma única e
transcendente força imanente e inata na
alma de cada ser humano, identificando o
microcosmo e o macrocosmo como Um.
Podemos dizer que enquanto o hinduísmo
primitivo é fundamentado nos quatro
Vedas, o hinduísmo clássico, a ioga e
vedanta, e correntes tântricas do Bhakti
foram modelados com base nos
Upanixades.
Smritis
O Naradeya Purana descreve a mecânica
do universo; neste retrato vê-se Vishnu,
com sua consorte, Lakshmi, descansando
117
em Shesha Nag. Narada e Brama também
aparecem.
Textos hindus além dos shrutis são
chamados coletivamente de smritis
("memória"). Os mais célebres dentre os
smritis são os poemas épicos, que
consistem do Maabárata (Mahābhārata) e
do
Ramáiana
(Rāmāya a).
O
Bagavadguitá (Bhagavad Gītā), parte
integral do Maabárata, e um dos mais
populares textos sacros do hinduísmo,
contém ensinamentos filosóficos de
Krishna, uma encarnação de Vishnu,
narradas ao príncipe Arjuna às vésperas
de uma grande guerra. O Bhagavad Gītā,
narrado por Krishna, é descrito como a
essência dos Vedas. O Gītā, no entanto,
por
vezes
também
chamado
de
Gitopanishad ("Guitopanixade"), costuma
ser categorizado com maior frequência
entre os shrutis, por ter um conteúdo de
natureza upanixádica.[86] Os smritis
também incluem os Puranas (Purā as),
que ilustram ideias hindus através de
narrativas vívidas. Também existem textos
de natureza sectária, como o Devi
Mahatmya (Devī Mahātmya), os Tantras,
os Yoga Sutras, Tirumantiram, Shiva
118
Sutras e Agamas (Āgamas). Um texto mais
controverso, o Manusmriti, é o livro de leis
que epitomiza os códigos sociais do
sistema de castas.
Puranas
Os Puranas são considerados smriti;
ensinamentos não escritos passados
oralmente de uma geração a outra. Eles
são distintos dos shrutis ou ensinamentos
em escritos tradicionais. Existem um total
de 18 Puranas maiores, todos escritos em
forma de versos. Acredita-se que estes
textos foram escritos muito anteriormente
ao Ramayana e ao Mahabarata. Acreditase que o mais antigo Purana provém de
cerca de 300 a.C., e os mais recentes de
1300-1400 d.C. Apesar de terem sido
compostos em diferentes períodos, todos os
Puranas parecem ter sido revisados. Tal
pode ser notado quando se observa que
todos eles comentam que o número de
Puranas é 18. Os Puranas variam muito: o
Skanda Purana é o mais longo com 81
000versos, enquanto o Brahma Purana e o
Vamana Purana são os mais curtos com
10 000 versos cada. O número total de
versos em todos os 18 Puranas é 400 000.
Ramayana e Mahabarata
119
O Ramayana e o Mahabarata são os livros
épicos
nacionais
da
Índia.
São
provavelmente os poemas mais longos
escritos em todo o mundo. A obra conta a
história de um príncipe, Rama de
Ayodhya, cuja esposa Sita é abduzida pelo
demônio Rāvana, rei de Lanka.
O Mahabarata é atribuído ao sábio Vyasa,
e foi escrito no período entre 540 e 300
a.C.. A obra, que conta a lenda dos
báratas, uma das tribos arianas, discute o
tri-varga ou as três metas da vida humana:
kama ou desfrute sensorial, artha ou
desenvolvimento econômico e dharma a
religiosidade mundana que se resume em
códigos de conduta moral e ritual.
O Ramayana é atribuído ao poeta Valmiki,
e foi escrito no primeiro século d.C.,
apesar de ser baseado em tradições orais
que datam de seis ou sete séculos a.C.
Bhagavad Gita
A Bhagavad Gita (Bagavadguitá em
português) é considerado parte do
Maabárata (escrito em 400 ou 300 a.C.), é
um texto central do hinduísmo, um
120
diálogo filosófico entre o deus Krishna e o
guerreiro Arjuna. Este é um dos mais
populares e acessíveis textos do
hinduísmo, e é de essencial importância
para a religião. O Gita discute altruísmo,
dever, devoção, meditação, integrando
diferentes partes da filosofia hindu.
As Leis de Manu
Manu é o homem lendário, o "Adão" dos
hindus. As leis de Manu, ou Manusmriti,
são uma coleção de textos atribuídos a ele.
História
O monte Kailash, no Tibete, é tido como a
morada espiritual de Shiva.
A mais antiga evidência de uma religião
pré-histórica na Índia data do fim do
Neolítico, no período harapano inicial
(5500-2600 a.C.). As crenças e práticas do
período pré-clássico (1500-500 a.C.) são
chamadas coletivamente de "religião
histórica védica". O hinduísmo moderno
cresceu a partir dos Vedas, dos quais o
mais antigo é o Rig Veda, que data de
1700-1100 a.C.. Os Vedas centralizam o
culto em divindades como Indra, Varuna e
Agni, e no ritual do soma[desambiguação
necessária]. Sacrifícios de fogo eram
121
realizados, chamados de yagna (yajña), e
entoavam mantras védicos, porém não
construíam templos nem ícones.[carece de
fontes] As tradições védicas mais antigas
mostram fortes semelhanças com o
zoroastrianismo e outras religiões indoeuropeias.
Os principais épicos em sânscrito, o
Ramáiana e o Maabárata, foram
compilados durante um período extenso
que abrangeu os últimos séculos antes de
Cristo, e os primeiros da Era Comum, e
contêm histórias mitológicas sobre os
governantes e as guerras da antiga Índia,
intercaladas com tratados religiosos e
filosóficos. Os Puranas posteriores
recontam histórias sobre os devas e devis,
suas interações com os humanos e suas
batalhas contra demônios (rakshasas).
Origens históricas e aspectos sociais
Pouco é conhecido sobre a origem do
hinduísmo, já que a sua existência
antecede os registros históricos. É dito que
o hinduísmo deriva das crenças dos
arianos, que residiam nos continentes subindianos, ('nobres' seguidores dos Vedas),
dravidianos, e harapanos. Alguns dizem
122
que o hinduísmo nasceu com o budismo e
o jainismo, mas Heinrich Zimmer e outros
indólogos afirmam que o jainismo é muito
anterior ao hinduísmo, e que o budismo
deriva deste e do Sankhya que em
consequência afetaram o desenvolvimento
de sua religião mãe. Diversas são as ideias
sobre as origens dos Vedas e a
compreensão se os arianos eram ou não
nativos ou estrangeiros na Índia. A
existência do hinduísmo data de 4000 a
6000 mil anos a.C.
Historicamente, a palavra hindu antecede
o hinduísmo como religião; o termo é de
origem persa e primeiramente referia-se
ao povo que residia no outro lado (do
ponto de vista persa) do Sindhu ou rio
Indo. Foi utilizado para expressar não
somente a etnicidade mas a religião védica
desde o século XV e século XVI, por
personalidades como Guru Nanak
(fundador do sikhismo). Durante o
Império Britânico, a utilização do termo
tornou-se comum, e eventualmente, a
religião
dos
hindus
védicos
foi
denominada "hinduísmo". Na verdade, foi
meramente uma nova vestimenta para
123
uma cultura que vinha prosperando desde
a mais remota Antiguidade.
Distribuição geográfica atual
A Índia, a Maurícia, e o Nepal, assim
como a ilha indonésia de Bali têm como
religião predominante o hinduísmo;
importantes minorias hindus existem em
Bangladesh (11 milhões), Myanmar (7,1
milhões), Sri Lanka (2.5 milhões), Estados
Unidos (2,5 milhões), Paquistão (4,3
milhões), África do Sul (1,2 milhão),
Reino Unido (1,5 milhão), Malásia (1,1
milhão), Canadá (1 milhão), Ilhas Fiji
(500 mil), Trinidad e Tobago (500 mil),
Guiana (400 mil), Países Baixos (400 mil),
Singapura (300 mil) e Suriname (200 mil).
Filosofia hindu: as seis escolas védicas
As seis escolas filosóficas ortodoxas
hindus (Astika, que aceitam a autoridade
dos Vedas) são Nyaya, Vaisheshika,
Sankhya, Yoga, Purva Mimamsa (também
denominada
Mimamsa)
e
Uttara
Mimamsa (também denominada Vedanta).
As escolas não-védicas são denominadas
Nastika, ou heterodoxas, e referem-se ao
budismo, jainismo e Lokayata. As escolas
que continuam a influenciar o hinduísmo
124
hoje são Purva Mimamsa, Yoga, e
Vedanta.
Nyaya
A escola Nyaya é de importância ímpar no
desenvolvimento da filosofia indiana
devido ao seu papel na construção de um
sistema lógico e analítico, do qual nasceu
todo o resto da filosofia lógica indiana,
além de influenciar o desenvolvimento
paralelo em diversas outras áreas do
pensamento.
O Nyaya foi fundado por Aksapada
Gautama, conhecido como Aksapada ("o
de olhos fixos nos pés"), que escreveu o
texto de maior importância dessa escola, o
Nyaya Sutra, por volta do século II a.C.
Inicialmente vista com suspeita pelo clero
hindu, passou logo depois a ser promovido
por este como ferramenta de debate contra
os heterodoxos (materialistas, budistas e
jainistas). A escola teve seu prestígio
incrementado, e o seu sistema passou a ser
visto como um dos meios para se levar à
salvação.
Vaisheshika
125
A escola Vaisheshika representa uma
linha
de
pensamento
intimamente
associada com a da Nyaya, e
originalmente proposta pelo sábio Kanada
(ou Kana-bhuk'", literalmente, comedor
de átomos), em torno do século II aC.
Basicamente, a Vaisheshika expressa uma
forma de atomismo e postula que todos os
objetos do universo físico são redutíveis a
um número finito de átomos.
Samkhya
A filosofia Sámkhya é anterior ao
bramanismo, filosofia que deu origem ao
hinduísmo, como coloca o indólogo
Heinrich Zimmer em seu clássico
Filosofias da Índia. Patandjali, monge do
sul da Índia, onde até hoje a tradição tamil
preserva elementos das filosofias prévédicas, tinha formação no sistema
Saámkhya-yoga, indissociável. O Sámkhya
foi compilado bem antes de Patandjali
(que viveu no século II a.C., por Kapila,
que viveu pouco tempo antes de Buda.
Uma diferença importante entre o
Sámkhya e o bramanismo é que o primeiro
é dualista, e o segundo monista, mas
ambos vêem o espírito, ou Deus, como
126
imanente e transcendente ao mesmo
tempo.
Inicialmente vista com suspeita pelo clero
hindu, passou logo depois a ser promovido
por este como ferramenta de debate contra
os heterodoxos (materialistas, budistas e
jainistas). A escola teve seu prestígio
incrementado, e o seu sistema passou a ser
visto como um dos meios para se levar à
salvação.
A diferença mais significante do Sámkhya
é que a escola de yoga não somente
incorpora o conceito do Ishvara (ou
"Deus pessoal") numa visão do mundo
metafísica mas também sustenta Ishvara
como um ideal sobre o qual meditar. A
razão é que Ishvara é o único aspecto de
purusha (do infinito Terreno Divino) que
não foi mesclado com prakrti (forças
criativas temporárias). Também utiliza as
terminologias Brahman/Atman e conceitos
profundos dos Upanixades, adotando uma
visão vedântica monista. A realização do
objetivo do ioga é conhecido como moksha
ou samadhi. E como nos Upanixades,
busca o despertar ou a compreensão de
Atman como sendo nada mais que o
127
infinito brâmane, através da (mente) ética,
(corpo) físico e meditação (alma), o único
alvo de suas práticas é a "verdade
suprema".
Purva Mimamsa
A
escola
Purva
Mimamsa
(ou
"investigação anterior") estabeleceu as
bases para a formulação de regras de
interpretação dos Vedas. O principal
questionamento da Purva Mimamsa se
refere à natureza das lei naturais (ou
dharma). Segundo esta linha de
pensamento, a natureza do dharma não é
acessível à razão ou observação, e deve ser
inferida a partir da autoridade da
revelação contida nos Vedas. Este método
empírico e eminentemente sensível de
aplicação religiosa é a chave para
Sanatana Dharma e foi especialmente
desenvolvido por racionalistas como
Sankaracharya e Swami Vivekananda.
A Purva Mimamsa, sendo fortemente
ligada à exegese textual dos Vedas, deu
origem ao estudo da filologia, ou da
filosofia linguagem na Índia. A
introdução da noção de shabda
("discurso") como unidade indivisível de
128
som e significado é devido ao sábio
Bhartrhari (século VII).
Ioga
O sistema do ioga é geralmente
considerado como tendo surgido a partir
da filosofia Sankhya. Entretanto o ioga
referido aqui, é especialmente o raja-ioga
(Raja Yoga, ou união através da
meditação). E é baseada em um texto (que
exerceu grande influência) de Patandjali
intitulado Yoga Sutras, e é essencialmente
uma compilação e sistematização da
filosofia do Ioga meditacional. Os
Upanixades e o Bhagavad Gita também
são textos indispensáveis ao estudo da
ioga.
Uttara Mimamsa ou Vedanta
Ver artigo principal: Vedanta
A
escola
Uttara
Mimamsa
(ou
"investigação
posterior"),
também
conhecida como Vedanta, é talvez a pedra
angular dos movimentos do hinduísmo, e
certamente foi responsável por uma nova
onda de investigação filosófica e
meditativa, renovação da fé, e reformas
culturais. A maior parte da atual filosofia
hindu está relacionada a mudanças que
129
foram influenciadas pelo pensamento
vedanta, o qual é focalizado na meditação,
moralidade e centralização no Eu uno, ao
invés de rituais ou distinções sociais como
as castas. Primeiramente associada com os
Upanixades e seus comentários por
Badarayana, e Vedanta Sutra, o
pensamento vedanta dividiu-se em três
grupos, descritos a seguir.
Puro monismo: Advaita Vedanta
Advaita literalmente significa "não dois";
isto é o que referimos como monoteístico,
ou sistema não-dualístico, que enfatiza a
unidade.
Seu
consolidador
foi
Shankaracharya (788-820). Shankara
expôs suas teorias baseadas amplamente
nos ensinamentos dos Upanixades e de seu
guru Gaudapada. Através da análise da
consciência experimental, ele expôs a
natureza relativa do mundo e estabeleceu
a realidade não dual ou Brahman no qual
Atman (a alma individual) ou Brahman (a
realidade última) são absolutamente
identificadas. Não é meramente uma
filosofia, mas um sistema consciente de
éticas aplicadas e meditação, direcionadas
a obténção da paz e compreensão da
verdade. Sankaracharya acusou as castas
130
e rituais como tolos, e em sua própria
maneira carismática, suplicou aos
verdadeiros devotos a meditarem no amor
de Deus e alcançarem a verdade.
Monismo
qualificado:
Vishistadvaita
Vedanta
Ramanuja (1040 - 1137) foi o principal
proponente do conceito de Sriman
Narayana como Brahman o supremo. Ele
ensinou que a realidade última possui três
aspectos: Ishvara (Vixnu), cit ("alma") e
acit ("matéria"). Vixnu é a única
realidade independente, enquanto alma e
material são dependentes de Deus para
sua existência. Devido a esta qualificação
da realidade última, o sistema de
Ramanuja é conhecido como não
dualístico.
Dualismo: Dvaita Vedanta
Madhva (1199 - 1278) identificou deus
com Vishnu, mas a sua visão da realidade
era puramente dualista, pois ele
compreendeu
uma
diferenciação
fundamental entre o Deus supremo e a
alma
individual,
e
o
sistema
consequentemente foi denominado Dvaita
(dualístico) Vedanta.
131
Filosofia hindu: as escolas não védicas
As principais escolas não-védicas ou
heterodoxas (Nastika) do pensamento
hindu são o budismo, o jainismo e
Lokayata (ou Carvaka).
Culturas alternativas de adoração
As escolas Bhakti
A escola devocional Bhakti tem seu nome
derivado do termo hindu que evoca a ideia
de "amor prazeroso, abnegado e
estupefante de Deus como Pai, Mãe, Filho
Amados", ou qualquer outra forma de
relacionamento que encontre apelo no
coração do devoto. A filosofia de Bhakti
procura usufruto pleno da divindade
universal através da forma pessoal, o que
explica a proliferação de tantas divindades
na Índia, frequentemente refletindo as
inclinações particulares de pequenas áreas
ou grupos de pessoas. Vista como uma
forma de Ioga ou união, ele preconiza a
necessidade de se dissolver o ego em Deus,
na medida em que a consciência do corpo
e a mente limitada, como individualidade,
seriam fatores contrários à realização
espiritual. Essencialmente, é Deus que
promove toda mudança, que é a fonte de
132
todos os trabalhos, que a idade através do
amor e da luz. 'Sins' e mal - fazendo da
devoto são mencionado cair embora da
sua próprio acorde , o entusiasta enrugar
limitedness já transcendido , através do
amor de Deus. Os movimentos Bhakti
rejuvenesceram o hinduísmo ao longo da
sua intensa expressão de fé e receptividade
às necessidades emocionais e filosóficas
da Índia. Pode-se dizer corretamente que
influenciaram a maior onda de mudança
em orações e rituais hindus desde tempos
remotos.
A mais popular forma de expressão de
amor a Deus na tradição hindu é através
do puja, ou ritual de devoção,
frequentemente utilizando o auxílio de
murti (estátua) juntamente com canções
ou recitação de orações meditacionais em
forma de mantras. Canções devocionais
denominadas
bhajan
(escritas
primeiramente nos séculos XIV-XVII),
kirtan (elogio), e arti (uma forma filtrada
do ritual de fogo Védico) são algumas
vezes cantados juntamente com a
realização do puja. Este sistema orgânico
de devoção tenta auxiliar o indivíduo a
conectar-se com Deus através de meios
133
simbólicos. Entretanto, é dito que bhakta,
através de uma crescente conexão com
Deus, é eventualmente capaz de evitar
todas as formas externas e é inteiramente
imerso na bênção do indiferenciado amor
a Verdade.
Tantrismo
A palavra tantra significa "tratado" ou
"série continua", e é aplicada a uma
variedade de trabalhos místicos, ocultos,
médicos e científicos bem como aqueles
que agora nos consideramos como
"tântricos". A maioria dos tantras foram
escritos no final da Idade Média e
surgiram da cosmologia hindu.
Temas e simbolismos importantes no
hinduísmo
Ahimsa e as vacas
Ahimsa
É vital uma nota sobre o elemento ahimsa
no hinduísmo para compreender a
sociedade que se formou à volta de alguns
dos seus princípios. Enquanto o jainismo,
à medida que era praticado, era
certamente uma grande influência sobre a
sociedade indiana - que dizer da sua
exortação do veganismo e da não134
violência como ahimsa - o termo primeiro
apareceu nos Upanixades. Assim, uma
influência internamente enraizada e
externamente
motivada
levou
ao
desenvolvimento
de
uma
grande
quantidade de hindus que acabaram por
abraçar o vegetarianismo numa tentativa
de respeitar formas superiores de vida,
restringindo a sua dieta a plantas e
vegetais. Cerca de 30% da população
hindu
actual,
especialmente
em
comunidades ortodoxas no sul da Índia,
em alguns estados do norte como o
Guzerate e em vários enclaves brâmanes à
volta do subcontinente, é vegetariana.
Portanto, enquanto o vegetarianismo não
é um dogma, é recomendado como sendo
um estilo de vida sátvico (purificador).
Os hindus abstêm-se predominantemente
de carne, e alguns até vão tão longe
quanto evitar produtos de pele. Isto
acontece
provavelmente
porque
o
largamente pastoral povo Védico e as
subsequentes gerações de hindus ao longo
dos séculos dependiam tanto da vaca para
todo o tipo de produtos lácteos, aragem
dos campos e combustível para fertilizante,
que o seu estatuto de "cuidadora"
135
espontânea da humanidade cresceu ao
ponto de ser identificada como uma figura
quase maternal. Assim, enquanto a
maioria dos hindus não adora a vaca, e as
instruções escriturais contra o consumo de
carne surgiram muito depois dos Vedas
terem sido escritos, esta ainda ocupa um
lugar de honra na sociedade hindu. Diz-se
que Krishna é tanto Govinda (pastor de
vacas) como Gopala (protector de vacas), e
que o assistente de Xiva é Nandi, o touro.
Com a força no vegetarianismo (que é
habitualmente seguido em dias religiosos
ou ocasiões especiais até por hindus
comedores de carne) e a natureza sagrada
da vaca, não admira que a maior parte das
cidades santas e áreas na Índia tenham
uma proibição sobre a venda de produtos
de carne e haja um movimento entre os
Hindus para banir a matança de vacas
não só em regiões específicas como em
toda a Índia.
Formas de adoração: murtis e mantras
O hinduísmo prático é simultaneamente
politeísta e enoteísta, pois professa a
crença na existência de 33 milhões deuses
que dividem graus hierárquicos, crendo na
existência um deus supremo uma
136
infinidade de deuses secundários.Segundo
algumas
interpretações
de caráter
monoteísta a variedade de deuses e
avatares que são adorados pelos hindus
são compreendidos como diferentes
formas da Verdade Única, algumas vezes
vistos como mais do que um mero Deus e
um último terreno Divino (Brahman),
relacionado mas não limitado ao
monismo, ou um princípio monoteístico
como Vixnu ou Xiva.
Acreditando na origem única como sem
forma (nirguna brahman, sem atributos)
ou como um Deus pessoal (saguna
Brahman, com atributos), os Hindus
compreendem que a verdade única pode
ser vista de forma variada por pessoas
diferentes. O hinduísmo encoraja seus
devotos a descreverem e desenvolverem
um relacionamento pessoal com sua
deidade pessoal escolhida (ishta devata) na
forma de Deus ou Deusa.
Enquanto alguns censos sustentam que os
adoradores de uma forma ou outra de
Vishnu (conhecido como Vaishnavs) são
80% dos Hindus e aqueles de Shiva
(chamados Shaivaites) e Shakti compõem
137
o restante dos 20%, tais estatísticas
provavelmente são enganadoras. A
maioria dos Hindus adora muitos deuses
como expressões variadas do mesmo
prisma da Verdade. Entre os mais
populares estão Vishnu (como Krishna ou
Rama), Shiva, Devi (a Mãe de muitas
deidades femininas, como Lakshmi,
Sarasvati, Kali e Durga), Ganesha,
Skanda e Hanuman.
A adoração das deidades é geralmente
expressa através de fotografias ou imagens
(murti) que são ditas não serem o próprio
Deus mas condutos para a consciência dos
devotos, marcas para a alma humana que
significam a inefável e ilimitada natureza
do amor e grandiosidade de Deus. Eles são
símbolos do princípio maior, representado
mas nunca presumido ser o conceito da
própria entidade. Consequentemente, a
maneira hindu de adoração de imagens as
toma apenas como símbolos da divindade,
opostos à idolatria, geralmente imposta
(erroneamente) aos hindus.
Mantra
Recitação e mantras originaram-se no
hinduísmo e são técnicas fundamentais
138
praticadas até os dias de hoje. Muito da
chamada Mantra Yoga, é realizada através
de japa ("repetições"). Dizem que os
mantras, através de seus significados, sons
e recitação melódica, auxiliam o sadhaka
(aquele que prática) na obtenção de
concentração durante a meditação. Eles
também são utilizados como uma
expressão de amor a deidade, uma outra
faceta da Bhakti Yoga necessária para a
compreensão de murti. Frequentemente
eles oferecem coragem em momentos
difíceis e são utilizados para a obtenção de
auxílio ou para 'invocar' a força espiritual
interior. As ultimas palavras de Mahatma
Gandhi enquanto morria foi um mantra
ao Senhor Rama: "Hey Ram!"
O mais representativo de todos os mantras
Hindu é o famoso Gayatri Mantra:
ॐ
: |
|
|
:
Aum
bhūrbhuvasvah
|
tat
savitūrvare yam | bhargo devasya
dhīmahi | dhiyo yo naha pracodayāt
139
Significa, literalmente: "Om! Terra,
Universo, Galáxias (invocação aos três
mundos). Que nós alcancemos a excelente
glória de Savitr, o Deus. Que ele estimule
os nossos pensamentos/meditações."
O mantra Gayatri é considerado o mais
universal, o mais importante (maha
mantra) de todos os mantras hindus, e
invoca o Brâman universal como um
princípio de conhecimento e iluminação
do sol primordial, mas somente em seu
aspecto feminino. Muitos hindus até os
dias de hoje, seguindo uma tradição que
permanece viva por pelo menos 5.000
anos, realizam abluções matinais às
margens do rio sagrado (especialmente do
rio Ganges. Conhecido como um mantra
sagrado, é reverenciado como sendo a
forma
mais
condensada
do
"Conhecimento Divino" (Veda). E
governado pelo princípio, Ma ("Mãe")
Gayatri, também conhecido como Veda
Mata ("mãe dos Vedas") e intimamente
associado à deusa do aprendizado e
iluminação, Sarasvati.
O maior objetivo da religião védica é
alcançar moksha, ou liberação, através da
140
constante dedicação a Satya (Verdade) e
uma eventual realização de Atman (Alma
Universal). Não importa se atingido
através de meditação ou puro amor, este
objetivo universal é alcançado por todos.
Deve ser observado que o hinduísmo é
uma fé prática, e é incorporado em cada
aspecto da vida. Acredita igualmente no
temporal e no infinito, e somente encoraja
perspectivas destes principios. Os grandes
rishis (sábios, considerados espécies de
santos hindus) e também denominados
como samsárico (aquele que vive no
samsara, i.e. plano temporal ou terrestre)
aquele que segue um meio de vida honesto
e amável (dhármico) é um jivanmukta
(alma vivente liberta). As verdades
fundamentais do hinduísmo são melhores
compreendidas na frase dos Upanixades,
Tat Twam Asi (Assim És Tu), e na última
aspiração como segue:
Aum Asato ma sad gamaya, tamaso ma
jyotir gamaya, mrityor ma aamritaam
gamaya
"Aum Conduza-me da ignorância para
a verdade, das trevas para a luz, da morte
para a imortalidade."
141
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Hindu%C3%
ADsmo)
----------------------------------------------------―Aníbal, filho de Amílcar Barca 1 ;
Cartago, 248 a.C. - Bitínia, 183[2] [3] [4]
ou 182 a.C.,[n 1] conhecido comumente
apenas como Aníbal (em púnico: ḤNBʻL,
Ḥannibaʻal ou Ḥannibaʻl, 5
6 lit.
"Ba'al é/foi bondoso"[6] [7] ou "Graça de
Baal"[5] ou "recebi a graça de Baal",[8]
talvez também nas formas Ḥannobaʻal, 9
ou ʼDNBʻL, ʼAdnibaʻal, lit. "Ba'al é meu
senhor"; 9 em em grego: Ἁννίβας,
Hanníbas) foi um general e estadista
cartaginês considerado por muitos como
um dos maiores táticos militares da
história. Seu pai, Amílcar Barca (Barca,
"raio"[10] ), foi o principal comandante
cartaginês durante a Primeira Guerra
Púnica, travada contra Roma; seus irmãos
mais novos foram os célebres Magão e
Asdrúbal, e seu cunhado foi Asdrúbal, o
Belo.
Sua vida decorreu no período de conflitos
em que a República Romana estabeleceu
supremacia na bacia mediterrânea, em
142
detrimento de outras potências como a
própria Cartago, Macedônia, Siracusa e o
Império Selêucida. Foi um dos generais
mais ativos da Segunda Guerra Púnica,
quando levou a cabo uma das façanhas
militares mais audazes da Antiguidade:
Aníbal e seu exército, onde se incluíam
elefantes de guerra, partiram da Hispânia
e atravessaram os Pirenéus e os Alpes com
o objetivo de conquistar o norte da
península Itálica. Ali derrotou os romanos
em grandes batalhas campais como a do
lago Trasimeno ou a de Canas, que ainda
se estuda em academias militares na
atualidade. Apesar de seu brilhante
movimento, Aníbal não chegou a capturar
Roma. Existem diversas opiniões entre os
historiadores, que vão desde carências
materiais de Aníbal em máquinas de
combate a considerações políticas que
defendem que a intenção de Aníbal não
era tomar Roma, senão obrigá-la a renderse.[11] Não obstante, Aníbal conseguiu
manter um exército na Itália durante mais
de uma década, recebendo escassos
reforços. Por causa da invasão da África
por parte de Cipião, o Senado púnico lhe
chamou de volta a Cartago, onde foi
143
finalmente derrotado por Públio Cornélio
Cipião Africano na Batalha de Zama.
O historiador militar Theodore Ayrault
Dodge o chamou "pai da estratégia".[12]
Foi admirado inclusive por seus inimigos
— Cornélio Nepos o batizou como «o
maior dos generais»[13] —, assim sendo,
seu maior inimigo, Roma, adaptou certos
elementos de suas táticas militares a seu
próprio arsenal estratégico. Seu legado
militar o conferiu uma sólida reputação
no mundo moderno, e tem sido
considerado como um grande estrategista
por grandes militares como Napoleão ou
Arthur Wellesley, o duque de Wellington.
Sua vida tem sido objeto de muitos filmes e
documentários. Bernard Werber lhe rende
homenagem através do personagem do
«Libertador»,[14] e de um artigo em
L’Encyclopédie du savoir relatif et absolu
mencionada em sua obra Le Souffle des
dieux.[15]
Em meados do século III a.C., a cidade de
Cartago, onde nasceu Aníbal,[2] estava
fortemente influenciada pela cultura
helenística derivada dos vestígios do
império de Alexandre Magno.[16] Cartago
144
ocupava então um lugar importante nos
intercâmbios
comerciais
da
bacia
mediterrânea, e em particular nos
empórios da Sicília, Sardenha e nas costas
da Ibéria e da África do Norte. A cidade
dispunha igualmente de uma importante
frota de guerra que protegia suas rotas
marítimas, que transportavam o ouro
procedente do Golfo da Guiné e o estanho
procedente das costas britânicas.
A outra potência mediterrânea da época
era Roma, com a qual Cartago entrou em
guerra durante vinte anos em um conflito
conhecido como a Primeira Guerra
Púnica,[17] a primeira guerra de grande
envergadura em que Roma saiu vitoriosa.
Este enfrentamento entre a República
Romana e Cartago foi provocado por um
conflito secundário em Siracusa, e se
desenvolveu por terra e mar, em três fases:
combates na Sicília (264-256 a.C.),
combates na África (256-250 a.C.) e de
novo na Sicília (250-241 a.C.). Durante
esta última fase, e sobretudo com a guerra,
nasceu a fama de Amílcar Barca, pai de
Aníbal, que dirigia a guerra contra Roma
desde o ano 247 a.C.. Com a grande
derrota naval nas ilhas Égadi, ao noroeste
145
da Sicília, os cartagineses se viram
obrigados a firmar um tratado na
primavera de 241 a.C. com o cônsul Caio
Lutácio Cátulo.[18] Entre os termos
impostos a Cartago por este tratado se
encontravam a cessão dos territórios da
Sicília
e
Sardenha,[16]
e
o
desmantelamento de sua frota.
Ao final da Primeira Guerra Púnica,
apesar das precauções adotadas por
Amílcar Barca, Cartago encontrou
problemas na hora de dispersar seus
regimentos armados de mercenários, que
não tardaram em assaltar à cidade e
provocar um conflito da envergadura de
uma guerra civil.[18] Este episódio
histórico é conhecido como a Guerra dos
Mercenários. Amílcar conseguiu reprimir
esta rebelião depois de três anos, depois de
vencer aos rebeldes no rio Bagradas e de
novo, com um grande derramamento de
sangue, no desfiladeiro da Serra. Políbio o
nomeia como o "desfiladeiro da
serra",[19] mas Gustave Flaubert, que
utiliza a tradução de Vincent Thuillier, o
chama "o desfiladeiro do machado".[20]
Da sua parte, Roma havia aproveitado a
falta de oposição para tomar a Sardenha,
146
anteriormente
em
mãos
dos
cartagineses.[21] Para compensar esta
perda, Amílcar marchou à Ibéria, onde se
apoderou de vastos territórios no sudeste
do país. Durante uma década, Amílcar
dirigiu a conquista do sul da Ibéria,
apoiado militar e logisticamente por seu
genro Asdrúbal.[18] Esta conquista
restabelecia a situação econômica de
Cartago, graças à exploração das minas de
prata e estanho.
Juventude
Caricatura do juramento que fez Aníbal a
seu pai de ser sempre inimigo de Roma.
Aníbal Barca era o filho mais velho do
general Amílcar Barca e de sua mulher
ibérica.[21] [22] Ainda que «Barca» não
era um sobrenome, senão um apelido (de
barqä, "raio" em língua púnica), foi
adotado como tal por seus filhos.[23] Os
historiadores designam à família de
Amílcar com o nome de Bárcidas, a fim de
evitar a confusão com outras famílias
cartaginesas com os mesmos nomes
(Aníbal, Asdrúbal, Amílcar, Magón, etc.).
147
Sobre a educação de Aníbal é pouco o
recolhido pelos autores greco-romanos. É
sabido que aprendeu de um preceptor
espartano, chamado Sosilos, as letras
gregas,[24] a história de Alexandre
Magno e a arte da guerra. Assim adquiriu
o modo de raciocínio e de ação que os
gregos chamavam Métis, fundado na
inteligência e a astúcia.
Depois de haver incrementado seu
território, Amílcar enriqueceu sua família
e, por extensão, Cartago.[18] Ao perseguir
tal objetivo, Amílcar se apoiou na cidade
de Gadir (atual Cádis, Espanha), próxima
ao Estreito de Gibraltar, e começou a
submeter as tribos iberas. Naquele
momento, Cartago se encontrava em tal
estado de empobrecimento que sua
marinha era incapaz de transportar o
exército à Hispânia. Amílcar se viu, pois,
obrigado a fazê-lo marchar até as Colunas
de Hércules a pé, para cruzar ali em barco
o Estreito de Gibraltar, entre o que
atualmente seriam Marrocos e Espanha.
O historiador romano Tito Lívio menciona
que quando Aníbal foi ver ao seu pai e lhe
rogou que o permitisse acompanhá-lo, este
148
aceitou com a condição de que jurasse que
durante toda sua existência nunca seria
amigo de Roma.[2] [21] [22] [25] Outros
historiadores referem que Aníbal declarou
a seu pai:
Juro que enquanto a idade me permita
… empregarei o fogo e o ferro para
romper o destino de Roma.
— Aníbal[12] [26]
Seu aprendizado tático começou sobre o
terreno, baixo a égide de seu pai.
Continuou aprendendo de seu cunhado,
Asdrúbal, o Belo,[27] quem sucedeu a
Amílcar, morto no campo de batalha
contra os rebeldes iberos[22] em 229
a.C.[16] ou em 230 a.C.,[28] momento em
que o nomeia chefe da cavalaria.[2] [29]
neste domínio, Aníbal revela de imediato
sua resistência e seu sangue frio,[30] e sua
capacidade para se fazer apreciar e
admirar por seus soldados.[31] Asdrúbal
perseguiu uma política de consolidação
dos interesses ibéricos de Cartago.[16]
Para isso, casou Aníbal com uma princesa
ibera[32] de nome Imilce,[33] com a qual
teve um filho.[34] [35] No entanto, esta
aliança matrimonial é considerada
149
improvável e não está atestada por
todos.[35] Por outro lado, Asdrúbal
assinou em 226 a.C. um tratado com
Roma pela qual a Península Ibérica ficava
dividida em duas zonas de influência.[28]
O rio Ebro constituía a fronteira:[28]
Cartago não devia expandir-se mais ao
norte deste rio, na mesma medida que
Roma não se estenderia ao sul do curso
fluvial.[29] Em 221 a.C., Asdrúbal fundou
a nova capital, Qart Hadasht, hoje
Cartagena, situada no que é atualmente a
província de Múrcia (ao sudeste da
Espanha).[16] Porém, um pouco mais
tarde, um escravo gaulês, que acusou
Asdrúbal de haver assassinado seu
amo[29] [36] o assassinou por sua vez em
torno do ano 221 a.C..[34]
Governo da Hispânia
Após ter assumido o comando, Aníbal
passou dois anos consolidando suas
aquisições e completando a conquista da
Hispânia ao sul do Ebro.[12] Contudo,
Roma, temendo a força crescente de
Aníbal na Ibéria, fez aliança com a cidade
de Sagunto, que fica a uma distância
considerável ao sul do rio Ebro e
150
proclamou a cidade como seu protetorado.
Aníbal
entendeu
isso
como
um
rompimento do tratado assinado com
Asdrúbal, fazendo assim um cerco na
cidade, que caiu após oito meses. Roma
reagiu a essa aparente violação do tratado
e demandou justiça de Cartago. Em vista
da grande popularidade de Aníbal, o
governo cartaginês não repudiou as ações
de Aníbal, e a guerra que ele buscava foi
declarada no final do ano. Aníbal agora
estava determinado a levar a guerra até o
coração da Itália com uma rápida marcha
através da Hispânia e sul da Gália.
Segunda Guerra Púnica na Itália (218–
203 a.C.) Preparativos para atacar Roma
Aníbal e seus homens cruzando os Alpes.
A missão romana retorna ciente da
hostilidade da Hispânia, da neutralidade
dos gauleses e do apoio de Massília.
Quando os dois novos cônsules foram
escolhidos, Cipião foi incumbido de
considerar a Hispânia como sua
"província", e que desenvolvesse uma
nova frota, pois o sítio e a pilhagem de
Sagunto não poderia ser tolerado, sob a
151
pena de abalar sua reputação entre
gauleses e iberos.
Os cartagineses iberos possuíam apenas
alguns navios de guerra para a proteção
da navegação entre a península Ibérica e a
África do Norte. Cientes de sua
supremacia marítima, os romanos se
prepararam para transportar suas legiões,
via Massília, para uma invasão dos
territórios de Nova Cartago ao sul do
Ebro. Contudo, Aníbal não se preparava
para defender seus novos territórios, nem
planejava cruzar o rio para prosseguir
com sua campanha ao norte. Os próprios
romanos também não consideravam o
ataque pelos Alpes, pois tal jornada
implicaria nada menos do que quinze
centenas de milhas.
Aníbal instruiu Asdrúbal para assumir o
comando na Hispânia caso se ausentasse
durante um ataque romano, além de
conseguir o apoio da maior parte da
Península Ibérica, deixou seu irmão
comandando o forte e nova cidade-porto e
ainda reuniu a tropa que julgava
necessária. Devido à sua estratégia, a
guerra havia sido declarada pelos
152
romanos, que seriam vistos como
causadores do rompimento do tratado com
Cartago. Isso foi mostrado às tribos
gaulesas como um exemplo da falta de
palavra de Roma.
Aníbal dispôs tropas para salvaguardar
tanto a África quanto a península Ibérica,
e para assegurar-se de que seu irmão não
enfrentaria problemas de lealdade
enquanto ele estivesse distante, adotou a
política de transferir tropas iberas para a
África e tropas africanas para a Ibéria.
Na primavera de 218 a.C. as tropas foram
deslocadas dos quartéis de inverno para o
norte onde cruzaram o rio Ebro com doze
mil cavaleiros e noventa mil soldados de
infantaria. Na Catalunha, entre o Ebro e
os Pirenéus, encontraram resistentes
tribos das montanhas. Sua passagem foi
fortemente impedida, e muitas aldeias
precisaram ser arrasadas antes que eles
conseguissem prosseguir. Essa resistência
não era esperada, contudo, ficou claro que
ele havia partido com uma força maior do
que a pretendida para a campanha, haja
vista que deixara encarregados do novo
território e de manter guarda sobre os
153
desfiladeiros entre a península Ibérica e a
Gália mil cavaleiros e dez mil soldados de
infantaria, sob o comando de seu irmão
Hanão.
Contornando o porto grego de Ampúrias,
o exército foi em direção aos Pirenéus.
Após Aníbal ter exposto seu plano de
campanha às tropas, qualquer demora
mais prolongada do que o necessário à
conclusão das preparações finais para a
marcha deveria ser evitada, pois possuía
informações de que a época ideal para
transpor os Alpes era o verão. Contudo, o
tempo necessário para alcançá-los foi
maior do que o pretendido.
Apesar de contar com grande número de
cavaleiros, as tropas também levavam 37
elefantes que seguiram desde a península
Ibérica, através dos Pirenéus e do rio
ródano, sobre os Alpes, até à península
Itálica. Não há registro de que algum
deles tenha morrido durante a marcha,
mas está escrito que, quando o Aníbal
chegou ao destino, seus elefantes ainda
permaneciam com ele.
154
A utilização de elefantes de guerra era
bastante antiga no oriente, embora só
tivessem
sido
mencionados
nas
campanhas de Alexandre, o Grande,
quando em 313 a.C. derrotou Dario III,
que tinha quinze elefantes em seu exército
na batalha de Gaugamela.
O que não era esperado era que os
gauleses boios, no norte da Itália,
entusiasmados pela notícia de que Aníbal
estava em marcha, se rebelassem contra
Roma e, conclamando seus aliados, os
ínsubres, para se unirem a eles,
invadissem a terra que os romanos haviam
colonizado. Os gauleses, valendo-se de seu
habitual poder de fogo, apanharam os
romanos desprevenidos, obrigando-os a
revisar seus planos prévios. As legiões que
partiriam para a península Ibérica não
poderiam ser dispensadas até que o
problema na Gália Cisalpina fosse
contornado.
O retorno dos cavaleiros númidas teria
sido suficiente para confirmar a pressa de
Aníbal.
Em
sua
jornada
de
reconhecimento, eles haviam encontrado
uma força de trezentos cavaleiros de
155
Cipião, enviados numa missão similar.
Após esse encontro, os númidas, que se
saíram mal, bateram em retirada seguidos
pelos romanos. Acuados por dois fogos,
eles
se
puseram
a
correr
desordenadamente. Aníbal cuidou deles
com rapidez, e é significativo que em suas
campanhas tenha utilizado mão-de-obra
gaulesa de um modo cínico, exaltando sua
bravura mas nunca os colocando num
posto onde não estivessem cercados por
tropas treinadas, tampouco sem uma
retaguarda que os detivesse se eles
resolvessem desertar e fugir.
Os gauleses fugiram assim que a força
total dos cartagineses desembarcou.
Aníbal havia estabelecido sua cabeça-depraia na margem oriental do Ródano, e as
outras tropas ficaram para seguirem assim
que um transporte regular por balsas foi
organizado.
Enquanto
os
últimos
preparativos eram feitos e a travessia dos
elefantes realizada, Aníbal se reunia com
chefes tribais das planícies do Pó, que
haviam lutado contra os romanos e que
agora insistiam para que não atrasasse
sua passagem para a Itália.
156
Cipião regressou para Massília com suas
legiões. Mas a Hispânia lhe fora
designada como sua esfera de operações,
assim como toda a península Ibérica ainda
permanecia sendo a chave de toda a
guerra. Com Aníbal e seu exército
afastados, os romanos poderiam alcançar
a vitória e destruir o poder cartagineses.
Quanto a ele, estava claro que deveria
retornar à Itália para se encarregar
pessoalmente das tropas ao norte. Ele
enviou sua frota e seu exército à Hispânia
sob o comando de seu irmão Cneu e
embarcou para a Itália. Se as tropas de
Aníbal conseguissem atravessar os Alpes,
elas o encontrariam à sua espera.
Com os elefantes e uma retaguarda de
cavalaria seguindo o corpo principal das
tropas, o exército deslocava-se ao longo do
rio Ródano no sentido ascendente,
marchado o mais rápido possível, de modo
a escapar dos romanos.[carece de fontes]
Há um corredor escarpado na provável
rota de Aníbal durante os estágios iniciais
de seu avanço em direção aos Alpes que
tem sido aceitavelmente identificado ao
lugar onde os cartagineses tiveram seu
157
primeiro conflito com os gauleses das
montanhas. É o desfiladeiro de Gás, que
por ser muito estreito era potencialmente
uma armadilha mortal, e se foi através
dessa rota que o exército passou, é possível
supor que Aníbal não havia feito qualquer
reconhecimento e fora enganado por seus
guias, ou que ele simplesmente resolveu
arriscar. Nenhuma dessas suposições
parece provável, mas a geografia da rota
de Aníbal tem originado inúmeros livros e
teses, nenhum com efetiva comprovação, a
menos que algum dia alguma evidência
arqueológica seja encontrada para provar
que "os cartagineses um dia passaram por
esse caminho"; o máximo que se pode
dizer é "devem tê-lo feito". À luz do dia, o
exército começou a se posicionar para a
passagem através da garganta. A essa
altura, os alóbrogos já haviam descoberto
que seus pontos estratégicos tinham sido
ocupados durante a noite.
Rota da invasão de Aníbal
Aníbal estava agora a meio caminho de
seu destino, aproximadamente, numa
travessia dos Alpes que ninguém jamais
pensara que um grande exército pudesse
realizar. De modo a não deixar o comboio
158
de animais de carga e bagagens indefeso
na retaguarda, Aníbal, rápida e
cuidadosamente, posicionou-o atrás do
corpo principal da cavalaria, na
vanguarda; depois vinha o grosso do
exército, seguido da nata da infantaria
pesada como retaguarda. É quase certo
que, se não tomasse essas sábias
providências, teria perdido todo o seu
exército. Dois dias de marcha adiante, os
gauleses, que silenciosamente haviam se
concentrado nas montanhas ao redor,
prepararam seu ataque. O exército
passava através de uma estreita garganta,
seguindo a trilha que acompanhava o
curso de um pequeno e rápido rio
(possivelmente o rio Guil), que desagua no
rio Durance, o qual haviam deixado para
trás. Era outubro, e naquela tardia estação
do ano os cartagineses talvez tivessem
pouca noção de direção básica — sem
contar que desconheciam a área específica
daquele território. Aníbal sabia que a
Itália ficava em algum lugar a sudeste,
mas mesmo coordenadas elementares, tais
como o nascer e o pôr-do-sol, eram
mascaradas pelas montanhas. Os guias,
como ele suspeitava todo o tempo,
159
provaram ser traiçoeiros.
Então, finalmente, "após uma subida de
nove dias, Aníbal atingiu o cume (…)". Lá
embaixo se revelava o território verdeescuro da Itália. Para isso muitos tinham
morrido, e somente a impossibilidade de
retorno e a impetuosa inspiração de seu
líder haviam mantido esse exército
multirracial e poliglota em movimento
através da imensidão dos Alpes. Ele
esperou por dois dias no ponto onde a
trilha não ia mais acima.[carece de fontes]
Consta que Aníbal saiu de Cartagena
aproximadamente na metade de junho de
218 a.C. e passou cinco meses entre
Cartagena e as planícies do Pó. Portanto,
foi em meados de outubro que ele se deteve
ante a linha divisória de águas acima da
Itália e fitou o sul.
Contrariando o otimismo expressado no
discurso de Aníbal, a descida desde a linha
d'água foi até mesmo pior do que a longa
subida até ali. O inimigo não era mais o
gaulês das montanhas, mas sim as
condições impostas pelo inverno — a
queda de neve nas primeiras nevascas
160
daquele ano, sob a qual, naquela altitude,
jazia a dura e compacta neve do ano
anterior.
A cavalaria deteve-se ali — parecia-lhes
que haviam finalmente alcançado o fim da
estrada, uma posição sem chances de
avanço — e foi comunicado a Aníbal que
o caminho era intransponível. Não
somente um deslizamento de terra, mas
também o volume de neve acumulada
bloqueavam o exército. A neve fresca
encobrindo as velhas trilhas fazia com que
os animais, quando rompiam a superfície,
afundassem as patas no leito mais abaixo,
enquanto a neve mole se fechava ao redor
deles, segurando-os como uma garra
gelada. Os homens se saíam pouca coisa
melhor: quando tentavam erguer-se sobre
as mãos e joelhos, eles não conseguiam
apoio na neve velha e profundamente
congelada, e escorregavam pelas escarpas
que serviam como degraus. Aníbal
percebeu que não havia como fazer
qualquer desvio, mas que o estreito
desfiladeiro da montanha podia ser
reforçado e toda a trilha nivelada.
161
Por qual desfiladeiro Aníbal conduziu seu
exército na descida até as planícies do rio
Pó é pergunta que tem gerado muita
controvérsia no decorrer dos séculos e
ocasionado vários escritos diferentes, de
muitos monógrafos. Alguns desfiladeiros,
tais como o Grande St. Bernard e o
Pequeno St. Bernard, são relativamente
fáceis de se descartar, uma vez que eles
não levam ao país habitado pelos taurinos
— tribo em cujo território as forças de
Aníbal emergiram em sua descida dos
Alpes. O que é perfeitamente claro nos
relatos da travessia de Aníbal pelos Alpes é
que o desfiladeiro utilizado por ele está
entre os altos e perigosos que conduziam
de modo íngreme à Itália. Após
verificarmos todos os dados, sem contar as
teorias, os quatro mais cotados continuam
sendo o monte Cenis (tornado famoso por
Carlos Magno e Napoleão), o passo
Clapier, o Montgenèvre e o passo de
Traversette. O desfiladeiro Monte Cenis e
o Passo Clapier possuem ambos locais
próximos ao cume onde o exército poderia
ter acampado, mas o Passo Clapier tem
preferência, sendo um desfiladeiro alto e
rústico. Ele também possui uma saliente
espora no início de sua descida em direção
162
à Itália, de onde se tem uma esplêndida
vista das planícies abaixo. O Montgenèvre,
que através dos anos ganhou muitos
partidários, oferece um bom local para
acampamento, mas é o mais baixo de
todos os desfiladeiros e não está de acordo
com o retrato da perigosa rota tomada por
Aníbal.
O desfiladeiro mais alto de todos os
quatro, o passo de Traversette, preenche
quase todos os requisitos das narrativas,
mas falta um local de acampamento
adequado. Fortes argumentos podem ser, e
têm sido, adaptados para cada uma dessas
quatro rotas de acesso. A escolha final
parece recair entre o desfiladeiro de
Clapier e o de Traversette, com ligeira
diferença em favor do passo Clapier.
Monte Cenis
Monte Montgenèvre
Monte Clapier
Para que não possam restar dúvidas,
quando chegaram as notícias a Roma de
que o impossível acontecera — Aníbal e
seu exército cartaginês haviam irrompido
163
tal qual uma águia nos desfiladeiros dos
Alpes — houve pânico na cidade. Era,
contudo, uma águia esfarrapada e magra,
que então alisava suas asas sob a pálida
luz do sol de inverno do norte italiano e
tentava tirar algum proveito do que restou
da horrível marcha.
Reunidas uma vez mais em uma terra que
fornecia pasto, cereais e animais para
abate, as tropas, que em aparência e
condição mais se assemelhavam a animais
do que a homens, poderiam, pela primeira
vez em muitos meses, desfrutar de algum
conforto — ainda que não por muito
tempo — e recuperar suas forças. Aníbal
podia agora proceder a uma cuidadosa
análise e saber com exatidão o que o seu
inacreditavelmente
arriscado
empreendimento havia lhe custado. Pela
vantagem da surpresa e para assegurar a
ligação da sua causa à dos gauleses na
Itália, ele havia pago tão caro que a
maioria dos generais teria considerado a
campanha já perdida. De acordo com
Políbio, a mais notável autoridade no
assunto, ele havia cruzado o Ródano com
cerca de cinquenta mil soldados de
infantaria e nove mil cavaleiros[19] e,
164
uma vez que não há registro de quaisquer
perdas após ou durante a travessia do
Ródano, presume-se que fora com um
número aproximado — levando-se em
conta as perdas naturais devido a
acidentes e doenças — que ele tenha
iniciado sua subida aos Alpes.
Quinto Fábio Pictor, primeiro dos
historiadores latinos, conhecido como o
"Pai da História Romana", lutou contra
Aníbal na guerra que estava para começar
e reconheceu que naquele período os
romanos e seus Estados aliados eram
capazes de mobilizar setecentos e
cinquenta mil homens. Aníbal sabia, pois
fora avisado previamente pelos gauleses
na Itália, que muitos milhares deles iriam
se sublevar, aclamando-o como libertador,
e se uniriam às suas forças na guerra
contra Roma. Ele conhecia a bravura
deles (bem como sua falta de disciplina),
mas o que não poderia saber, enquanto
contemplava seu maltratado exército
recuperando-se no sopé dos Alpes, era
quantos deles exatamente se uniriam sob
seu estandarte. Havia subjugado as tribos
do norte da Hispânia, e tudo o que
precisavam
da
península
Ibérica
165
constituía agora colônia cartaginesa;
cruzara os Pirenéus e o rio Ródano; e
podia olhar para trás em direção aos
luzentes picos alpinos, que conquistara
com tão severas perdas, como a última
grande aventura entre ele e seu objetivo.
Porém agora deveria enfrentar os fortes e
disciplinados exércitos de Roma — e
naquele momento ele tinha não mais do
que vinte mil semidefinhados soldados,
seis mil cavaleiros em esqueléticos cavalos,
e trinta e sete extenuados elefantes. Era
muito pouco com que medir forças contra
o maior poderio do mundo mediterrâneo.
Primeiras batalhas contra os romanos
A batalha de Ticino, travada em novembro
de 218 a.C., foi uma batalha da Segunda
Guerra Púnica, na qual Aníbal derrotou
os Romanos sob Públio Cornélio Cipião
numa luta de cavalaria. A batalha do
Trébia deu-se em dezembro do ano 218
a.C., junto das margens do rio Trébia, na
atual região italiana da Emília-Romanha,
na qual o general romano Públio Cornélio
Cipião foi derrotado pelo exército
cartaginês comandado por Aníbal, em um
dos sucessos bélicos mais importantes das
Guerras Púnicas onde se confrontaram
166
romanos e cartagineses. A batalha do
Lago Trasimeno, travada na primavera de
217 a.C., foi uma batalha da Segunda
Guerra Púnica, na qual Aníbal destruiu o
exército romano de Caio Flamínio numa
emboscada, matando-o.
A ditadura de Fábio
Estátua de Quinto Fábio Máximo, ditador
romano durante a Segunda Guerra
Púnica.
A derrota de Caio Flamínio no lago
Trasimeno, deixou Roma à mercê de
Aníbal. Esperava-se que o cartaginês, em
seguida, investisse contra a cidade para
tomá-la e terminar, vitoriosamente, a
guerra. Diante dessa séria ameaça, o
senado romano decidiu nomear um
ditador para dirigir a defesa, e a escolha
recaiu sobre o senador e ex-cônsul, Fábio
Máximo, que já exercera essa função
extraordinária, anteriormente.
Supondo que Aníbal marcharia contra
Roma, Fábio concentrou seus esforços em
preparar a cidade e seus cidadãos para a
resistência ao invasor. Mas como o
exército cartaginês não apareceu ele
concluiu que Aníbal não dispunha dos
167
equipamentos necessários para cerco e
assalto, e que esperava que os romanos
reunissem suas últimas reservas para
esmagá-las em campo de batalha.
Mas o ditador não se dispôs a dar a Aníbal
o que ele queria. Ao contrário, consciente
da superioridade militar do inimigo,
decidiu evitar uma nova batalha campal,
preferindo fustigar as forças púnicas,
numa guerra de desgaste. Para tanto,
ordenou que todas as pessoas residentes
na linha de marcha de Aníbal
abandonassem suas casas e fazendas,
queimassem todas as suas propriedades e
destruíssem suas colheitas, para privar os
invasores de quaisquer meios locais de
manutenção. Por adotar essa tática, tão
estranha à tradição militar romana, Fábio
foi
apelidado,
pejorativamente,
de
"cunctator" (contemporizador), sendo
alvo de muitas críticas por parte de seus
concidadãos e, sobretudo, de seus
adversários políticos.
Quando Aníbal moveu-se para o sul,
Fábio o seguiu, mantendo seus homens no
sopé dos Apeninos, de onde ele poderia
despachar grupos de ataque para isolar
168
forrageadores e acossar os flancos do
inimigo. E todas as vezes que o cartaginês
lhe ofereceu uma oportunidade de
combate, ele, cautelosamente, a ignorou.
Nem mesmo quando Aníbal atacou
Cápua, esperando que Fábio usasse suas
legiões para defender a cidade, nem assim
o ditador abandonou a estratégia que
decidira adotar.
Quando se esgotou o tempo (limitado) de
sua ditadura, Fábio Máximo devolveu o
comando aos cônsules Servílio e Régulo
(que havia substituído Flamínio). Pouco
tempo depois, foram eleitos os cônsules de
216 a.C.: Lúcio Emílio Paulo, membro de
uma renomada família patrícia, e Caio
Terêncio Varrão, um plebeu de opiniões
radicais, que se tornara um dos maiores
críticos da estratégia contemporizadora de
Fábio Máximo. Eles dariam a Aníbal o
que Fábio lhe negara: uma grande
batalha, que talvez decidisse a guerra.
Canas
Ver artigo principal: Batalha de Canas
Aníbal contando os anéis dos cavaleiros
romanos caídos na Batalha de Canas (216
169
a.C.). Mármore de 1704 esculpido por
Sébastien Slodtz, atualmente exposto no
Museu do Louvre.
Na primavera de 216 a.C., Aníbal
começou a movimentar-se. Os suprimentos
de Gerônio estavam quase esgotados e não
havia mais nada a ser tirado da terra
conquistada. Enquanto os romanos
mantinham um firme sistema de
suprimento para os seus exércitos em
campo, Aníbal sempre era forçado a
capturar algum rico depósito ou deixar o
país, uma desvantagem que ele iria sentir
ao longo de suas campanhas. Marchou
para o sul e, cruzando o Rio Aufido
(Ofanto), desceu sobre a cidade de Canas.
Apesar de ser um lugar sem importância
em si, era um dos principais depósitos de
grãos que os romanos usavam para
abastecer o exército. A cidade situava-se
em uma colina que se erguia
abruptamente de uma indistinta planície,
através da qual o Aufido fluía de modo
tortuoso para o Adriático, cerca de seis
milhas distante.
Apoderando-se de Canas, Aníbal privara o
exército romano de uma importante fonte
170
de suprimentos, assegurando, além disso,
alimentação mais do que adequada para
seu próprio exército. Depois, o precoce
milho da Apúlia estava amadurecendo e
ele encontrava-se, assim, em posição de
isolar os romanos dessas futuras colheitas.
Servílio e Atílio, os cônsules do ano
anterior que ainda estavam com o
exército, defrontavam-se com um dilema.
Até que fossem rendidos pelos dois novos
cônsules, Lúcio Emílio Paulo e Caio
Terêncio Varrão, estavam tecnicamente no
comando. Eles certamente não tinham o
desejo de travar batalha contra o
formidável cartaginês, particularmente
porque sabiam que o exército que iria se
juntar a eles significava, praticamente, a
única esperança que os romanos possuíam
de derrotar o inimigo. Fora a batalha,
suas únicas opções reais eram seguir
Aníbal a uma distância segura e conseguir
seus suprimentos de armazéns distantes,
ou retirar o exército inteiramente até que
fossem reforçados pelas novas legiões.
O senado havia determinado aquele ano
para a batalha. Eles tinham o apoio não só
do povo como também dos equites, a
171
cavalheiresca casta aristocrática. Todos os
segmentos da população, embora houvesse
grande divisão entre eles — divisão
fomentada por homens como Varrão —
estavam decididos a vingar as derrotas que
Roma sofrera nas campanhas dos dois
anos prévios, e apagar o desprezo lançado
sobre o nome romano pela presença desse
general cartaginês e seu exército
improvisado nas terras da Itália.
Não apenas sua honra e suas tradições os
exortavam a oferecerem seus serviços, mas
consta que tanto plebeus quanto
aristocratas perceberam que Roma, não só
a cidade mas também todo o conceito da
Roma eterna, havia chegado a um ponto
crítico. Embora ainda fosse uma
república, era fato que a Roma imperial já
havia começado a despontar — e nenhum
império pode sobreviver se não consegue
lidar com os invasores de sua própria
terra. Era essencial, para manter o
respeito dos países sob seu poder, e dos
que ainda viriam a estar, que o invasor
fosse aniquilado. Determinado, então, a
uma decisiva batalha em larga escala, o
Senado deu ordens para os procônsules
permanecerem com o exército existente e
172
não fazerem qualquer movimento até que
fossem reforçados pelos cônsules Lúcio
Emílio Paulo e Caio Terêncio Varrão — e
o novo exército de 216 a.C..
Contra eles, Aníbal colocou quarenta mil
homens de infantaria e dez mil de
cavalaria. Parte da discussão a respeito do
número exato de romanos engajados em
Canas parece ter vindo do fato de os
comentadores não aceitarem de bom grado
a possibilidade de tamanha desproporção
entre a extensão dos dois exércitos: no
máximo, os romanos teriam o dobro de
homens que o inimigo e, na pior das
hipóteses, seriam um quarto mais
numerosos. Porém, exemplos suficientes
existem, ao longo dos tempos, de pequenas
forças triunfando sobre grandes, e em
Canas havia muitas vantagens do lado de
Aníbal que de longe sobrepujavam
qualquer
superioridade
numérica
ostentada pelos romanos. Sucede que ele
não era somente um génio da guerra, mas
também estava num comando solitário e
sem divisões. Ademais, seus outros
comandantes eram excepcionalmente
brilhantes, tinham trabalhado e lutado
juntos em muitos campos de batalha, e
173
conheciam e respeitavam a qualidade de
seu líder. (Como o "bando de irmãos" de
Nelson, eles não necessitavam de
quaisquer ordens, uma vez que a ação
tivesse iniciado, pois se entendiam
completamente.)
Não bastasse isso, o exército cartaginês,
embora misto, consistia inteiramente de
soldados experientes, que gozavam de
completa confiança, vantagem que os
sucessos prévios lhe proporcionaram,
enquanto a maioria dos romanos e seus
aliados, por outro lado, era formada de
inexperientes grupos. Ainda um último
fator de vantagem, de modo algum menos
importante, foi terem chegado primeiro ao
local; assim tiveram tempo de se refazer e
explorar a área inteira ao redor de Canas
e do rio Aufido, ao passo que os romanos
vinham de uma longa marcha por um
lugar estranho, e com comandantes em
discordância um com o outro.
Apesar da desproporção numérica,
portanto, a verdadeira desigualdade agia
em favor do cartaginês e é improvável que
Aníbal tenha ficado mais intranquilo do
174
que qualquer general que estivesse prestes
a mandar seu exército para a batalha.
Aníbal primeiro acampou às escondidas
ao sul da colina de Canas. Ao ouvir sobre
a aproximação dos romanos, deslocou
suas tropas através do Aufido e montou
um novo acampamento na margem oeste.
Uma vez que a terra, daquele lado, era
ainda mais plana e adequada para a
cavalaria, ele esperava poder enfrentá-los
onde a superioridade de seus cavaleiros
mais facilmente se fizesse sentir.
No dia em que os dois exércitos, pela
primeira vez, ficaram à vista um do outro,
Lúcio Emílio Paulo estava no comando e,
reconhecendo que a terra adiante
favorecia claramente uma ação de
cavalaria, alertou Caio Terêncio Varrão
de que as legiões levariam maior
vantagem se elas se deslocassem para um
solo mais acidentado. Varrão não
concordou e, no dia seguinte, estando no
comando, decidiu levar as legiões pelo
Aufido e enfrentar Aníbal do outro lado da
planície. Embora Políbio atribua o
pronunciamento às tropas a Paulo,[19]
não pode haver dúvidas de que as
175
palavras, a seguir, refletiam a opinião de
Varrão: (…) Seria estranho ou certamente
impossível que, após enfrentarem seus
inimigos em termos de igualdade em
tantas escaramuças diferentes, e na
maioria dos casos saindo vitoriosos, agora
que vão confrontá-los com suas forças
unidas, as quais superam as deles em mais
de dois por um, vocês fossem batidos.
Varrão estava bastante consciente de que
o novo exército tinha sido enviado para
conquistar uma grande vitória e livrar
Roma do cartaginês de uma vez por todas.
Ele não utilizava qualquer tática ao gosto
de Quinto Fábio Máximo, o Protelador, e
falar sobre deslocamento por solo
acidentado só o deixava mais determinado
a descer até a planície.
Então, todo o exército romano moveu-se
para a margem oeste do Aufido, onde
estabeleceram
seu
acampamento
principal, em frente às tropas de Aníbal,
cerca de duas milhas distante deles ao
norte.
Ao mesmo tempo, parte do exército foi
enviada através de um vau para
estabelecer um acampamento secundário
176
menor na margem oriental do rio. Quando
os romanos estavam em coluna de
marcha, foram atacados por alguns dos
cavaleiros ligeiros númidas, sofrendo
algumas poucas baixas. Esse encontro não
foi de grande consequência e os númidas
retiraram-se quando se viram frente à
cavalaria pesada romana reforçada pelas
legiões. Quando muito, os romanos
ficaram com a vantagem nesse primeiro
choque, o que deve ter gerado certo
otimismo, "não tendo os cartagineses
alcançado o sucesso que esperavam".
No dia seguinte, Lúcio Emílio Paulo
reassumiu o comando e "vendo que os
cartagineses em breve teriam que trocar de
acampamento
de
modo
a
obter
suprimentos, permaneceu imóvel, após
garantir seus dois acampamentos com
forças de cobertura." Nisso ele estava
totalmente correto, pois, deslocando-se
através do rio, Aníbal estava agora do
outro lado de Canas e de seus
suprimentos. Ele novamente enviou os
númidas, que tinham ordens de acossar os
destacamentos romanos de abastecimento
de água ocupados em trabalho fora do
acampamento menor, no lado leste do rio.
177
Os romanos tiveram seu moral desgastado
quando viram aquele acampamento
distante assediado por esquadrões volantes
de cavaleiros e seus suprimentos de água
negados.
Estratégia arquitetada por Aníbal para
destruir o exército romano durante a
Batalha
de
Canas,
cortesia
do
Departamento de História da Academia
Militar dos Estados Unidos.
Era junho. O quente verão se instalara; a
água era importantíssima, e a planície ao
redor do rio Aufido começava a rachar
com o calor. Durante aquela noite, ou no
começo do dia seguinte, o vento mudou
para o sul e um siroco (conhecido
localmente como Volturno) começou a
soprar. Bafejando preguiçosamente ao
longo do Adriático, e atingindo os dois
exércitos acampados milha após milha
através da Itália, do mar Jônio e do
distante golfo de Taranto chegava o ar
úmido, trazendo a poeira da terra consigo.
Vento desgastante, o siroco deixa uma
cobertura de poeira e umidade mesmo
sobre o viajante sem cargas; as novas
legiões, pouco acostumadas a levar armas
e armaduras, ao contrário dos veteranos
178
de Aníbal, suavam à medida que subia o
sol. Já era o cruel "sol leão" de verão e os
homens teriam que se defrontar não
apenas com o adversário, mas também
com o maior inimigo de todos nas terras
sulinas, o calor do meio-dia. Naquele dia,
o quarto desde que os exércitos haviam se
avistado, era a vez de Caio Terêncio
Varrão assumir o comando, "e logo após
nascer o sol começou a deslocar-se, com
suas forças, de ambos os acampamentos".
Cruzou o rio com a parte principal do
exército e reuniu-se ao acampamento
menor na margem leste. Suas razões para
agir assim não foram investigadas pelos
historiadores primitivos e, todavia, esse
movimento que determinou o local do
campo de batalha é logicamente
importante. Em primeiro lugar, o segundo
acampamento
fora
inicialmente
estabelecido de modo a prover um local
para abastecimento de água de um vau
adequado, e a água seria crucial num dia
de verão. Em segundo, movendo-se pelo
lado em que se elevava a colina de Canas e
seus celeiros, Caio Terêncio Varrão
ameaçava os suprimentos de alimento de
Aníbal. Em terceiro lugar, sendo o
179
primeiro a mover-se e a ter forças
dispostas em linha diante do calor do dia
que se iniciava, deve ter esperado
surpreender Aníbal e, antevendo que as
forças deste último naturalmente se
deslocariam para enfrentar os romanos,
pilhar o exército cartaginês enquanto
ainda estivesse em desordem após ter
atravessado o rio. Finalmente, a terra na
margem leste do Aufido, embora bastante
plana, possuía uma quantidade de
ondulações
e
irregularidades
que
tornariam as coisas difíceis para a
cavalaria. Varrão não agiu com estupidez
precipitada.
Tão logo viu os romanos a mover-se
naquele tórrido dia, Aníbal enviou suas
tropas com armas leves — os
fundibulários e os lanceiros — através do
rio. Ele sabia quem estava no comando do
exército romano e que, mesmo antes de o
corpo principal das tropas oponentes
começar a desfilar em direção do rio, após
uma longa demora, ele havia trazido o
corpo principal das armas romanas para a
batalha. Desde o lago Trasimeno esperava
por esse momento, e o ano de espera —
sempre
frustrado
pela
inteligente
180
temperança de Quinto Fábio Máximo
talvez agora pudesse ser levado à
necessária e dinâmica conclusão.
Os romanos posicionaram-se em formação
de batalha quando Aníbal e a corporação
de seu exército cruzaram o Aufido em dois
locais separados e entraram no padrão
tátíco que seu general lhes havia
designado. Se estivesse lutando na
margem oeste do Aufido, teria colocado os
cavaleiros ligeiros númidas em seu flanco
esquerdo, onde sua mobilidade poderia ser
melhor utilizada, e sua cavalaria pesada à
sua direita, bem próximo do rio, onde não
importaria tanto se seu ataque fosse
restrito.
Como estava, posicionando seu exército
na terra abaixo da colina de Canas,
colocou os númidas no seu flanco direito,
onde eles novamente poderiam fazer uso
do terreno aberto, e a brigada pesada,
consistindo de iberos e gauleses, à sua
esquerda, perto do sinuoso rio. Eles
estariam de frente para a cavalaria da ala
direita romana e ele esperava que sua
maior habilidade e a superioridade
numérica o capacitassem a enfrentar os
181
romanos na margem do rio. Próximo a
eles, estacionou metade de seus veteranos
africanos, a infantaria de armas pesadas
locupletada de equipamento bélico tomado
dos romanos em Trasimeno. No centro,
onde ele próprio comandava, posicionou o
corpo de suas tropas, os iberos e gauleses,
com a outra metade dos africanos à sua
direita, e além deles os cavaleiros
númidas. Os africanos "estavam armados
à moda romana.
Cquote1.svg Os escudos dos iberos e dos
celtas eram muito similares, mas suas
espadas eram inteiramente diferentes: as
dos iberos trespassavam mortalmente
devido ao seu corte, mas as gaulesas eram
apenas capazes de talhar, precisando de
um longo movimento para fazê-lo. Do
modo como estavam dispostos em
companhias alternadas, com os gauleses
despidos e os iberos em túnicas curtas
bordadas em púrpura, sua vestimenta
nacional, eles representavam uma
estranha e impressionante visão.
— Políbio[19]
O irmão de Aníbal, Magão, estava junto
dele no comando do núcleo; Asdrúbal,
182
oficial da equipe de Aníbal, comandava a
esquerda cartaginesa; Hanão, à direita,
com o grande comandante da cavalaria
Maárbal liderando os cavaleiros númidas.
Enquanto isso, o maior exército que Roma
jamais enviou a campo estava disposto
contra ele do modo convencional, com a
cavalaria em cada uma das alas, os
cavaleiros aliados à esquerda, de frente
para os númidas, e os romanos à direita,
próximo do rio, enfrentando a cavalaria
pesada de Aníbal. No centro estavam as
legiões, fileira após fileira: "os manipules,
mais próximos um do outro do que de
costume, fazendo com que a profundidade
de cada um muitas vezes excedesse sua
frente". Era esperado que, como em
muitos campos de batalha, o peso blindado
dos disciplinados legionários abrisse um
buraco através do núcleo de Aníbal.
Emílio Paulo, relutante porém apto para
essa ação que ele considerava imprudente,
comandava a cavalaria romana, enquanto
Caio Terêncio Varrão liderava a cavalaria
aliada. Gemino Servílio, o cônsul do ano
anterior, comandava o núcleo romano
composto pelas legiões.
183
Naquele instante, quando ambos os
exércitos se encararam e o abrupto peso e
superioridade numérica dos romanos
ficaram evidentes aos olhos de todos, deve
ter ocorrido um momento de tremor entre
os cartagineses, e entre o pequeno grupo
de oficiais de comando em volta de Aníbal.
O escudo de Henrique II de França
representando a vitória de Aníbal em
Canas, uma ilusão do conflito da França
com o Sacro Império Romano Germânico
durante o século XVI.
O pequeno grupo, então, desatou a rir, a
tensão foi quebrada, e as fileiras atrás
deles sentiram sua confiança restaurada
pelos risos dos líderes ecoando no ar do
verão. No momento em que os exércitos
colocaram-se em ordem de batalha — as
tropas com armas leves, fundibulários,
atacantes e lanceiros, avançando para
iniciarem os primeiros ataques — o sol
estava a pino. Assim que começou a
inclinar-se para o sul, os romanos ficaram
com o sol nos olhos, e os cartagineses, de
costas para ele. O siroco começou a soprar
mais fortemente à medida que o dia
avançava, "um vento", como Lívio diz,
"que sopra nuvens de poeira sobre a seca
184
aridez das planícies".[37] Levantando-se
sobre a terra atrás das linhas cartaginesas,
soprou rispidamente no rosto dos romanos
e de seus aliados. Quando o trote de
milhares de homens e cavalos, o alarido de
armaduras e espadas, o relincho dos
cavalos e os brados de comando de oficiais
e centuriões haviam acalmado, os dois
exércitos se defrontaram no penoso semisilêncio que precede uma tempestade. Ao
som das trombetas de bronze, as tropas
leves avançaram através do ar denso para
desferirem
seus
primeiros
golpes
exploratórios umas contra as outras, como
boxeadores procurando por uma brecha.
Assim que os exércitos começaram a
mover-se, foi notável que o núcleo
cartaginês se lançasse à frente numa
curiosa disposição em formato de um
crescente, com a cúspide desse crescente
projetando-se em direção ao inimigo, "a
linha das companhias laterais ficando
mais afilada à medida que se prolongava".
Aníbal abriu a batalha propriamente dita
com os iberos e gauleses, deixando os
africanos armados com armas pesadas
como reservas em cada ala. Eles
formavam, por assim dizer, fortes
retângulos flanqueando o saliente
185
crescente.
Sombrias
e
tenebrosas,
equipadas com armas romanas, as tropas
africanas eram como sombras em cada
lado da sanguinária meia-lua guerreira
que se projetava além deles.
O verdadeiro combate começou com os
cavaleiros iberos e gauleses e a cavalaria
pesada romana, ambos constringidos pelo
rio. Somente um ataque frontal poderia
sobrevir, e os romanos — os cavaleiros de
armadura ávidos para provar sua virtude e
patriotismo, à frente dos legionários
plebeus — tinham a desvantagem de, ao
contrário dos seus oponentes, não terem
vivido e lutado na sela por vários meses,
para não dizer anos. "Ambas as partes
investiram direto à frente", escreve
Lívio,[37] "e assim que os cavalos
pararam, emaranhados na multidão, os
cavaleiros se atracaram com seus inimigos
e os arrastaram para fora das selas.
Combatiam, agora, em sua maioria, sobre
seus pés (…)". Os romanos, há apenas
cerca de uma semana fora dos quartéis de
inverno, muitos deles pacatos homens da
cidade, não foram páreo para seus
inimigos. "(…) Mesmo tendo sido severa,
a batalha logo terminara, e a derrotada
186
cavalaria romana voltou-se e fugiu". A
cavalaria pesada atacou através da lacuna
deixada pelo colapso da ala direita
romana. O cônsul Lúcio Emílio Paulo,
que estava no comando, escapou incólume
dessa selvagem ação e cavalgou para o
núcleo, onde se colocou na vanguarda dos
legionários, "encorajando e exortando
seus homens". Ele era da velha linhagem
romana, conservador, porém preparado
para lutar mesmo onde ele próprio não
teria travado batalha.
À direita cartaginesa os númidas tinham
agora entrado em ação contra os
cavaleiros aliados de Roma com os
africanos usando o espaço livre do terreno
além deles para impedir qualquer ataque
frontal, mas dando a volta e atacando seu
inimigo em turnos de mergulhos e
retiradas, como aves de rapina. Enquanto
isso, os corpos principais dos dois
exércitos, as esforçadas infantarias,
haviam entrado em colisão. Aníbal, "que
havia estado nessa parte do campo desde o
início da batalha", despreocupado, como
sempre, com sua própria segurança,
liderava as mesmas tropas que ele enviara
ao sacrifício. A linha estreita de iberos e
187
gauleses não suportaria muito mais tempo
os golpes duros como de clavas que a
densa massa das legiões em avanço
desferiam contra ela. Vagarosa, mas
constantemente, a cúspide do crescente
sucumbia e retrocedia, primeiramente em
corte, e depois em forma de U. As legiões,
bastante amontoadas desde o início e sem
a mobilidade que sua formação aberta de
manipulo
normalmente
lhes
proporcionava, começavam agora a afluir
para trás, uma após a outra, de modo que
pareciam uma torrente de armaduras
arrebentando-se sobre um dique em
desmoronamento. Mas em ambos os lados
do núcleo que recuava as muralhas de
ferro dos africanos permaneciam firmes.
Ao contrário dos legionários que
lideraram o ataque e dos legionários que
os seguiam (comprimidos, ombro a ombro,
dificilmente capazes de erguerem os
braços armados com espadas), os
africanos não tinham até agora tomado
parte na luta.
Na ala direita cartaginesa, os númidas
haviam triunfado da cavalaria aliada
romana, não sendo essa última páreo para
os mais habilidosos cavaleiros do mundo,
188
que agora perseguiam o inimigo enquanto
este dispersava.
Entre os que fugiam estava o cônsul Caio
Terêncio Varrão, o homem cuja confiança
mal direcionada havia levado a esse
sangrento encontro no campo de Canas.
Durante todo o tempo, as legiões romanas
continuavam a forçar o núcleo de Aníbal.
Elas haviam penetrado tão fundo que a
infantaria africana nos flancos projetavase de cada lado como margens cercando
um movimentado rio de armaduras.
Asdrúbal, oficial da equipe de Aníbal, à
frente da cavalaria pesada cartaginesa,
tinha,
enquanto
isso,
destroçado
completamente a ala direita romana e, em
seguida, guiou seus cavaleiros para trás
das legiões romanas, atacando a cavalaria
aliada em seu flanco esquerdo. Já em
desordem, ou em fuga diante dos númidas,
esse trovão da cavalaria pesada em sua
retaguarda completava o colapso da ala
esquerda romana.
Uma trombeta soou. O momento havia
chegado. A tática de Aníbal de duplo
envolvimento das legiões romanas estava
189
concluída.
As
tropas
africanas,
pesadamente armadas, disciplinadas e
robustas, fizeram seu movimento: "os da
ala direita volvendo para a esquerda, e os
da ala esquerda, volvendo para a direita
(…)". Sobre a massa de romanos que se
debatia entre os cartagineses, agora
apanhados no núcleo das tropas, os
africanos se movimentaram como os dois
lados de um torno se fechando. Para
completar essa terrível armadilha dentro
da qual as legiões haviam mergulhado na
perseguição ao núcleo de Aníbal em
colapso, suas linhas de retaguarda agora
viam-se atacadas. A cavalaria pesada,
tendo completado a destruição da
cavalaria aliada, havia deixado que os
númidas os perseguissem enquanto
fugiam, para surpreender a retaguarda
das legiões romanas.
Cercados, uma vez que os iberos e
gauleses que formavam o núcleo de
Aníbal ainda lutavam ferozmente,
disputando cada pedaço de solo, os
romanos foram totalmente atingidos pelo
arrocho das duas alas formadas pelos
africanos. Por toda aquela tarde quente, a
190
planície abaixo da colina de Canas se
transformara num matadouro.
Lívio escreve que quarenta e cinco
centenas de soldados de infantaria e dois
mil e setecentos cavaleiros foram mortos
numa proporção quase igual de cidadãos e
aliados.[37] Apiano e Plutarco dão um
total de cinquenta mil homens;[38]
Quintiliano, sessenta mil homens, e
Políbio eleva o grande total de romanos
mortos a setenta mil.[19] Os cartagineses
perderam aproximadamente quatro mil
gauleses, mil e quinhentos iberos e
africanos, e duzentos cavaleiros.
Assim como o cônsul Lúcio Emílio Paulo,
os dois cônsules dos anos anteriores,
Servílio e Atílio, foram ambos mortos,
além de Minúcio, o chefe dos cavaleiros de
Quinto Fábio Máximo|Fábio. Oitenta
senadores, dois questores (tesoureiros do
Estado) e vinte e nove tribunos militares
— mais da metade do total daqueles
descendentes de sangue nobre romano —
morreram naquele dia.
Após a batalha
191
Caio Terêncio Varrão, junto com um
pequeno grupo de cavaleiros aliados,
cavalgou para Venusia (atual Venosa)
trinta milhas adiante. Políbio comenta que
"ele desgraçou a si mesmo com tal fuga; o
exercício do seu mandato tinha sido o
menos proveitoso possível para o seu
país".[19] O mais espantoso é que, ao
chegar, por fim, a Roma, foi recebido por
uma grande multidão que o congratulava
por não ter perdido a esperança na
república. Seria essa flexibilidade — a
pura força e vitalidade — das instituições
políticas de Roma que no fim derrotaria
Aníbal. Em Cartago, o destino de um
general malsucedido e covarde era bem
conhecido — ele era crucificado.
Da infantaria sobrevivente um número
não especificado conseguiu chegar a
Canusio (atual Canosa di Puglia), entre
eles um dos tribunos militares, o jovem
Cipião. Este era testemunha da
genialidade de Aníbal, a qual ele iria
estudar e aproveitar. Anos mais tarde, no
campo de batalha norte-africano de Zama,
ele demonstraria ter absorvido bem as
lições. Dez mil homens que haviam sido
deixados para guardar o acampamento
192
romano e, se possível, atacar e tomar o
acampamento principal dos cartagineses,
foram apanhados após a batalha; foram
mortos dois mil, e os restantes,
aprisionados.
A
pilhagem
do
acampamento romano e do campo de
Canas foi considerável: armas e
armaduras, arreios de cavalos, prata e
ouro, cavalos e bagagem. Diz-se que
somente os anéis com sinetes de ouro,
tirados dos cavaleiros romanos que
haviam tombado em batalha, somavam
três bushels de peso. Aníbal, como de
costume, tentou recuperar os corpos de
seus líderes oponentes, mas somente o do
cônsul Lúcio Emílio Paulo pôde ser
identificado, e a ele foi dado um honroso
funeral.
Naquele momento de triunfo, quando
parecia que seus inimigos estavam
irreversivelmente derrotados, dificilmente
haveria surpresa se alguns dentre os
cartagineses sentissem ter chegado a hora
de marchar sobre Roma. Ainda menos
surpreendente seria que esse sentimento
tivesse sido externado por Maárbal, um
comandante de cavalaria sem igual, que
com justiça achava que muito do êxito
193
obtido pelos cartagineses desde a chegada
à Itália podia ser atribuído aos seus
soberbos cavaleiros. É natural para um
cavalariano ter o sangue quente e ser
cheio de ela, e Maárbal agora clamava ao
seu líder para fazer uso da oportunidade
que
tão
devastadora
vitória
lhe
proporcionara. "No quinto dia a partir de
agora", ele teria dito, segundo Lívio,
"você irá jantar como um vitorioso na
colina do Capitólio. Meus cavaleiros irão à
sua frente, e os romanos saberão que você
chegou, mesmo antes de imaginarem que
viria".[37] Aníbal respondeu que, embora
tais palavras fossem boas de se ouvir, ele
ainda precisava de tempo para considerar.
Ao que veio a famosa e irada resposta de
Maárbal, ressoando através dos tempos:
"Aníbal, vejo que os deuses dão a um
homem muitas dádivas, mas não todas.
Você sabe como vencer, mas não sabe o
que fazer das suas vitórias!"[nota 1]
Aníbal não tinha opção. Seu exército não
era grande o bastante para investir sobre
uma cidade do tamanho de Roma e
cerceá-la, e ele não possuía maquinário
para um cerco.
194
Cquote1.svg Os cartagineses, com essa
ação (em Canas), tornaram-se, de uma vez
por todas, senhores de quase todo o resto
da costa. Com Tarento rendendo-se
imediatamente, enquanto Argiripa e
algumas
cidades
campanianas
convidavam Aníbal para vir até elas (…)
Os romanos, por seu lado, devido a essa
derrota, abandonaram de vez todas as
esperanças de reter sua supremacia na
Itália, apreensivos que estavam por sua
própria segurança e a de Roma, com a
expectativa de que Aníbal aparecesse a
qualquer momento.
— Políbio[19]
As razões pelas quais ele não o fez são
conhecidas, mas naquele momento parecia
inconcebível para os romanos que ele não
seguisse adiante com seu triunfo. As
primeiras notícias que chegaram à cidade
depois que os mensageiros foram enviados
para ver o que tinha acontecido em Canas
eram que o exército havia sido destruído e
ambos os cônsules mortos. Ainda não se
sabia que Caio Terêncio Varrão estava
reunindo "algo semelhante a um exército
consular" em Canúsio. Não havia sinal do
acampamento romano, e o inimigo parecia
195
estar de posse de toda a região. Era como
se aquelas orgulhosas legiões novas, que
haviam marchado para o sul para
destruírem Aníbal de uma vez por todas,
terminassem elas próprias varridas da face
da Terra.
O tratamento de Aníbal a seus prisioneiros
diferiu ligeiramente nessa ocasião, uma
vez que ele não permitiu de pronto que os
aliados retomassem livres para os seus
lares. Ele separou uns dos outros, mas
ofereceu tanto aos aliados quanto aos
romanos a liberdade em troca do
pagamento de um resgate — sendo o
pagamento
imposto
aos
romanos
cinquenta por cento superior ao exigido
pelos aliados. Ele já tinha prisioneiros e
escravos mais do que suficientes e, apesar
da riqueza armazenada pelo campo de
batalha, sentiu provavelmente ser a hora
certa para adquirir tanto dinheiro quanto
possível, em vista do futuro pagamento de
suas tropas. Ele tomou, uma vez mais, o
cuidado de enfatizar aos aliados que sua
guerra não era contra eles, mas contra
Roma, e permitiu que uma delegação de
dez romanos partisse para a cidade deles
em companhia de um nobre cartaginês,
196
Cartalão. Quaisquer que fossem as
expectativas de Aníbal, ele ficaria
desapontado: Cartalão não foi recebido
em Roma e, sob advertências, precisou
deixar os limites da cidade antes do cair da
noite. Se Aníbal esperou com tal
generosidade ter uma oportunidade de
descobrir o estado do moral romano, o
Senado estava igualmente convencido de
que ele deveria aprender que não houvera
qualquer fraqueza. Após muito debate,
decidiu-se que os delegados deveriam ser
enviados de volta a Aníbal com a
mensagem de que Roma não tinha
qualquer intenção de pagar resgates por
seus soldados capturados.
Nesse momento de desastre, Roma exibia
aquela face dura e resistente que faria
dela a cabeça de um grande império.
Embora pudesse bem ter utilizado esses
soldados, sentia-se e proclamava-se que
era o dever de um romano morrer a
render-se. A cidade abraçara o código
espartano. Dificilmente haveria dentro dos
muros de Roma uma mãe que não tivesse
perdido um marido ou filho nas
campanhas de Aníbal: não foi permitido
que elas deixassem suas casas de luto.
197
Quinto Fábio Máximo, o Protelador, uma
vez mais sustentou o velho código romano,
encarregando-se do moral, bem como do
trabalho nas defesas. O luto público foi
proibido; o rumor e o falatório foram
eliminados pela imposição do silêncio em
locais públicos; todos os portadores de
notícias vindos de fora da cidade eram
imediatamente trazidos à presença dos
pretores para que revelassem suas
informações (mas não lhes era permitido
discuti-las depois disso), e sentinelas
foram postados nos portões para impedir
que qualquer um deixasse a cidade. A
necessidade dessas medidas severas foi
reforçada quando as últimas notícias
terríveis chegaram: um exército consular
no norte da Itália, sob o comando do
cônsul eleito Lúcio Postúmio, havia caído
numa emboscada armada pelos boios e
tinha sido massacrado.
Lívio, volvendo o passado nesse momento
da história romana, avalia acuradamente
a situação:
No ano anterior, um cônsul e seu exército
foram perdidos em Trasimeno; não se
tratava agora meramente de um golpe
198
seguido de outro, mas de uma calamidade
muitas vezes mais grandiosa que sucedia a
anterior. Dois cônsules e dois exércitos
consulares tinham sido perdidos (em
Canas) e não havia mais qualquer
acampamento romano, ou general, ou
soldado. Aníbal era o senhor da Apúlia, do
Sâmnio e de quase toda a Itália (…) Seria
comparável a isso o desastre das Ilhas
Egates, que os cartagineses sofreram no
combate marítimo, quando o seu moral foi
atingido pela perda da Sicília e da
Sardenha e por terem se tornado
tributários e pagadores de impostos? Ou à
derrota na África, à qual esse mesmo
Aníbal mais tarde iria sucumbir? Em
nenhum aspecto sequer eles podem ser
comparados com essa calamidade, exceto
o de terem sido suportado com menos
vigor.
— Tito Lívio[37]
Aníbal não podia investir e destruir Roma,
mas Canas lhe permitiu colher os frutos
da vitória em termos políticos. Uma
quantidade de cidades na Apúlia abriram
os portões para ele, incluindo Arpi e
Salápia, enquanto todo o Brútio (atual
Calábria) — com a notável exceção das
199
cidades gregas — e quase toda a Lucânia
deixaram a confederação romana para se
juntarem aos cartagineses. A maior parte
do Sâmnio o fez, seguida no devido curso
por Cápua, na Campânia — a segunda
maior cidade em toda a península Itálica,
a mais rica depois da própria Roma e a
mais importante da confederação. Cápua
era capaz de comportar um exército de
cerca de trinta mil soldados de infantaria e
quatro mil cavaleiros, e parecia destinada
a ser a capital dessa nova coalizão de
Estados que, sob o controle de Aníbal,
poderia formar um bloco italiano e
expandir-se desde o rio Volturno, a oeste,
até o monte Gargano na costa adriática.
Contudo, algo significativo — e que
dificilmente poderia ter escapado à
observação de Aníbal — era que nenhuma
das colônias latinas na região tinha aberto
seus portões para ele e que as cidades
gregas, igualmente, mantinham sua
fidelidade a Roma. Esse último fato foi de
maior consequência, uma vez que eram os
"aliados navais" gregos, como eles eram
denominados, que forneciam a espinha
dorsal da frota de Roma. Seus portos de
Nápoles, Régio da Calábria, Tarento e
200
Túrio não somente eram prósperos por si,
mas também essenciais para o controle do
mar Tirreno, dos acessos à Sicília e,
certamente, de todo o oeste mediterrâneo.
Políbio antecipou os fatos quando se
referiu a "Tarento se rendendo
imediatamente".[19] Isso aconteceu meses
antes de esse grande porto marítimo sulino
cair nas mãos de Aníbal, e até o momento
ele não tinha nenhum real acesso ao mar.
Ele, contudo, conseguiu enviar seu irmão
caçula Magão de volta a Cartago com as
notícias sobre Canas e um relato da
situação geral na Itália. Magão marchou
pelo "dedo do pé" da Itália, onde as tribos
brútias saudavam qualquer um que os
tivesse libertado da intrometida dominação
de Roma, e embarcou presumivelmente em
alguma embarcação cartaginesa que havia
se destacado de uma frota que ainda
explorava vigorosamente as defesas da
Sicília.
Aníbal necessitava muito de reforços,
particularmente para a cavalaria e a
treinada infantaria norte-africana. A
brilhante força escolhida a dedo, com a
qual ele havia deixado a península Ibérica
dois anos antes, havia sofrido severas
201
perdas — mesmo excluindo os muitos
homens perdidos na passagem dos Alpes
— e os gauleses e outros aliados não eram
substitutos para soldados profissionais.
Aníbal também precisava de dinheiro. Os
mercenários tinham que ser pagos, e os
espólios de Canas e sucessos políticos que
se seguiram não vieram sem o lado reverso
da moeda: Aníbal precisava, agora, de
homens para reforçar guarnições,
dinheiro para subornar cidadãos idóneos
e, acima de tudo, de um equipamento para
sítio. Com seu exército de conquista, ele
havia feito uma brilhante demonstração
que nunca mais seria repetida na história
da guerra. Agora estava frente a algo que
nem ele nem seu pai, e certamente
ninguém do Senado de Cartago, jamais
havia considerado: a exigência de uma
consolidação. Não tendo meios para
assediar cidades fortificadas e sem tropas
disponíveis para guarnecê-las mesmo se
elas caíssem, encontrava-se diante de um
problema insolúvel: não poderia reter um
país inteiro.
O pensamento de Aníbal — pensamento
cartaginês — estava ultrapassado. Tendo
feito o impossível, cruzando os Alpes para
202
atacar o Estado romano por terra e
derrotando-o com sucesso no norte, Roma
deveria ter-se rendido. Tendo marchado
para o sul e aniquilado um exército
consular no lago Trasimeno, Roma
deveria ter-se rendido. Tendo marchado
ainda mais para o sul e destruído
completamente os exércitos da república,
Roma deveria ter-se rendido. Aníbal e os
cartagineses pensavam nos moldes do
passado. Pelos séculos de guerra, primeiro
tribal e depois extraterritorial, os romanos
tinham aprendido que uma batalha não
faz uma conquista. Aníbal era um
comando-líder, e ele havia alcançado seus
objetivos. Ninguém lhe havia dito — nem
ele havia previsto — que teria então de
comandar um exército de ocupação.
O irmão de Aníbal, Magão, deve ter
esperado que sua recepção em Cartago
fosse, no mínimo, calorosa e estimada. Ele
viera para relatar aos senhores de
Cartago, e aos do seu senado, que seu
general Aníbal, o filho de Amílcar,
fundador de seu império na península
Ibérica, havia vingado as injúrias da
primeira guerra contra Roma, e que a
nação que os havia humilhado com os
203
termos de um infame tratado de paz estava
agora caída de joelhos. Tinha evidências
do campo de batalha — os anéis de ouro
dos cavaleiros romanos, entre outras
coisas —, dando conta da extensão da
vitória que acabara de ser conquistada.
Se trouxera esplêndidas notícias, Magão
também tinha algumas requisições a fazer.
Aníbal precisava muito de reforços na
forma de homens de infantaria treinados,
de mais cavaleiros númidas e dinheiro. O
partido de oposição em Cartago, liderado
por Hanão, descendente do Hanão que
havia sido obscurecido por Amílcar Barca
e representante de uma das mais ricas
famílias de Cartago, estava preparado com
objeções contra o envio de assistência a
Aníbal. Se ele havia alcançado tão
grandes vitórias, por que precisava tanto
de mais dinheiro e homens? Se ele fazia
semelhantes demandas quando a maioria
da Itália estava sob seu poder, o que
pediria se tivesse sido derrotado? Agora,
certamente, depois de uma vitória tão
conclusiva, era a hora de fazer a paz, já
que parecia duvidoso que sua posição
pudesse de alguma forma ser melhorada
para se obter bons termos.
204
Embora frequentemente desacreditado por
historiadores subsequentes, o partido da
paz tinha marcado sua posição — que os
eventos posteriores justificariam. Contudo,
não surpreende que ele tenha sido vencido
e que se tenha tomado a decisão de enviar
a Aníbal substanciais reforços. A maior
parte deles, uns vinte mil homens de
infantaria, viriam da Espanha, enquanto
do território cartaginês foi acertado o
envio de quatro mil cavaleiros númidas e
quarenta elefantes. Mas a maioria desses
reforços jamais alcançou a Itália. A
posição na Espanha havia se debilitado
seriamente durante os dois anos em que
Aníbal se tornara o senhor da arena
italiana. Após a derrota de Hanão, em 218
a.C., Públio Cornélio Cipião e seu irmão
Cneu haviam partido para combater
Asdrúbal, irmão de Aníbal, ao sul do
Ebro, e os romanos também ganharam o
controle do mar ao longo da costa ibérica.
Por todo o ano de 216 a.C., enquanto
Aníbal dominava a Itália e concluía a
humilhação de Roma em Canas, os
romanos tinham consolidado seu domínio
no norte da península Ibérica, bem como
fomentado a agitação tribal no sul.
205
Asdrúbal, mesmo reforçado por Cartago,
tinha dificuldades em manter a suserania
cartaginesa ao sul até Guadalquivir, de
modo que não poderia dispensar tropas
para enviar em assistência a Aníbal na
Itália.
Frente a isso, contudo, à medida que o
ano 216 a.C. se encaminhava para o fim,
parecia aos governantes cartagineses que
as perspectivas de uma derradeira vitória
eram boas. Houve uma revolta na
Sardenha contra os romanos, e isso podia
ser encorajado; o norte da Hispânia ainda
poderia ser reconquistado; Hierão II,
governante de Siracusa, aliado de Roma,
estava morrendo, e no devido curso tais
eventos poderiam oferecer a oportunidade
da reconquista de toda a ilha — ou tanto
dela quanto lhes fosse conveniente. Os
sucessos de Aníbal deram ânimo a um
Senado sempre inclinado a julgar as
coisas muito mais pela perspectiva de
retorno financeiro imediato. Três forças
expedicionárias foram despachadas, uma
para a Sardenha, e duas para Aníbal, na
Itália. Somente a menor delas o alcançou
— os númidas e os elefantes, pois a
Hispânia, principal fonte dos recursos de
206
Cartago, estava destinada a receber a
maior parte. É significativo que os
reforços que Aníbal estava para receber,
como resultado da decisão cartaginesa
tinham que desembarcar em Lócris
Epicefíria, um pequeno porto no afastado
sudoeste da Itália, porque nenhum porto
maior estava em suas mãos.
Pretendendo capitalizar sua vitória, Aníbal
entrou em contato com Filipe V da
Macedônia, um governante perspicaz e
enérgico que mantinha uma pendência de
longa duração com Roma por sua
interferência nos assuntos adriáticos, e
que viu nos sucessos cartagineses na Itália
uma chance de aumentar sua própria
posição na Grécia. Para ele, como para
tantos outros na Grécia e no leste, Roma
era o inimigo, a principal ameaça para a
independência de ação, e ele compreendia
bem o velho ditado "O inimigo de meu
inimigo é meu amigo." No verão de 215
a.C., ele e Aníbal assinariam um tratado
(preservado por Políbio) no qual ambas as
partes, ainda que de modo algum
comprometidas, concordavam com uma
aliança contra Roma.
207
O senado romano não tinha motivo senão
para estar bastante alarmado nos últimos
meses do que seria chamado "O Ano de
Canas". A miséria e as trevas que
encobriam a cidade levaram o povo
daquela região a regredir, de avançada
república, para um estado mais sombrio,
que remontava às primitivas raízes de uma
velha raça camponesa cujo pragmatismo
nunca totalmente perdera de vista a
religião e as superstições dos etruscos que
haviam dominado há tantos anos. Os
sagrados
Livros
Sibilinos
foram
consultados e uma comitiva enviada para
Delfos para aconselhar-se com um dos
mais antigos oráculos do mundo
mediterrâneo. Assim como aconteceria
cerca de dois mil anos mais tarde, em meio
a guerras mais sofisticadassofistiscadas, as
pessoas achavam que seus erros e pecados
haviam trazido a calamidade sobre elas, e
os templos ficavam lotados, todos se
esforçando para descobrir o motivo da
fúria dos deuses — e apaziguá-la. Duas
Virgens Vestais, que em outros tempos não
teriam seus pecados da carne descobertos,
foram reveladas indignas de seu título de
celibato: uma cometeu suicídio e a outra
foi enterrada viva. Os romanos, mesmo
208
alguns educados no racionalismo da
Grécia, voltaram-se aos mais antigos e
sombrios dos deuses (tais como aqueles
que os cartagineses ainda adoravam) e
reverteram à expiação pelo sacrifício
humano: dois gregos e dois gauleses
foram enterrados vivos para satisfazer essa
arcaica sede de sangue.
"Após se aplacar essa erupção, contudo",
escreve B. H. Warmington em Carthage,
"aquela feroz determinação que havia
marcado os romanos nos piores dias da
Primeira Guerra Púnica retornou. Quanto
à direção da guerra, os eleitores, de agora
em diante, escolheriam regularmente
candidatos que tivessem o apoio do
senado, uma vez que dois dos cônsules
escolhidos contra o desejo dele foram, pelo
menos em parte, responsáveis pelas
derrotas de Trasimeno e Canas.
Formidáveis esforços eram demandados
deles e dos aliados; o imposto de guerra
foi dobrado em 215 a.C., por volta de 212
a.C. havia vinte e cinco legiões em campo,
e durante todo o tempo foi mantida uma
frota de duzentos navios com cinquenta
mil remadores". Roma, que havia se
recusado a pagar resgate por seus
209
soldados capturados em Canas, mostrava
agora sua disposição de ferro: prisioneiros
foram libertados da cadeia com a condição
de que se juntassem às legiões e estivessem
dispostos a lutar por seu país, e vários
milhares de escravos jovens e saudáveis
foram comprados de seus proprietários e
ganhavam sua liberdade se então se
alistassem.
Templos e casas particulares foram
despojados de armas e armaduras
guardadas como troféus de batalha de
guerras anteriores, e todos os artífices e
artesãos foram recrutados para a
fabricação de armamentos. A cidade não
tinha esquecido seu dever para com os
deuses e não esqueceu sua obrigação com
a exigência material de uma guerra até a
morte. Um outro ditador, Marco Júnio
Pêra, foi escolhido com Tibério Semprônio
Graco como seu Chefe de Cavalaria. No
Trébia, no Trasimeno e em Canas, os
romanos pagaram amargamente por uma
política de ação agressiva. Agora
demonstravam que foram sábios o
bastante para terem aprendido a lição.
Quinto Fábio Máximo, o "Protelador",
havia-lhes mostrado o correto curso de
210
ação, que passaria doravante a ser
seguido.
Aníbal começava a assentar, até onde
podia, aquele reino do sul que a vitória em
Canas parecia ter colocado em seu poder.
Cápua era, logicamente, o principal alvo
de suas considerações primárias, pois essa
cidade
rica,
embora
politicamente
dividida, parecia oferecer uma capital da
qual ele poderia conduzir sua guerra
contra Roma. A cidade não viera até ele
sem uma respeitável divergência entre
seus líderes, mas o fato decisivo que os
levara a fazê-lo talvez tenha sido um
pedido de Roma para que os capuenses os
ajudassem com dinheiro, grãos e tropas.
Diz-se que os capuenses eram um povo
auto-indulgente, que se esquivava do fardo
de se ligar a uma má causa —
especialmente quando o exército de Aníbal
estava em seus portões. Por outro lado,
logo deixaram claro ao cartaginês que sua
amizade
não
implicava
qualquer
colaboração mais ativa. Ele não poderia
convocar qualquer elemento de suas
forças armadas, embora fosse permitido
aos capuenses serem voluntários para o
serviço com ele, e em toda a região da
211
Campânia
somente
oficiais
locais
poderiam ter qualquer jurisdição. Da
mesma forma, as leis e costumes
cartagineses só se aplicariam ao exército
de Aníbal; elas não teriam nenhuma
autoridade sobre os campanianos. No
entanto, Aníbal, que havia esperado pelo
grande porto de Nápoles e seu quartelgeneral, mas tinha sido dissuadido por
seus portões fechados e fortes muralhas,
encontrara uma cidade-capital adequada e
basicamente bem-disposta para sua
conquista.
Era evidente que todo o conceito da guerra
nos limites do qual ele havia aluado era
falso. Não era suficiente uma dramática
conquista em campo e, então, ditar uma
paz que confinaria Roma às suas antigas
fronteiras e restauraria ao mundo
mediterrâneo o status quo que prevalecia
antes da Primeira Guerra Púnica.
Recusando-se a se render mesmo depois
de suas retumbantes derrotas, os romanos
haviam introduzido um novo elemento na
guerra e não cumpriam "as regras" que
há muito vigoravam entre as antigas
civilizações.
Aníbal
tem
sido
frequentemente comparado a Napoleão,
212
mas uma das inovações de Napoleão foi
desatrelar sobre os reinos da Europa do
século XVIII um novo conceito — a
guerra total ou "de povos". Eram os
romanos quem agora faziam isso a Aníbal,
recusando-se a aceitar que a derrota em
campo de batalha implicava derrota na
guerra.
Ele teve tempo durante o inverno de 216
a.C. para perceber que estava diante de
algo totalmente novo: uma guerra de
desgaste
contra
uma
república
politicamente
bem
equilibrada.
O
Alexandre do mundo afro-semita estava
diante de um problema que nunca
confrontara o grego Alexandre em suas
campanhas contra os reinos do leste.
A noroeste de Cápua, dominando aquela
fértil planície, ergue-se a mil e oitocentos
pés o topo de monte Tifato (monte Virgo)
que iria servir como uma das principais
bases de Aníbal nos anos que viriam.
Existia a grande vantagem de que seu
cume era um platô adequado para o pasto
de cavalos e outros animais, e que ele
dominava não somente a planície a oeste
mas também o vale do Volturno, rumando
213
para o leste através dos desfiladeiros pelo
Sâmnio e pela Apúlia. Seria bastante bom
para as tropas, e mesmo para o próprio
Aníbal, passar o inverno em Cápua, mas é
duvidoso (e ele tinha bons motivos, a crer
em Lívio) que ele confiasse na maior parte
dos cidadãos de Cápua. Sugerir, como
escritores romanos posteriormente o
fizeram, que o exército, e mesmo o próprio
Aníbal, tivessem sido "corrompidos" pela
vida branda no primeiro inverno em
Cápua significa dizer que os generais e
exércitos romanos que o enfrentaram
durante os anos seguintes tenham sido de
uma qualidade muito medíocre.
O ano de 216 a.C. foi o de maior sucesso
de Aníbal na península Itálica; contudo,
não seria antes do outono de 203 a.C. que
ele deixaria finalmente essas praias.
Durante todos aqueles anos, apesar de um
ou dois contratempos, ele iria manter seu
controle sobre toda essa terra com um
exército composto de uma quantidade
decadente de norte-africanos e ibéricos, e
principalmente de gauleses e nativos do
Brútio (atual Calábria) e outras províncias
do sul, onde a influência de Roma nunca
tinha sido profundamente sentida. Apesar
214
dos mais de dois mil anos que se passaram
desde que o reino do sul fora conquistado
por Aníbal, é possível sentir que sua
sombra ainda pairava sobre toda aquela
terra. Africa comincia a Napoli ("A África
começa em Nápoles"), dizem os modernos
romanos quando querem depreciar todo o
território ao sul. É provável que a frase
tenha se originado durante aqueles tardios
séculos quando os piratas mouros,
sarracenos,
africanos
e
otomanos
devastavam toda essa área. É tentador,
contudo, pensar que a lembrança de
Aníbal, que corroeu tão profundamente a
consciência romana durante o período
clássico, nunca tenha sido totalmente
apagada.
No início do ano 215 a.C., Aníbal
dominava monte Tifato, de onde ele
comandava toda a planície campaniana.
Os romanos, que apesar de todas as suas
perdas possuíam oito legiões em campo,
estavam preocupados principalmente em
vigiar as rotas ao norte. Assim, Quinto
Fábio Máximo, não mais ditador, pois que
fora escolhido como um dos cônsules para
o ano, estava estacionado com seu exército
a cerca de dez milhas ao norte de Cápua,
215
em Cales. O segundo cônsul, Tibério
Semprônio Graco, estava próximo da costa
ocidental em Sinuessa guardando a Via
Ápia para Roma em um ponto estreito
onde as colinas a empurravam para a
costa. Em Nola, a sudeste de Cápua e
guardando as cidades e portos ao redor da
baía de Nápoles, estava o procônsul
Marcelo com duas legiões. Na Apúlia,
protegendo Brundísio (Brindisi) e Tarento
— já que se temia, com razão, que Aníbal
poderia tentar atacar um ou outro desses
valiosos portos marítimos — estava
estacionado um quarto exército sob o
comando de Marco Valério. Todas as rotas
importantes permaneciam guardadas e
outros exércitos menores mantinham
vigilância na Sicília e Sardenha, ambas as
áreas à espera de que os cartagineses
fizessem um desembarque. Roma estava
totalmente espalhada, e Aníbal, confiante
após seu sucesso do ano prévio e em suas
negociações com o rei Filipe V da
Macedônia, bem como com Siracusa na
Sicília, poderia esperar progressos.
Vendo o resultado de seu trabalho
amadurecendo dessa maneira, Aníbal
sentou-se serenamente no cume do Tifato,
216
para irromper como o lampejo de um
relâmpago quando a tempestade estivesse
totalmente armada.
— Arnold[39]
Durante aquele ano, Nápoles foi atacada
em três ocasiões, mas uma vez mais a
situação desprivilegiada de Aníbal — sua
falta de equipamento de sítio — ficou
evidente para todos. Os romanos não
demoraram para notar que qualquer
cidade bem murada e bem defendida
estaria protegida contra os cartagineses.
Sem dúvida, uma igual sensação de alívio
foi sentida na própria Roma, muito
embora uma parte tão grande da Itália
ainda fosse negada a eles. As cidades
interioranas de Casilino e Nucéria caíram
sob seu domínio — mas através de ataques
e não de sítio, enquanto a pequena cidade
grega de Petélia, no sudoeste do golfo de
Tarento, conseguiu resistir por oito meses
antes de render-se. A ela logo se seguiria
Cosência e o proveitoso porto de Crotona,
outrora a cidade grega que dominava o
golfo, a qual, com a derrota e destruição
de sua rica rival Síbaris em 510 a.C., havia
passado para a história.
217
Pelo fim de 215 a.C., o exército cartaginês
no Brútio (a atual Calábria) invadira toda
a região sudoeste da Itália, tendo somente
Régio, no estreito de Messina, resistido,
em lealdade a Roma. Assim como os
outros portos importantes de Nápoles e
Cumas, contra os quais Aníbal não tinha
tido sucesso, o Régio deveu sua resistência
não apenas ao resguardo de suas
muralhas que confinavam com a terra,
mas ao fato de que poderia ser abastecida
por mar, e a frota romana tinha o
completo
domínio
daquele
importantíssimo canal estreito que divide o
continente da Sicília. Nos últimos anos da
guerra, quando a força do exército
cartaginês encontrava-se em declínio e as
táticas do "Protelador" eram aplicadas em
todos os lugares contra ele, a região do
Brútio iria mostrar-se o derradeiro reduto
de Aníbal na península Itálica. Nessas
etapas
relativamente
precoces,
proporcionou um centro de recrutamento
para os cartagineses, agora que estavam
tão separados de seus aliados gauleses no
norte. Hanão, que estava no comando no
sul, é mencionado como tendo conseguido
um exército de cerca de vinte mil homens
da Calábria, principalmente entre os
218
vigorosos nativos das montanhas, que
tinham aversão a Roma e que não se
ressentiam dos cartagineses como o faziam
os gregos das cidades costeiras. Embora
despercebido por qualquer um naquela
ocasião, o nível de maré alta do sucesso de
Aníbal havia sido atingido, e — tão
lentamente a ponto de ser impercetível por
alguns anos — a inexorável maré da
fortuna começava a afastar-se dele. A
atmosfera em Roma é bem descrita por
Lívio, que, embora escrevendo tanto tempo
após os acontecimentos, possuía fontes
mais recentes e contemporâneas para
abastecer-se:
Cquote1.svg Prodígios
em
grande
número — e quanto mais créditos
recebiam de homens simples e devotos,
mais eram contados — foram relatados
naquele ano: que em Lanúvio os corvos
(sempre um pássaro de mau agouro)
tinham feito um ninho dentro do templo de
Juno Protetora; que na Apúlia uma
palmeira verde se incendiara; que em
Mântua um lago, transbordado do Rio
Míncio, apareceu ensanguentado; e em
Cales choveu greda, e sangue em Roma no
Mercado de Gado; e que na aldeia Insteio
219
uma fonte subterrânea jorrou com tal
volume de água que a força da torrente
entornou os jarros, grandes e pequenos,
que estavam ali e os levou para longe; que
o Átrio Público do Capitólio, o templo de
Vulcano na Campua, aquele de Vacuna, e
uma rua pública no país Sabino, a
muralha e o portão de Gábios foram
atingidos por raios. Outras maravilhas
circulavam amplamente: que a lança de
Marte em Palestrina moveu-se sozinha;
que um boi na Sicília falou; que entre os
marrucinos um bebê no útero de sua mãe
gritou "Salve o Triunfo!"; que em
Espoleto
uma
mulher
tinha
se
transformado em homem; que em Ádria
um altar foi visto no céu, e sobre ele as
formas de homens em trajes brancos.
— Tito Lívio[37]
O ano chegou ao fim com alguma
vantagem para o lado dos romanos. Um
velho e experiente soldado, Torquato,
havia debelado com sucesso um levante de
inspiração cartaginesa na Sardenha;
Cláudio Marcelo, operando de sua base na
colina sobre Suéssula, havia desviado as
tentativas de Aníbal em Nola, e a captura
dos embaixadores de Filipe V da
220
Macedônia pela frota romana no Adriático
havia colocado os romanos em guarda
contra qualquer ação imediata vinda da
aliança entre Aníbal e Filipe. Por outro
lado, a morte de Hierão, governante de
Siracusa e fiel aliado de Roma, abria uma
nova estrada na guerra, pois o reino fora
deixado para seu neto, um jovem de
quinze anos, que abriu comunicações com
Aníbal e prometeu-lhe a ilha inteira em
troca de sua assistência.
Com o encerramento da estação das
campanhas, Aníbal uma vez mais deslocou
suas tropas pela costa leste da Itália e
armou quartéis de inverno em Arpi, na
Apúlia. Monte Tifato era um admirável
acampamento de verão, mas inadequado
para o inverno, e é provável que ele não
desejasse impor seu exército aos
habitantes de Cápua uma segunda vez.
Cápua, cuja secessão de Roma parecera
um triunfo, se mostraria uma pedra de
moinho em volta do pescoço de Aníbal,
pois sem sua ajuda a cidade não poderia
se defender; o general púnico seria
conclamado constantemente para auxiliála nos anos seguintes. Apesar do continuo
brilhantismo de suas táticas, a estratégia
221
completa ora adotada por Roma era
superior, e aquele ano marcou claramente
a data a partir da qual ele fora compelido
a seguir um esquema defensivo. Isso
dificilmente agradaria a seu génio
agressivo, embora ele viesse a demonstrar
que, mesmo neste papel incompatível, era
um mestre. É significativo que, embora os
romanos continuassem a segui-lo onde e
quando quer que seu exército se movesse,
eles não o atacavam quando estava em
marcha. Haviam já visto o suficiente de
sua
excepcional
habilidade
em
desembaraçar-se
de
situações
aparentemente insustentáveis.
O conflito na bacia mediterrânea e terras
circunvizinhas — coração da civilização
ocidental — iria em breve abranger toda a
região. No espaço de um ano desde o
começo da guerra, a península Ibérica
tinha se tornado um rinhadeiro disputado
entre os dois antagonistas; a invasão da
Itália por Aníbal trouxera Cartago e Roma
a um conflito direto, pela primeira vez, em
solo romano; a Sicília iria agora se tornar
um teatro mais importante na guerra; e a
aliança de Filipe V da Macedônia com
Aníbal finalmente colocaria os Estados e
222
reinos da Grécia dentro da esfera romana
de influência. Nessa guerra, a guerra
anibálica,
os
quatro
cantos
do
Mediterrâneo, em maior ou menor grau,
estariam todos envolvidos.
O mundo semita e africano ao sul havia
desafiado o mundo europeu ao norte —
envolvendo o oeste, desde a península
Ibérica até o vale do Ródano. Os
desfiladeiros dos Alpes haviam sido
tomados, e os gauleses da própria Gália e
do norte da Itália haviam sido arrastados
para dentro do conflito. Em breve, a
Primeira
Guerra
Macedônica
iria
começar, pois Marco Valério cruzaria o
Adriático e destruiria o exército que Filipe
preparava para a invasão da Itália,
queimando a frota macedônica. Por todo o
Mediterrâneo, os estaleiros estariam
permanentemente
ocupados
pelos
próximos dez anos, enquanto, da Hispânia
até a própria Cartago, Itália e Grécia, as
potências visavam estabelecer seu domínio
do mar — posição que não poderia ser
negligenciada por qualquer adversário,
especialmente em um teatro onde tudo
dependia das comunicações marítimas e,
em última instância, da supremacia naval.
223
Pelo ano de 214 a.C., o Senado decretou
que a frota romana deveria somar cento e
cinquenta navios de guerra, com a
deficiência de material humano na
marinha compensada por meio de
impostos aos ricos em proporção para a
provisão de marinheiros e seu pagamento.
Cquote1.svg Os marinheiros obtidos de
acordo com esse edital subiram a bordo
armados e equipados por seus chefes, e
com rações preparadas para trinta dias.
Era a primeira vez que uma frota romana
era tripulada com equipes sustentadas por
pagamento privado.
— Tito Lívio[37]
O efeito mais importante desses anos
selvagens foi a lenta, porém sistemática,
devastação de todo o sul da Itália. À
medida que o território mudava de mãos, o
novo conquistador — cartaginês ou
romano — também o espoliava para
alimentar suas tropas ou o devastava para
negar sustento ao inimigo. Em 215 a.C.,
Quinto Fábio Máximo estabeleceu que
todas as colheitas de grãos deveriam ser
trazidas dos campos para dentro das
cidades fortificadas mais próximas no
224
começo de junho. A recusa em fazê-lo
acarretaria a penalidade de destruição da
fazenda em questão e a venda forçada de
todos os escravos do fazendeiro. No ano
seguinte, Aníbal, enfurecido pela falta de
resposta das cidades napolitanas à sua
causa, devastou todas as terras ao redor
delas e tomou o gado e os cavalos. No
mesmo ano, Quinto Fábio Máximo
destruiu as colheitas e fazendas do
território dos irpinos e dos samnitas, como
advertência àqueles que quisessem
demonstrar amizade aos cartagineses. No
decorrer do conflito, toda a face sul da
Itália seria mudada, o fazendeiro
camponês praticamente eliminado, e o
caminho aberto para o longo futuro dos
latifúndios — vastas propriedades
pertencentes a donos de terra ausentes e
trabalhadas por escravos.
A força de Roma não residia apenas na
estabilidade de suas associações políticas,
mas também em seu poderio humano. Ela
provou isso colocando em armas, pelo ano
de 214 a.C., a melhor parte de seus
duzentos e cinquenta mil homens — com a
plena contribuição dos aliados. Aníbal,
com suas diminutas forças que não
225
deviam somar, numa estimativa deveras
otimista, mais de cem mil soldados — a
maioria deles gauleses, lucanianos ou
brútios — era agora confrontado por não
menos do que vinte legiões. É verdade que
as tropas romanas achavam-se espalhadas
por toda a península Itálica e Sicília, mas
era um formidável esforço de guerra da
parte de Roma que Cartago nunca
conseguiria igualar.
A fúria de Roma pela deserção de Cápua
não conheceu limites: estava determinada
a ameaçar essa "capital" do cartaginês e
levar
os
capuenses,
devidamente
castigados, de volta para o curral da
aliança no primeiro instante possível. Por
um apelo dos capuenses, aterrorizados
pela ameaça preparada para ser aplicada
contra eles, Aníbal deslocou-se de Arpi,
trouxe seu exército até a cidade, expulsou
habilmente o cônsul Tibério Semprônio
Graco em Lucéria e retornou para o seu
quartel-general no platô de monte Tifato.
Lívio escreve: "Então, deixando os
númidas e espanhóis para defenderem o
acampamento e Cápua ao mesmo tempo,
desceu com o restante de seu exército para
o lago de Averno, sob o pretexto de
226
oferecer sacrifícios, mas tendo na
realidade a intenção de atacar Putéolos e a
guarnição que estava lá".[37] O estranho
sobre essa afirmação de Lívio é que ele faz
supor que Aníbal precisasse de algum
pretexto para atacar Putéolos. Ele já havia
atacado ou ameaçado muitas cidades da
Itália — e não necessitava de desculpas
para quaisquer de suas ações, que já
tinham levado ao massacre de dezenas de
milhares de homens. Por que, então, podese perguntar, essa visita a Averno?
Averno era um dos mais sagrados locais
da Itália. O lago, uma milha e meia ao
norte de Baias, ficava próximo das
importantes cidades e portos fundados
pelos gregos, Nápoles e Cumas. Tinha
mais de duzentos pés de profundidade,
sendo formado pela cratera de um vulcão
extinto. Como os lagos sagrados da
América do Sul, onde havia sacrifícios
humanos, o Lago Averno era escuro,
profundo e, para os comuns, não apenas
misterioso, mas impregnado de um muito
especial numen. Rodeado por altas
margens, cobertas por uma densa, e
lúgubre floresta consagrada a Hécate
(deusa tríplice associada à lua, mas
227
predominante uma deidade do mundo
inferior), Averno era a entrada para
aquele misterioso mundo das sombras
através do qual tanto Ulisses quanto
Eneias
teriam
passado.
Vapores
pestilentos subiam das águas, segundo a
lenda, nenhum pássaro conseguia voar
seguramente sobre o lago, donde vem seu
nome, que em grego significava "sem
pássaros". A exata entrada do mundo
inferior era supostamente a caverna da
profetisa de Cumas — a última das quais
vendera Livros Sibilinos ao rei Tarquínio,
o Soberbo, livros esses que Roma, agora,
estava habituada a consultar em
momentos da mais grave angústia. É
muito provável que Aníbal tenha se
encaminhado para tal lugar por razão
semelhante; ele tinha muito sangue em
suas mãos, e também desejava saber o que
o futuro lhe reservava. Homens consultam
oráculos quando são presas da dúvida e
desejam obter alguma indicação divina
acerca de qual direção tomar, ou uma
confirmação de que o curso que seguem é
o correto. Pela primeira vez desde que
emergiu no palco da história, parece
possível que Aníbal estivesse inseguro.
Educado por um instrutor grego, devia
228
estar familiarizado com Homero desde a
infância, e sem dúvida havia algum ritual
prescrito em um templo que fosse
semelhante àquele adotado por Ulisses:
Com minha espada em punho
Eu cavei o poço votivo, e derramei
libações ao seu redor para os incontáveis
mortos:
doce leite e mel, depois vinho doce, e por
último
água limpa; e espalhei cevada.
Então eu me dirigi aos velados e
desalentados mortos (…)
— Ulisses
Pareceu que o sacrifício de Aníbal, nas
sombrias regiões do lago escuro, havia
dado frutos quando um pequeno grupo de
nobres de Tarento veio visitá-lo. Eles lhe
disseram que representavam um partido
da cidade favorável à causa cartaginesa e
que, se ele levasse seu exército para o sul e
ficasse à vista das muralhas de Tarento,
229
não haveria demora para a sua rendição.
Tarento não era somente o maior rico
porto no extremo sul da Itália, mas
também apresentava localização ideal
para servir de centro de comunicações e
base se os cartagineses pudessem trazer
uma frota do Norte da África. Mais ainda,
na eventualidade de Filipe V da
Macedônia deslocar frota e exército
através do Adriático para invadir a Itália,
Tarento
serviria
como
porto
de
desembarque e centro de abastecimento.
Mas o momento ainda não era oportuno, e
embora Aníbal se deslocasse tardiamente
no ano — depois de ver o milho colhido e
guardado dentro das muralhas de Cápua
— os previdentes romanos tinham se
antecipado. As muralhas foram equipadas
contra ele, e uma vez mais Aníbal retirouse para o inverno na costa adriática.
O que quer que os sombrios deuses dos
portões do Hades possam ter dito a Aníbal,
é difícil que tenha sido algo confortador
— se é que a verdade foi dita. Não
somente deixaria de capturar Tarento
naquele ano, mas também suas forças
sofreriam o primeiro, e único, golpe
desastroso jamais recebido em solo
230
italiano. Aníbal enviara ordens para
Hanão, com os reforços cartagineses e o
exército recém-recrutado de Brútio (atual
Calábria)], para marcharem rumo ao
norte e se juntaram a ele na Campânia.
Com seu exército aumentado, sem dúvida
pretendia novamente mediar forças com
Nápoles ou Cumas: a falta de um eficiente
porto marítimo atalhava toda a sua
campanha. Quinto Fábio Máximo,
contudo, ordenara que Tibério Semprônio
Graco avançasse de sua posição em
Lucéria para Benevento e que seu filho
tomasse Lucéria em seu lugar. Hanão, que
marchava ao norte de Benevento, foi
surpreendido pela chegada de Graco e
uma batalha extraordinária foi travada,
na qual o general de Aníbal sofreu dura
derrota.
Embora as legiões romanas fossem, em
grande parte, compostas de escravos (com
a promessa de liberdade se lutassem bem),
eram superiores aos até então destreinados
recrutas brútios de Hanão, um pequeno
grupo
de
homens
de
infantaria
cartagineses e cavaleiros númidas. O
próprio Hanão escapou, mas o exército de
reforço com o qual Aníbal contava foi
231
destruído. A vitória de Graco iria dar novo
ânimo aos romanos e os levaria a sitiar e
finalmente
retomar
Casilino.
Subsequentemente, um número de
pequenas cidades no Sâmnio e na Lucânia
Basilicata foi atacado e capturado por
Fábio, Marcelo e Graco: elas pagaram por
sua deserção a Roma com muitas vidas e
com severo confisco de propriedades.
Aníbal poderia comandar o respeito, a
confiança e a admiração das heterogéneas
tropas que o seguiram através dos anos,
mas não lhe seria possível comandar o
dedicado apoio da confederação latina a
Roma. A austera vontade e disciplina de
Roma foram demonstradas pelo fato de
que, embora Graco tivesse derrotado
decisivamente a Hanão, achou-se que nem
todos os legionários haviam lutado tão
bem quanto deveriam. Pelo resto daquele
ano ordenou-se que eles fizessem suas
refeições noturnas em pé.
"Suave Tarento" e "pacífico" era como o
poeta Horácio descreveria o porto sulino
anos mais tarde nos dias do imperador
Augusto. Certamente essa cidade, que em
seu apogeu grego havia sido a mais
próspera em toda a Magna Grécia, não
232
estava apta a oferecer uma resistência
forte contra um ataque determinado. Aqui,
na ponta do golfo de Tarento, o indolente
mar Jônio e o predominante vento sul não
criaram uma raça vigorosa. Em 281,
quando os tarentinos haviam resistido ao
poder de Roma, eles o tinham feito tãosomente com a ajuda de Pirro, rei do
Épiro, cujas atividades em solo italiano
haviam dado aos romanos uma remota
prelibação do que eles iriam enfrentar nas
mãos de Aníbal.
Situada em terra baixa e plana, Tarento
era um porto de natureza incomum. A
bacia principal era larga e protegida do
mar por duas ilhotas, mas havia também
uma pequena bacia cercada de terras — o
Pequeno Mar — que seguia para dentro
da terra com uma entrada estreita. Perto
da garganta dessa bacia ficava uma
pequena elevação, não mais do que setenta
pés acima da cidade vizinha, mas
suficientemente forte para ter se
transformado na cidadela de Tarento. O
Pequeno Mar protegia um lado da cidade,
o Mediterrâneo o outro, e o terceiro lado,
em direção à terra, era fortemente murado
e fortificado. Este não era o tipo de lugar
233
que Aníbal sonharia enfrentar sob
circunstâncias normais. Os tarentinos,
contudo,
ao
contrário
de
seus
companheiros gregos de Nápoles e Cumas,
eram considerados suspeitos pelos
romanos, provavelmente em vista de sua
conduta anterior, por serem aliados não
confiáveis. Por essa razão, tinham sido
forçados a enviar reféns a Roma como
garantia de seu bom comportamento.
Alguns destes foram tolos o bastante para
tentarem escapar para sua cidade e,
recapturados pelos romanos, foram mortos
com grande crueldade — algo que tornou
o partido anti-romano em Tarento ainda
mais hostil. Eles chegaram à conclusão de
que se dariam melhor com o cartaginês,
cuja generosidade com outras cidades e
aldeias tais como Cápua era bem
conhecida a esta altura.
Com a abertura da temporada de
campanha em 213 a.C., Tarento começou
a parecer ainda mais desejável para
Aníbal, pois tivera o infortúnio de perder o
importante centro de comunicações de
Arpi para o cônsul Quinto Fábio Máximo
e — um raro golpe em seu ânimo —
algumas das guarnições espanholas
234
tinham desertado frente aos romanos.
Informado de que havia um partido prócartaginês dentro de Tarento, Aníbal
moveu-se para o sul mas permaneceu bem
distante da cidade. Nessa posição,
ameaçava potencialmente não apenas
Tarento
como
também
Brundísio
(Brindisi), os dois mais importantes portos
no sul da Itália e os únicos, com exceção
do Régio no estreito de Messina, que ainda
permaneciam em mãos romanas. Sabendo
da chegada do grande cartaginês, treze
jovens nobres tarentinos, liderados por um
certo Filêmeno, deixaram a cidade
fortificada, cujos portões certamente eram
fechados à noite, e encaminharam-se para
o acampamento de Aníbal sob o pretexto
de estarem numa expedição de caça.
Capturados
pelas
sentinelas
nas
proximidades do acampamento cartaginês,
Filêmeno expôs seu parecer, e o início de
um conluio para a traição de Tarento foi
tramado. Para fazerem sua ausência
parecer plausível após o seu retorno,
Aníbal permitiu aos jovens levarem com
eles algum gado, que diriam terem
encontrado extraviados, arrebanhando-os.
O mesmo pretexto foi utilizado em várias
outras ocasiões. Sendo Filêmeno bem
235
conhecido como exímio caçador, seu
retorno com gado ou caça — alguns dos
quais ele tinha o cuidado de dar às
sentinelas romanas — era aceito como
algo perfeitamente normal. Aníbal, que se
fingira doente como desculpa para sua
atividade incomum e, assim permanecia
em sua tenda, aguardou até que todos os
preparativos para a tomada de Tarento
tivessem sido concluídos. Ele havia
prometido
a
Filêmeno
e
seus
companheiros conspiradores que os
cartagineses nem guarneceriam a cidade
nem pediriam qualquer tributo de seus
habitantes. Seu exército seria proibido de
praticar pilhagens, com a acertada
exceção daquelas casas que fossem
apontadas a Aníbal como pertencentes a
cidadãos romanos ou pró-romanos.
Uma vez que a rotina de caça noturna de
Filêmeno tornara-se tão constante que as
sentinelas romanas não suspeitavam de
nada, e prontamente abriam os portões
quando ouviam seu assobio de retorno, o
momento mostrava-se perfeito para Aníbal
agir. Levando dez mil homens de
infantaria e alguns cavaleiros com ele, e
enviando oitenta cavaleiros númidas para
236
avançarem como escolta, ele deixou o
corpo principal de seu exército e moveu-se
a uma distância de cerca de quinze milhas
de Tarento. Os númidas receberam ordens
de
matar
qualquer
pessoa
que
encontrassem, para que ninguém soubesse
do avanço das tropas de Aníbal. Ao mesmo
tempo, fariam incursões fortuitas pela
zona campestre, para assim confirmarem
a crença dos romanos de que não
passavam de um grupo de forrageadores, e
não anunciariam o avanço de um exército.
Lívio reconta os eventos daquela noite:
O guia de Aníbal era Filêmeno, com sua
usual carga de caça. O resto dos traidores
esperava como previamente arranjado.
Assim que ele se aproximou do portão, um
sinal de fogo foi dado por Aníbal, como
tinha sido combinado, e vindo de Nícon
outro líder conspirador dentro da cidade o
mesmo sinal resplandeceu; então, de
ambos os lados, as chamas foram extintas.
Aníbal guiou silenciosamente seus
homens até o portão. Nícon e seus homens
atacaram as sentinelas que dormiam em
suas camas, mataram-nas e abriram os
portões - a principal entrada de Teminits.
Aníbal e sua coluna de infantaria
237
entraram. Enquanto isso, do outro lado da
cidade, Filêmeno se aproximava do portão
de trás, pelo qual habitualmente ia e
vinha. Sua voz bem conhecida e o já
familiar sinal acordaram a sentinela;
Filêmeno lhe disse que haviam trazido um
varrão tão grande que mal podiam
carregá-lo.
Enquanto
dois
jovens
carregavam o varrão, ele próprio seguiu
com um caçador que não trazia carga. No
momento em que a sentinela se
maravilhava com o tamanho do animal e
olhava na direção dos homens que o
carregavam, Filêmeno o transpassou com
uma lança de caça. Então, cerca de trinta
homens armados investiram e, abatendo o
restante das sentinelas, abriram o portão
adjacente. A coluna cartaginesa surgiu e
encaminhou-se silenciosamente para o
foro, onde Aníbal foi se juntar a eles. Ele,
então, despachou dois mil gauleses,
divididos em três unidades, pela cidade,
cada grupo acompanhado por dois
tarentinos que aluavam como guias.
Aníbal ordenou que ocupassem as ruas
principais e, quando o tumulto começasse,
que matassem os romanos sem exceção,
poupando porém os cidadãos de Tarento.
Foi dito aos guias que avisassem a todos
238
de seu próprio povo que se mantivessem
quietos e não temessem nada.
— Tito Lívio[37]
Ainda assim houve grande tumulto mas
ninguém sabia ao certo o que estava
acontecendo. Os tarentinos achavam que
os romanos estavam saqueando a cidade,
enquanto os romanos acreditavam estar às
voltas com algum tipo de levante traiçoeiro
iniciado pelo povo da cidade. Seu
comandante, despertado logo ao começou
do tumulto, fugiu para o ancoradouro,
onde foi recolhido por um esquife e
navegou rápido para a cidadela. Mais
confusão foi causada pelo som de uma
trombeta vindo do teatro. Era uma
trombeta romana roubada pelos traidores
justamente para esse propósito; sendo
tocada de modo errado por um grego,
ninguém poderia dizer que sinal estava
sendo dado, e para quem. Quando rompeu
o dia, as armas púnicas e gaulesas foram
reconhecidas, o que acabou com a
incerteza dos romanos, e ao mesmo tempo
os gregos, vendo romanos mortos por toda
parte, perceberam que a cidade havia sido
capturada por Aníbal. Os romanos que
não tinham sido massacrados fugiram
239
para a cidadela e, à medida que a ordem
era gradualmente restaurada, Aníbal
ordenou a todos os cidadãos, exceto
àqueles que haviam seguido os romanos
em sua fuga para a cidadela, que se
reunissem sem armas. Então, falou-lhes
com palavras amistosas, relembrando
como libertara os seus concidadãos
capturados em Trasimeno ou Canas. Ele
invetivou contra o arrogante jugo dos
romanos, depois ordenou que cada
cidadão fosse para sua casa e escrevesse
na porta a palavra "tarentino". Após essa
assembleia ter sido desfeita e todas as
portas marcadas, Aníbal permitiu que suas
tropas saqueassem as casas dos romanos,
e o espólio foi considerável.
As táticas de comando de Aníbal,
auxiliado por sua quinta coluna de dentro
dos muros, asseguraram a ele um grande
porto e uma próspera cidade, embora sua
vitória tivesse sido, de certo modo, anulada
pelo fato de que a guarnição romana e
seus simpatizantes ainda detinham a
cidadela, e não seriam desalojados dali.
Um ataque a ela falhou, e Aníbal foi
forçado a tentar efetuá-lo com um
trabalho por terra. Isso se mostrou sem
240
efeito, pois a posição da cidadela num
promontório dominando a entrada para o
porto interno significava que a guarnição
e seus demais convivas poderiam ser
reforçados e alimentados por mar aberto,
onde
a
frota
romana
possuía
superioridade naval. Ainda mais, todos os
navios tarentinos estavam, agora, retidos
no porto interno, no Pequeno Mar, e à
primeira vista pareciam permanentemente
presos. Aníbal resolveu o problema
trazendo os navios para terra firme,
transportando-os então pelas ruas de
Tarento sobre rodas, para depois lançá-los
novamente ao mar pelo porto externo.
A traição e a captura da cidade, e mesmo o
engenhoso método de livrar os navios,
tudo tinha a marca de Aníbal. O fato de
que Tarento caíra por traição seria um dos
argumentos mais tarde utilizados pelos
romanos para acusarem Aníbal de "fé
púnica" ou conduta desonesta. Resta dizer
que, ao longo de toda a história da guerra,
a traição de uma cidade feita no seu
interior por um partido favorável aos
sitiantes foi sempre prática comum. A
história primitiva da Grécia e abundante
em relatos de tais estratagemas. Não há
241
nada de modo algum peculiarmente
"púnico" a esse respeito.
Deixando que os próprios cidadãos
tratassem do problema da guarnição na
cidadela, Aníbal retirou suas tropas (como
ele havia prometido aos tarentinos) e
pouco depois levou-as de volta aos
quartéis de inverno. O Metaponto, no
golfo de Tarento e ligeiramente a oeste, em
breve caiu sob seu poder enquanto Túrio,
outro porto grego, do outro lado do golfo,
caiu frente a um exército comandado por
Hanão e Magão, com o povo da cidade
abrindo seus portões aos cartagineses.
Apesar da perda de Arpi, o ano finalmente
se mostrava favorável a Aníbal, e os
únicos grandes portos no sul da Itália,
abaixo da baía de Nápoles, que ainda
permaneciam nas mãos dos romanos eram
Brundísio, na costa adriática, e o Régio,
no estreito de Messina.
O comentário de Políbio, "de tudo que
sobreveio aos romanos e aos cartagineses,
a causa foi um homem e uma mente —
Aníbal",[19]
estava
claramente
justificado. Quase todo o mundo
mediterrâneo, com a exceção da Grécia,
242
onde Filipe V da Macedônia hesitava,
estava agora envolto em chamas. O
principal evento na Sicília tinha sido a
ascensão ao reinado de Siracusa do jovem
Jerônimo, que de pronto, declarara-se
favorável aos cartagineses — somente
para ser quase imediatamente assassinado
pelo partido pró-romano. Isso, por sua vez,
fez com que os siracusanos que
favoreciam
Cartago
matassem
ou
expulsassem os ricos mercadores e outros
que favoreciam Roma. É significativo que
ali, e em toda a Itália, era o partido
popular
—
hostil
àqueles
que
enriqueceram graças às suas conexões
romanas — que favorecia Aníbal. Os
pobres e sem posses viam nele um líder
que os libertaria da pesada mão de Roma,
mas que, depois disso, não se preocuparia
muito, se o fizesse, com o modo como
governariam suas cidades. E, talvez,
curioso ver o autocrático senhor da guerra
ser bem-vindo pelos plebeus, mas vemos
isso acontecer vez por outra ao longo da
história.
Na Hispânia a guerra estava indo bem
para as armas romanas, de tal modo que
um dos principais aliados de Cartago, o rei
243
númida Sífax, agora voltava sua fidelidade
em prol de Roma. Uma vez que os
cartagineses dependiam tão grandemente
da habilidade e superioridade dos
cavaleiros númidas, este era um amargo
golpe, mas que seria compensado por mais
variações de apoios políticos. A guerra,
agora, espalhava-se pelo Norte da África,
e um outro rei númida, Gaia, da Argélia
oriental, encorajou-se a marchar contra
seus companheiros e impedir os romanos
de garantirem uma base no continente. O
filho de Gaia, o jovem príncipe Masinissa,
teria grande participação na história
posterior às campanhas de Aníbal. Em
combinação com o irmão de Aníbal,
Asdrúbal, que havia sido compelido a
levar suas tropas para a África a fim de
acabar com a ameaça em sua retaguarda,
destruiu o rebelde Sífax, permitindo assim
a Asdrúbal retornar à Espanha para
enfrentar a ameaça romana naquelas
paragens.
A guerra explodia agora na Sicília. Não
pode haver dúvidas de que Aníbal, embora
constantemente engajado na Itália contra
a sempre crescente maré de armas
romanas, nunca deixava de perceber o
244
quanto seria importante para sua causa
um triunfo cartaginês naquela rica e
poderosa região do sul. A Sicília tinha
sido, por séculos, o pomo da discórdia
entre gregos e cartagineses, e a perda da
Sicília para os romanos — não por culpa
de seu pai Amílcar — havia levado à
humilhante paz que concluíra a Primeira
Guerra Púnica. Dois emissários de Aníbal,
Hipócrates e Epícides, encontraram-se,
então, com o governo da grande cidade e
porto de Siracusa após a expulsão do
partido pró-romano. Era essencial para
sua estratégia global que os cartagineses
não apenas detivessem o poder sobre
Siracusa, mas também ganhassem o
controle sobre a maior parte da ilha. Com
os portos e embarcadouros que uma vez
tinham sido seus — particularmente no
oeste — tinham uma chance de quebrar o
domínio romano sobre o mar entre a
Sicília e a própria Cartago. A real
dificuldade era que, tendo os romanos
conquistado a supremacia sobre a área
que já fora sinónimo do nome Cartago,
eles não iriam nunca cedê-la. Como sua
cidade, a Rainha do Mar, nunca fosse
capaz
de
mandar-lhe
reforços
convenientes, nem de desafiar os romanos
245
com sucesso, todos os anos que Aníbal
passaria na Itália resultariam inúteis ao
fim. A influência do poderio marítimo
sobre a história nunca havia sido mais
claramente demonstrada do que nesta
grande guerra entre Cartago e Roma.
Siracusa havia sido, uma dia, a mais
próspera e importante cidade do
Mediterrâneo central. No século V a.C., à
época das guerras greco-persas — que
determinaram o destino do oeste —
Siracusa seria capaz de colocar em campo
mais homens de infantaria armados com
armas pesadas e mais navios do que toda a
Grécia. Agora, embora ainda importante,
tornara-se uma espécie de força
represada, porém enriquecida pelo
dinheiro e pelos tesouros artísticos da mais
grandiosa era de seus antepassados
gregos.
Os romanos que visitavam a cidade
deslumbravam-se com a beleza da
arquitetura, a visível riqueza, o grande
teatro e a soberba posição do local. A
aliança com o governante anterior,
Hierão, dera aos romanos não apenas
uma promessa de estabilidade em uma
246
ilha sempre atormentada, mas também
uma relação com os ricos tesouros da
Grécia colonial. O grande porto, com
aproximadamente cinco milhas de
circunferência, havia testemunhado a
destruição do poderio ateniense em 413. O
pequeno porto, que ficava entre a ilha de
Ortígia e a capital, era capaz de abrigar
uma frota. Sua importância para os
romanos como base naval na guerra
contra Cartago era bastante óbvia; porém
sua perda, caso ela fosse ocupada por uma
frota cartaginesa, seria um duro golpe
para Roma, e um triunfo da maior valia
para Aníbal. Se os cartagineses pudessem
garantir e reter Siracusa, teriam uma
linha aberta até sua capital e uma
importantíssima base de suprimentos para
o exército de Aníbal.
Por essas razões, o cônsul Cláudio
Marcelo foi enviado à Sicília. Na confusão
que se seguiu à morte de Hierão, um
número de cidades voltou-se para a causa
cartaginesa, notavelmente Leonte, um
pouco ao norte de Siracusa, que dominava
a mais rica e fértil área da ilha. Marcelo
era um soldado notável e vigoroso, a quem
Aníbal aprendera a respeitar como o
247
homem que por várias vezes o havia
bloqueado na Campânia, sempre que ele
se movia de Monte Tifato. Absolutamente
destemido, Marcelo, em seu primeiro
consulado, em 222 a.C., pessoalmente se
batera com um chefe tribal gaulês,
matando-o com suas próprias mãos.
Dedicou, então, seus espólios, os spolia
opima, no templo de Júpiter Ferétrio — a
terceira e última vez na história romana
em que tão proeminente oferenda foi feita.
Impiedoso para com os derrotados e na
imposição da lei militar, Marcelo era
amado por suas tropas devido à sua
preocupação com o bem-estar delas. Após
retomar Leonte, onde ele mandou degolar
cerca de dois mil homens da tropa
oponente por sua rebeldia contra Roma,
deslocou-se para o sul a fim de sitiar
Siracusa por terra e mar. Os romanos
eram mestres em guerras de sítio e
Marcelo tinha todas as razões para estar
confiante. As defesas de Siracusa eram
muito extensas, particularmente ao norte
da ilha-fortaleza de Ortígia, onde uma
ampla área triangular pouco habitada era
cercada por maciças muralhas que
necessitariam de muito mais homens para
sua defesa do que ora possuía.
248
Aníbal, inteiramente ciente da importância
do combate que acontecia ao sul dele,
mantinha correspondência com Cartago a
respeito da necessidade de se desembarcar
um exército na Sicília para auxiliar na
insurreição. Com a Sicília em mãos
cartaginesas, a dominação romana do
estreito de Messina estaria ameaçada —
revertendo, assim, o processo da Primeira
Guerra Púnica e fornecendo a base
garantida a partir da qual poderia tomar
as cidades da baía de Nápoles. Enquanto a
Sicília fosse basicamente pró-romana, sua
posição no sul da Itália estaria
constantemente
ameaçada.
Alguns
historiadores pósteros têm-se referido ao
mau uso de navios e homens cartagineses
na campanha siciliana, argumentando que
eles teriam sido melhor empregados como
reforços para Aníbal. É muito duvidoso
que ele próprio visse o problema dessa
forma. Aníbal não somente era um mestre
da tática, mas também um respeitado
estrategista: a Sicília constituía a chave
para seu derradeiro sucesso na Itália, uma
vez que o auxílio que esperava de seu
irmão Asdrúbal não parecia prestes a
chegar. Com Tarento assegurado e com os
249
romanos relutando em desafiá-lo em
qualquer
campo
de
batalha,
aparentemente poderia manter sua
posição na Itália por anos, se necessário
(o que ele de fato iria fazer). Demandava
agora um sucesso no sul: conquistar a
Sicília, terra rica como um celeiro e com
excelentes portos para o uso da frota
cartaginesa. Com tal base firme a
respaldá-lo, seria capaz de se deslocar
para o norte na ocasião oportuna, após
assegurar Nápoles e Cumas, e eliminar a
ameaça naval romana em sua retaguarda,
confrontando, finalmente, o coração do
adversário — Roma e a confederação
latina que, estava claro, jamais seria
destruída em um único campo de batalhas.
Por esses motivos, a frota cartaginesa, ao
chegar, não se dirigiu ao grande porto de
Tarento, mas, em vez disso, rumou para as
longas praias do sul da Sicília, onde, por
muitas milhas de território quase
inabitado, a frota romana não poderia
manter permanente vigília e proteção. O
porto de Heracleia Minoa, na foz de um
pequeno rio, foi escolhido como ponto de
desembarque, e ali o almirante Himilcão
trouxe à terra vinte e cinco mil homens de
250
infantaria, três mil de cavalaria, e doze
elefantes — força grande o suficiente, em
aparência, para assegurar todo o sul da
ilha antes do deslocamento para render
Siracusa. Tudo parecia ir bem a princípio
e a mais importante cidade do sul,
Agrigento, caiu sob os invasores. Mas
generais da envergadura de Amílcar e
seus filhos sempre foram raros entre os
cartagineses, e esse exército iria, na devida
ocasião, confrontar Marcelo.
O sítio de Siracusa, empreendido com
tanta confiança, iria se prolongar: em
grande parte devido a um só homem.
Entre os habitantes da cidade, encontravase o grande matemático e cientista grego
Arquimedes.
Educado
na
escola
matemática alexandriana, na época em
que Euclides lá ensinava, Arquimedes
(amigo, se não parente, de Hierão)
enriquecera a cidade com suas dádivas
intelectuais, e construíra para os
governantes numerosos e incomuns
engenhos de guerra. Como Leonardo da
Vinci, séculos mais tarde, ele pagava pelo
ócio e pela liberdade de especular com o
trabalho prático que poderia garantir a
segurança de seu protetor. Marcelo tinha
251
decidido atacar a cidade pelo lado do mar
de Acradina, subúrbio da velha cidade no
lado norte. A própria Ortígia parecia
quase inexpugnável.
Arquimedes havia equipado as muralhas
com uma artilharia tão poderosa que
esmagava os romanos antes mesmo que se
aproximassem o suficiente para que seus
projéteis fossem eficazes; e quando eles
chegavam mais perto, descobriram que
toda a parte inferior da muralha estava
equipada com seteiras: seus homens eram
derrubados, com fatal pontaria, por um
inimigo que não podiam ver, e que atirava
suas setas em perfeita segurança. Se eles
ainda perseveravam, tentando colocar
escadas nas muralhas do lado do mar,
subitamente viam longos postes saindo do
topo da muralha como os braços de um
gigante, de onde eram atiradas sobre eles
pedras enormes e grandes massas de
chumbo que faziam suas escadas em
pedaços e quase afundavam os seus
navios. Em outras ocasiões, máquinas
como guindastes projetadas da muralha,
com um arpão de ferro afixado na ponta
de uma alavanca, eram baixadas sobre os
navios romanos. A descrição de Lívio
252
inspirou inúmeros artistas em séculos
posteriores:
Tão logo o arpão se enganchasse, a outra
ponta da alavanca era forçada para baixo
por grandes pesos e o navio erguia-se da
água até ficar quase em pé sobre a popa;
então, o arpão era subitamente solto, e o
navio caía na água com violência tal que
ou era virado ou se enchia de água (…) Os
soldados romanos, valentes como eram,
ficavam tão atemorizados diante desses
estranhos e irresistíveis dispositivos, que
bastava porém os olhos em algo como uma
corda ou pau pendurado ou projetado de
uma parede para que se virassem e
saíssem correndo, gritando "Arquimedes
vai usar um de seus engenhos contra
nós!"
— Tito Lívio[37]
Este foi um dos primeiros exemplos, na
história da guerra, de um inimigo superior
em quantidade e determinação, sendo
frustrado e vencido por tecnologia
superior. "Assim, o génio de um homem,
Arquimedes, derrotou os esforços de
inumeráveis mãos".
253
A tenaz perseverança, com a qual Roma
iria construir o seu império, finalmente
triunfou sobre a engenhosidade científica
grega e suas defesas muradas, que
tornavam os siracusanos confiantes de
estar numa "cidade inconquistável".
Rechaçado no seu ataque marítimo,
Marcelo voltou sua atenção para a terra e
— numa noite em que se sabia que os
siracusanos estariam celebrando uma
grande festa de Ártemis — invadiu as
débeis fortificações do norte, atacando a
cidade. Esta pagou caro por ter
descuidado do confronto com os romanos,
como países desde a Pérsia até a Bretanha
iriam aprender nos séculos seguintes. O
combate que se seguiu foi longo e
complicado. Uma frota cartaginesa
estacionada no porto retirou-se de modo
irresoluto quando parecia que iria ser
encurralada ali pelos navios romanos
vindos do mar. Parte do exército
cartaginês que desembarcara no sul,
incapaz de reforçar as defesas da cidade,
foi compelida a aquartelar-se no
pantanoso delta do rio Anapo, que
chegava até o grande porto. Como havia
acontecido anteriormente na longa
história de Siracusa, o delta impregnado
254
da febre do Anapo, cobrou seu preço do
exército acampado ali, matando milhares
de soldados e dois generais cartagineses.
Um emissário de Aníbal, Epícides, que
vinha conduzindo a defesa da cidade,
percebeu que tudo estava perdido e fugiu
para Agrigento, ao sul.
Em 212 a.C., a cidade de ouro e mármore
caiu frente a Marcelo e seus romanos —
homens que haviam absorvido a coragem
de Esparta, sem a destreza dos atenienses,
mas que possuíam uma disciplina
organizada que faltava à maioria dos
gregos. Allcroft e Masom resumiram
assim a conclusão do sítio a Siracusa —
conclusão, pode-se dizer, de séculos de
colonização grega da Sicília, a grande ilha
que pareceu aos primeiros navegantes
gregos a "terra recém-descoberta",
perfeita e rica além de suas expectativas:
No outono, um oficial espanhol abriu os
portões de Ortígia e Acradina, e os
romanos tornaram-se senhores de
Siracusa, após um sítio de mais de dois
anos. As usuais atrocidades marcaram sua
queda; a cidade foi pilhada, e muitos de
seus tesouros de arte levados embora para
255
Roma. Arquimedes foi morto por um
soldado romano. A guerra na Sicflia
durou mais dois anos devido à energia de
Mutino, oficial líbio que financiou uma
guerra de guerrilha contra os romanos,
até que as repetidas desfeitas de um colega
invejoso o levaram, em vingança, a trair
Agrigento, em 210 a.C. Depois disso, a
ilha tornou-se uma vez mais uma
província pacífica, cujo destino seria
produzir milho para seus senhores e
submeter-se pacientemente às extorsões
dos governadores, coletores de impostos e
agiotas da vitoriosa Roma.
— Allcroft e Masom[40]
O padrão da ilha, pode-se dizer, estava se
configurando para toda a sua história
futura, e a natureza do temperamento
siciliano se estabelecia irrevogavelmente
num molde de ressentimento e de
determinação a esquivar-se das leis de
qualquer conquistador por quaisquer
meios possíveis.
Marcelo havia dado ordens para que
Arquimedes fosse poupado a qualquer
custo, mas, segundo a lenda, o grande
matemático estava tão absorvido em
resolver algum problema em um tabuleiro
256
de areia que, quando os soldados
invadiram seu quarto e ele ignorou suas
ordens para que declarasse sua identidade,
foi transpassado por uma lança. Ele não
foi a única grande perda de Siracusa, pois
incontáveis tesouros de arte eram agora
despachados para Roma. Diz-se que esta
primeira grande introdução da arte grega
foi, de algum modo, responsável pelo
crescimento da subsequente admiração
romana e emulação da cultura helénica.
De um modo muito semelhante, séculos
mais tarde, os despojos de Constantinopla
iriam adornar Veneza e fertilizar a
imaginação dos artistas e artesãos daquela
cidade.
As consequências da queda de Siracusa
foram estrategicamente muito prejudiciais
para Aníbal. Com os romanos de posse do
grande porto, e com seu domínio sobre o
estreito de Messina fortalecendo seu
controle das vias marítimas para a Sicília
e Itália, Aníbal e seu exército ficaram
ainda mais isolados de sua cidade-mãe,
Cartago. A menos que reforços chegassem
até ele da Hispânia por meio dos Alpes, ele
estaria mais ou menos abandonado na
Itália. Somente o seu gênio militar e o
257
temor que suas vitórias anteriores haviam
infundido nos romanos poderiam salvá-lo
da derrota.
Na primavera do ano seguinte, Aníbal
preocupava-se muito com o destino de
Cápua, onde quatro exércitos romanos
posicionaram-se com a intenção de
subjugar a cidade por sítio e não através
de ataque. O usual pedido de ajuda dos
capuenses já havia chegado até ele. Uma
vez que ele próprio ainda se encontrava na
região de Tarento, enviara Hanão do
Brútio (Calábria) para Benevento para
tentar livrar a cidade. Hanão, tendo
evitado brilhantemente o exército de
Graco na Lucânia (Basilicata), assim
como o de Nero em seu flanco, havia
conseguido escapulir e estabelecer um
acampamento fortificado que transformou
em depósito de grãos. Foi pedido aos
capuenses que enviassem cada carroça e
animal disponível para transportar o
cereal que ele havia coletado. Fatalmente
sujeitos à inércia e à incapacidade, os
capuenses somente conseguiram obter
quatrocentas carroças, ao que Hanão
exclamou: "Nem mesmo a fome, que
estimula animais estúpidos a se
258
esforçarem, pode instigar os capuenses a
alguma atividade".
Os capuenses foram enviados de volta com
ordens de conseguir mais transporte; mas,
no momento em que retornavam com duas
mil carroças, os romanos, que haviam
tomado conhecimento da atividade,
esperavam preparados. Enquanto Hanão
estava fora com um grupo de
forrageadores,
eles
atacaram
o
acampamento e, apesar de uma
empenhada resistência dos cartagineses
remanescentes, a posição foi tomada e os
grãos, as carroças e outros depósitos
capturados. Hanão e seu grupo
conseguiram
escapar,
retirando-se
frustrados para o Brútio. Cápua, não por
culpa de seus aliados cartagineses, foi
ainda deixada sem suprimentos.
Ao ouvir as notícias, Aníbal despachou
dois mil númidas para irem em socorro a
Cápua, ordem que esses admiráveis
cavaleiros
do
deserto
executaram,
esquivando-se do cerco à cidade,
conseguindo adentrar Cápua de noite.
Animados por essa evidência de apoio, os
capuenses saíram a cavalo quando os
259
confiantes romanos juntavam o milho fora
da cidade. À frente deles cavalgavam os
númidas. Quinze centenas de romanos
foram mortos nessa investida e os
restantes, desmoralizados pela inesperada
chegada da grande arma de cavalaria de
Aníbal, buscaram refúgio detrás de suas
fortificações. Ao mesmo tempo, sofreram
um choque adicional. Graco, a ponto de
deixar sua província para vir reforçar o
bloqueio de Cápua, foi colhido numa
emboscada
e
morto.
Aníbal,
tradicionalmente atento às cortesias de
guerra, deu ao cadáver do líder romano
um honroso funeral.
Ele enviara seus númidas adiante apenas
para que atuassem como força de avanço,
e isso não ocorreu muito antes de o
cônsul, Fúlvio Flaco, ser informado de
novidades muito desagradáveis. monte
Tifato estava lotado de homens, e seu topo
plano fora uma vez mais ocupado. Aníbal,
movendo-se do sul da Itália com
extraordinária velocidade (mais rápido do
que a cavalaria romana que havia sido
convocada da Lucânia, local relativamente
próximo), surgira em cena mais uma vez.
Adentrou Cápua em triunfo, pois os dois
260
exércitos consulares se retiraram antes
dele — evidência do temor ainda sentido
pelos romanos diante de sua presença,
bem como de algum acordo velado entre
eles para aderirem a Quinto Fábio
Máximo, ainda que este último não mais
ocupasse um alto cargo. Aníbal, todavia,
não podia aquartelar seu exército na
cidade por causa da falta de suprimentos e
quando os exércitos romanos se retiraram,
seguiu a tropa que estava sob o comando
de Apio Cláudio que rumava para a
Lucânia, de modo a ameaçar o sul da
Itália. Tão logo o exército cartaginês se
retirou, Flaco retornou para investir
contra Cápua; não muito depois, Cláudio
despistou Aníbal e também retornou para
a cidade. Ao fim do ano, seis legiões
romanas encontravam-se em Cápua para
iniciarem
a
prática
romana
de
circunvalação; cercando o local sitiado
com
terraplenagens
e
trincheiras,
impediam os habitantes de saírem e as
forças de auxílio de entrarem.
Aníbal voltou a Tarento, onde a guarnição
romana na cidadela ainda resistia; ele,
sem dúvida, esperava que, terminados os
meses de inverno, pudesse conseguir
261
desalojá-la, já que os tarentinos haviam
falhado. Talvez o grande cartaginês tenha
se desesperado com a qualidade dos
aliados tarentinos e capuenses em tempos
de guerra. Era evidente que somente os
pouco corajosos e os que nutriam rancor
contra Roma vieram até ele. Nenhum
membro da confederação latina desertou
de sua velha aliança e, se os gauleses e os
brútios lutaram bem ao seu lado, eram
porém povos indisciplinados e semiselvagens que não poderiam ser utilizados
contra Roma até que tivessem sido
treinados por seus oficiais e homens
cartagineses — e assim mesmo de modo
tosco, para servirem como "bucha de
canhão", enquanto as reais infantaria e
cavalaria fizessem o serviço profissional.
Aníbal encerrou um ano que, se não havia
sido muito satisfatório para ele, tinha
certamente sido infeliz para Roma. Em
sua rota de volta a Tarento cruzou com
um exército romano que barrava seu
caminho. Superior em cavalaria — e
largamente superior devido às qualidades
de seus númidas — ele os dispôs
cuidadosamente nos flancos. Os romanos,
avançando à sua velha (e a essa altura já
262
ultrapassada) maneira, confiantes na
força de suas legiões blindadas, foram
feitos em pedaços, e o general, Marco
Sentênio Pênula, morto. Como se não
fosse suficiente para um invasor
estrangeiro em sua marcha de volta para
os quartéis de inverno, após a conclusão
de uma temporada de campanha bemsucedida, Aníbal soube que Herdônia, na
costa leste da Apúlia, estava sendo sitiada
pelo irmão do cônsul, Fúlvio Flaco, e
voltou seu exército para o nordeste da
Itália. Chegou para pegar os desavisados
romanos pela retaguarda e, tendo
colocado uma típica armadilha anibálica
no flanco em direção do qual ele deduziu
que os romanos deveriam se voltar,
aniquilou o inimigo. Dois mil — ou menos
— desse exército escaparam, e Aníbal
assegurou
sua
posição
territorial,
novamente voltando para o sul para
garantir às suas tropas suprimentos
adequados e bons abrigos para o inverno.
Dois exércitos romanos foram destruídos e
dois generais mortos — tudo em uma
campanha feita às pressas. Algum país, ou
mesmo o Senado de Cartago, poderia
demandar mais de um homem — sem
nenhum auxílio e longe de casa? O ano
263
seguinte, 211 a.C., provaria ser um dos
mais singulares e alarmantes da história
romana. Aníbal dividia-se entre o desejo
de capturar a cidadela em Tarento, a qual
ainda impedia os cartagineses de utilizar o
porto como base de frota e suprimento
para a campanha italiana, e a necessidade
de assegurar Cápua. Como escreve Lívio:
Contudo, prevaleceu o cuidado com
Cápua, uma cidade na qual viu que a
atenção de todos os seus aliados e inimigos
se concentrava, destinada a ser um
exemplo notável, qualquer que fosse o
resultado de sua revolta contra os
romanos. Consequentemente, deixando na
terra dos brútios grande parte de sua
bagagem e toda arma pesada, com
infantaria e cavalaria selecionada,
precipitou-se pela Campânia na melhor
condição possível para uma marcha
rápida. A despeito de sua movimentação
veloz, trinta e três elefantes conseguiram
acompanhá-lo. [Fizera a mesma coisa
antes, em sua marcha pela margem leste
do Ródano.] Ele acampou em um vale
fechado atrás de Tifato (…) Quando ele se
aproximou, capturou primeiro o forte de
Galátia, subjugando sua guarnição, e
264
então dirigiu sua marcha contra os
sitiantes de Cápua. Mandando comunicar
antecipadamente a Cápua a ocasião em
que pretendia atacar o acampamento
romano, de modo a dar-lhes tempo de se
prepararem para uma investida conjunta,
irrompendo ao mesmo tempo de todos os
portões, ele inspirou grande rebuliço.
Assim, de um lado ele próprio atacaria, de
outro todos os capuenses, cavalaria e
infantaria, irromperiam para fora, e com
eles a guarnição cartaginesa comandada
por Bóstar e Hanão.Cquote2.svg
— Tito Lívio[37]
Na batalha que se seguiu, a franqueza da
posição de Aníbal ficou patente: eles não
poderiam transpor uma posição defendida.
Embora seus rígidos homens de infantaria
iberos tivessem rompido as linhas
romanas, eles foram incapazes de forçar
caminho até Cápua, sendo detidos e
mortos.
A
cavalaria
cartaginesa
permaneceu, como sempre, suprema em
combate, mas isso não era suficiente
quando em ataque contra legionários
romanos em suas trincheiras. Aníbal fez
tudo o que pôde para provocar a saída dos
romanos para uma batalha aberta, mas
eles não cederam. Haviam aprendido a
265
lição nos primeiros dois anos de
campanhas na Itália. Políbio, ele próprio
um comandante de cavalaria, reconhece
que mesmo essa poderosa arma era inútil
quando se tratava de desalojar um tenaz e
entrincheirado inimigo.[19] Além do mais,
a operação coordenada com os capuenses
mostrou uma lúgubre falha, sendo seus
aliados facilmente rechaçados pelos
romanos, determinados a fazer a cidade de
renegados pagar o preço por sua deserção
da aliança latina. Aníbal atirou todas as
forças à sua disposição no ataque às
linhas romanas, menos seus númidas e
iberos, que "irromperam dentro do
acampamento romano inesperadamente".
Os elefantes foram à carga com eles e "em
seu caminho pelo acampamento iam
devastando as tendas com um barulho
terrível, e fazendo os animais de carga
romperem seus cabrestos e fugirem".
Lívio concluiu: "(…) os elefantes foram
tirados de suas posições mediante o uso de
fogo. Seja lá como tenha começado ou
acabado, esta foi a última batalha antes da
rendição de Cápua".[37] Os romanos
descobriram que os elefantes possuíam
suas fraquezas; o fogo era uma, e a outra
266
era deixá-los ir em desatino através das
linhas e então atacá-los por trás.
Com o benefício da visão posterior aos
eventos, parece-nos hoje que Aníbal havia
cometido um erro estratégico em sua
tentativa de livrar Cápua. Trouxera contra
as posições romanas um peso de forças
que teriam se desempenhado melhor
contra a guarnição de Tarento, libertando,
assim, aquele grande porto para a frota
cartaginesa. Por outro lado, elefantes e
superioridade numérica significavam
pouco contra uma cidadela fortificada,
com um suprimento interno de água e um
grande depósito de grãos. É por isso que
as cidadelas, guarnições e castelos
sobreviveram por milhares de anos na
história da guerra. Somente projéteis
explosivos e métodos científicos de
colocação de minas ameaçariam o "ponto
forte". Suficientemente rápido para
perceber seu erro após essa fracassada
operação combinada para livrar Cápua,
Aníbal recuou. Só lhe restara um lance
estratégico, que tem sido usado por muitos
grandes capitães, inclusive Napoleão (o
qual aprendeu muito com Aníbal). Este
era levar suas forças embora e ameaçar a
267
peça principal do tabuleiro de xadrez —
Roma. Ele devia saber, em vista de seu
fracasso
contra
cidades
menos
fortificadas, que só constituiria uma
ameaça, nada mais, mas estariam as
legiões romanas ao redor de Cápua
totalmente confiantes de que a capital
sobreviveria ao ataque do grande
cartaginês?
A marcha de Aníbal sobre Roma, um
acontecimento tão aterrorizante que
continuava a ser lembrado por poetas e
historiadores mesmo séculos mais tarde,
levanta a interessante questão da rota que
ele teria tomado. Lívio é pouco claro,
afirmando que ele se utilizou da grande
Via Latina nas últimas etapas de sua
marcha, enquanto Fúlvio Flaco tomou a
Via Ápia mais para o oeste, chegando a
Roma antes dele.[37] Políbio — muito
mais confiável no que se refere a assuntos
militares — mostra Aníbal levando seu
exército diretamente através do Sâmnio
para leste e descendo sobre Roma, vindo
do nordeste.[19] Conhecendo, por suas
outras manobras, a inclinação de Aníbal
pelo inesperado, essa rota parece a mais
provável. Sir Gavin de Beer acrescenta um
268
ponto: "Marchando através do Sâmnio
para Sulmona, e então através de regiões
hostis a Roma, Aníbal passou por Alba,
onde sua passagem foi marcada por dois
elefantes de pedra toscamente esculpidos,
inequivocamente africanos, dado o grande
tamanho de suas orelhas". Queimando e
pilhando, com os númidas devastando o
campo adiante de seu exército, Aníbal
suscitou um pânico tal que a cidade nunca
antes conhecera. Finalmente, ele acampou
na margem direita do rio Ânio, e a apenas
três milhas de Roma — os cavaleiros do
deserto, a infantaria pesada cartaginesa,
os selvagens gauleses e brútios, todos
visíveis aos observadores nas muralhas.
Após uma inconsequente escaramuça de
cavalaria, na qual Flaco parece ter se
saído
melhor,
os
dois
exércitos
confrontaram-se, tendo a cidade como o
prêmio da aposta. Mas, como Lívio conta,
"depois que os exércitos se posicionaram
(…) um grande aguaceiro, misturado a
uma chuva de pedras, confundiu de tal
modo as linhas de batalha que, agarrandose às suas armas com dificuldade, eles
retornaram
ao
acampamento".[37]
Aconteceu de a terra na qual acampara o
269
cartaginês estar à venda e, mesmo
enquanto o exército de Aníbal a ocupava,
diz-se que a negociação prosseguiu — e
sem qualquer redução no preço. Tais
histórias não devem ser verdadeiras —
elas exaltam os romanos das gerações
posteriores, exibindo confiança igual à de
seus ancestrais, mas permanece o fato de
que, em nenhum momento a defesa
romana acreditou que a cidade estivesse
em grande perigo. Era sempre a mesma
história — sem equipamento de sítio,
Aníbal não pôde tomar Cumas ou
Nápoles, logo era impossível para ele
capturar a que era talvez a mais
rigidamente fortificada e bem defendida
capital do mundo mediterrâneo. Depois de
mais um dia em que a violência do clima
novamente fez com que ambos os exércitos
se retirassem para seus acampamentos,
Aníbal recuou para uma posição seis
milhas atrás. Ele tinha visto Roma; é bem
possível, como diz a lenda, que tenha
atirado uma azagaia na Porta Colina para
zombar da impotência de seus defensores.
Mas nunca adentrou a cidade de seus
inimigos, e nunca mais a veria novamente.
Um entusiasta sem igual de Aníbal foi
Sigmund Freud, o qual idolatrava o
270
cartaginês tão fervorosamente que por
muitos anos foi incapaz de entrar em
Roma — porque Aníbal nunca havia
colocado os pés ali.
A tentativa de Aníbal de livrar Cápua
ameaçando Roma havia falhado. Nenhum
exército romano tinha se deslocado de
Cápua para verificar sua ameaça; os dois
cônsules permaneciam em Roma e, com
eles, duas, possivelmente mais, legiões por
detrás das resistentes fortificações. Ele
aproveitou sua marcha ao máximo,
contudo, saqueando todo o campo ao
redor, violando o antigo relicário de
Ferônia, onde oferendas de ouro e prata
datados de tempos imemoriais iriam pagar
o serviço de seus mercenários. Deve-se
lembrar sempre que o magnífico exército
poliglota de Aníbal tinha de ser pago, pois
ele não consistia numa corporação de
cidadãos, como o de Roma, e não tinha
qualquer fidelidade a não ser para com
um único homem. Cápua, evidentemente,
estava perdida, e Aníbal sabia disso
quando voltou de Roma. Inevitavelmente,
ele foi seguido em sua marcha, e alguns
na sua "cauda", carregados com bagagem
e saques, foram mortos. Fracassando em
271
Roma, manteve-se intacto porém seu usual
espírito indomável; voltando-se de novo
contra os romanos em ataque noturno,
castigou-os tão severamente que eles
nunca mais o acossaram em sua marcha.
Em muitos aspectos, assemelhava-se a um
grande e nobre animal saído da África,
sempre forte o suficiente para, volvendose, atacar selvagemente os predadores em
seu encalço.
Aníbal moveu-se para o leste em direção
ao Adriático e, então, fez uma falsa
investida contra Tarento, onde a indómita
guarnição romana ainda resistia, antes de
deslocar-se rapidamente para sudeste,
através
do
Brútio,
chegando
inesperadamente ao Régio. É provável que
fossem se unir a novas tropas que haviam
invernado em Brútio (atual Calábria); de
qualquer modo, sua marcha é considerada
uma das mais rápidas e memoráveis da
história da guerra. No entanto, ainda que
tenha chegado subitamente à cidade, de
modo a capturar muitos dos habitantes
ainda trabalhando fora nos campos,
tratando-os com cortesia, na esperança de
causar uma impressão favorável, o Régio
fechou seus portões e permaneceu fiel a
272
Roma. Apesar de sua impressionante
sequência de marchas, apesar de seu
castigo aos romanos no ataque noturno e
da rapidez de seus movimentos, que
sempre os deixava confusos quanto às
intenções dele, a campanha da primavera
de 211 a.C. não rendeu coisa alguma.
Cápua estava condenada a cair, junto com
o sonho de Aníbal de uma federação
italiana
independente
de
Roma.
Politicamente, ele havia falhado, e as
esperanças cartaginesas de isolar Roma
para então destruí-la quase com
tranquilidade, se despedaçaram.
Assim que os capuenses souberam que
Aníbal havia se retirado de Roma e se
deslocado para o sul, deram conta de seu
destino. Um decreto do senado romano de
que as vidas de todos os capuenses que se
rendessem a Roma seriam poupadas caiu
em descrédito, pois os que agiram na
conspiração perceberam que nada além da
morte os aguardava. Cercados pelas
legiões, à beira da fome, não lhes restava
nada a fazer a não ser abrirem os portões.
Vinte e oito dos senadores que haviam
votado contra a resolução cometeram
suicídio por veneno e pela espada.
273
Estavam certos em crer que Roma
desejava vingar-se: setenta dos que
haviam se comprometido na decisão de
receber Aníbal foram executados, junto
com muitos outros cidadãos líderes. A
secessão de Roma foi encarada como o
que de fato era: conspiração com o
inimigo. Embora Cápua não tivesse sido
saqueada, todos o seus edifícios e terras
públicas foram declarados propriedade do
povo romano. Cápua deixou de existir
como entidade independente, e os
senhores romanos da Campânia iriam,
dali em diante, ver aquelas terras ricas e
férteis trabalhadas para o benefício de
seus senhores romanos. Toda a Itália,
salvo o extremo sul e Brútio (atual
Calábria), estremeceu; e as cidades e
fazendas que haviam recebido as forças
cartaginesas, em algumas das quais
Aníbal havia posicionado pequenas
guarnições, tornaram-se pró-romanas
outra vez e voltaram a hostilizar o invasor.
De um só golpe, Aníbal ficou desprovido
de suas conexões com o Sâmnio e a Apúlia
e mais ou menos confinado ao Brútio e ao
litoral sul. Assim, com seu fracasso no
Régio e sua incapacidade de subjugar a
guarnição em Tarento, ele foi deixado com
274
pouco campo para manobras. Sem um
porto adequado e com os romanos
controlando o mar, restavam-lhe poucas
esperanças de receber reforços.
A queda de Cápua e a captura de Siracusa
pareciam indicar um desastroso ano para
os cartagineses. A única boa notícia,
talvez, a alcançar Aníbal na região que se
tornaria sua derradeira fortaleza na Itália
foi o triunfo de seu irmão Asdrúbal na
Espanha — um triunfo tão grande que
quase eclipsou essas outras perdas. O dois
Cipiões haviam avançado pelo coração da
Espanha, ao sul do Ebro, conseguindo, a
princípio, considerável sucesso. Públio
Cornélio Cipião em particular foi hábil em
conquistar a lealdade de muitos espanhóis
e incorporá-los em uma aliança com
Roma. Mas o retorno de Asdrúbal, após
debelar a revolta marroquina, e sua união
com Asdrúbal Gisgão e Magão foram
fatais para a sorte dos irmãos Cipião. A
influência de Asdrúbal sobre os celtiberos
em breve se mostraria valorosa e os
Cipiões viram-se privados de linhas de
comunicação, e mais ou menos
abandonados por seus aliados espanhóis.
Aparentemente incapazes de unir suas
275
forças, os dois generais romanos
envolveram-se em ações separadas. Seus
exércitos foram feitos em pedaços, sendo
ambos os Cipiões mortos. O desastre com
as armas romanas e a morte desses dois
destacados generais contribuíram muito
para reverter o equilíbrio da grande
guerra anibálica contra Roma. Enquanto
isso, o próprio Aníbal, embora sem apoio,
permaneceu sem derrotas, na terra
italiana. Uma constante ameaça a Roma e
contínua preocupação para seus generais,
ele ainda permaneceria ali por mais sete
anos.
O ritmo da guerra só poderia diminuir. As
perdas sofridas por ambos os lados foram
suficientes para enfraquecê-los tanto pelo
sangue derramado quanto pela falta de
determinação. O exército que Aníbal
trouxera para a Itália pelas montanhas há
muito havia mudado seu temperamento e
constituição; nove anos não poderiam
deixar de exigir um alto preço daqueles
veteranos da Espanha, França e Alpes,
que tinham um dia contemplado de cima
das montanhas, com muita expectativa, o
rico prémio: a Itália.
276
Não existem registros, e apenas pode-se
presumir que, após tantos embates, a força
original dos cartagineses encouraçados
tenha-se exaurido bastante — embora
vitoriosos em todas as suas principais
batalhas. Fica claro que a cavalaria
númida fora reforçada por transporte da
África. Esta brigada ligeira de cavalaria
permanece em evidência até o fim da
longa guerra mas, muito curiosamente,
não há mais referências à brigada pesada
de cavaleiros — embora seja possível que
Políbio e Lívio simplesmente suponham
que eles estiveram sempre presentes. O
corpo principal da infantaria havia
certamente se transformado sem medida,
sendo os espanhóis substituídos por
gauleses e estes, por sua vez, pelos brútios.
Também é possível que houvesse muitos
fugitivos do acampamento romano —
desertores (não o melhor dos soldados),
etruscos que há muito odiavam a cidade
que arruinara seu próprio Estado e, desde
a queda de Cápua, campanianos que não
mais ousavam retornar à sua própria
terra. Era uma força heterogénea a ser
lançada
contra
aquele
formidável
composto de Estados que Roma reunira.
Aníbal, com a queda de Cápua, também
277
havia perdido seus aliados e existia pouca
ou nenhuma probabilidade de que fossem
substituídos. Roma demonstrara o quão
cruel era seu julgamento contra os
desertores, e somente outra vitória da
amplitude de Canas poderia convencer os
Estados da Itália de que Aníbal seria o
potencial governante de toda a península.
Roma também se ressentia do esforço de
sustentar uma guerra por tanto tempo. A
fadiga da guerra, evidente do lado
romano, assim como a carga dos pesados
impostos, para o que parecia não haver
fim, contribuíram para uma atmosfera
geral de derrotismo.
Cquote1.svg Queixas começaram a ser
ouvidas entre os latinos e seus aliados em
suas reuniões: já era o décimo ano em que
eles se exauriam com as levas de tropas e
seu pagamento; e quase todos os anos
sofriam alguma derrota desastrosa.
Alguns, diziam eles, foram mortos em
batalhas, outros caíram por doença.
O aldeão alistado pelos romanos estava
perdido para eles mais completamente do
que um homem capturado pelos
cartagineses. Pois, sem demandar resgate,
278
o inimigo o mandava de volta para sua
cidade
nativa;
os
romanos
o
transportavam para fora da Itália (…) Se
os soldados antigos não retornassem a
seus locais de origem, e novos soldados
continuassem a ser recrutados, em breve
não
haveria
mais
nenhum.
Conseqüentemente, o que a situação
demandasse de recursos deveria ser
recusado ao povo romano, sem que se
esperasse chegar ao extremo da desolação
e da pobreza. Se os romanos vissem os
aliados unânimes nisso, certamente
pensariam em fazer a paz com os
cartagineses. De outro modo, nunca,
enquanto Aníbal vivesse, estaria a Itália
livre da guerra.
— Tito Lívio[37]
Doze colônias romanas, das trinta que
compunham
o
Estado
romano,
revoltaram-se em 209 a.C., informando
aos cônsules de que não tinham meios de
fornecer mais soldados ou dinheiro. A fim
de pagar os exércitos, até mesmo o tesouro
sagrado de Roma, recurso que só deveria
ser usado na mais grave das emergências,
teve de ser desprovido de seu ouro. Os
senadores foram solicitados — e
atenderam — a trazer ouro, prata e jóias
279
particulares de suas famílias de modo a
reabastecer os cofres do Estado. Nunca em
sua história Roma se reduzira a tal
penúria, e parecia que a ameaça
representada por Aníbal e seu exército de
modo algum retrocederia.
Embora as cidades que haviam se voltado
aos cartagineses fossem reintegradas à
aliança romana — Salápia, na Apúlia,
primeiro, e Meles e Maroneia, no Sâmnio
— a temível sombra do invasor ainda
assombrava grandes áreas da Itália.
Quando os romanos eram imprudentes o
bastante
para
enfrentá-lo,
como
acontecera em Herdônia, aprendiam a
costumeiramente sangrenta lição. Ali o
procônsul Fúlvio Centumalo havia
acampado contra a cidade, enquanto
negociava com um partido pró-romano
dentro das muralhas. Quando Aníbal
soube da ameaça, deslocou-se do Brútio
por marchas forçadas e enfrentou as duas
legiões de Centumalo; sua cavalaria
atacou a retaguarda das legiões, enquanto
sua infantaria pesada os segurava pela
frente. O resultado foi outra daquelas
mortíferas derrotas romanas que, até o fim
da guerra na Itália, fizeram cada general
280
romano ver estremecida sua reputação
quando confrontados pelo cartaginês.
Marcelo, que havia retornado de sua
vitória sobre Siracusa na Sicília, era um
dos cônsules para o ano de 210 a.C. e um
dos generais romanos por quem Aníbal
demonstrava verdadeiro respeito, dizendo
sobre ele: "Marcelo é o único general que,
quando vitorioso, não dá descanso ao seu
inimigo, e, quando derrotado, não dá
descanso a si mesmo". O modo sarcástico
e impessoal de Aníbal expressar-se é
revelado numa comparação, a ele
atribuída, entre Quinto Fábio Máximo, o
Protelador, e Marcelo: "Fábio era um
professor a quem eu respeitava, mas
Marcelo era um virtuoso inimigo: o
primeiro não me deixou causar qualquer
dano, mas o outro me fez sofrê-lo".
Marcelo iria participar de parte da
campanha de 209 a.C., na qual Aníbal
perderia sua última possessão importante
na Itália, a cidade portuária de Tarento. O
outro cônsul para o ano era o velho
Quinto Fábio Máximo, que pela primeira
vez ganharia algum predomínio sobre o
homem que o havia desafiado com sucesso
em ocasiões prévias. Enquanto Quinto
281
Fábio Máximo trazia suas forças o norte e
prosseguia em marcha para Tarento,
Marcelo acossava Aníbal e perseguia suas
pegadas, marchando no verdadeiro estilo
"fabiano". Além desses dois exércitos,
Roma colocou em campo, naquele ano,
mais um, sob o comando de Fúlvio Flaco,
para subjugar as cidades na Lucânia e no
Sâmnio que se mostrassem favoráveis aos
cartagineses.
A campanha de abertura de Aníbal, que
esteve tão próxima do sucesso, fora
projetada para quebrar o espírito de Roma
por uma série de vitórias maciças em
campo. Ele havia conseguido as vitórias,
mas Roma teimosamente ainda recusavase a se render. Sua segunda campanha,
com fins políticos, tinha sido projetada
para quebrar o espírito dos aliados de
Roma e, ao fazê-lo, destruir a
confederação latina com a qual Roma
necessariamente teria que contar para
obter dinheiro e poderio humano. Todavia,
após mais de nove anos de guerra, dezoito
dos trinta aliados continuavam fiéis a
Roma e os doze que a haviam renegado só
o fizeram porque seu poderio humano se
exaurira e seus tesouros encontravam-se
282
vazios. Dois fatores principais sempre
afligiram Aníbal desde que percebera que
deveria lutar uma guerra de desgaste em
solo inimigo. O primeiro era a falta de um
equipamento de sítio e o segundo a falta
de infantaria pesada treinada, que
somente poderia vir da própria Cartago ou
da Espanha. O comando romano do mar,
estabelecido na Primeira Guerra Púnica,
havia demonstrado claramente que um
Estado como o cartaginês, tão dependente
de negócios ultramarinos, deve comandar
o mar ou perecer. Esta foi uma lição que
os estadistas e comandantes britânicos,
educados nos clássicos, haviam absorvido
bem na época de suas guerras contra a
França no século XVIII.
Era aterrador que Aníbal, com seu
pequeno corpo de oficiais cartagineses e
seus definhados grupos de soldados
profissionais, tivesse sido capaz de utilizar
a força humana de rudes gauleses e
primitivos brútios para tal. Ao mesmo
tempo, enquanto seu próprio exército,
mesmo com Hanão e outros recrutando
substitutos, declinava em força, os
romanos
recrutavam
homens
em
quantidade na extensa e relativamente
283
próspera terra da Itália. Somente um
grande reforço de vigorosos e treinados
soldados poderia devolver a Aníbal a
iniciativa que ele havia tido quando
adentrara a Itália, e que havia
subsequentemente confirmado em Canas.
Os reforços deveriam vir ou pelos Alpes,
da Hispânia, ou pelo mar, de Cartago,
para o sul da Itália. Os romanos da
república haviam aprendido muito com
seus erros anteriores em campo contra um
génio da guerra e tinham agora adotado
permanentemente as táticas de desgaste
contra ele. Eles também tinham aprendido
muito da estratégia necessária para lidar
com uma guerra englobando uma grande
área — neste caso toda a bacia
mediterrânea. Enquanto enfrentavam o
inimigo na Espanha, calcularam que a
primeira coisa a ser feita na península
italiana era impedir que Aníbal recebesse
qualquer reforço da Grécia ou de Cartago.
A chave para isso era Tarento, onde a
guarnição romana na cidadela havia
impedido a plena utilização do porto pelo
cartaginês.
Enquanto Marcelo seguia o exército de
Aníbal e tentava atraí-lo para o norte
284
rumo à Apúlia, distraindo-o o suficiente
para fazê-lo virar de lado em pelo menos
duas ocasiões, Quinto Fábio Máximo
deslocava-se velozmente para o antigo
porto marítimo grego. No final das contas,
Aníbal voltou-se e atacou Marcelo,
obrigando seu exército a se retirar para
seu quartel em Venúsia. Marcelo
conseguira seu objetivo e, enquanto
Aníbal o enfrentava, o exército do cônsul
Quinto Fábio Máximo chegava diante das
muralhas de Tarento. Como os cidadãos
de Cápua, os tarentinos não haviam se
empenhado muito pela causa cartaginesa
(ambos estavam simplesmente à espera de
uma vida fácil e de menos impostos) e
fracassaram visivelmente contra a,
cidadela sob domínio romano. É evidente
que Aníbal, naquele ano, esperava
reforços da África do Norte, pois ele agora
se desviara do problema de Tarento por
um sítio do porto de Caulônia, na
extremidade sudeste do Brútio, executado
por tropas que se desencumbiram da ação
na Sicília. Após castigar Marcelo tão
duramente que ele foi obrigado a se
retirar, Aníbal marchou diretamente
através do centro do Brútio e acabou com
o sítio de Caulônia.
285
Teria agido melhor se antes olhasse para
Tarento, mas pode-se presumir que ele
havia designado Caulônia como o ponto
de
desembarque
para
as tropas
cartaginesas, uma vez que aquele era um
obscuro e insignificante porto no extremo
sul, bem no meio de território amigo.
Havia espiões por todos os lados naqueles
dias e, assim como os cartagineses
possuíam seus próprios agentes dentro das
muralhas de Roma, em cada porto onde
mercadores iam e vinham havia
provavelmente
olhos
atentos
que
forneciam informação para um lado ou
outro
nessa
luta
pelo
mundo
mediterrâneo. Com a posse do estreito de
Messina e sua ocupação de Siracusa, os
romanos estavam numa boa posição para
saber quando e onde uma frota
cartaginesa deveria ser esperada. Aníbal
não recebeu nenhum reforço naquele ano,
por mar ou terra. Estava para perder seu
último e único grande porto, Tarento.
Deixando Caulônia restituída às mãos dos
cartagineses e seus simpatizantes, Aníbal
marchou de volta ao longo do "pé", do sul
da Itália, e ao redor do grande Golfo de
286
Tarento — para alcançar a cidade logo
após a sua queda. Apesar de seu
contratempo contra Marcelo no norte e do
desvio adicional para livrar Caulônia no
sudeste, ele estava há apenas cinco milhas
da cidade quando Tarento foi traída por
elementos do próprio local. As tropas de
Quinto Fábio Máximo, que nunca haviam
sido capazes de enfrentar Aníbal com
alguma firmeza de ânimo em campo,
agora, das muralhas, contemplavam e
zombavam do seu inimigo. Cartalão, o
comandante cartaginês, havia sido morto
na luta que se seguiu à invasão dos
romanos, assim como os dois tarentinos
principais responsáveis pela traição
anterior da cidade. Assim que ele ficou
visível das muralhas, diz-se que Aníbal
teria sido avisado por um batedor sobre os
acontecimentos e feito o frio comentário:
"Então, os romanos também possuem um
Aníbal. Eles tomaram Tarento, como
nós".
Tarento permaneceria como mais um
monumento à determinação romana;
todos deveriam saber que acolher o
cartaginês era inútil.
287
Cquote1.svg Soldados
chacinavam
homens em toda parte, tanto os armados
como os desarmados, fossem cartagineses
ou tarentinos. Por toda a parte, brútios
também eram mortos, muitos deles, por
engano, por velhos rancores inatos ou a
fim de apagar a ideia de traição, para que
Tarento parecesse ter sido capturada pela
força das armas. Então, da matança
partiram ao saque da cidade. Trinta mil
escravos, diz-se, foram capturados, uma
imensa quantidade de prata, trabalhada e
cunhada, três mil e oitenta libras de ouro,
estátuas e pinturas de modo a quase
superar os adornos de Siracusa.
— Tito Lívio[37]
Aníbal e seus homens cruzando os Alpes,
de Joseph Mallord William Turner, na
galeria Tate Britain, Londres.
É notável que Lívio, descrevendo a
história e grandeza de sua cidade e sua
ascensão ao poder, não omita tais detalhes
da crueldade ferrenha que finalmente
asseguraria o império romano. Quando
Aníbal capturou a cidade, tivera o cuidado
de assegurar que houvesse o mínimo de
derramento de sangue e que somente as
casas dos tarentinos pró-romanos fossem
288
saqueadas. Ele, então, seguiu em retirada
na direção do Metaponto, através da baía
de Tarento, onde ordenou a um grupo de
cidadãos destacados que fossem até
Quinto Fábio Máximo e oferecessem a
traição de sua cidade se os romanos se
movessem contra ela. Aníbal escondera
seu exército de cada lado da estrada para
o Metaponto e resta pouca dúvida de que,
se Quinto Fábio Máximose deslocasse,
teria caído numa típica armadilha
anibálica — da qual nem ele nem seu
exército teriam escapado. Nessa ocasião,
contudo, os romanos foram salvos por
suas observâncias religiosas, pois Quinto
Fábio Máximo, um homem da velha
escola, nunca marcharia sem verificar os
presságios, e o sacerdote, na ocasião, após
analisar
o
sacrifício,
achou-os
desfavoráveis e avisou Quinto Fábio
Máximo] de que ele deveria estar em
guarda "contra o ardil de um inimigo".
Conhecendo a relutância de uinto Fábio
Máximo em fazer qualquer movimento
que pudesse expor seus homens a perigos
desconhecidos, é mais do que provável que
ele próprio tenha tomado parte na
interpretação dos sacrifícios. Suas
suspeitas foram confirmadas quando,
289
tendo os cidadãos do Metaponto retornado
numa segunda ocasião para inquirirem
por que os romanos demoravam em
avançar contra a cidade deles, foram
presos e ameaçados com torturas,
confessando o plano.
A perda de Cápua e agora a perda de
Tarento
foram
acuradamente
interpretadas
por
Aníbal
como
desastrosas. Dele é dito ter observado aos
seus oficiais: "A menos que possamos
adquirir nova força, nós perdemos a
guerra na Itália".
Ele havia esperado que Tarento servisse
como porto de desembarque para reforços
de Cartago, assim como para o uso de seu
aliado macedônio. Com sua perda,
restava-lhe ainda menos esperança de
incitar Filipe a deslocar tropas através do
Adriático para apoiar a invasão da Itália.
Ele permanecia sem derrotas no campo,
mas isso, em si, pouco significava. Só
poderia olhar em direção da Espanha e de
seu irmão Asdrúbal — mas as notícias
vindas da Hispânia eram más.
290
Cipião, o mais jovem[editar | editar
código-fonte]
O homem que então despontava como um
dos
maiores
soldados
da
Roma
republicana vinha de uma ilustre família
patrícia à qual Roma devia mais gratidão
do que qualquer outra pelo império
mundial. Como a tumba dessa família nos
revela, os Cipiões haviam sido homens da
maior distinção na história romana desde
o remoto século IV a. C., uma sequência
de cônsules com uma longa série de
méritos em campos de batalha e em
assuntos civis.
Públio Cornélio Cipião era filho do Públio
que recentemente havia sido morto junto
com seu irmão Cneu Servílio, durante a
luta na Hispânia. Ainda jovem, aos
dezessete anos, salvara a vida de seu pai
quando este fora ferido na batalha de
Ticino, a primeira grande vitória de
Aníbal na Itália. Dois anos mais tarde,
após o desastre de Canas, tinha sido um
dos poucos sobreviventes que não
arrefeceu, ajudou a reagrupar os demais e
persuadiu alguns dos jovens nobres a não
fugirem do país em desespero, como se
preparavam para fazer. Sua experiência
291
era em alguns aspectos semelhante à de
Aníbal — aristocrata e rico, vigoroso e
inteligente — e ele havia tido a
oportunidade, a partir do momento em que
Aníbal irrompeu sobre a Itália, de estudar
as táticas e estratégias de seu grande
oponente. Outro curioso ponto de
semelhança que iria manifestar-se era o
fato de que, se a família Barca, desde a
chegada de Amílcar Barca na península
Ibérica, parece ter considerado aquela
terra quase como uma província particular
de sua propriedade, os Cipiões também
adquiriram uma associação de algum
modo semelhante com aquela terra quente
e estranha — provavelmente selada pelo
sangue dos dois irmãos que recentemente
ali tombaram. Cipião, o mais jovem, havia
sido eleito edil (um dos magistrados de
Roma) três anos depois de Canas, embora
fosse extremamente jovem para a posição
e tivesse a ferrenha oposição de muitos dos
tribunos, aparentemente por causa de sua
pouca idade, mas na verdade porque eles
defendiam os interesses de outras famílias
patrícias. Em 210 a.C., Cipião, embora
com pouco mais de vinte anos, foi
escolhido para assumir o comando na
Hispânia.
292
Houve aqueles que quase imediatamente
acharam imprudência designar um
homem tão jovem para tão importante
posto (ele tinha aproximadamente a
mesma idade de Aníbal quando este último
reuniu seu exército para a invasão da
Itália), ainda que essa decisão em breve
mostrasse ter sido uma das mais sábias
que Roma jamais tomara.
Chegando à península Ibérica no final de
210 a.C. com onze mil reforços, Cipião
Africano imediatamente se deslocou para
Tarraco (Tarragona). Durante todo aquele
inverno,
encontrou-se
com
tantos
representantes das tribos ibéricas quanto
possível, homens confusos com a
constante variação de sorte na guerra
entre Cartago e Roma, mas que parecem
ter ficado seguros com o ar confiante e as
invariáveis boas maneiras de Cipião
Africano. Como o próprio Aníbal, ele
parece ter possuído uma habilidade inata
para tratar com o povo nativo de outros
países: nenhum desses dois aristocratas
mostrava a arrogância dos generais
comuns ou a jactância dos políticos
plebeus. Assim, o brilhantismo de Cipião
293
Africano, como em breve se mostraria,
não repousava apenas no campo da
guerra, mas também em um tratamento de
estadista para s com os habitantes locais.
As tribos ibéricas, passionais, orgulhosas e
sensíveis a desprezos, já portavam a
inequívoca marca da nação que havia se
desenvolvido na península através dos
séculos. Durante aquele primeiro inverno,
Cipião Africano aprendeu a compreender
sua natureza, a fazer amigos entre seus
chefes e a colocar a pedra fundamental
naquela poderosa e próspera província
que viria a ser no final a Hispânia
romana. Na primavera de 209 a.C., ele
cruzou o Ebro com trinta mil homens e
marchou ao sul para Cartagena, com seu
exército sendo acompanhado ao longo da
costa por uma frota romana. Era uma bem
planejada operação anfíbia e Cipião
Africano não se movera sem boas
perspectivas de sucesso. Ele soube por
seus
informantes
que
as forças
cartaginesas estavam divididas em três e
posicionadas bem distantes umas das
outras: uma sob o comando de Asdrúbal,
perto de Sagunto; outra comandada por
Magão, no interior; e a terceira de
Asdrúbal Gisgão, a sudoeste, em Gades.
294
Essa separação de comando deveu-se não
somente a ambições rivais entre os líderes,
mas também à própria natureza do país.
Não havia, naquela época, uma única
região onde grande concentração de
homens pudesse fixar base e se sustentar
da terra. "A Espanha", como Henrique IV
da França observaria séculos mais tarde,
"é um país onde grandes exércitos
morrem de fome e pequenos exércitos são
batidos". Cipião Africano deslocou-se com
a segurança que Wellington iria um dia
demonstrar quando confrontado por
marechais franceses igualmente vorazes e
em desavença uns com os outros. A
guarnição de Cartagena, pequena mas
confiante por causa da suposta
inexpugnabilidade da cidade, lançou uma
brava investida contra o exército romano,
mas foi repelida. A frota cartaginesa
bloqueou-os pelo mar, e Cipião Africano,
fazendo uso do conhecimento do local,
descobrira que uma lagoa que protegia a
capital cartaginesa a oeste poderia ser
escoada através de certos baixios com o
vento do norte, diminuindo seu nível em
um pé ou mais. Totalmente confiantes na
proteção proporcionada por essa lagoa, os
cartagineses haviam deixado as muralhas
295
daquele lado bem menos fortificadas do
que as da ponta de terra peninsular, onde
Cartagena então se situava (a garganta
dessa península há muito foi encoberta e
não é mais discernível). Tendo testado a
força das muralhas principais e descoberto
que eram altas demais e muito bem
definidas para um assalto bem-sucedido,
Cipião Africano] esperou até que um forte
vento soprasse do norte e, então, enquanto
a guarnição mantinha-se ocupada do lado
da terra, fez com que parte do exército
atacasse Cartagena através da lagoa. A
manobra foi bem-sucedida, os romanos
irromperam dentro da cidade e logo
abriram os portões para o corpo principal
de seu exército.
O comandante cartaginês retirou-se para a
cidadela, enquanto a cidade era entregue à
usual rapina e ao massacre. Então, vendo
que a situação estava perdida tanto em
terra quanto no mar — a frota atacante
havia logrado destruir e capturar os
navios no porto — ele se rendeu. Nova
Cartago, a capital da rica província da
Hispânia que consolidara tão amplamente
os esforços de guerra de Aníbal, estava
perdida. Naquele momento, o controle de
296
Cipião Africano sobre as tropas, tão
diferente do de Marcelo em Siracusa, foi
acionado de imediato : as tropas
obedeceram totalmente e daí em diante
Cipião Africano exibiu sua cortesia junto
aos conquistados, especialmente os iberos,
que se tornaria o símbolo de seu sucesso.
"(…) Da população masculina livre, cerca
de dez mil foram capturados. Desses,
Cipião Africano libertou os cidadãos de
Nova Cartago e restituiu-lhes sua cidade,
bem como todas as propriedades que a
guerra lhes havia tirado."[37] Lívio
prossegue relatando como vários milhares
de artesãos treinados foram declarados
escravos do povo romano, mas foram
encorajados a continuar trabalhando com
a perspectiva de liberdade no futuro
próximo se eles se empenhassem na
fabricação de armamentos. Eram também
muito necessários na manutenção das
docas e na construção naval.
Cartagena era um grande prêmio em todos
os sentidos. Além da pilhagem, dividida
entre os soldados romanos, havia uma
imensa quantidade de ouro e prata que
reabasteceu além do suficiente os cofres
vazios do tesouro romano. Havia, também,
297
um vasto estoque de cevada e trigo,
quantidades de bronze e ferro, e todas as
reservas necessárias para sustentar uma
frota — bem como a frota em si. Dezoito
navios de guerra cartagineses foram
capturados e Cipião Africano arrolou
muitos dos escravos para servirem como
remadores. Sessenta e três navios
mercantes com toda sua carga intacta
também estavam no porto. Os romanos,
indubitavelmente, estenderam seu controle
das rotas marítimas do Mediterrâneo, e
agora dominavam as regiões central e
ocidental, bem como o Adriático e o Jônio.
Entre a extensa quantidade de material de
guerra que caiu em mãos romanas
achavam-se cerca de cem catapultas de
tipo grande, bem como instrumentos de
arremesso de rochas e arpões, além de
todo o equipamento para um grande
comboio de sítio — aquilo que havia
faltado para Aníbal em todos os seus anos
na Itália e que os cartagineses nunca
foram capazes de transportar através do
mar dominado pelos romanos.
Cipião Africano tirou bom proveito
político dos reféns espanhóis tomados em
Cartagena como garantia para um bom
298
comportamento
de
suas
tribos.
"Aprendendo os nomes de seus Estados,
ele fez uma lista dos cativos, mostrando
quantos pertenciam a quais povos, e
enviou mensageiros aos seus lares,
propondo que cada homem viesse e
recuperasse seus próprios filhos. Se
acontecesse de embaixadores de quaisquer
Estados se encontrarem lá, os reféns
seriam devolvidos diretamente a eles".
Quando a cunhada de Indíbilis, príncipe
da importante Ilergetes, caiu em prantos a
seus pés suplicando que garantisse a
segurança de suas lindas e jovens filhas,
Cipião Africano "confiou-as a um homem
de comprovada integridade" e ordenou
que ele as protegesse como a si mesmo.
"Então", prossegue Lívio, "foi trazida a
ele uma donzela de tal beleza que, onde
quer que ela fosse, atraía os olhares de
todos".[37] Os companheiros oficiais de
Cipião Africano sabiam muito bem o
quanto ele era afeiçoado às mulheres e
pensaram que lhe estavam dando um
presente mais do que adequado. Cipião
Africano, contudo, não se esquecera de
que era não somente o conquistador de
Cartagena, mas também o homem de
quem dependia a futura política dos novos
299
interesses de Roma na Hispânia. Tendo
inquirido sobre o parentesco da jovem e
descoberto que ela estava prometida a um
jovem celtibero de certa importância, ele o
convocou à sua presença e confiou a ele
sua futura noiva, esclarecendo que não
queria qualquer agradecimento, mas que o
jovem deveria ser um amigo do povo
romano. Os pais dela, entretanto,
pensando resgatá-la, trouxeram para
Cipião Africanouma grande quantidade de
ouro: ele, por sua vez, deu o ouro ao jovem
nobre como presente de casamento. Esta, e
outras ações semelhantes, contribuíram
em grande parte para assegurar a
transferência aos romanos da lealdade das
tribos que, até então, tinham fornecido
tantos dos homens do exército cartaginês.
Grandes levas de tribos que serviam no
exército de Asdrúbal Barca desertaram
dos cartagineses ao longo dos meses que
se seguiram.
Tendo mostrado sua habilidade como
general e estadista, Cipião Africano
voltou-se para os aspectos práticos
imediatos da guerra. Observara na Itália e
na Hispânia as vantagens da espada
ibérica, que poderia ser usada tanto para
300
cortar como para perfurar, sobre os
gládios
romanos,
adequados
principalmente para perfurar. Durante
aquele inverno, enquanto as armarias de
Cartagena ressoavam com batidas de
martelos, Cipião Africano exercitava as
legiões em táticas mais flexíveis do que o
velho ataque frontal romano, que contava
em demasia com o peso abrupto das
legiões. Ele presenciara o fracasso em
Canas.
Ao
mesmo
tempo,
não
negligenciou a frota, e os remadores e
marinheiros
eram
exercitados
regularmente em batalhas simuladas
sempre que o clima permitia.
A morte dos cônsules
Dez anos se passaram desde que Aníbal
assolara a Itália para desmantelar os
exércitos romanos e fazer com que as
primeiras dúvidas surgissem entre seus
aliados sobre Roma ser a senhora e futura
governante do Mediterrâneo. Por volta de
208 a.C., contudo, com o ímpeto de seu
assalto há muito passado e as rachaduras
na confederação latina consertadas,
Aníbal vislumbrava um cenário muito
diferente.
301
Cápua estava perdida, e Tarento também.
As cidades no Sâmnio e na Campânia que
haviam abjurado da aliança romana
voltando-se para o que parecia ser a
estrela nascente de Cartago estavam agora
renegando-a, e muitas outras começavam
a pensar em seguir seu exemplo, porque
observavam a maneira como Roma punia
qualquer desertor. Aníbal não tinha portos
dignos do nome para manter ligações
marítimas
com
Cartago,
e
a
importantíssima Ilha da Sicília estava
irreversivelmente perdida. A Sardenha
nunca conseguira se libertar de Roma e
todas as proximidades da Itália estavam
vigiadas e guardadas por vitoriosas frotas
romanas. Filipe V da Macedônia, quase
convencido, após Canas, de que valeria a
pena
desembarcar
assistência
aos
conquistadores cartagineses, logo se
lembrou do controle romano do Adriático.
(Ele estava agora engajado na Grécia
contra os etolianos que, com o apoio de
Roma, iriam mante-lo ocupado em casa
até que a ameaça de Aníbal estivesse
acabada.) Aníbal certamente não obteria
qualquer conforto das notícias vindas da
Espanha, onde seu irmão Asdrúbal seria
batido em Bécula naquele ano pelo jovem
302
Cipião Africano. Ele tinha pouco para
sustentá-lo e às suas tropas, além do
reconhecimento de que ainda estava na
Itália após tantos anos — e ainda não fora
derrotado. Ainda assim, o ano de 208 a.C.,
que deve ter parecido sinistro para os
cartagineses, iria se encerrar com uma
extraordinária inversão na sorte romana.
Os cônsules para o ano de 208 a.C. eram o
duro e velho soldado Marcelo, agora no
seu quinto mandato, e Tito Quíncio
Crispino, que tinha sido o braço direito de
Marcelo na captura de Siracusa. Cada um
estava no comando de duas legiões.
Crispino iniciou as campanhas daquele
ano com ataque a Lócris Epicefíria, um
dos poucos portos ainda nas mãos de
Aníbal, no sul, onde ele ainda poderia
esperar reforços pelo mar, vindos de
Cartago. Forçado a desistir do sítio por
Aníbal, recuou para o norte até a cidade
de Venúsia, onde ele e Marcelo
acamparam com os seus exércitos
separados apenas por poucas milhas.
Disposto a trazê-los para a batalha se,
como ele tinha motivos para suspeitar, os
romanos
tivessem
recobrado
suficientemente sua coragem para
303
enfrentá-lo em campo aberto, Aníbal
dirigiu-se a norte deles. Em seu caminho,
soube que uma legião de Tarento tinha
sido enviada para marchar até Lócris e
recomeçar o sítio, com a esperança de
capturar a cidade-porto em sua ausência.
Ele armou uma típica armadilha anibálica
abaixo da colina de mil pés de altura de
Petélia, ocultando seus cavaleiros e
infantaria de cada lado da estrada — o
tipo de laço no qual ele antes havia
esperado pegar as tropas de Quinto Fábio
Máximo. Os romanos, presumindo que
Aníbal estava distante ao norte,
avançaram descuidadamente e sem
quaisquer
batedores
à
frente,
e
aprenderam a lição que já deveria há
muito ter sido absorvida por todos os
comandantes
inteligentes:
"Nunca
subestimar o cartaginês". A armadilha foi
acionada; dois mil romanos foram mortos,
mil e quinhentos aprisionados; o restante
fugiu de volta para Tarento, felizes ao ver
os portões da cidade abertos para deixá-los
entrar.
Quando Aníbal finalmente chegou a uma
posição não muito distante de Venúsia e
dos
exércitos
romanos,
armou
304
acampamento e preparou-se para o que
prometia ser um duro combate. Como
narra Lívio, "ambos os cônsules estavam
com um espírito feroz e saíam diariamente
pela linha de batalha com a esperança
certa de que, se o inimigo viesse a arriscar
uma batalha, com dois exércitos
consulares unidos, seria possível finalizar
a guerra".[37] Entre os dois exércitos
ficava uma pequena colina coberta de
vegetação que os romanos, posicionados
muito antes da chegada de Aníbal,
certamente deviam ter tomado. O mestre
da guerra não perdeu tempo; durante a
noite, enviou um número de esquadrões da
cavalaria númida para verem se a colina
estava ocupada e, se não, se esconderem lá
e
permanecerem
sem
qualquer
movimentação durante as horas de luz do
dia. Decidira que, por seu formato e
tamanho, a colina era mais adequada para
alguma forma de emboscada do que para
um acampamento do exército.
Como de costume, seu modo de pensar
deixou-o um passo à frente do oponente.
"No acampamento romano", escreve
Lívio, "havia um clamor geral de que a
colina devia ser ocupada e defendida por
305
um forte, de modo que eles não tivessem o
inimigo sobre seus pescoços, o que
aconteceria se a colina fosse ocupada por
Aníbal".[37] Não sabendo o que já havia
acontecido à legião saída de Tarento, nem
que as tropas de Aníbal estavam cheias de
disposição e confiança, e nem lembrando,
pelos fatos passados, que somente os
ignorantes e tolos tratariam a presença de
Aníbal sem o devido cuidado, Marcelo e
seu
companheiro
cônsul
Crispino
decidiram sair a cavalo e dar pessoalmente
uma olhada na colina. Talvez as notícias
da Espanha e a situação geral do
Mediterrâneo tenham insuflado neles uma
descuidada confiança. Levando não mais
do que duzentos e vinte cavaleiros com
eles, junto com uns poucos homens de
infantaria e alguns oficiais da equipe,
inclusive Marco Marcelo, filho do cônsul,
eles cavalgaram para fora do campo.
Quando deixaram o acampamento,
Marcelo deu ordens para que os soldados
ficassem preparados e, se a colina fosse
considerada
adequada
para
o
estabelecimento de um acampamento ou
posto de observação, deveriam deslocar-se
para lá imediatamente. O sinal para que
fizessem isso jamais viria.
306
Os númidas, esperando poder capturar
uns poucos homens que saíssem em busca
de forragem ou lenha, ficaram atónitos ao
verem os mantos militares vermelhos e as
brilhantes
armaduras
de
oficiais
graduados movendo-se através da pequena
planície na sua direção e adentrando as
rudes
escarpas.
Imaculadamente
disciplinados, esperaram até que todo o
grupo estivesse ao seu alcance e, então,
como sombras à retaguarda dos romanos e
nos seus flancos, os cavaleiros da África
do Norte fizeram seu movimento.
"Aqueles que, de frente para o inimigo,
teriam de irromper da encosta não se
mostraram antes que os que isolariam a
estrada em sua retaguarda voltassem para
os flancos do inimigo. Então, surgiram ao
mesmo tempo, de todos os lados e, com um
grande brado, fizeram seu ataque".
Marcelo foi quase de imediato atingido
por uma lança e caiu morto de seu cavalo;
Crispino, ferido por duas azagaias,
conseguiu escapar, enquanto o jovem filho
de Marcelo, também ferido, juntou-se a ele
na fuga dos sobreviventes — uns poucos
oficiais da equipe e um punhado de
307
cavaleiros etruscos que parecem ter tido
pouca coragem para o confronto.
O súbito alarido vindo da colina colocou
ambos os exércitos em alerta, sendo os
romanos os primeiros a saber de seus
ensanguentados sobreviventes o que
acontecera naquele dia ensolarado de
verão. Aníbal, tão logo soube das notícias
por um dos númidas, moveu seu exército
adiante e ocupou a colina. Ele próprio
cavalgou pelos arbustos até encontrar o
corpo de Marcelo; cremou-o com as
devidas honras e enviou as cinzas para o
filho do falecido em uma urna de prata.
Ele havia respeitado Marcelo como
oponente enquanto estava vivo e prestoulhe, depois de morto, como sempre foi de
seu costume para com oponentes abatidos,
os sinais de respeito devidos a um homem
digno de honra.
Enquanto Crispino, seriamente ferido,
encarregava-se dos exércitos consulares e
deslocava-se pelas montanhas "para um
lugar alto que fosse seguro de todos os
lados", Aníbal cogitava seu próximo
movimento. Ele tinha agora, em seu poder,
o anel do cônsul morto: seu selo e
308
autoridade para qualquer mensagem
enviada. Aníbal imediatamente pensou em
Salápia na costa adriática da Apúlia;
Salápia, que havia rompido sua aliança
cartaginesa e se bandeado para Roma. Ele
precisava de uma guarnição segura na
costa leste, já que aparentemente soube
que Asdrúbal, seu irmão na Hispânia,
pretendia a qualquer momento cruzar os
Alpes e juntar-se a ele para uma investida
final contra Roma. Os acontecimentos
daquele ano iriam confirmar o pessimismo
de Asdrúbal quanto à posição cartaginesa
na Espanha e ele via claramente que
somente uma combinação de Aníbal com
ele próprio, e seus dois exércitos, um cheio
de sangue novo e ávido por conquistas,
outro talhado pela experiência, poderiam
salvar Cartago por meio de um ataque
direto ao coração de Roma.
Para Salápia, então, Aníbal enviou um
mensageiro com a autenticação do selo de
Marcelo dizendo que este chegaria na
noite seguinte e que os portões da cidade
deveriam ser abertos para recebê-lo. Era
um artifício engenhoso e poderia ter
funcionado, não fosse o fato de Crispino,
mesmo estando à morte, ter-se antecipado
309
a ele e enviado mensageiros para todas as
cidades próximas dizendo que Marcelo
estava morto, e que não se confiasse em
qualquer mensagem que ostentasse o seu
selo. Os homens de Salápia enviaram de
volta o mensageiro de Aníbal, um desertor
romano, dizendo que tudo estaria
preparado para Marcelo quando ele
chegasse. Quando Aníbal aproximou-se de
Salápia à noite, enviou adiante um grupo
avançado de desertores romanos, todos
falando latim e portando armas romanas,
marchando como os legionários que
haviam sido um dia, de modo a convencer
o povo de Salápia de que o cônsul estava
chegando. As sentinelas dos portões,
ouvindo seu chamado, fingiram estar
preparadas para darem as boas-vindas e
levantaram a porta de grade levadiça. Mas
quando várias centenas dos desertores
haviam adentrado a cidade, a porta de
grade fechou-se atrás deles e o grupo
avançado foi massacrado.
Derrotado pela primeira vez por uma
inteligência tão aguçada quanto a sua
própria, Aníbal abandonou a tentativa de
tomar a cidade para a esperada chegada
de seu irmão e retirou-se para o sul. Tinha
310
descoberto que Lócris estava novamente
sitiada e era muito importante para ele
manter aquela linha de comunicação com
Cartago aberta. A sempre versátil
cavalaria númida chegou à frente das
colunas
de
Aníbal
em
marcha,
surpreendeu o exército romano que fazia o
sítio pela retaguarda, e Lócris foi salva.
Tito Quíncio Crispino morreu pouco
tempo depois devido aos ferimentos
recebidos naquela emboscada fatal na
colina. "Assim, dois cônsules — e isso
nunca acontecera numa guerra anterior
— perdendo a vida sem ser numa batalha
notável, haviam deixado o Estado, por
assim dizer, despojado". Em Trasimeno e
em Canas, Aníbal matara um dos cônsules
então no cargo, e já havia matado muitos
generais romanos, cavaleiros, inúmeros
oficiais de Estado-Maior e outros
valorosos cidadãos de Roma. Mas agora,
no ano que parecia ter iniciado com a
mais tenebrosa das perspectivas, ainda
cavalgava pela paisagem da Itália — uma
figura implacável, vingadora, que os
romanos nunca haviam derrotado.
311
Cipião e Asdrúbal na Hispânia[editar |
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Do outro lado do Mediterrâneo, na
península Ibérica, seu irmão Asdrúbal,
ávido para reunir-se a Aníbal na Itália há
vários anos, teve sua escolha resolvida por
ele. Se vacilara, no passado, dividido entre
a necessidade de preservar o império
cartaginês e auxiliar no ataque de Aníbal,
agora receberia o golpe que traria a
decisão. Em Bécula, guardando as
importantíssimas minas de prata de
Cástulo, Asdrúbal foi colocado em apuros
por Cipião. A guerra anibálica, como
todas as outras, girava em torno de metais
e dinheiro — metais para os materiais de
guerra e dinheiro para manter as tropas
em campo e pagar pelo apoio dos aliados.
Amílcar havia fundado seu império ibérico
para reabastecer os cofres de Cartago
depois da desastrosa paz que se seguiu à
Primeira Guerra Púnica, e foi a riqueza
mineral da península Ibérica o que
encorajara Cartago a apoiar a assombrosa
aventura de Aníbal contra o Estado
romano. A última batalha de Asdrúbal na
Hispânia foi significativa pelo fato de que
ele foi derrotado pela utilização, por
Cipião Africano, de uma tática de
312
aproximação na qual nenhum outro
comandante romano no passado teria
pensado, e possivelmente nem mesmo o
próprio Cipião Africano, se ele não tivesse
estado presente em Canas.
Asdrúbal se posicionara abaixo da cidade
de Bécula, numa cordilheira que tinha um
pequeno rio abaixo dela. Para chegar até
o inimigo, Cipião Africano teria que
vencer o rio e então fazer um ataque
frontal subindo por uma escarpa: duas
desvantagens que comandantes romanos
anteriores teriam enfrentado, contando
com o peso das legiões para abrir caminho
através das defesas do inimigo. Contudo,
Cipião Africano tinha observado que, em
qualquer dos lados do platô, havia valas
secas descendo desde o topo. Depois de
suas tropas cruzarem o rio, subitamente
deslocou o peso principal de seu ataque,
enviando uma grande corporação de
tropas leves escarpa acima para enfrentar
o inimigo de frente, enquanto ele e seu
segundo-no-comando levavam as legiões
pesadamente armadas pelas valas de
ambos os lados. Ao fazer isso, imitou
Aníbal em Canas, com suas tropas ligeiras
e aliados espanhóis retendo o choque no
313
centro, enquanto seus veteranos armados
com armas pesadas cerravam fileiras nos
flancos para a matança. "E não mais",
escreve Lívio,[37] "restou espaço aberto,
nem mesmo para fuga (…) a entrada do
acampamento foi obstruída pela fuga do
general e oficiais-chefes e, mais ainda,
pelo pânico dos elefantes, aos quais,
quando apavorados, eles temiam muito
mais do que ao inimigo. Cerca de oito mil
homens foram mortos". Restou o fato de
que Asdrúbal, colocado à prova em muitos
campos de batalha, conseguiu evadir-se
com o núcleo principal de seu exército —
todas as suas tropas pesadas, assim como
a cavalaria e também trinta e dois
elefantes. Como o próprio Aníbal, e como
Cipião Africano, ele era impiedoso no
sacrifício de suas tropas locais quando
chegava à ação principal. E para
Asdrúbal, tendo decidido que a Espanha
deveria ser finalmente abandonada,
mesmo que apenas a curto prazo —o mais
importante ato seria deslocar suas forças
para a Itália.
Asdrúbal parte para a Itália
No outono de 208 a.C., Asdrúbal levou
suas tropas pela Gália, tendo escapado dos
314
romanos na Hispânia oriental seguindo os
vales altos do Tejo e do Ebro. A fama
subsequente de Cipião Africano parece ter
obscurecido o fato de que ele deixara
Aníbal escapar e, em consequência,
permitiu que seu país ficasse mais exposto
ao perigo do que em qualquer outra
ocasião desde que Aníbal cruzara os
Alpes.
Ele deve ter sabido — pois os rumores
haviam se espalhado aos quatro ventos —
que o objetivo de Asdrúbal era deixar a
Hispânia e cooperar com seu irmão na
Itália: o primeiro objetivo do general
romano, consequentemente, deve ter sido
certificar-se de que Asdrúbal não o
enganaria; se não estava suficientemente
forte para atacar o inimigo, certamente
deveria ter encalçado seu avanço para os
Pirenéus e não tê-lo deixado chegar à
Gália intacto e sem ser vigiado. Ele não
fez nada parecido; cometeu um imenso
engano e simplesmente não é verdade que
tenha sido obrigado a confrontar os
cartagineses com grande força no Ebro,
pois Magão e Asdrúbal Gisgão, quando
Asdrúbal
partiu,
deslocaram-se,
o
primeiro para as Ilhas Baleares e o outro
315
para Portugal, centenas de milhas
distante; eles eram claramente incapazes
de enfrentar os romanos na Hispânia.
— O'Connor Morris[41]
É uma infelicidade que nossos estudiosos
antigos não tenham comentado mais
aprofundadamente essa marcha feita por
Asdrúbal, a segunda maior realizada pela
"ninhada do leão", os filhos de Amílcar,
que por tanto tempo ameaçaram e
aterrorizaram Roma. Foi uma jornada
épica digna de seu irmão. Escapando de
Cipião Africano, deixou os romanos
vigiando em vão os desfiladeiros dos
Pirenéus enquanto ele, a sua infantaria
cartaginesa, os iberos, a cavalaria númida
e os laboriosos elefantes africanos
moviam-se a oeste, passando pela baía de
Biscaia e o grande oceano acinzentado
que poucos homens mediterrâneos jamais
haviam visto. Antes de partir para a Gália
reuniu-se com Magão, e este seu irmão
mais jovem foi para as Baleares a fim de
levantar uma força daqueles formidáveis
"fundibulários" que mais tarde cruzariam
o mar rumo à Itália. Os três filhos de
Amílcar Barca, assim foi planejado, iriam
então encontrar-se pela primeira vez em
muitos anos e executar a vingança sobre
316
Roma que os votos feitos ao seu pai e aos
enfumaçados altares de Cartago há muito
demandavam.
Aníbal e Asdrúbal sabiam que, com sua
situação em declínio na Hispânia, o ano
de 207 a.C. deveria ser decisivo na guerra
contra Roma. Somente pela união de seus
exércitos e a total derrota dos romanos —
algo mais devastador até mesmo do que
em Canas — poderia ser atingido o
objetivo da longa guerra. Desde o início, o
grande empreendimento iria mostrar-se
arriscado e, numa posterior reflexão,
quase impossível. Comandando o centro
da Itália, os romanos tinham o benefício
de linhas internas de comunicação e eram
capazes de posicionar suas forças de modo
que uma parte mantivesse os olhos sobre
Aníbal ao sul enquanto a outra vigiasse o
norte e a esperada chegada de Asdrúbal.
Naqueles dias de comunicações primitivas,
o grande obstáculo entre os dois irmãos
era a extensão territorial da Itália.
Asdrúbal invernou na Gália, bem ao oeste,
onde não havia qualquer amigo de Roma
ou de Massala, e então provavelmente
cruzou o rio Ródano comodamente acima,
317
perto de Lyon. Embora não fosse segredo
que Asdrúbal pretendia reunir-se ao seu
irmão na Itália, nenhuma tentativa, em
qualquer caso, poderia ser feita para detêlo, uma vez que ele tivesse cruzado os
Pirenéus e penetrado na Gália. Massala
era distante e os chefes gauleses estavam
como nunca hostis a Roma. Segundo
Lívio, apesar de Asdrúbal ter escapado de
Bécula com não mais do que quinze mil
homens é provável que ele tenha chegado
aos Alpes com quase o dobro desse
número.[37] Aníbal, bem distante ao sul,
devia ser capaz de reunir um exército de
quarenta a cinquenta mil homens, a
maioria, porém, de tropas de qualidade
bem baixa.
Na primavera de 207 a.C., assim que a
neve derreteu, Asdrúbal partiu: ele não
demorou nem um pouco, como seu irmão
havia feito, e nem aparentemente foi
incomodado por tribos hostis. Cruzando o
território
do
Arverno
seguiu
provavelmente o curso do rio Isère e quase
certamente não tomou a difícil rota
seguida por Aníbal. Tanto Lívio quanto
Apiano afirmam que ele o fez,[37] mas
parece muito improvável, uma vez que a
318
bacia do Isère segue pelo desfiladeiro do
monte Cenis e o historiador romano Caio
Terêncio Varrão parece, sem dúvida,
descrever o desfiladeiro de Asdrúbal como
sendo distinto do de Aníbal, e ao norte
dele. O Passo do Monte Cenis corresponde
perfeitamente à descrição, e a ideia de que
Asdrúbal tenha seguido as pegadas do
irmão não é mais do que metáfora. Em
todo caso, como Lívio aponta, as tribos
alpinas que antes pensaram ter Aníbal
intenções quanto ao seu pobre território já
haviam tomado conhecimento da "Guerra
Púnica, devido à qual a Itália estivera em
chamas por onze anos, e perceberam que
os Alpes não eram mais do que uma rota
entre duas poderosíssimas cidades em
guerra uma com a outra (…)". 37 Logo,
não havia motivos para atacarem os
cartagineses em marcha, nem enganá-los
com informações que poderiam levá-los a
altos e traiçoeiros desfiladeiros. Asdrúbal
rumou para a Itália no tempo exato de um
ano, com uma segurança que se traduz
pelo fato de nenhum contratempo ter sido
atribuído à sua expedição.
Os romanos estavam bem cientes de que
aquele ano era crucial. A República
319
Romana fortaleceu-se e, sem dúvida,
revestiu-se de tão nobre disposição que,
mesmo
após
gerações,
isso
foi
rememorado como inspiração. Embora a
notícia de que Asdrúbal estava em marcha
tenha produzido cenas em Roma
remanescentes do pânico inspirado por
Aníbal nos primeiros estágios da guerra, o
Senado nunca hesitou em tomar medidas
sábias e sensíveis para defender o Estado.
Os homens já estavam então acostumados
com a guerra, enrijecidos e treinados a
ponto de enfrentarem todas as vicissitudes.
Em alguns aspectos, também poderiam
confortar-se com a situação geral: Cipião
Africano, indubitavelmente, obtivera a
vantagem na Espanha; não havia ameaça
na Sardenha, e a guerra na Sicília havia
finalizado satisfatoriamente. O aliado
inativo de Aníbal, Filipe V da Macedônia,
permanecia na defensiva na Grécia e
preparava-se para negociar a paz; por
todo o mar Mediterrâneo, a marinha
romana navegava triunfante. Os aliados
romanos farejaram a mudança dos ventos,
e aqueles que antes haviam se mostrado
covardes ou traiçoeiros agora tinham
aprendido a lição. Logo, era com alguma
confiança que, a despeito da dupla ameaça
320
de Aníbal e Asdrúbal, os romanos
encaravam aquele ano. Prova disso, e de
seu poderio humano disponível, é dada
pelo fato de que não menos de vinte e três
legiões tinham sido recrutadas. Dessas,
somente oito foram requisitadas para
serviço fora do país: duas na Sicília, duas
na Sardenha e quatro na Hispânia. As
quinze restantes ficaram todas na Itália,
representando setenta e cinco mil cidadãos
romanos aos quais se somava uma igual
quantidade de aliados. Não é surpresa,
contudo, Lívio observar que o número de
jovens aptos para o serviço estivesse
começando a decair.[37]
Mais difícil do que reunir tropas era
encontrar homens para comandá-las.
Quinto Fábio Máximo estava agora muito
velho e Marcelo, a "Espada de Roma",
morto. As perdas sofridas através dos
anos, e particularmente em Canas, eram
por demais perceptíveis nas fileiras dos
líderes de Roma. Após muito debate,
Cláudio Nero e Marco Lívio foram
finalmente eleitos cônsules, o primeiro
assumindo o comando do exército do sul
frente a Aníbal em Venúsia, e o outro o
comando do exército do norte em Sena
321
Gálica, na costa adriática. Fúlvio Flaco,
vitorioso em Cápua, apoiou Nero com um
exército no Brútio, e um outro exército
estava em Tarento. No norte, Lúcio Pórcio
Licino comandava um exército na Gália
Cisalpina, enquanto Caio Terêncio Varrão
(ainda popular junto ao povo, apesar de
tudo) detinha a instável região da Etrúria.
No começo daquela primavera, Asdrúbal
rumou para o sul, quase certamente antes
do esperado. Se o exército que ele trouxe
consigo da Hispânia não estava exausto
como o de Aníbal, nem necessitando do
mesmo tempo para descanso, também não
era da mesma qualidade nem tão forte
naquela arma que havia causado tanto
estrago aos romanos, a soberba cavalaria
da África do Norte. Mesmo assim,
reforçado por vários milhares de lígures
que haviam se juntado a ele, e agitando
uma vez mais o espírito rebelde dos
gauleses cisalpinos, Asdrúbal movia-se
como uma tenebrosa nuvem de tempestade
pela terra da Itália. Cruzando o rio Pó e
transpondo o desfiladeiro de Estradela, ele
marchou contra Placência. Ali hesitou e
perdeu tempo, demorando para sitiar a
colónia fiel aos romanos que fechara os
portões diante dele, tendo notado que,
322
como
Aníbal,
ele
não
possuía
equipamentos para executar um sítio.
Asdrúbal tem sido criticado, por alguns
historiadores, por se demorar em
Placência, ao invés de contorná-la e
marchar adiante para se encontrar com
seu irmão antes que os romanos pudessem
concentrar todas as suas forças. Contudo,
ele estava diante do fato de que Placência
parecia ser uma guarnição forte demais
para deixar em sua retaguarda e de que —
talvez ainda mais importante — as tribos
gaulesas locais demoraram para vir em
seu favor. Ele precisava esperar até que
número suficiente de lígures tivesse se
juntado a ele e tantos gauleses quantos
possíveis tivessem sido recrutados.
Finalmente, desviando de Placência, ele
marchou pelo caminho de Arímino rumo à
costa oriental. Pórcio, que não tinha
tropas suficientes para resistir a ele,
retirou-se. Tais foram os lances iniciais
daquela primavera no norte.
Aníbal, que tinha passado o inverno na
Apúlia como de costume, foi primeiro para
a Lucânia levantar mais tropas e então
voltou para a sua fortificação no Brútio,
sem dúvida para obter a maior quantidade
323
possível de reservas dessa região há tanto
tempo fiel à sua causa. De acordo com
Lívio, as tropas romanas de Tarento
caíram sobre as suas levas enquanto eles
estavam em marcha, e no combate que se
seguiu ele perdeu cerca de quatro mil
homens,
com
os
sobrecarregados
cartagineses
sendo
mortos
pelos
legionários livres de carga.[37] Enquanto
isso, o cônsul Cláudio Nero, com um
exército de quarenta e dois mil e
quinhentos homens, deslocava-se de
Venúsia para barrar a marcha de Aníbal
do Brútio para a Lucânia. "Aníbal
esperava", diz Lívio, "recuperar as
cidades que haviam sucumbido pelo medo
aos romanos",[37] mas também tinha que
marchar para o norte de modo a
encontrar-se com o irmão. A confusão dos
movimentos cartagineses se devia às
comunicações primitivas da época: Aníbal
nada mais sabia além de que Asdrúbal
deveria, naquela altura, ter cruzado os
Alpes, e Asdrúbal, que já se encontrava na
Itália, não sabia nada além de que Aníbal
estava em algum lugar ao sul. Os
romanos, por outro lado, trabalhando com
suas linhas interiores de comunicações e
sistemas de suprimentos, achavam-se
324
numa posição admirável para manter os
dois inimigos separados e atacá-los um
por vez com suas forças superiores.
Em Grumento, na Lucânia, os exércitos de
Nero e Aníbal se enfrentaram pela
primeira vez, algo notável pelo fato de que
o cônsul romano, "imitando as
artimanhas de seu inimigo", escondeu
parte de suas tropas atrás de uma colina
de modo a cair sobre a retaguarda
cartaginesa no momento adequado do
confronto. Era nessas horas que Aníbal
sentia a necessidade de suas treinadas
tropas púnicas e iberas e cavaleiros
númidas, que nunca chegaram a ele de
Cartago. Seu agrupamento, forças
semitreinadas
—
superadas
numericamente pelos romanos — não
foram páreo para as disciplinadas legiões
de Nero. Ainda mais, foi a utilização pelo
cônsul do estilo tático próprio de Aníbal,
embora desdenhado como "não romano"
por Lívio,[37] que lhe assegurou a vitória.
Aníbal perdeu, como nos é dito, nove mil
homens, nove estandartes e seis elefantes.
Ainda assim, não parece ter sido um
combate decisivo, pois, ao invés de
retroceder, Aníbal continuou sua marcha
325
para o norte em direção a Canúsio, na
Apúlia, e é significativo que Nero,
enquanto o perseguia, era incapaz de
impedir que ele se movimentasse quando e
como lhe conviesse.
Batalha de Metauro
A Batalha do Metauro, travada em 207
a.C., próximo ao rio Metauro, na região
italiana das Marcas, foi uma batalha da
Segunda Guerra Púnica, na qual o
comandante cartaginês Asdrúbal, irmão
de Aníbal, foi derrotado e morto pelos
exércitos romanos combinados dos
cônsules Marco Lívio Salinator (que
posteriormente receberia o cognome de
Salinator, e Caio Cláudio Nero.
Após Metauro
Com a morte de seu irmão, Aníbal perdera
a última esperança de derrotar Roma. A
cabeça decepada significava o fim do
bravo empenho para colocar o maior
poderio militar do Mediterrâneo de joelhos
por meio de um ataque ao coração da
terra romana. Pela primeira vez em doze
anos, Aníbal tinha perdido a iniciativa na
guerra. Retrocedeu para o Brútio (atual
Calábria), região selvagem e montanhosa
326
da qual havia retirado a maioria de seus
recrutas nos últimos anos e onde ainda
detinha os dois pequenos portos de
Crotona e Lócris Epicefíria. A tentação de
retornar a Cartago deve ter sido quase
irresistível, pois Aníbal podia ver que a
perda de Asdrúbal e seu exército
significava que a guerra na Itália estava
chegando ao fim. Sabia, também, que a
península Ibérica provavelmente sairia do
controle cartaginês, e que o golpe seguinte
dos romanos após aquele seria a invasão
da terra natal cartaginesa. Ao mesmo
tempo, evidentemente concluiu que a sua
presença
na
Itália,
mesmo
que
enfraquecido e com seu exército
praticamente ineficaz, restringiria muitas
legiões e evitaria que os romanos concen-'
trassem seu poder e sua frota em um
ataque à própria Cartago. Deveria
permanecer onde estava, representando
uma permanente ameaça a Roma. A
notícia da batalha do rio Metauro foi
recebida com uma alegria que a cidade
não havia conhecido em todos aqueles
longos anos. Era, como observa o poeta
Horácio, o primeiro dia, desde que Aníbal
irrompera dos Alpes, em que a vitória
sorria para o povo romano. Ambos os
327
cônsules foram recebidos em triunfo, com
maior aclamação merecidamente dada a
Cláudio Nero do que a seu companheiro,
pois estava claro que sua iniciativa e
brilhante decisão — em desobediência a
todas as regras e regulamentos — havia
lhes proporcionado uma vitória de
imensas consequências. A ameaça a Roma
estava eliminada e já se tinha evidenciado
que Aníbal, por si só, embora general
inigualável, não possuía homens ou
equipamento para colocar a cidade em
perigo.
Quatro
legiões
foram
desmobilizadas e nenhuma outra ação
realizada naquele ano, a não ser manter
vigilância e guarda sobre o cartaginês em
sua toca na Calábria. Filipe V da
Macedônia, sentindo que a cortina descia
sobre o grande empreendimento anibálico,
acertou a paz com os etolianos,
encerrando, assim, sua curta e trabalhosa
aliança com o cartaginês.
O ano de 206 a.C. não viu maiores
operações na Itália, e os dois cônsules,
Quinto Metelo e Lúcio Filo, contentaramse em manter Aníbal encurralado na
Calábria. O centro principal da guerra
encontrava-se agora na Hispânia, onde
328
Cipião Africano continuava a demonstrar
seu costumeiro brilhantismo, derrotando
decisivamente o irmão mais novo de
Aníbal, Magão, e Asdrúbal Gisgão em
Bécula. Na guerra anterior, outros
exércitos sob o comando de Hanão e
Magão haviam sido vencidos e estava
claro que a Hispânia inteira, todo aquele
império cartaginês fundado por Amílcar,
fugia do seu domínio. Isso ficou bastante
evidente para os próprios iberos e
celtiberos, que rapidamente se aliaram
quase todos à causa romana. Para os que
resistiram, assim como o poderoso chefe
tribal Indíbilis, a reação romana foi rápida
e sangrenta. Cidades fortificadas, como
Áspata e Ilirúrgia, foram destruídas, tribos
que haviam conspirado contra o pai e o tio
de Cipião foram dizimadas, e Cástulo, a
fortaleza onde se diz que Aníbal, muitos
anos antes, encontrara uma esposa,
rendeu-se às máquinas de sítio e espadas
romanas.
As ações de Cipião Africano na Hispânia
anteciparam a posterior história do
Império Romano (que ele tanto ajudou a
fundar) como "sendo misericordioso para
com os derrotados, porém massacrando os
329
revoltosos". Sua disciplina não foi
aplicada somente às tribos selvagens da
Hispânia, pois quando irrompeu um
motim em uma de suas legiões, este foi
esmagado com igual rigor, e seus líderes
prontamente aniquilados. Em breve ficaria
claro que, com a partida de Asdrúbal para
a Itália a fim de se juntar ao seu irmão, a
mão unificadora cartaginesa na Hispânia
havia sido retirada. A perda do controle
cartaginês sobre o país aconteceu ainda
mais rapidamente do que sua imposição.
Somente Gades (atual Cádis) permanecia
como um último posto avançado do poder
cartaginês e, antes do fim de 206 a.C.,
mesmo esse antigo posto de trocas dos
povos púnicos preparava-se para dar as
boas-vindas aos romanos. Embora isso
tenha ocorrido muitos anos antes que
todas as tribos da selvagem e montanhosa
península Ibérica fossem pacificadas (um
eufemismo para a espada), toda a
Hispânia, com efeito, estava em mãos
romanas. Após cerca de trinta anos, o
domínio estabelecido pela família Barca
chegara ao fim.
Ainda que Aníbal permanecesse na Itália
por mais três anos e nunca fosse derrotado
330
em solo italiano, agora se encontrava
privado da base de onde havia partido
para sua longa marcha. Além disso ele e
seu país perderam a prata e a riqueza
mineral da península Ibérica, e mesmo o
material humano que abastecera sua
gigantesca aventura. Descobriria que a
estratégia usada contra os romanos
quando ele havia decidido invadir o país
seria voltada contra os cartagineses. Todo
o tempo Cipião Africano percebera que
privar o inimigo de sua fonte de poder era
a melhor maneira de derrotá-lo, e tinha
atingido seu primeiro objetivo com o
sucesso na Hispânia. Ele agora se
preparava para seu segundo objetivo — a
África.
Lívio escreve que Cipião Africano
"considerou a conquista da Hispânia algo
insignificante comparado com tudo o que
imaginava
em
suas
magnânimas
esperanças. Seus olhos já estavam sobre a
África e a grande Cartago, e para a glória
de tamanha guerra (…)". 37 Sua política
não ficou sem oposição no Senado e está
claro que havia dois partidos principais no
debate: um pressionando pela paz
primeiro na Itália e pela remoção de
331
Aníbal; e o outro para que se levasse a
guerra mar afora. Os fabianos, liderados
pelo filho do velho ditador, eram a favor
de uma política italiana — colocando sua
própria casa em ordem antes de estender a
guerra — enquanto Cipião Africano era
pela expansão. Seu pai e seu tio haviam
morrido na Espanha, e ele finalmente
conseguira conquistá-la, mas olhando
mais adiante considerava a conquista da
África mediterrânea. A maioria do Senado
foi contra ele. Naquele décimo terceiro
ano da guerra, o país inteiro achava-se
exausto, suas terras devastadas, seu
poderio humano definhando, e cada
cidadão e aliado cambaleava sob uma
intolerável carga de impostos. A razão pela
qual Cipião Africano conseguiu êxito em
seu ambicioso plano foi que seu triunfante
retorno a Roma, precedido por centenas de
libras de prata e muitos nobres cativos
como evidência de seu sucesso,
obscureceu os argumentos de seus
oponentes. Numa onda de entusiasmo
popular ele foi eleito para um mandato
consular para o ano de 205 a.C.. Em todo
caso, ele já havia começado a fazer
sondagens na África, antecipando, assim,
a reação dos oponentes.
332
Cipião propõe invadir a África
Alguns meses antes de seu retorno a
Roma, confiante de que tudo estava
terminado na Hispânia, Cipião Africano
cruzara rumo à África para encontrar
Sífax, o rei númida, com a intenção de
trazê-lo a uma aliança com Roma contra
Cartago. No porto de Cirta (Constantina),
vizinho ao território cartaginês, Cipião
Africano encontrou navios de guerra
inimigos e ninguém menos que Asdrúbal
Gisgão, o qual, junto com filho de
Amílcar, Magão, havia recentemente
travado combate com ele. Foi um estranho
encontro (possivelmente engendrado pelo
ardiloso rei númida), mas, uma vez que
aconteceu em território neutro, não havia
a possibilidade de qualquer demonstração
de hostilidade entre os visitantes romanos
e cartagineses.
Lívio escreve[37] que "para Sífax pareceu
esplêndido — como certamente o era —
que os generais dos dois povos mais ricos
daquela época tivessem vindo no mesmo
dia para pedirem sua paz e amizade". Ele
convidou a ambos para jantar com ele, e
"(…) na mesmíssima poltrona, assim
333
disposto pelo rei, Cipião Africano e
Asdrúbal se sentaram. Além disso, tais
eram as galantes maneiras de Cipião
Africano, sua esperteza inata em enfrentar
cada situação, que com seu modo
eloquente de se portar conquistou não
apenas a Sífax, o bárbaro ignorante das
maneiras romanas, mas também o seu
mais amargo inimigo. Asdrúbal mostrou
claramente que, ao encontrá-lo face a
face, Cipião Africano] pareceu-lhe ainda
mais admirável do que em suas atividades
na guerra, e que ele não duvidava de que
Sífax e seu reino deveriam em breve estar
em poder dos romanos; tal era a
habilidade daquele homem em converter
indivíduos à sua causa". Logicamente, o
fato é que o inteligente númida perceberia
a direção em que o vento soprava no
Mediterrâneo. "Então, Cipião Africano,
após fazer um tratado com Sífax, navegou
para fora da África (…)"
Durante aquele inverno, enquanto Cipião
Africano era aclamado em Roma, o irmão
de Aníbal, Magão, encontrava-se nas ilhas
Baleares. Após realizar uma ousada,
porém ineficaz, tentativa de capturar Nova
Cartago, ele se desesperara com a situação
334
na Hispânia. Deixara Gades e levara a
frota cartaginesa, antes de mais nada,
para Pitiússa (Ibiza), uma velha colónia
cartaginesa,
pretendendo
recrutar
soldados de infantaria e os famosos
fundibulários baleárides entre os ilhéus.
Mesmo nessa tardia etapa da guerra, fica
claro que Cartago não havia perdido a
esperança de vencê-la na Itália. Magão
havia recebido ordens de "contratar o
maior número possível de jovens gauleses
e lígures para se juntarem a Aníbal e não
permitir que uma guerra, que havia
começado com o maior vigor e ainda
maior boa sorte, declinasse agora". O
Senado em Cartago havia lhe enviado
uma grande soma de dinheiro para esse
propósito. A frota de Magão também foi
abastecida com ouro e prata de Gades,
onde saqueara os templos e o tesouro
antes de partir. Havia pilhado até mesmo o
famoso e imensamente rico templo de
Melcarte, durante séculos, o último onde
os marinheiros fenícios faziam as suas
oferendas antes de suas jornadas pelo
grande
oceano.
Um
cartaginês,
descendente dos fenícios fundadores
daquele relicário sagrado há cerca de
novecentos anos, profanando-o agora,
335
evidenciava o desespero que Magão e seus
homens devem ter sentido com a perda da
Espanha. Durante aquele inverno, embora
repelido em Mallorca, Magão conseguiu
recrutar cerca de doze mil soldados e dois
mil cavaleiros em Minorca. Com essas
tropas faria um ataque na costa lígure na
primavera de 205 a.C., no decorrer do
qual capturou as importantes cidades de
Savo (Savona) e Genoa (Génova).
Naquele estágio de complexidade da
guerra anibálica, que envolvia todo o
Mediterrâneo central e ocidental e todas
as terras adjacentes, é relativamente fácil
ver o objetivo de Cipião Africano|Cipião.
Seu colega para o ano era Públio Lícino
Crasso, a quem foi confiada a guarda
sobre o Brútio e Aníbal, enquanto Cipião
Africano ficou na província da Sicília com
a previsão de que dali poderia cruzar para
a África "se ele julgasse vantajoso para o
Estado". Este, a despeito da objeção do
partido fabiano a mais envolvimentos
além-mar, era um claro convite para que
levasse a guerra até as portas de Cartago,
pois toda a Sicília estava agora tranquila e
subserviente a Roma. Ao mesmo tempo,
seus oponentes no Senado fizeram tudo o
336
que podiam para evitar que ele agisse —
negando-lhe o direito de levar para alémmar quaisquer legiões da própria Itália
por causa da ameaça do Brútio ("Onde
está Aníbal, ali está o centro da guerra").
Foi deixado para o próprio arbítrio de
Cipião Africano se ele levaria a guerra à
África do Norte. Se fracassasse, seria
considerado culpado de exceder-se em
suas instruções.
Enquanto é possível discenir os objetivos
romanos naquela altura do longo conflito,
é extremamente difícil entender os dos
cartagineses. Não existem registros, e
Lívio não poderia conhecê-los; Políbio —
que bem pode tê-lo feito e é mais confiável
como historiador — não pode ajudar, pois
essa seção de sua história está perdida. As
instruções para Magão avançar até a costa
lígure após alistar um pequeno núcleo de
um exército nas ilhas Baleares, e então
seguir até a Gália Cisalpina alistando
mais gauleses, como o fizera Asdrúbal,
sugerem que algum tipo de operação
duplicada estaria planejada — um voo do
norte para juntar-se a Aníbal surgindo do
sul. Por outro lado, embora pobres como
eram as comunicações naqueles dias, seria
337
surpreendente se o Senado cartaginês não
tivesse evidências suficientes de como essa
estratégia havia fracassado com Asdrúbal.
Eles certamente também devem ter sabido
(já que havia espiões cartagineses em toda
parte) que a Etrúria estava descontente e
potencialmente pronta para uma rebelião
contra seus antigos inimigos, os romanos.
Se o irmão de Aníbal, Magão, pudesse
levantar tropas suficientes entre os lígures
e os gauleses cisalpinos para aumentar
essa revolta etrusca — e então consolidála reunindo-se com os etruscos — Roma,
com certeza, estaria ameaçada como
nunca desde que Aníbal havia cruzado os
Alpes. Em tal momento, Aníbal,
deslocando-se do Brútio, revelaria o poder
de sua estratégia contra os exércitos que o
vigiavam no sul.
Cartago e seus governantes (e eles, como
Roma, sempre possuíam dois partidos
conflitantes, um demandando a paz
negociada e o outro a guerra) não
falharam a Aníbal ou a Magão mesmo
nessa hora tardia. No decorrer daquele
ano de 205 a.C., dois grandes comboios
foram despachados da África do Norte
para a Itália, um destinado a Magão e
338
outro a Aníbal. Era uma evidência da
capacidade de construção naval de
Cartago que, mesmo depois da sua
humilhação desde a Primeira Guerra
Púnica, ainda podia enviar frotas para os
mares. O comboio designado para reforçar
Aníbal no sul jamais chegaria até ele:
oitenta
navios
cartagineses
foram
capturados naquele
verão
quando
navegavam através dos tranquilos mares
da Sardenha. Uma vez mais os romanos
mostravam sua superioridade naval e
demonstravam
o
quanto
eles
compreendiam bem a importância do
poderio naval. O comboio para Magão,
contudo, alcançou-o e trouxe o reforço de
vinte e cinco navios de guerra, seis mil
homens de infantaria, oitocentos de
cavalaria e sete elefantes. Ele também
recebeu uma soma adicional de dinheiro
para comprar os serviços de tropas
mercenárias.
Enquanto seu irmão reunia tropas no
norte, Aníbal continuava retido e inativo
no Brútio e pouco tomou parte nessa
frente, exceto por esparsas pilhagens em
território romano. A qualidade dos
homens de Aníbal agora era tal que é
339
duvidoso que pudesse ter apresentado um
exército capaz de um combate maior.
Prova disso pode ser vista nas
circunstâncias sob as quais ele perdera
Lócris Epicefíria, um de seus dois únicos
portos (e de longe o melhor), para um
ataque marítimo lançado por Cipião
Africano de sua base na Sicília. Embora
Lócris estivesse tecnicamente fora de sua
esfera de comando, Cipião Africano
percebeu que seu companheiro cônsul ao
norte não poderia nunca abrir caminho
através do Brútio para capturar a cidade, e
então sabiamente agiu por seu próprio
julgamento. Três mil homens foram
despachados do Régio sob o comando de
um dos oficiais de Cipião Africano, Quinto
Plemínio, para atacarem Lócris por terra,
ao mesmo tempo que — da maneira usual
— um grupo de dissidentes dentro da
cidade se preparava para traí-la. O
pequeno porto de Lócris ficava protegido
entre duas elevações, ambas defendidas
por cidadelas. Os romanos conseguiram
tomar
uma
delas,
enquanto
os
cartagineses recuavam para dentro da
outra. Ao ouvir as notícias, Aníbal
imediatamente
marchou
do
norte,
mandando antes dizer aos cartagineses
340
que saíssem com ferocidade assim que
vissem seu exército se aproximando.
Cipião Africano, prevendo que Aníbal se
deslocaria para o resgate da cidade, veio
por mar de Messina na Sicília e
desembarcou tropas, que esperaram na
cidade até que o exército cartaginês fosse
avistado. Ao invés de ser recebido pela
guarnição cartaginesa, Aníbal encontrou
uma frota romana no porto, tropas
revigoradas e prontas para a batalha. Sua
confiança em Lócris foi frustrada, e suas
tropas inexperientes foram batidas em um
primeiro confronto. Nada mais lhe restava
a não ser retroceder.
Havia perdido Lócris Epicefíria, e agora o
único porto que lhe restava era Crotona.
Nos dois anos restantes de Aníbal na
Itália, essa antiga cidade grega tornou-se
sua principal base. Outrora lar do filósofo
Pitágoras e do famoso atleta Milo (seis
vezes vencedor da luta romana nos jogos
olímpicos), Crotona era agora pouco mais
do que uma cidade provincial sem
importância,
com
uma
pequeno
ancoradouro. Sua mais famosa atração
era o grande templo da deusa Hera,
conhecido como Hera Lacínia por causa
341
do promontório onde se localizava. Por
séculos aquele havia sido um dos
principais pontos de referência para
marinheiros quando se aproximavam da
Itália vindos da Grécia, ou quando
partiam do sul do golfo de Taranto rumo
às ilhas Jónicas. Ali, no meio dos ex-votos
de marinheiros, Aníbal mais tarde erigiria
a grande placa de bronze (mencionada por
Políbio) na qual deixara gravado, em
púnico e em grego, a força de seu exército
ao cruzar os Alpes e suas ações durante os
quinze anos que passou na Itália.
Foi em Lócris que Aníbal e Cipião
Africano encontraram-se pela primeira
vez
como
comandantes.
Muitos
curiosamente, era com os contingentes de
sobreviventes ao desastre romano em
Canas (Cipião era um deles) que Cipião
Africano agora começava a preparar seu
ataque à África. Na Sicília, que ele
pretendia utilizar como sua base de
invasão, o excelente porto de Lilibeu
(Marsala) no oeste era o mais próximo
ponto de partida para a região de Cartago.
As duas legiões na província tinham sido
formadas a partir daqueles desacreditados
soldados de Canas, mandados para ali em
342
desgraça após sua derrota, e como a
facção anti-Cipião do Senado que se
opunha a Cipião Africano sem dúvida
pensou, iriam mostrar-se inadequados
para qualquer projeto ambicioso que
Cipião Africano arquitetasse. Contudo,
aqueles legionários, reforçados pelos
veteranos de Marcelo vitoriosos em
Siracusa, ainda se condoíam por sua
humilhação e não queriam outra coisa
senão esquecer o passado e levar a guerra
ao campo inimigo. Cipião Africano, que
sofrera com eles, compreendia seus
sentimentos e era o homem certo para
liderá-los. Mais do que isso, apelando ao
desejo de vingança de seus antigos
inimigos, Cipião Africano excitou a ajuda
voluntária de várias comunidades da
Itália, muitas das quais, tais como os
etruscos, sem dúvida ávidas para
provarem a Roma sua lealdade, agora que
parecia claro que a causa cartaginesa
estava arruinada.
Lívio relaciona os lugares e detalhes onde
o auxílio espontâneo foi prestado ao jovem
e ambicioso cônsul quando se preparava
para levar a guerra ao território inimigo:
"Primeiro, as comunidades etruscas
343
disseram que ajudariam o cônsul, cada
qual segundo os seus recursos. Os homens
de Cere prometeram alimento para as
tropas e suprimentos de todo tipo; os
homens de Populônia, ferro; os
Tarquínios, linho para as velas;
Volaterras, o equipamento do interior dos
navios e também grãos (…)". 37 Arécio
forneceu três mil escudos e um igual
número de elmos; cinquenta mil azagaias,
arpões curtos e lanças; também machados,
pás, foices, cestos e moinhos manuais
suficientes para equipar quarenta navios
de guerra; cento e vinte mil sacas de trigo,
e pagamento suplementar para suboficiais
e remadores. Uma grande quantidade de
grãos veio de Perúgia, Clúsio e Ruselas,
assim como madeira de pinho para a
construção naval. A Úmbria e o distrito
Sabino forneceram soldados, enquanto os
marsos,
pelígnos
e
marrucinos
ofereceram-se voluntariamente em grande
número para a frota. A cidade de Caméria
enviou uma coorte de seiscentos homens
totalmente armados. Vinte quinquerremes
e dez quadrirremes, prontos e equipados,
foram lançados ao mar "no quadragésimo
quinto dia após a madeira ter sido trazida
das florestas".
344
Na primavera de 204 a.C., Cipião Africano
embarcou em Lilibeu com trinta mil
homens em quatrocentos transportes
escoltados por quarenta navios de guerra.
Não mais cônsul, mas procônsul com
comando sobre a Sicília, Cipião Africano
levava a vingança da República Romana
para dentro da África.
A invasão de Cipião e a estadia de Aníbal
na Itália
Durante seu último ano no continente
europeu, Aníbal fora capaz de fazer pouco
mais do que assegurar que as legiões
romanas permanecessem na Itália. Nada
além do medo ao próprio Aníbal retinha
tantos milhares de homens, pois seu
exército, naquele momento, era tão
paliativo que, em quaisquer outras mãos,
não representaria qualquer ameaça a
Roma. O foco de interesse da guerra fora
dirigido, primeiramente, para a Espanha
e, então, depois que a brilhante estratégia
de Cipião Africano desbaratou os
cartagineses, voltara-se para a África.
Quando se tornou patente que a própria
Cartago em breve seria objeüvo de ataques
e que o poder cartaginês enfraquecia por
345
toda parte, as várias tribos habitantes da
linha costeira do Mediterrâneo no
continente africano começaram a se
preparar para romper com sua fidelidade
aos seus antigos senhores.
Quando Cipião Africano deixou a África,
após seu encontro com o rei númida Sífax,
pôde ter o gosto de saber que atingira o
seu objetivo e que Sífax era agora um
aliado de Roma. Cipião Africano sabia,
através da guerra na Hispânia e Itália,
que uma temível e eficiente parte dos
exércitos cartagineses era representada
pelos cavaleiros númidas. Esperava poder
contar com essa aliança para dar ao seu
próprio exército invasor a cavalaria na
qual os romanos eram sempre deficientes.
Mesmo antes de deixar a Sicília,
entretanto, ouviu de Sífax que não poderia
contar com qualquer apoio dele e, com
certeza, Sífax cautelosamente o advertiu
para que não invadisse ou ele encontraria
o desastre. O que aconteceu foi que,
durante a ausência de Cipião Africano em
Roma e na Sicília, Asdrúbal Gisgão havia
reconquistado a fidelidade de Sífax a
Cartago, oferecendo-lhe em casamento
sua bela filha Sofonisba. O rei númida,
346
"enquanto sob a influência do primeiro
êxtase do amor", abandonou sua aliança
romana e tornou-se um fiel servo de
Cartago. Masinissa, outro poderoso rei
númida e inimigo mortal de Sífax, após
longa luta pelo trono do reino númida, foi
derrotado por Sífax e forçado a fugir.
Somente uma coisa era certa quando
Cipião Africano partiu com sua força de
invasão para o norte da África: havia
perdido o apoio de Sífax, com o qual
contava, mas tão grande era o ódio entre o
rei e Masinissa, que este último bem
poderia vir a ajudar os romanos, se isso
significasse vingança sobre o homem que
o havia humilhado.
Na primavera de 204 a.C., as tropas de
Cipião Africano desembarcaram no cabo
Farina (o promontório de Apoio), cabo
que formava o braço ocidental da grande
baía na qual se situava Cartago. Bem
perto, ficava a cidade de Útica, que Cipião
Africano esperava utilizar como sua
principal base e porto para a campanha
africana. A chegada da frota e do exécito
romano tão perto de sua cidade causou tal
pânico entre os cartagineses que pode ter
excedido até mesmo o estado ao qual
347
Roma foi lançada pelas primeiras
façanhas de Aníbal. Ao contrário dos
romanos, eles não tinham um grande
exército
fixo,
sempre
dependendo
demasiadamente de mercenários; não
possuíam aliados confiáveis, e nenhum
grande general para conduzi-los, com
Aníbal tão longe, do outro lado do mar, no
Brútio. Suspeita-se que mesmo neste início
da guerra africana devem ter havido vozes
pedindo para chamar de voltar o filho de
Amílcar. Os cartagineses só conheciam a
reputação dos feitos de Aníbal na Europa,
mas devem ter se lembrado de como seu
pai os havia salvo antes. Nesse meio
tempo, Asdrúbal Gisgão começou a
levantar um exército (de qualidade
medíocre),
enquanto
Sífax,
ainda
enamorado
de
sua
noiva
e
consequentemente de Cartago, preparavase para auxiliar com sua cavalaria. Como
era de se esperar, seu arquiinimigo,
Masinissa, surgiu no acampamento de
Cipião Africano, prometendo a ajuda de
seus próprios cavaleiros númidas. Diz-se
que o ódio entre os dois reis norteafricanos havia aumentado ainda mais
porque Masinissa também tinha sido
pretendente da filha de Asdrúbal Gisgão,
348
Sofonisba, e, citando Lívio, "os númidas
ultrapassam todos os outros povos
bárbaros na violência de seu apetite".[37]
Parece que o sexo, assim como o política,
desempenhou seu papel na guerra.
Tendo atingido seu objetivo, a invasão do
território cartaginês com exército e frota
adequados, era de se esperar que Cipião
Africano agisse com o mesmo ímpeto e
determinação que lhe havia rendido Nova
Cartago e depois toda a península Ibérica.
Em vez disso, parece ter hesitado, quase
como se tivesse sido intimidado pela terra
estranha e pela vastidão da África do
Norte. Ao contrário de Aníbal em sua
travessia dos Alpes, Cipião Africano
conseguira transportar equipamentos de
sítio em seus navios desde a Sicília, e tinha
muitos engenheiros treinados para sitiar
entre os homens que auxiliaram na
captura de Siracusa. Mas Cartago, em sua
cintilante baía, era indubitavelmente
muito mais assombrosa, e talvez ele não
soubesse do miserável estado moral no
interior da cidade e desconhecesse suas
inadequadas forças. Parece nunca ter
considerado a hipótese de atacá-la, mas,
em lugar disso, iniciou o sítio a Útica.
349
Também é possível que Cipião Africano
estivesse tomado pela lembrança do
famoso Régulo que, após um sucesso
inicial na mesma região durante a
Primeira Guerra Púnica, tinha sido
decisivamente derrotado e morrido sob
tortura nas mãos dos cartagineses. Fora
advertido sobre o destino de Régulo pelos
fabianos no Senado e ele sabia quantos
dos seus inimigos em Roma ficariam
felizes em ver os seus planos
desmoronarem.
De qualquer modo, Cipião Africano
decidiu assegurar sua base em Útica antes
de considerar um ataque à capital. Mesmo
nesse objetivo, entretanto, não foi bemsucedido: por aproximadamente quarenta
dias, as torres e muralhas de Útica foram
atacadas por terra e mar, e ainda assim os
defensores resistiram. Então, as forças de
resgate, comandadas por Asdrúbal Gisgão
e Sífax, chegaram — um exército maior
do que o de Cipião Africano e com uma
formidável quantia de cavaleiros.[19]
Obrigado a levantar o sítio, Cipião
Africano retrocedeu suas forças para um
acampamento no cabo, onde montou seu
quartel-general de inverno. A campanha
350
do primeiro ano em terra inimiga não fora
um sucesso e ele ainda estava retido na
cabeça-de-praia onde desembarcara tão
confiante naquele ano.
Enquanto Cipião Africano continuava
engajado na África, os dois cônsules para
o ano estavam na Itália; um, Cornélio
Cetego, vigiando a Etrúria e o norte, no
caso de Magão fazer algum movimento, e
o outro, Semprônio Tuditamo, guardando
o Brútio e Aníbal. Semprônio, ambicioso e
ávido para tentar uma definição com o
cartaginês, marchou para ameaçar a
última fortificação de Aníbal, a cidade de
Crotona. No primeiro e confuso embate,
enquanto ambos os exércitos pareciam
estar em marcha, os romanos foram
surrados, perdendo cerca de mil e
duzentos homens. Não desejando correr
mais nenhum risco, Semprônio convocou
o procônsul Públio Lícino com suas duas
legiões. Havia, então, quatro legiões
romanas e quatro aliadas movendo-se
sobre Crotona, e Aníbal, cujas forças
naquele momento deveriam consistir em
apenas metade dessa quantia, preparou-se
para responder à batalha, pela simples
razão de que não poderia, naquela altura,
351
abandonar a cidade e o porto. Com uma
cavalaria
númida
insuficiente
e
praticamente
nenhum
soldado
de
infantaria treinado da Hispânia ou de
Cartago, seu inábil exército foi forçado a
retroceder para dentro dos muros da
cidade, perdendo cerca de quatro mil
homens.[37] Talvez o cônsul pudesse
alegar que fora ele o primeiro a ter
expulsado Aníbal do campo de batalha
durante todos os seus anos na Itália, mas
seu objetivo, Crotona, permanecia nas
mãos de Aníbal, que continuava atrás dos
portões fechados. Ele só poderia esperar.
Tivesse Aníbal sido capaz de se retirar
naquele ano com quaisquer exércitos e
navios que pudesse angariar e sua
aparição na costa da África teria mudado
o curso da guerra. O Senado e o povo de
Cartago teriam seu ânimo revigorado;
apenas seu nome teria reanimado os
homens das tribos e cavaleiros em seus
milhares; o moral romano teria
desmoronado. Cipião Africano havia sido
malsucedido em Útica e feito pouco mais
do que assolar o campo ao redor; a
chegada de Aníbal pelo mar por detrás
dele teria colocado os romanos em tal
352
desvantagem que eles poderiam ter sido
forçados a se evadir. Porém, nenhuma
palavra chegou convocando Aníbal de
volta à cidade.
O papel de Magão, naquela fase da
guerra, não está bem documentado, mas,
nas informações disponíveis, consta que
Magão não pretendia fazer uma
conjunção com Aníbal, e, sim, desviar a
atenção romana para o norte, evitando o
deslocamento de uma força de invasão
romana para a África do Norte. Foi bemsucedido no recrutamento de líderes para
a sua causa, principalmente depois de
mostrar como poderia dominar todo o
golfo de Génova pela ocupação dos dois
maiores portos e como estava a atividade
de sua frota naquela região. Os gauleses
cisalpinos, contudo, um tanto relutantes
em se unirem a Asdrúbal quando ele
descera pelos Alpes, estavam ainda menos
desejosos de se juntar a uma causa que já
viam como em declínio. Seus pais haviam
brandido armas após Aníbal, esperando
ver Roma destruída, mas apesar dos
sucessos de Aníbal, haviam tombado por
toda a Itália, e os poucos que
permaneceram com ele continuavam
353
encurralados, centenas de milhas distante,
no selvagem Brútio. Os gauleses
testemunharam o fracasso de Asdrúbal no
rio Metauro, e aquele irmão caçula da
família, Magão, dificilmente poderia
persuadi-los a enfrentar a fúria de Roma.
Eles também tinham visto os benefícios
das áreas de agricultura possibilitados
pelos romanos, e a guerra homérica de
seus pais tornara-se menos atrativa.
No verão de 203 a.C., Magão parece ter
cruzado a região do Pó, assim
concentrando a atenção das legiões
romanas
ao
norte.
Esperava
evidentemente por um levante na Etrúria
contra os romanos. Qualquer que losse a
sua intenção, Magão engajara-se numa
grande batalha cornos romanos em solo
italiano em 203 a.C.. Parece ter sido uma
luta feroz, com perdas consideráveis de
ambos os lados, mas com as forças
cartaginesas levando a pior. Durante essa
ação, o próprio Magão foi seriamente
ferido e retirou-se com os outros
sobreviventes para a Ligúria. Este seria o
último grande combate na Itália entre
cartagineses e romanos no decorrer da
guerra. Em sua chegada à Ligúria,
354
aguardavam por Magão instruções para
que retornasse com seus navios e homens
a Cartago. A cidade-mãe, ameaçada por
Cipião Africano, estava agora na
defensiva. A aventura italiana, para todos
os efeitos, seria abandonada. Magão
morreu, devido aos ferimentos, quando
sua frota passava pela Sardenha — a ilha
repleta de madeira e minerais, agora sob
controle romano, mas, outrora, uma das
maiores
das
muitas
ilhas-colônia
cartaginesas que haviam ameaçado Roma.
Durante o inverno de 204-203 a.C.,
enquanto Aníbal permanecia em Crotona
e seu irmão Magão preparava-se para a
ofensiva de primavera que o levaria à
morte, Cipião estava ocupado na África do
Norte. Fracassara na captura de Útica, e a
abertura de sua campanha não obtivera o
sucesso que ele devia ter esperado após
sua experiência com os cartagineses na
Hispânia, mas nunca deixou de trabalhar
em sua estratégia geral — a derrota de
Cartago com a incorporação, como
derradeiro objetivo, do império norteafricano da cidade ao império de Roma.
Nenhum homem pode reclamar para si
maior crédito — ou culpa — pela
355
fomentação do império romano do que
Cipião Africano, aclamado no século XX
pelo historiador militar britânico B. H.
Lidell Hart como "maior do que
Napoleão".
Percebendo que o númida Sífax
possivelmente era mais importante do que
Masinissa, comandando mais forças —
forças das quais Cartago dependia
bastante — Cipião decidiu tentar demovêlo de sua aliança. Durante todo o inverno,
enviados se deslocaram para lá e para cá
entre o romano e o númida, com Cipião
Africano fingindo ter uma autoridade que
nunca possuíra — a de fazer um tratado
de paz sem qualquer consulta a Roma, e
Sífax sugerindo um fim para a guerra por
meio de um acordo entre Cipião Africano
e Aníbal em que um deveria deixar a
África e outro a Itália. As negociações
foram prolongadas, pois Cipião Africano
podia facilmente pressentir que Sífax
queria apenas os romanos fora do
caminho para que pudesse finalmente
destruir seu odiado rival Masinissa e
tomar todo o seu reino. Quando os
enviados romanos iam visitar os
acampamentos de seus inimigos, eram
356
frequentemente
acompanhados
por
centuriões experientes, disfarçados como
lacaios e servos, que aproveitavam a
oportunidade, enquanto seus "senhores"
se reuniam em conferências, para fazerem
um cuidadoso estudo dos acampamentos e
da
disposição
dos
inimigos.
Ao
retornarem, relataram que a disciplina
estava relaxada, o moral baixo e que os
cartagineses estavam abrigados em
cabanas de madeira, enquanto os númidas
estavam em tendas de junco, muitas das
quais nem mesmo ficavam no interior da
paliçada do acampamento.
No início da primavera de 203 a.C., Cipião
Africano estava preparado para sua
ofensiva. Enviou uma mensagem para
Sífax de que estava prestes a concluir um
tratado, embora ainda sofresse alguma
oposição — que esperava vencer — por
parte de seus oficiais graduados. Isso
significava que, no momento, deveria
interromper as negociações. Sífax e
Asdrúbal Gisgão entenderam isso como se,
no devido tempo, Cipião Africano pudesse
convencer seus companheiros do bom
senso de um tratado, e enviaram uma
resposta pela qual, da parte deles,
357
desejavam muito aceitar os termos
discutidos.
Cipião
Africano
agora
conhecia não apenas a disposição do
inimigo, mas também sabia que seu moral
estava baixo e que eles ansiavam pela paz.
Todo o seu procedimento estava longe de
ser conforme a velha tradição romana de
boa-fé, que seus historiadores gostavam de
contrapor, injustamente, à assim chamada
"fé púnica". Com certeza, parecia que os
cartagineses
com
frequência
se
comportavam mais escrupulosamente do
que os romanos. A concepção de Aníbal
sobre as honras no campo de batalha, por
exemplo, sempre assegurou a prestação
das honras devidas ao inimigo morto,
enquanto Cláudio Nero, após sua vitória
no rio Metauro, havia descido ao ponto de
cortar a cabeça do irmão de Aníbal, e
guardá-la, para então jogá-la nas linhas
de Aníbal na calada da noite.
Cipião Africano, tendo induzido um
sentimento de relaxamento da guarda
entre seus inimigos, começou a se
movimentar. Reiniciou o sítio de Útica por
terra e mar, enviando sua frota — recémlançada, após o inverno — para o
bloqueio, enquanto as máquinas de guerra
358
principais foram trazidas de seu
acampamento para o ataque terrestre. Isso
tudo apenas para desviar os cartagineses
de
sua
verdadeira
intenção,
e
possivelmente convencer Sífax e Asdrúbal
Gisgão de que ele continuava a atuar
numa guerra que não os ameaçava,
enquanto esperava que a sua oposição
romana fosse convencida de que um
tratado de paz deveria ser conseguido. Sua
esperta distração funcionou, e os
cartagineses e númidas sentiram-se
seguros de que ele não mais do que repetia
suas táticas do ano anterior. Então Cipião
Africano atacou.
Numa noite, os oficiais romanos
começaram a deslocar seus homens do
acampamento assim que o toque de clarim
anunciando o cair da noite soou. Havia
umas sete milhas entre eles e os
acampamentos
do
inimigo,
aonde
chegaram por volta da meia-noite. O
homem que era o braço direito de Cipião
Africano, Lélio, foi designado junto com
Massinissa e seus cavaleiros, para atacar o
acampamento númida enquanto Cipião
Africano atacava os cartagineses. Com as
atenções dos líderes cartagineses e
359
númidas concentradas sobre Utica, e
relaxando em seus deveres esperando
pelas demoradas negociações de paz, como
demonstrava o seu despreparo, os
acampamentos eram alvos vulneráveis. Os
númidas de Massinissa não tiveram
dificuldade para invadir o acampamento
de Sífax e atear fogo às tendas de junco —
eles próprios estavam acostumados a viver
nelas e sabiam com que facilidade
queimavam.
O
vento
soprava,
possivelmente um meridional, naquela
época do ano, e logo todo o acampamento
ficou em chamas. Quando os sonolentos
ocupantes das tendas saíram correndo
para fora, pensando tratar-se de não mais
que um acidente, eram abatidos pelos
cavaleiros de Masinissa. Alertados pelas
sentinelas sobre o holocausto no
acampamento vizinho, os cartagineses
começaram a sair de suas cabanas de
madeira — apenas como espectadores
desarmados. Assim que o fizeram, os
romanos de Cipião Africano (muitos ainda
com a lembrança de Canas) caíram sobre
eles. O acampamento cartaginês também
foi
totalmente
incendiado,
e
os
cartagineses foram mortos aos milhares.
360
Com este duplo golpe, tão brilhante, ainda
que traiçoeiramente executado, Cipião
Africano destruíra as forças combinadas
do exército cartaginês. Asdrúbal Gisgão e
Sífax conseguiram escapar levando
apenas uns poucos milhares de homens
com eles. Asdrúbal, como comandante
geral, tinha sido culpado de grave
negligência ao se deixar enganar por um
sentimento
de
segurança.
Suas
experiências em combates contra Cipião
Africano na Hispânia deveriam tê-lo
alertado para o fato de que o romano não
somente era um grande estrategista, mas
também um astuto e duro comandante em
campo. Ele, então, prosseguiu com seu
ataque noturno, perseguindo Asdrúbal
Gisgão e os remanescentes de'seu exército,
expulsando-o da cidade em que haviam se
refugiado e devastando vários povoados
locais. Houve medo e confusão em
Cartago mas, apesar dos clamores do
partido da paz, tomaram a resolução de
que a guerra prosseguisse. Imensa riqueza
de Cartago foi empregada no envio a
Asdrúbal e Sífax do dinheiro necessário
para a formação de outro exército. A
chegada de quatro mil celtiberos,
recrutados na Hispânia, proporcionou um
361
núcleo de combate para a nova força, e em
um curto espaço de tempo, Asdrúbal e
Sífax haviam levantado um exército de
cerca de trinta mil homens que eles
reuniram em uma região conhecida como
Grandes Planícies no rio Bagradas. Cipião
Africano não perdeu tempo e, deixando
uma força de sítio ao redor de Útica,
marchou rapidamente ao encontro do
inimigo. Quando se bateu contra eles,
destruiu esse segundo exército em uma
magnífica batalha. Mais uma vez,
Asdrúbal e Sífax escaparam na confusão
geral, o primeiro para Cartago e o outro
para Cirta.
Cipião Africano, mais do que Aníbal,
nunca relaxava após um sucesso, mas
procurava consolidar sua vantagem.
Avançou sobre um número de cidades da
África do Norte, algumas das quais
sucumbiram por temor e outras por
antigas pendências com Cartago. Depois,
Cipião começou o sítio a Útica — dessa
vez para valer — com metade de seu
exército, enviando a outra metade
comandada por Lélio e Massinissa, ao
longo da costa norte-africana até a
Numídia. Masinissa estava ansiso para
362
acertar as contas novamente com seu
inimigo Sífax, tanto para capturar para si
Sofonisba quanto para retomar Cirta que,
embora fosse agora a capital de Sífax, já
havia pertencido ao pai de Masinissa.
Numa batalha duramente disputada, ele e
sua cavalaria, mais os vigorosos
legionários
romanos,
não
apenas
destroçaram o exército de Sífax como
ainda o capturaram vivo. O triunfo de
Masinissa foi completo, pois ele não só
reconquistou
Cirta
mas
também,
demonstrando um senso de vingança
verdadeiramente norte-africano, tomou a
esposa de seu inimigo, Sofonisba, para si.
Cipião Africano, mais tarde, repreendeu-o
por isso, uma vez que Sífax e sua esposa
eram prisioneiros de Roma, e para Roma
deveriam ir. Sofonisba, para não cair
prisioneira e abrilhantar um triunfo
romano, envenenou-se. A história dessa
jovem da nobreza cartaginesa, enredada
pelas guerras e políticas, é curiosa e
movimentada.
Guardando
algumas
semelhanças com as histórias de Dido e
Cleópatra, essa é outra das tragédias
norte-africanas.
363
Os sucessivos desastres na primavera e
começo do verão de 203 a.C. haviam
alarmado muito toda Cartago. O mesmo
Hanão que havia comandado a cavalaria
pesada de Aníbal em Canas foi totalmente
encarregado da defesa, e emissários
cartagineses foram enviados a Roma para
tentarem negociar os termos da paz. Como
derradeiro golpe na sorte cartaginesa,
uma tentativa de livrar Útica falhou.
Todos esses desastres sucessivos geraram
um clamor em todos os níveis, desde o
conselho de Birsa até os lares, oficinas e
armazéns da cidade — "Chamem Aníbal
de volta!". Infelizmente, como os eventos
demonstrariam, eles o haviam feito tarde
demais.
A despeito da superioridade naval de
Roma,
três
frotas
cartaginesas
conseguiram cruzar o Mediterrâneo entre
a Itália e a África do Norte durante aquele
ano. Uma conduzia o moribundo Magão
de volta da costa lígure com sua força
mista de tropas baleárides, lígures e
gaulesas; a segunda foi despachada de
Cartago para evacuar Aníbal; e a terceira
foi essa mesma frota, aumentada pelos
navios que Aníbal possuía em Crotona,
364
trazendo-o de volta para defender Cartago
em seu momento de necessidade. O mar é
vasto, e nos dias de comunicações
primitivas era bastante difícil para os
romanos vigiar todas as rotas de
navegação. Séculos mais tarde, até mesmo
Nelson, que procurava avidamente pela
frota de Napoleão, fracassou em avistá-lo
enquanto ele navegava triunfantemente
em direção ao Egito.
A frota de Aníbal, inadequada para suas
necessidades, e o exército que finalmente
trouxe consigo de volta para a África
provavelmente somava não mais do que
quinze mil homens (as estimativas se
situam entre doze mil e vinte e quatro mil).
O exército da Itália era um estranho
composto. Deviam existir poucos dos
veteranos que cruzaram os Alpes com ele
cerca de quinze anos atrás. Os brútios,
gauleses e desertores romanos que então
compunham a maior parte de suas tropas
claramente não eram da mesma
qualidade, mas ainda seguiam de bom
grado o mesmo homem, seu general
cartaginês de um só olho. É evidente que
não possuía muitos meios de transporte,
pelo fato de que não pôde levar de volta os
365
cavalos que o ajudaram em tantas de suas
vitórias e de que ele tanto necessitaria no
ano seguinte. Todos tiveram de ser
sacrificados para que não ficassem para
os romanos.
No outono de 203 a.C., Aníbal viu pela
última vez o pequeno porto de Crotona e,
além da velha cidade, as escarpadas
elevações da cordilheira de Sila, cobertas
de árvores, uma paisagem de lobo
selvagem. Durante os poucos anos antes
de partir, teve que fazer daquela região
seu lar, mas antes já havia percorrido toda
a Itália; do vale do Pó, no extremo norte, à
sorridente Etrúria, até a costa oeste e a
baía de Nápoles, onde as cidades gregas
estavam incrustadas, e daí muitas vezes até
as mais selvagens praias do Adriático. Ele
conhecia a terra e seus povos como poucos
italianos jamais conheceriam: cidades e
povoados, as carrancudas muralhas de
Roma — as quais nunca havia penetrado
— planícies quentes, como Canas, vales
domesticados,
a
indolente
Cápua,
camponeses
e
carvoeiros,
rudes
montanheses e disciplinados romanos —
todo um mundo que ele quase havia feito
seu. Agora, ele estava indo embora, para
366
uma cidade da qual ele mal podia lembrarse. Ainda assim, era por Cartago que
havia lutado por tanto tempo e sofrido
tanto — por Cartago e por um juramento
feito por um menino diante de um altar
enevoado.
Conclusão da Segunda Guerra Púnica
(203–201 a.C.)
No outono de 203 a.C., antes de Aníbal
deixar a Itália, os termos de um tratado
proposto por Cipião aos cartagineses já
haviam sido aceitos por eles e enviados a
Roma para discussão. Em vista da longa
amargura da guerra, e da desolação que
causaram a grandes regiões da Itália,
foram moderados. Primeiramente, todas
as forças cartaginesas deveriam deixar a
Itália, e a Hispânia deveria ser
abandonada. Todos os desertores, escravos
fugitivos e prisioneiros de guerra deveriam
ser enviados de volta a Roma. Todos os
navios de guerra cartagineses, exceto
vinte, deveriam ser entregues. Uma
quantidade muito grande de trigo e cevada
seria fornecida para alimentar as tropas
romanas e, finalmente, uma pesada
indenização seria paga. Não é surpresa
que Cartago aceitasse tais termos, que
367
eram favoráveis se comparados aos da
Primeira Guerra Púnica, e um armistício
fosse concluído, restando uma ratificação
do tratado por parte de Roma.
Cipião também enviou Massinissa para
Roma em companhia de Lélio, o primeiro
para obter o reconhecimento de seu
reinado númida e o outro, que conhecia as
ideias de Cipião Africano, para aumentar
os termos propostos e agir como porta-voz
dos interesses de Cipião no tratado. É
significativo que Masinissa fosse a Roma
para a confirmação de seu reinado. No
passado, Cartago havia sido o centro
natural de autoridade para todos os reis
locais e suas tribos. A ação de Cipião
Africano já havia garantido o domínio de
Roma sobre a África do Norte. Mais
ainda, ele presenteava seus inimigos
fabianos com um fait accompli, e tornava
Roma responsável pelos assuntos norteafricanos.
No mesmo ano em que Aníbal deixou a
Itália, seu velho e honorável oponente
Quinto Fábio Máximo faleceu, o homem
que havia feito mais do que qualquer
outro para ensinar aos romanos que o
368
único modo de desgastar — e finalmente
derrotar — tamanho génio militar era à
maneira do "Protelador". Os romanos,
exceto em umas poucas desastrosas
ocasiões, haviam seguido os seus preceitos
até manter Aníbal confinado na selvagem
terra do sul, e, por fim, em uma estreita
área ao redor de Crotona. A notícia de que
Aníbal havia finalmente deixado sua terra
naturalmente trouxe regozijo a Roma e
uma efusão de esperança, mas ainda
persistia uma grande ansiedade, como
relata Lívio:
Os homens não sabiam se começavam a
regozijar-se por Aníbal ter-se retirado da
Itália após dezesseis anos, deixando o povo
romano livre para apossar-se dela, ou se
ficavam ainda apreensivos com o fato de
ele ter seguido para a África com seu
exército intacto. Sem dúvida, mudara o
local, pensavam eles, mas não o perigo.
Prenunciando aquele poderoso conflito,
Quinto Fábio Máximo, recentemente
falecido, havia frequentemente predito,
não sem razão, que em sua própria terra
Aníbal seria um inimigo mais terrível do
que em um país estrangeiro. E Cipião teria
que lidar (…) com Aníbal, que nascera,
369
pode-se dizer, no quartel-general de seu
pai, o mais bravo dos generais, e fora
criado e educado em meio às armas;
aquele que ainda na infância já era um
soldado e na tenra mocidade um general;
que, envelhecendo como um vitorioso
[Aníbal tinha cerca de quarenta e cinco
anos], havia coberto as terras espanholas e
gálicas, e a Itália dos Alpes aos Estreitos,
com a evidência de suas poderosas
façanhas. Ele estava no comando de um
exército cujas campanhas se igualavam às
suas próprias em quantidade; endurecerase por esforços tão grandes que
dificilmente pode-se acreditar que seres
humanos tivessem resistido; havia sido
salpicado por sangue romano centenas de
vezes e carregado os espólios, não só de
soldados -mas de generais. Muitos homens
que enfrentariam Cipião em batalha
haviam matado com suas próprias mãos
pretores, generais comandantes, cônsules
romanos; haviam sido condecorados com
coroas por bravura ao escalar muralhas
de cidades e de acampamentos protegidos;
haviam vagueado por campos e cidades
capturadas dos romanos. Todos os
magistrados do povo romano juntos não
tinham, naqueles tempos, tantas faces
370
(símbolos de autoridade) quanto Aníbal
poderia ostentar à sua frente, por tê-los
capturado de generais caídos.
— Tito Lívio[37]
Esse relato, ao mesmo tempo que revela o
grande pavor que Aníbal ainda infligia
aos romanos, engana-se na descrição de
seu exército. Lívio, ou suas fontes, fala do
exército que marchou pelos Alpes, e que
há muito tinha desaparecido.[37] Aníbal
agora tinha sob seu comando a
esfarrapada e mista força que ocupara
Crotona durante os poucos anos passa
dos. Todavia, sua chegada à África,
trazendo qualquer exército que fosse, teve
tanto efeito sobre o moral cartaginês que o
partido
bárcida
começou
quase
imediatamente a buscar um recomeço da
guerra.
Aníbal desembarcou em Léptis, perto de
Adrumeto, onde montou acampamento
para o inverno e começou a reorganizar
suas forças e recrutar mais soldados e
cavaleiros. Ali foi reforçado pelos
remanescentes do exército de Magão e
soube que seu irmão caçula estava morto.
Deve haver pouca dúvida de que Aníbal
tivesse aceitado os termos de paz de Cipião
371
como a melhor coisa para Cartago, muito
embora pouco soubesse das facções
políticas e intrigas da cidade. Porém, era
astuto demais para não ver que a situação
geral cartaginesa era sem esperança, em
vista da perda da Hispânia, do crescente
poder de Roma por mar e terra e do
poderio humano nativo que abastecia suas
legiões. Havia derrotado os romanos
muitas vezes em batalha, é verdade, mas
sabia que os romanos eram vigorosos e
bravos soldados e que eles já estavam —
perigosamente — começando a aprender
suas táticas, adotando métodos mais
flexíveis no campo de batalha. Em seus
primeiros anos na Itália, tirara proveito
dos desatualizados sistemas por meio dos
quais os cônsules eram automaticamente
encarregados das legiões e, uma vez que
eles eram mudados a cada ano, nunca
tinham tempo para aprender a perícia
profissional ou adaptar suas táticas. Ele
também tinha sido capaz de fazer uso de
conhecidas divisões e diferenças de
temperamento entre dois cônsules. Mas
viu claramente no surgimento de Cipião a
sombra do futuro, onde outros generais;, à
sua própria maneira surgiriam — homens
totalmente
dedicados
à
guerra,
372
aprendendo pela experiência em campo de
batalha e familiarizando-se não somente
com a natureza do terreno de batalha, mas
com a qualidade e caráter racial de seus
adversários. Seja lá o que Aníbal possa ter
pensado sobre aceitar as condições de paz,
a facção de guerra de Cartago, fazendo
uso de seu nome e fama, havia agora
assumido o controle.
Recomeça a guerra
No inverno de 203 a.C., um comboio de
provisões da Sicília destinado às forças de
Cipião Africano foi colhido numa
tempestade e encalhou na região de
Cartago, e navios de guerra cartagineses
foram enviados para capturá-lo e trazer as
provisões para a cidade. Isso era
totalmente contrário à trégua, e Cipião
Africano despachou enviados por mar
para registrar um protesto. Em sua viagem
de volta, os navios transportando os
enviados foram traiçoeiramente atacados
por trirremes cartagineses, mandados para
esperá-los e por pouco escaparam com
vida. Cipião Africano acertadamente viu
isso como uma declaração de que a trégua
estava acabada e a guerra reiniciada.
Aqui, certamente, se evidenciava a fé
373
púnica, embora seja muito duvidoso que
Aníbal, setenta milhas distante em
Adrumeto, tivesse qualquer conhecimento
disso. Foi uma ação tola, algo a que ele
não era propenso.
Cipião Africano recomeçou a guerra e
atacou todos os povoados da região ainda
sob jurisdição de Cartago. Por todo o
verão de 202 a.C., enquanto Aníbal,
percebendo que uma batalha maior era
agora inevitável, continuava a reunir e
treinar mais recrutas para o seu exército,
Cipião sitiava as cidades cartaginesas, não
demonstrando qualquer piedade quando
elas sucumbiam, e escravizando os
habitantes. Estava determinado a mostrar
aos cartagineses que aqueles que
quebravam tratados colocavam-se fora das
considerações
normais
da
guerra.
Também estava ciente de que o teste final
ainda estava por vir, e que Cartago não
poderia ser forçada a se render até que ele
e Aníbal se enfrentassem no campo de
batalha, estabelecendo conclusivamente o
resultado da guerra. Masinissa, tendo
retornado de Roma com a confirmação de
seu reinado, estava longe, na Numídia,
consolidando seu poder sobre o país;
374
recebeu uma convocação urgente de
Cipião Africano para arregimentar todos
os homens que pudesse e reunir-se aos
romanos.
Aníbal, então, recebeu ordens de Cartago
para marchar e desafiar Cipião antes que
fosse tarde demais. O conselho e a cidade
estavam profundamente preocupados com
a devastação de sua terra, que ocorria
desenfreadamente, e com a perda de
cidades e povoados pagadores de tributos:
testemunhavam a destruição de terras
férteis que por séculos haviam sustentado
a grande cidade mercantil. Aníbal
recusou-se a se apressar e respondeu que
lutaria quando estivesse preparado. Tinha
um bom motivo para tal resposta, uma vez
que ainda aguardava reforços de sua
cavalaria, ainda muito deficiente, e ele
sabia suficientemente bem que grande
parte de suas ações bem-sucedidas se
devia aos númidas. Ele tentava suprir
aquela deficiência com o treinamento de
elefantes e, à época da batalha final,
possuía cerca de oitenta deles em seu
exército. Eram, contudo, animais novos,
que nunca haviam estado em ação e, como
os fatos mostraram, constituíam mais um
375
risco do que um recurso. A verdade é que,
muito embora os próprios romanos
viessem a utilizar elefantes séculos mais
tarde, essa já era uma arma de guerra
obsoleta. Os elefantes haviam obtido
sucesso no passado através do pavor que
causavam quando soltos em grandes
bandos sobre povos primitivos e fileiras
indisciplinadas de infantaria. Mas os
romanos na Itália já haviam tomado suas
providências e descoberto que, quando
atacados por chuvas dos formidáveis
piíum, eles quase sempre se voltavam para
trás e disparavam para dentro de seu
próprio exército. Elefantes semitreinados,
que eram tudo o que Aníbal tinha sido
capaz de conseguir, iriam provar essa
verdade na batalha crucial.
Alguns historiadores têm comentado que
Aníbal cometeu um erro tático ao contar
com eles, mas a verdade é que ele fora
obrigado a fazê-lo em vista da falta de
cavalaria. Ele, todavia, recebera no fim
daquele verão alguns reforços úteis na
forma de dois mil cavaleiros de um
príncipe númida, Tiqueu, rival de
Masinissa e que, sem dúvida, esperava
fazer a Masinissa o que este havia feito a
376
Sífax, e então tomar o reino para si
próprio. Essas rivalidades e intrigas norteafricanas, ainda que difíceis de se decifrar
depois de tanto tempo, não obstante
desempenharam um grande papel na
batalha que estava por decidir o destino do
mundo ocidental. O exército que Aníbal
finalmente conduziu para combater Cipião
era ainda mais heterogéneo do que de
costume: baleárides, lígures, brútios,
gauleses, cartagineses, númidas, e (muito
estranhamente nesse momento tardio)
alguns macedônios enviados pelo rei
Filipe que, talvez, por fim, tenha percebido
que
a
derrota
de
Roma
era
importantíssima para a liberdade de seu
próprio país.
Deixando Adrumeto, Aníbal marchou
para oeste na direção de uma cidade
chamada Zama, que provavelmente se
identifica com a posterior colónia romana
Zama Régia, noventa milhas a oeste de
Adrumeto. Chegaram até ele relatos de
que Cipião Africano incendiava vilarejos,
destruindo colheitas e escravizando os
habitantes de toda aquela fértil região da
qual Cartago dependia para seus cereais e
outros alimentos. Só pode ter sido tal
377
necessidade imperiosa o que fez Aníbal
marchar
atrás
de
Cipião,
pois
aparentemente seria mais lógico que ele
levasse seu exército na direção de Cartago
e se interpusesse entre Cipião e a cidade.
Mas a sistemática destruição de cidades e
vilarejos por este último, e suas atividades
no interior cartaginês, claramente
impediam que a cidade pudesse alimentar
um adicional de quarenta mil ou mais
homens, junto com seus cavalos e
elefantes, bem como as suas próprias e
prolíferas massas. Logo, a principal causa
para que a batalha tivesse lugar onde
ocorreu surgiu de uma urgência de
suprimentos para a capital. Cipião sabia o
que
estava
fazendo,
e
havia
deliberadamente atraído Aníbal para
longe da cidade de modo a decidir o
resultado da guerra numa região
escolhida por ele próprio. É irónico que o
grande cartaginês não conhecesse seu
próprio país, nada tendo visto dele desde
os nove anos de idade, ao passo que Cipião
e os romanos, a essa altura, já estavam
bem familiarizados com o terreno
cartaginês. Mas Cipião não deixava de ter
suas
preocupações:
seu
exército,
provavelmente um tanto menor que o de
378
Aníbal, embora bem treinado e experiente
no clima e condições da África do Norte,
ainda carecia de uma arma de cavalaria.
Ele aguardava desesperadamente a
chegada de Masinissa e seus númidas, sem
os quais dificilmente poderia engajar-se
numa batalha maior — particularmente
contra um adversário como Aníbal.
Ao alcançar Zama, Aníbal, como era
bastante natural, enviou adiante espiões
para tentarem descobrir a natureza e
quantidade do exército romano: em
particular, deve ter se preocupado em
tentar descobrir quão forte era a cavalaria
de Cipião Africano. Esses homens foram
descobertos e levados perante o general
romano, que os recebeu, mostrou-lhes
todo o acampamento, e então libertou-os
para que reportassem tudo ao seu chefe.
Alguns historiadores têm colocado em
dúvida a veracidade disso, mencionando
entre outras coisas que a mesma história é
contada por Heródoto sobre Xerxes I e os
espiões gregos, anterior à grande invasão
persa da Grécia. Não há nada
propriamente improvável nisso, porém, e o
fato é atestado por Políbio,[19] o que lhe
dá uma certa autenticidade. Cipião
379
Africano, sem dúvida, desejava deixar seu
inimigo
saber
que
ele
estava
supremamente confiante no resultado da
batalha iminente. Havia outra coisa que
aquele astuto romano deve ter desejado
revelar a Aníbal: Masinissa e seus
númidas não se encontravam no
acampamento. Era isso, logicamente, o
que Aníbal desejava descobrir mais do que
tudo, e a notícia de que Cipião estava
enfraquecido em sua cavalaria deve ter
sido encorajadora. O que ele desconhecia,
é claro, e Cipião indubitavelmente sabia
muito bem, era que Masinissa e seus
númidas encontravam-se a apenas dois
dias de cavalgada.
Sem desconfiar que Masinissa se
aproximava, e pensando que ele ainda se
ocupava em estabelecer seu domínio um
tanto precário sobre o reino númida,
Aníbal possivelmente sentiu que estava
numa posição de superioridade frente aos
romanos. Aquele seria um bom momento,
então, para tentar negociar e ver se ele
poderia obter condições favoráveis para
Cartago — termos similares àqueles que
Cipião Africano havia dado previamente
aos cartagineses porém, se possível, algo
380
melhorados.
Assim,
enviou
uma
mensagem para Cipião solicitando-lhe um
encontro pessoal para discutirem termos,
com o que este concordou. À parte de
qualquer outra coisa, deve ter existido
considerável curiosidade de ambos os
lados a respeito da natureza e mesmo da
aparência do adversário. Os dois homens
nunca haviam visto um ao outro antes,
embora em três ocasiões, nos últimos
anos, tivessem ficado próximos no campo
de batalha. Primeiro, o jovem Cipião havia
estado presente na batalha de Ticino, logo
depois de Aníbal irromper na Itália
(quando Cipião havia logrado salvar seu
pai ferido do campo de batalha); depois,
estivera em Canas e testemunhara toda a
ira e a genialidade do cartaginês como
tempestade contra as legiões romanas; por
último, havia iniciado o bem-sucedido
avanço contra o porto de Lócris Epicefíria
no sul da Itália, quando frustrara as
tentativas de Aníbal para recuperá-lo.
Tivera três oportunidades, assim, de
confrontar o grande inimigo de Roma, e
em cada ocasião havia tido a perspicácia
de observar exatamente como Aníbal
reagia perante cada situação determinada.
O cartaginês, por outro lado, nunca se
381
conscientizara do penetrante par de olhos
de um jovem a observá-lo nas
proximidades. Era como se um velho
mestre de xadrez estivesse para encontrar,
em breve, um aluno que por anos estudara
seus "lances", detectado suas fraquezas,
decidindo implementar as jogadas do
mestre. Aníbal, por sua vez, só conhecia
por meio de relatos os triunfos do jovem
na guerra ibérica, embora fosse
suficientemente estrategista e tático para
reconhecer como era brilhante aquele que
capturara Nova Cartago e vencera vários
combates contra homens tão capazes
quanto seu falecido irmão Asdrúbal, seu
falecido irmão Magão e Asdrúbal, o filho
de Gisgão. Ele havia observado como os
romanos estavam mudados, aprendendo a
se mover sem o velho comando consular e
adquirindo flexibilidade no campo de
batalha, e estava provavelmente tão
curioso quanto Cipião para encontrar seu
oponente cara a cara.
Os relatos factícios, tanto de Políbio
quanto de Lívio, compostos muitos anos
após os eventos, devem ser considerados
suspeitos, mas não deve restar dúvidas
quanto ao resultado do encontro entre os
382
comandantes — dois dos mais distintos
soldados não só do mundo antigo, mas de
todos os tempos. Aníbal, além da
habilidade de falar púnico, vários dialetos
ibéricos e gálicos, também sabia falar
grego e latim fluentemente; Cipião
Africano, além de falar latim, foi também
educado no grego. Os dois homens bem
poderiam ter escolhido tanto latim quanto
grego como linguagem de conversação,
mas (como muitos líderes modernos) eles
preferiram fazer uso de seus intérpretes de
modo a terem flexibilidade e tempo para
elaborarem suas respostas. Se nós
ignorarmos a retórica de Lívio, o conteúdo
de seu encontro foi breve e direto. Aníbal
ofereceu a Cipião Africano "a entrega de
todas as terras outrora em disputa entre as
duas potências, especialmente a Sardenha,
Sicília e Hispânia", juntamente com um
acordo segundo o qual Cartago nunca
mais faria guerra contra Roma. Ele
também ofereceu todas as ilhas
"localizadas entre a península Itálica e a
África", isto é, as ilhas Égadi ao largo da
Sicília ocidental as ilha Lípara, lugares
como Lampedusa, Linosa, Gozo e Malta
— mas não incluiu as ilhas Baleares
ocidentais, que haviam se mostrado tão
383
úteis a Cartago. Ele não fez menção de
indenizações, nem de controle sobre quase
toda a frota, nem de retorno de
prisioneiros e fugitivos romanos.
Cipião dificilmente se impressionaria com
a oferta, e disse "se, antes de os romanos
rumarem para a África, você tivesse se
retirado da Itália, haveria esperança para
suas proposições. Mas agora a situação
está manifestadamente mudada (…) Nós
estamos aqui e você foi relutantemente
forçado a deixar a Itália (…)". Cipião
Africano não poderia aceitar termos
inferiores para a rendição cartaginesa
àqueles que haviam sido aceitos por
Cartago antes da recente traição do
tratado. Nada mais havia para ser dito.
Cipião havia ganho um inestimável tempo
com o seu encontro com Aníbal: sabia que
Masinissa e seus cavaleiros númidas
vinham cruzando o terreno rapidamente
para estar ao seu lado quando o grande
embate acontecesse. O retardamento havia
propiciado a garantia da chegada de
Masinissa a tempo para a batalha. Era
Aníbal quem estava aturdido com a
imensidão da África, e não Cipião
384
Africano, e era Aníbal — acostumado por
tantos anos ao relativo tamanho da Itália
— que tivera seu serviço de inteligência
enganado pela ausência da cavalaria de
Masinissa no acampamento de Cipião, e
pela falta de conhecimento sobre os
eventos na Numídia. O encontro entre
Aníbal e Cipião tem sido comparado
àquele entre Napoleão Bonaparte e
Alexandre I da Rússia, dois mil anos mais
tarde. "A admiração mútua deixou-os
mudos", escreveu Lívio.[37] É duvidoso
que Aníbal tivesse ficado mudo, pois ele
certamente sentia-se confiante, enquanto
Cipião, por seu lado, sabia que o grande
expatriado cartaginês estava desejoso de
fazer a paz, e saber que o adversário tem
algo mais em seu coração do que a vitória
é sempre um considerável conforto em
qualquer disputa.
A Batalha de Zama
A Batalha de Zama, travada em 19 de
outubro de 202 a.C., foi uma batalha
decisiva da Segunda Guerra Púnica. O
exército da República Romana, liderado
por Cipião Africano, derrotou as forças de
Cartago lideradas por Aníbal. Logo após
essa derrota, o senado de Cartago assinou
385
um tratado de paz, terminando assim uma
guerra de quase vinte anos.
A rota da invasão da Europa por Aníbal.
Aníbal correu de Adrumeto para Cartago
para comunicar ao conselho que, o que
quer que se dissesse, não haveria mais
esperança de sucesso em prolongar a
guerra. Muitos dos cartagineses, cientes de
que sua cidade ainda era a mais rica do
mundo e permanecia relativamente
intocada pela guerra, acharam difícil de
acreditar que tudo estava perdido. Uma
história típica conta que Aníbal, presente
em uma reunião na qual um jovem nobre
incitava seus concidadãos para que
guarnecessem suas defesas e recusassem
os termos romanos, subiu no palanque do
discursante e
atirou-o ao chão.
Desculpou-se imediatamente, dizendo que
estivera longe por muito tempo e,
acostumado
à
disciplina
dos
acampamentos, não estava familiarizado
com as regras de um parlamento. Ao
mesmo tempo, pediu-lhes, agora que
estavam à mercê dos romanos, que
aceitassem "termos tão clementes quanto
os que lhes foram oferecidos, e orassem
para os deuses que o povo romano
386
ratificasse o tratado". Achava que os
termos que Cipião Africano propusera
quando de sua chegada diante das
muralhas de Cartago eram melhores do
que se poderia esperar de um conquistador
que lidava com um povo que já havia
traído um tratado anterior. O conselho
reconheceu as palavras de Aníbal como
"sábias e acertadas, e eles concordaram
em aceitar o tratado nas condições
romanas, despachando emissários com
ordens de concordar com ele".[19]
Vendo que o grande general dos
cartagineses e seu último exército estavam
derrotados, e que a cidade jazia indefesa
— muito embora o sítio tenha sido longo e
difícil, como a Terceira Guerra Púnica um
dia iria mostrar — as condições de Cipião
Africano para a paz eram razoáveis. Como
antes, todos os desertores, prisioneiros de
guerra e escravos deveriam ser entregues,
mas dessa vez os navios de guerra seriam
reduzidos a não mais do que dez trirremes.
Cartago, por outro lado, poderia manter
seu território inicial na África, e suas
próprias leis dentro dele, mas Masinissa
teria total controle de seu reino, e Cartago
nunca mais poderia fazer guerra com
387
quem quer que fosse, tanto dentro da
África quanto fora, sem permissão
romana. Isso efetivamente garantia que o
reino númida cresceria às custas de
Cartago, algo que um dia provocaria a
última Guerra Púnica. Uma vez que
haviam quebrado a trégua, a indenização
de guerra original foi dobrada, embora
lhes fosse permitido pagar em parcelas
anuais durante cinquenta anos. Todos os
elefantes cartagineses deveriam ser
entregues, e nunca mais treinados,
enquanto, ao mesmo tempo, uma centena
de reféns, escolhidos por Cipião Africano,
seriam despachados para Roma. Desse
modo, ele se garantiria contra quaisquer
atentados a traição. Como antes, o
exército romano deveria ser suprido com
cereal por três meses e receber seu
pagamento durante o tempo em que o
tratado de paz era ratificado.
Poderia se esperar que Roma exigisse a
rendição do próprio Aníbal, considerando
tudo o que ele havia causado por tantos
anos. Não teria sido uma condição
incomum após a conclusão de uma guerra
como aquela, e o fato de não ter sido feita
só pode ser atribuído ao próprio Cipião
388
Africano que, como muitos generais sob
circunstâncias de algum modo similares,
havia adquirido uma enorme admiração e
respeito por seu oponente. Em todo caso,
deve ter ficado claro para Cipião Africano
que a condição de Cartago era tal que,
sem um homem forte no comando, todo
aquele edifício mercantil iria se
transformar em ruínas. Viria o tempo,
dentro de pouco mais de cinquenta anos,
em que esse seria o desejo de Roma, mas
no momento a república estava exaurida
demais para juntar os pedaços. Para
garantir que Cartago cumpriria os termos,
pagaria as reparações e se acomodaria
tranquila outra vez na África do Norte, era
necessário um homem que reconhecesse
totalmente como a cidade havia sido
afortunada por lhe serem permitidos
termos tão aceitáveis. Esse homem era
Aníbal.
Havia, com certeza, considerável oposição
em Roma aos termos aparentemente
brandos impostos aos derrotados. Isso era
bastante compreensível, pois Roma, na
primavera de 201 a.C., quando o tratado
foi finalmente ratificado, sofrera dezessete
anos de guerra incessante. Cipião
389
Africano, um jovem, desaprovado por
muitos de seus oponentes, o homem que
havia conseguido suas vitórias em países
estrangeiros muito distantes da desolação
da Itália, dizia aos desolados e quase
falidos senadores que eles não deveriam
pressionar Cartago — na frase de uma
guerra de séculos mais tarde — "até o
último grito". Mas pela instigação dos
partidários de Cipião Africano|Cipião]], a
decisão foi encaminhada do senado para a
Assembleia Popular, e o povo quis a paz.
Em Cartago, as coisas seguiram quase o
mesmo padrão; os ricos do conselho se
apavoraram quando perceberam que o
dinheiro para a primeira parcela das
reparações teria que vir de seus próprios
bolsos; e o povo, sentindo que Cartago
havia sofrido o suficiente, queria mais do
que tudo um fim para a guerra. Eles eram
extremamente afortunados por terem
encontrado em Aníbal um estadista capaz
e incorruptível em tempos de paz, assim
como havia sido um grande líder na
guerra.
Enquanto Cipião Africano e seu exército
embarcavam para Roma, Aníbal, que
tinha sido indicado Magistrado Chefe de
390
Cartago, começou sua gigantesca tarefa
de reconstrução. Apesar de todos os anos
de guerra, a prosperidade comercial da
cidade nunca havia sido colocada em
perigo seriamente, mesmo depois da perda
da Espanha. Uma das razões para isso era
que o comércio entre o Levante e o
Mediterrâneo ocidental sempre havia
continuado a fluir ao longo da costa norteafricana, onde os romanos pouco podiam
interferir. Inevitavelmente, desde o começo
de sua tarefa Aníbal defrontou-se com o
ódio de seus inimigos — o partido da paz,
que sempre havia declarado que o
comércio, e não a guerra, era o negócio de
Cartago. Eles ignoravam deliberadamente
o fato de que a expansiva Roma nunca
deixaria sua cidade em paz. Ironicamente
(algo que tem acontecido em guerras
posteriores), os vencidos se encontravam
na posição de não terem nada para se
preocupar, a não ser reconstruir suas
fábricas e fortunas, enquanto os vitoriosos
se confrontaram imediatamente com uma
série de problemas que exigiam quase toda
a sua atenção. Roma iria, agora, envolverse numa guerra contra Filipe V da
Macedônia, com problemas no Egito,
revoltas entre muitas das tribos da
391
Hispânia e a crescente resistência dos
gauleses na Itália, bem como na própria
Gália. Haviam descoberto que um império
não é algo que possa ser facilmente
controlado, e sim um vulcão em irrefreável
expansão até que alguma fraqueza em
suas bordas permita que o fogo transborde
— vindo, em seguida, um derradeiro
colapso e inércia. Quando Cipião Africano
retornou a Roma naquele ano, foi
naturalmente recebido em triunfo. Seus
feitos na África haviam sido formidáveis, e
nem mesmo seus inimigos poderiam negar
que ele havia levado a guerra a uma
conclusão triunfante. À frente de suas
tropas conquistadoras, ele cavalgou
através de ruas enfeitadas, enquanto os
elefantes de guerra da África, que haviam
sido trazidos de Cartago, assombravam o
povo com sua estranheza e seu barrido. A
Cipião foi dado o cognome "Africano",
"O primeiro general que era distinguido
por um nome derivado do país que ele
havia conquistado". Compreensivelmente,
era o herói do momento e provavelmente
teria sido feito cônsul perpétuo ou mesmo
ditador, como Júlio César, cento e
cinquenta anos mais tarde. Sabiamente,
recusou quaisquer dessas honrarias e
392
parece ter se contentado em viver a vida de
um cavalheiro ocioso, entregando-se à sua
paixão pela literatura grega e pela boa
conversação, ambas características que
devem ter ficado evidentes quando esteve
em Siracusa e que o haviam tornado
suspeito para uma geração mais velha e
mais obstinada de romanos. Desde o fim
da guerra e pelos sete anos que se
seguiram, Aníbal dedicou-se aos assuntos
de seu país e a reconstruir a prosperidade
mercantil de Cartago. Não sendo mais o
grande
expatriado,
devotava-se
exclusivamente aos assuntos domésticos
cartagineses e a garantir que seu país
mantivesse sua palavra junto aos
romanos. Pode-se questionar se ele ainda
nutria ou não pensamentos de vingança,
pois a base de poder de Cartago na
península Ibérica estava perdida, eles não
tinham
marinha,
e
os
romanos
controlavam o mar, bem como dominavam
a bacia do Mediterrâneo por terra. Ao
mesmo tempo, deve ter mantido um olho
sobre o progresso romano no leste, onde a
batalha de Cinoscéfalas, em 197 a.C., deu
a Roma sua grande vitória sobre Filipe V
da Macedônia, destruindo o poder
macedônio para sempre. Filipe foi forçado
393
a entregar sua frota, suas possessões na
Grécia, e a pagar uma grande indenização
de guerra, como Cartago havia feito e
ainda fazia. Foi provavelmente a
habilidade financeira de Aníbal que
garantiu que Cartago saldasse os seus
compromissos — compromissos que os
romanos esperavam não serem cumpridos,
o que lhes daria motivos para uma invasão
— e isso fez com que o ódio dos romanos
por ele revivesse. Tinha, também, muitos
inimigos entre os cidadãos ricos da casa,
pois havia denunciado muitos oficiais de
altos postos cujo peculato descobrira.
Aníbal deixa Cartago
A família Barca, por todos os seus serviços
a Cartago, sempre havia tido rivais e
inimigos, e também havia aqueles que se
apraziam em colocar a culpa pela recente
guerra inteiramente sobre Aníbal. O
reaquecimento comercial de Cartago,
inspirado e dirigido por ele, havia então
levantado ciúmes e ressentimento em
Roma. Não seria surpresa, assim, que
essas duas facções se aliassem no desejo
de vê-lo removido do cargo. Foi Cipião
Africano quem interveio em favor de seu
antigo inimigo, lembrando a eles que não
394
lhes diziam respeito os assuntos
puramente
cartagineses,
mas
o
ressentimento contra Aníbal não poderia
ser contido permanentemente. Em 195,
uma comissão foi enviada de Roma a
Cartago alegando que Aníbal estava
favorecendo um inimigo de Roma. Esse
inimigo era Antíoco, o Grande, da Síria,
cuja ambição era recriar o império
oriental de Alexandre, o Grande, e que
quase havia estabelecido seu domínio
sobre a Palestina, Fenícia e Chipre. E
mais do que provável que Aníbal vira em
Antíoco o único governante do leste capaz
de desafiar Roma e de restaurar um
equilíbrio de poder no Mediterrâneo que
permitiria a Cartago, uma vez mais,
assegurar sua antiga supremacia sobre a
península Ibérica, a Sicília e as outras
ilhas centrais do mar. Se houve ou não
qualquer correspondência entre eles é algo
que nunca será conhecido. Certamente os
romanos afirmavam que sim, e foi por isso
que seus enviados rumaram para Cartago.
Catão, o Ancião, que havia servido a
Cipião Africano na Sicília e que invejava
profundamente sua fama e posição, era
agora cônsul e estava determinado a
arrastar Aníbal para Roma.
395
Quando soube do que se passava, Aníbal
não teve qualquer ilusão de que seus
inimigos em Cartago não viessem a traí-lo
junto aos romanos. Conseguiu deixar o
país através de uma série de evasões
notáveis, fruto de sua habilidade no campo
de batalha. Tendo recebido os enviados
romanos e os escoltado aos seus quartéis
em Birsa, ele foi visto pela cidade, como de
costume, durante o dia. Ao cair da noite,
contudo, sob pretexto de sair para uma
cavalgada no frescor da noite, ele
escapuliu para uma vila sua não muito
longe de Adrumeto, onde tinha um navio
preparado, com seus pertences pessoais e
fortuna particular já embarcados, e uma
tripulação fiel aguardando por ele.
Chegando no dia seguinte à ilha de
Cercina, não muito distante da costa,
Aníbal foi surpreendido com a presença de
outros navios ali a caminho de Cartago, e
ele logicamente foi reconhecido pelas
tripulações dos navios. Tendo convidado
os capitães e tripulações dos navios para
jantar consigo, sugeriu que eles, então
lisonjeados pelo convite, trouxessem para
a terra as velas e mastros de seus navios
396
para que fossem usados como proteção
para o sol. O entretenimento durou todo o
dia e adentrou a noite, quando Aníbal
silenciosamente embarcou e se pôs a
caminho.
Quando
os
convidados
acordaram no dia seguinte, seu anfitrião
havia partido, e, mesmo se eles tivessem
alguma intenção de segui-lo e soubessem
de seu destino, teriam levado algum tempo
para reequipar os navios e segui-lo.
Algumas semanas mais tarde, Aníbal
desembarcou no velho lar dos fenícios,
Tiro, berço de Dido e cidade-mãe de
Cartago.
Os treze anos restantes da vida de Aníbal
são tristes de se contemplar, embora não
tão vazios quanto os últimos anos de
Napoleão, pois Aníbal permaneceu em
liberdade até o dia em que deu cabo de sua
própria vida. Foi no ano de 195 a.C.,
quando o grande herói do Mediterrâneo
oriental colocou os pés no berço de sua
raça, para ser aclamado por todos aqueles
do Levante e da Ásia Menor que viram sua
liberdade ameaçada pela sombra de Roma.
Logo após a derrota de Filipe V da
Macedônia, Roma proclamou-se protetora
da Grécia — um ato judicioso que
397
agradou aos gregos e ao mesmo tempo
garantiu sua servidão. Somente em
Antíoco Aníbal podia ver alguma
esperança para o ressurgimento de uma
guerra contra a Itália. Antíoco, porém,
não desejava envolver-se numa guerra
distante no Mediterrâneo central; só
estava preocupado em assegurar e ampliar
seu império oriental. Ambicionava ser
reconhecido na Grécia, mas uma pequena
força que enviou para lá foi severamente
castigada naquele desfiladeiro de memória
clássica, Termópilas, e ele mal conseguiu
assegurar a Ásia Menor para si.
A reputação de Aníbal não o fazia popular
entre os militares e conselheiros que
cercavam o rei sírio, e nunca lhe foram
dadas a frota e as tropas que pedira para
invadir a Itália. Antíoco, com certeza,
possuía muitos homens e armas, mas não
eram do calibre dos romanos sob nenhum
aspecto. Em 189, na Batalha de Magnésia,
ele foi conclusivamente derrotado e
forçado a desistir da maior parte da Ásia
Menor, deixando-a para os romanos e
seus aliados. Numa prévia revista ao
exército do rei, ainda que fosse
aproximadamente duas vezes maior que o
398
exército do inimigo, Aníbal respondera
secamente quando perguntaram sua
opinião sobre tal grande hoste: "Sim, isso
será suficiente para os romanos, mesmo
ávidos como eles devem estar".
Umas poucas anedotas sobre Aníbal
sobreviveram nesses anos em que partiu
como exilado de seu próprio país e um
declarado "inimigo do povo romano",
através das cortes e insignificantes reinos
do leste. O seu estilo era lacónico, o
imperatoria brevitas, revelado antes em
observações como "Roma tem seu Aníbal
em Fábio" e "Marcelo era um bom
soldado, mas um general imprudente".
Convidado em certa ocasião para escutar
uma conferência de um velho académico
especializado em estudos militares, ele não
fez qualquer comentário até que sua
opinião fosse especificamente solicitada,
quando ele observou tranquilamente: "Em
minha vida eu tenho tido que ouvir alguns
velhos tolos, mas esse supera a todos eles".
Houve um segundo encontro entre Aníbal
e Cipião Africano algum tempo antes de
Antíoco começar a guerra no leste. Foi
enviada uma missão a Éfeso, vinda de
399
Roma, para tentar descobrir a atitude do
governante sírio e suas intenções. Cipião
Africano, que a liderava, mandou
perguntar a Aníbal se ele desejava
encontrá-lo, ao que este prontamente
assentiu. Os relatos a esse respeito
descrevem os dois homens falando de
velhos tempos, e Cipião Africano
perguntando a Aníbal quem ele pensava
ser o maior general da história.
"Alexandre,
o
Grande",
Aníbal
respondeu, acrescentando que com
somente uma pequena força ele derrotou
exércitos muito maiores em quantidade do
que o seu próprio, e que ele chegara até as
mais remotas regiões da Terra.
Perguntado sobre quem ele achava ser o
próximo, Aníbal pensou por um momento
e respondeu: "Pirro" (o rei do Épiro, que
havia invadido a Itália em 280), citando
seu brilhante julgamento ao escolher o
terreno e a cuidadosa disposição de tropas.
O romano (era visível que Cipião Africano
buscava um elogio) insistiu: "E o
terceiro?" "Eu mesmo, sem dúvida."
Cipião Africano riu: "E o que você teria
dito se tivesse me vencido?" "Então",
replicou o cartaginês, "eu teria me
400
colocado como o primeiro de todos os
comandantes".
Isso se tornou um agradável elogio que
sem dúvida deleitou Cipião Africano, o
que é o provável motivo de ter sido citado
tanto
por
Lívio[37]
quanto
por
Plutarco.[38]
Desses
dois
grandes
soldados-estadistas Arnold comenta que
Cipião Africano parecia "o Aquiles de
Homero, a mais alta concepção do herói
individual, confiante em si e eficiente. Mas
o mesmo poeta que concebeu o caráter de
Aquiles também concebeu o de Heitor; do
herói verdadeiramente nobre porque
altruísta, que emprega seu génio para o
bem de outros, que vive para suas
relações, seus amigos e seu país. E como
Cipião Africano vivia para si mesmo,
assim como Aquiles, então a virtude de
Heitor é merecidamente representada pela
vida de seu grande rival, Aníbal, que, da
sua infância até a última hora, na guerra
ou na paz, através da glória e do
esquecimento,
entre
vitórias
e
desapontamentos, sempre se lembrou do
propósito ao qual seu pai o havia
devotado, e não se rendeu a qualquer
pensamento, desejo ou feito que o
401
desviasse do serviço que prometera ao seu
país".
Esses dois destacados homens, tão
semelhantes em muitos aspectos, tão
dessemelhantes em outros, terminaram
suas vidas no exílio. Cipião Africano, a
quem Catão havia sempre odiado — por
seu amor pela cultura grega quase acima
de tudo — foi acusado por esse último e
seus amigos no senado de negligência nos
fundos públicos. Cipião Africano, em
resposta, trouxe seus livros de anotações
perante o senado, rasgou-os e disse aos
seus
acusadores
que
rastejassem
procurando provas entre os pedaços. Ele,
então, disse que milhares de talentos de
prata haviam adentrado o erário público
sob sua representação, e que suas vitórias
haviam dado a Roma não somente a
Hispânia, mas a África, e agora a Ásia
(pois ele também havia atuado em
Magnésia). Ele deixou Roma com grande
amargura e nunca mais retornou.
Aníbal, após a derrota de Antíoco e a
conclusão de um tratado de paz entre o rei
e Roma, sem dúvida presumiu, e
acertadamente, que tal tratado conteria
402
uma cláusula exigindo a sua entrega aos
vitoriosos. Rápida e secretamente, partiu
de navio para Creta, então uma ilha
selvagem e indomada, lar de piratas e de
homens que não reconheciam qualquer
monarca ou Estado. Ainda ali, não seria
deixado em paz. Roma, à medida que se
expandia para o leste, e que suas rotas de
navegação se tornavam mais extensas,
preocupava-se crescentemente com a
segurança de sua marinha mercante. Era
natural que, no devido tempo os romanos
ficassem interessados naquela grande ilha
entre o Egeu e o Egito, potencialmente
próspera e útil, mas àquela época
infestada de piratas.
Aníbal havia se estabelecido em Cortina,
uma antiga cidade, só perdendo em
importância para Cnossos, nos tempos
antigos, e situada perto de um pequeno rio
cerca de três milhas distante da costa sul.
Uma divertida, mas possivelmente apócrifa
história, conta como Aníbal, quando ali
construiu seu lar, fez questão de depositar
abertamente seu tesouro no templo local
de Ártemis. Corretamente suspeitando da
honestidade cretense (como o apóstolo
Paulo, alguns séculos mais tarde), o
403
"tesouro" que ele enviou para ser
guardado no templo era não mais que uma
decepção; grandes vasos de argila cheios
de chumbo com um punhado de moedas
de ouro espalhadas bem visivelmente por
cima. O grosso de sua fortuna restante foi
escondido em algumas estátuas de bronze
ocas no jardim de sua casa. No devido
tempo, um esquadrão romano visitou
Creta em disfarces de piratas, investigando
o potencial dos recursos e portos da ilha.
Aníbal, em seu retiro, permanecia
imperturbável, mas sabia que era questão
de tempo até que os romanos soubessem
do rico cartaginês vivendo em retiro em
Cortina, e descobrissem seu nome. Como
ele havia feito em Cartago, e como fizera
na corte de Antíoco, Aníbal partiu secreta
e rapidamente. Com ele foram as estátuas
do seu jardim. Quando os sacerdotes
cretenses de Artemis ou os soldados
romanos abriram os jarros guardados no
templo, pode-se imaginar sua risada
irónica ecoando ao vento.
Então, Aníbal foi para a remota Bitínia,
para o reino de Prúsias I. Mesmo a sua
morte não colocou fim à sua influência.
Sua memória iria atormentar Roma por
404
todos os séculos da existência do império.
Certa vez, estivera próximo aos portões da
cidade; certa vez, chegara perto de
subjugar o Estado que agora comandava
praticamente todo o mundo conhecido.
Historiadores e poetas nunca o
esqueceram; mesmo os mais ásperos,
como Juvenal, lembravam-se daquele
horrendo brado: "Aníbal está aos
portões!"
Lista de batalhas
218 a.C.
Novembro: Batalha de Ticino - Aníbal
derrota os romanos sob Cipião Africano
numa pequena luta de cavalaria.
Dezembro: Batalha do Trébia - Aníbal
derrota os romanos sob Tibério Semprônio
Longo,
que
atacou
de
forma
inconsequente.
217 a.C.
Batalha do Lago Trasimeno - Aníbal
destrói o exército romano de Caio
Flamínio numa emboscada, matando
Caio.
216 a.C.
Agosto: Batalha de Canas - Aníbal destrói
o exército romano liderado por Lúcio
Emílio Paulo e Caio Terêncio Varrão
405
naquilo que foi considerada uma das
obras-de-arte em estratégia militar.
Primeira Batalha de Nola - O general
romano Marco Cláudio Marcelo contém
um ataque de Aníbal.
215 a.C.
Segunda Batalha de Nola - Marcelo
repulsa novamente um ataque de Aníbal.
214 a.C.
Terceira Batalha de Nola - Marcelo trava
nova batalha, desta vez inconclusiva,
contra Aníbal.
212 a.C.
Primeira Batalha de Cápua - Aníbal
derrota os cônsules Q. Fúlvio Flaco e Ápio
Cláudio, mas o exército romano consegue
escapar.
Batalha do Sílaro - Aníbal destrói o
exército do pretor M. Centênio Pênula.
Primeira Batalha de Herdónia - Aníbal
destrói o exército romano do pretor Cneu
Fúlvio.
211 a.C.
Batalha de Bétis - Públio e Cneu Cornélio
Cipião Calvo são mortos na batalha com
os cartagineses sob o irmão de Aníbal,
Asdrúbal.
Segunda Batalha de Cápua - Aníbal falha
em quebrar o cerco da cidade de Roma.
406
210 a.C.
Segunda Batalha de Herdónia - Aníbal
destrói o exército romano de Fúlvio
Centúmalo, que morre em batalha.
Batalha de Numistro - Aníbal derrota
Marcelo mais uma vez.
209 a.C.
Batalha de Ásculo - Aníbal derrota
novamente Marcelo, numa batalha
indecisiva.
208 a.C.
Batalha de Bécula - Na Hispânia, os
romanos sob Cipião Africano derrotam
Asdrúbal Barca
207 a.C.
Batalha de Grumento - O general romano
Caio Cláudio Nero trava uma batalha
indecisiva contra Aníbal, e marcha para
norte para confrontar-se com o irmão,
Asdrúbal, que entretanto invadiu a Itália
Batalha do Metauro - Asdrúbal é
derrotado e morto pelos exércitos
combinados de Lívio e Nero.
206 a.C.
Batalha de Ilipa - Cipião Africano destrói
as forças cartaginesas que restavam na
Hispânia; nesta batalha usou a versão
inversa da formação usada por Aníbal na
batalha de Canas.
407
204 a.C.
Batalha de Crotona - Aníbal trava uma
batalha inconclusiva com o general
Semprônio, no Sul da Itália.
203 a.C.
Batalha de Bagbrades - Os romanos sob
Cipião Africano derrotam o exército
cartaginês de Asdrúbal Gisco e Sífax.
Aníbal é chamado a África.
202 a.C.
Batalha de Zama (19 de outubro) - Cipião
Africano derrota definitivamente Aníbal
no Norte de África, terminando a Segunda
Guerra Púnica.
Legado
Cinema e televisão
Ano Filme
Notas
2008
Hannibal the Conqueror Filme
estadunidense dirigido e protagonizado
por Vin Diesel no papel de Aníbal.[42]
2006
Hannibal - Le pire cauchemar
de Rome Filme produzido pela BBC com
Alexander Siddig no papel de Aníbal.[43]
2005
Hannibal
V
Rome
Documentário televisivo produzido
por Richard Bedser e veiculado pelo
National Geographic Channel[44] com
Tamer Hassan no papel de Aníbal.[45]
408
2005
The True Story of Hannibal
Documentário televisivo produzido
por Mark Hufnail com Benjamin
Maccabee no papel de Aníbal.[46]
2001
Hannibal: The Man Who Hated
Rome
Filme britânico produzido por
Patrick Fleming.[47]
1997
The Great Battles of Hannibal
Documentário britânico.[48]
1959
Annibale Filme
italiano
produzido por Edgar George Ulmer e
Carlo Ludovico Bragaglia com Victor
Mature no papel de Aníbal.[49]
1955
Jupiter's Darling
Produzido
por George Sidney com Howard Keel no
papel de Aníbal.[nota 2]
1937
Scipione l'africano Filme
italiano.[50]
1914
Cabiria Filme
mudo
produzido por Giovanni Pastrone com
Emilio Vardannes no papel de Aníbal.[51]
Notas
Ir para cima ↑ A famosa frase latina da
última sentença da conversa é a seguinte:
"Vincere scis, Hannibal; victoria uti
nescis."
Ir para cima ↑ Neste filme, o personagem
de Aníbal tem uma participação
secundária.
409
Ir para cima ↑ A data de morte de Aníbal
costuma ser citada com maior frequência
como sendo 183 a.C., porém existe a
possibilidade de que ela tenha ocorrido no
ano anterior.‖
(https://pt.wikipedia.org/wiki/An%C3%ADbal
)
410
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