HIPOGLOSSO: O DÉCIMO SEGUNDO NERVO CRANIANO ANATOMOFISIOLOGIA O XII é um nervo eferente somático geral (ESG), puramente motor que inerva a língua. Apesar de ser considerado motor, também contém fibras simpáticas, funcionalmente vasoconstrictoras e fibras de natureza proprioceptiva. Essas fibras juntam-se parcialmente ao nervo através de uma anastomose com o gânglio cervical superior ou com o plexo carotídeo. O núcleo do XII está colocado em série com os nervos óculomotor, troclear e abducente e as raízes ventrais dos nervos espinhais, e representa as raízes ventrais fundidas, provavelmente de quatro nervos espino-occipitais, cujas raízes dorsais desapareceram completamente. Suas células originam-se nos núcleos do hipoglosso, que está situado na mesma linha que é à base da coluna cinzenta da medula anterior. Esse núcleo é uma extensão ascendente de colunas anteriores motoras da medula cervical com 18 a 20 mm de comprimento. Essa coluna de células motoras multipolares entra no bulbo entre a parte posterior da pirâmide e anterior do núcleo olivar inferior, estendem-se DeJong, 05 Fig. 01 por quase toda a extensão do bulbo logo abaixo do assoalho do IV ventrículo, próximo a linha média pela face medial do trígono do hipoglosso; e numerosas fibras ligam ambos os núcleos do XII nervo (Fig.1). 1 Na substância cinzenta que circunda os núcleos do XII nervo, existem três núcleos (superior, médio e inferior), coletivamente conhecidos como núcleos perihipoglossais, correspondentes a primitiva segmentação que o nervo tem no período embrionário. Lembramos que a musculatura da língua é inervada pelo hipoglosso, que procede de três somitos occipitais, os quais se fundem nas três raízes occipitais correspondentes a esses somitos. O processo embriológico pode explicar a síndrome pescoçolíngua devido à rotação rápida da cabeça, ocasionando compressão do ramo ventral da raiz de C2 no espaço atlantoaxial. Por essa raiz correm algumas fibras proprioceptivas da língua, essas fibras vão do nervo lingual para o nervo hipoglosso e em seguida para a raiz de C2 na medula espinhal. O quadro clínico caracteriza-se por dor aguda da região occipitonucal e dormência ipsilateral da língua. Os três núcleos que formam o complexo do XII nervo são: o núcleo intercalado de Staderini que se situa entre o núcleo do hipoglosso e do motor do vago; o núcleo prépositus que se estende do pólo do núcleo do hipoglosso até o abducente; e o núcleo de Roller situa-se ventral e adjacente as radículas do XII nervo. Acredita-se que o núcleo do hipoglosso divida-se em três partes: da parte ventral saem fibras que inervam o músculo hioglosso e estiloglosso; das partes ventrolateral e medial saem fibras para os músculos genioglosso, e dos pequenos músculos intrínsecos transversos e verticais da língua; e um pequeno setor de situação dorsomedial participaria também da inervação do músculo estiloglosso. Posterior ao núcleo do XII nervo existe um feixe de fibras descendentes e ascendentes ligado à substância cinzenta periventricular, conhecido como fascículo longitudinal posterior de Schültz, sendo considerado de natureza visceral. Numerosas fibras do XII nervo cruzam a linha media no bulbo para se encontrar com o seu outro par. Essa conexão de fibras garante uma boa simetria entre ambos os músculos de cada hemilíngua. Dos núcleos os axônios dirigem-se ventromedialmente através da formação reticular e emerge do bulbo no sulco entre a pirâmide e a oliva inferior numa série de 10 a 15 radículas de cada lado, anterior as radículas do IX, X e XI nervos. As fibras do hipoglosso reúnem-se em dois feixes que perfuram a duramáter separados, passam pelo canal do hipoglosso para então se unirem. O nervo desce pelo pescoço até o nível do ângulo da mandíbula e se dirige para frente sob a língua (Fig.2). 2 Na parte superior de seu trajeto o nervo passa entre a artéria carótida interna e a veia jugular interna e próxima ao X nervo, segue para o osso hióide e se divide em muitas fibras para suprir os diversos músculos língua. envia gânglio Fig. 02 da Ainda ramo ao vagal inferior e ao plexo faríngeo. Os ramos do XII nervo são: 1) Os meníngeos que abandonam o XII nervo quando este passa através do canal do hipoglosso, enviam colaterais para C1 e C2 para suprir as paredes durais do seio occipital e a dura do seio petroso inferior e a maior parte do assoalho e da parede anterior da fossa craniana anterior, ainda fazem anastomose no gânglio plexiforme do nervo vago. Esses ramos podem não ser todos ramos do XII nervo e, sim, ascendentes mistos sensitivos e simpáticos que se originam dos nervos espinhais e do gânglio simpático cervical superior. 2. O descendente envia um ramo ao homohioideo e depois se une a um ramo descendente de C2 e C3 para formar a alça do hipoglosso. Da convexidade dessa alça saem ramos para inervar o esternohioideo, esternotiroideo, e o ventre inferior do homohioideo. 3. O tireohioideo origina-se do XII nervo e supre o seu músculo. 4. Os musculares ou linguais constituem a distribuição real do hipoglosso, distribuindo-se ao estiloglosso, hioglosso, geniohioideo e genioglosso. Contudo, as fibras do geniohioideo originam-se do primeiro nervo cervical. Essas fibras terminam como 3 placas motoras terminais, cada nervo limitando-se à metade homolateral da língua. As unidades motoras são pequenas. Os músculos extrínsecos pareados da língua são responsáveis pela forma da posição da língua, realizando movimentos em varias direções: o genioglosso que coloca a língua para fora e a puxa para dentro; os estiloglossos elevam a ponta da língua; os hioglossos retraem a língua e deprime as laterais; os condroglossos também retraem e deprimem a língua. Os músculos intrínsecos pareados da língua são responsáveis pelos movimentos que alteram sua forma e a postura durante a deglutição de líquido; são movimentos que começam e terminam nela, fazendo com que a língua se encurte, se estreite ou se curve em varias direções. O longitudinal superior vira a ponta língua puxando-a para cima; o longitudinal inferior puxa a língua para baixo; ambos os longitudinais encurtam a língua; o transverso estreita e alonga a língua; e o vertical achata e alarga a língua. A atuação conjunta de ambos os grupos musculares da língua e de outros músculos do grupo suprahioideo, como o milohioideo, permite a língua participar de funções tão importantes como deglutição, mastigação e fonação. Controle supranuclear do XII nervo situa-se na parte inferior do giro précentral próximo à fissura silviana e dentro dela. A língua no homem tem uma representação cortical maior do que outro primata. As fibras seguem pelo trato corticobulbar através do joelho da cápsula interna e pedúnculo cerebral. Algumas fibras corticolinguais passam ao leminisco medial na ponte. O controle supranuclear do músculo genioglosso é principalmente cruzado; o suprimento para os outros músculos é bilateral, mas predominantemente cruzado. Os músculos suprahioideo também influenciam o movimento da língua por alterar a posição do osso hióide. O geniohioideo é suprido por fibras de C1 que seguem no XII nervo. O milohioideo e o corpo anterior do digástrico são inervados pelo V nervo; o estilohioideo e o corpo posterior do digástrico são inervados pelo VII nervo. Resumo: o nervo hipoglosso é um nervo motor. Os neurônios do hipoglosso estão situados no assoalho inferior e medial do IV ventrículo. As fibras saem pela superfície ventral do bulbo no sulco préolivar, entre a pirâmide e a oliva inferior, para inervar os músculos extrínsecos: hioglosso, estiloglosso, condroglosso e genioglosso da língua; assim como, inervam os músculos intrínsecos da língua: longitudinal superior e inferior, transversal e vertical (Fig.3). 4 Fig. 03 EXAME CLÍNICO No exame do XII nervo se avalia a força, o volume e a destreza da língua, procurando-se fraqueza, atrofia e fasciculação. Pede-se ao paciente para abrir a boca e deixar a língua dentro dela, em repouso. Após inspeção, pede-se ao paciente para colocar a língua para fora, para cima, para os lados. Em seguida, com um abaixador tenta-se deslocar a língua um dos lados contra a resistência, e vice-versa. Palpando-se a língua normal através da bochecha, a mesma não deve ser deslocada. Em caso de suspeita de miotonia, coloque a borda do abaixador pressionando contra a língua e percuta firmemente; aparece um filete temporário de contração na linha sob o abaixador e estreitamento da língua nesse ponto. Na distonia miotônica caracteriza-se por uma contração que demora a desaparecer. Resumo: o estudo clínico do XII nervo compreende: 1) avaliação estática do exame da língua. Observa-se se existe atrofia global ou de uma metade, se a porção atrofiada se encontra 5 enrugada, se apresenta movimentos fibrilares musculares e se está pálida ou roxa. 2) exploração da mobilidade lingual na inspeção dinâmica. O paciente é solicitado a mostrar a língua, desviá-la para os lados, para cima, para baixo, e observamos como efetuam os movimentos correspondentes. 3) Palpação da língua. Quando se segura a língua entre o dedo polegar e indicador, têm-se a sensação de rigidez, devido à contração; em caso de paralisia, a língua é macia e flácida, aplanando-se como um corpo inerte. Na presença de fraqueza unilateral, a língua desvia para o lado parético pela devido à ação do genioglosso normal, dentro da boca a língua sofre a ação do estiloglosso que a puxa para cima e para trás, desviado-a levemente para o lado sadio, embora não consegue pressioná-la contra a bochecha desse lado e, sim, do outro lado. Dentro da boca, a ponta da língua pode fazer movimento leve lateral bilateral, por ação dos músculos intrínsecos. Devido ao grande cruzamento de fibras entre ambos os núcleos do XII a fraqueza unilateral pode ser minimizada, mas pode haver dificuldade de manipular e remover os alimentos. Entretanto, os movimentos rápidos da língua podem estar comprometidos. Se não houver atrofia a hemilíngua parética torna-se mais volumosa. Quando aparece a atrofia, a perda de volume ocorre nas bordas laterais e na ponta da língua. Em casos severos de atrofia, a língua torna-se com sulcos e fissuras e menor naquele lado e quando protusão pode curvar-se para o lado atrofiado, assumindo uma forma de foice. Resumo: o estudo clínico de uma hemiparalisia da língua compreende: 1) inicialmente surge disartria com dificuldade na dicção com as letras L, R e T, e na deglutição, a qual é rapidamente compensada; 2) o exame mostra uma hemiatrofia da língua, em torno de duas semanas após a lesão, que parece menor no lado paralisado e apresenta dobras na borda; 3) quando a língua é projetada para fora, desvia em direção ao lado parético; 4) a língua projetada dificilmente pode ser movimentada para o lado sadio; e 5) quando o paciente mantém a língua dentro da boca e tenta empurrar a bochecha de dentro para fora, o examinador poderá observar a fraqueza do lado paralisado, se ele colocar seus dedos sobre as bochechas do paciente. Na paralisia bulbar progressiva e na esclerose lateral amiotrófica (ELA) avançada, a atrofia pode ser tão grave que não se pode efetuar a protusão da língua, ficando parada no assoalho da boca, glossoplegia. A atrofia pode ser acompanhada de fasciculação, às vezes com tremores finos e 6 rápidos, sendo difícil diferenciar de fasciculações: os tremores desaparecem dentro da boca, mas a fasciculação não. Às vezes, os movimentos continuam mesmo dentro da boca, isso ocorre devido ao músculo estiloglosso empurrar, constantemente, a língua para cima e para baixo. Paciente com coréia quando faz protusão da língua apresenta movimentos irregulares e espasmódicos (língua de cobra ou de sogra). Intoxicação por fenotiazinas, outros psicotrópicos, e doença de Parkinson, síndrome de Meige e crise convulsiva causam discinesias da língua. Aspectos morfológicos da língua podem ter relevância em neurologia como anquiloglossia ou língua presa pode simular paresia; neoplasia na hemilíngua pode fazer a língua desviar; macroglossia que ocorre em cretinismo, síndrome de Down, amiloidose; acromegalia, etc. Glossite atrófica ocorre por atrofia do epitélio e das papilas, apresentando língua lisa, brilhante e avermelhada. Em fase avançada da glossite pode haver edema, e dor irradiada para o ouvido. Podem ser causa de glossite deficiência de vitamina do complexo B12, ácido fólico e ferro. Em caso de anemia perniciosa a língua num estágio está pálida em outro está vermelha, lisa, pegajosa, translúcida, com atrofia das papilas fungiforme e filiforme. Na pelagra pela falta da vitamina B5, a língua mostra-se lisa e atrofiada; em estágio aguda fica edemaciada, de cor vermelho escarlate e pode ter ulcerações, Na deficiência de riboflavina a língua pode ter cor purpúrea ou azul carmesim com as papilas fungiformes e filiformes proeminentes e edemaciadas parecidas com calçamento de paralelepípedo; ao se associar as fissuras e fusão das papilas tem aparência de língua geográfica ou escrotal. Glossodinia ou língua ardente pode ocorrer por excesso de tabaco, intoxicação por metais pesados, ou como sintoma de menopausa ou pelagra. Xerostomia e irradiação local podem ser de língua seca e irritada. A síndrome de Melkersson e Rosenthal causa paralisia do nervo facial e língua escrotal. Fissuras linguais longitudinais ocorrem na glossite sifilítica. Ulceração da língua pode ser vista na sífilis primária como cancro lingual ou na doença de Behçet. A língua em tridente ou com três fissuras longitudinais aparecem na miastenia gravis. DESORDENS DA FUNÇÃO Lesão supranucleares causa disartria devido à fraqueza e falta de coordenação da língua. Disartria isolada foi revelada como causa de enfarte lacunar envolvendo as vias corticolinguais. Paralisia pseudobulbar bilateral por lesão do neurônio motor superior pode causar fraqueza 7 bilateral da língua; o paciente não consegue fazer a protusão da língua para fora da boca, apenas até os dentes. Como também ocorre em casos de apraxia da língua quando o paciente não sabe fazer a sua protusão sob comando. Na síndrome extrapiramidal a fala torna-se espessa, os movimentos da língua lentos e a dificuldade de protusão. Lesão na porção medial da ponte causa desvio da língua para o lado contralateral e, lesão na porção lateral da ponte, causa desvio da língua para o lado ipsilateral à lesão. Transtornos comuns que podem envolver o núcleo do hipoglosso incluem neoplasias, lesões vasculares e doenças do neurônio motor. Raramente ocorre siringobulbia, abscesso, granuloma, sífilis, polioencefalite e mononucleose infecciosa. Transtorno que acomete o trajeto intracraniano extramedular do XII nervo incluem meningite infecciosa e neoplásica, hemorragia subaracnóidea, schwanoma, inflamação e traumatismo. Pode afetar o nervo antes de sair do crânio os processos envolvendo a base do crânio como fratura, impressão basilar, platibasia, engasgamento do bulbo no forame magno na síndrome de hipertensão intracraniana ou luxação de vértebras cervicais superiores. Lesões ao longo do clivus podem causar paralisias bilaterais do XII nervo. A síndrome do côndilo do hipoglosso causa paralisia isolada do XII nervo devido inflamação, trauma ou neoplasia. Lesões mecânicas podem resultar em regeneração aberrante, que causa dificuldade progressiva com a coordenação dos movimentos da língua. Síndrome de Collet & Sicard é uma hemiparalisia dos últimos nervos cranianos, quando completa apresenta-se com: hemiparesia velopalatina, laríngea e faríngea (disfagia com regurgitação nasal, disartria), arreflexia palatina faríngea; paralisia atrófica dos músculos esternocleidomastoideo e trapézio; hemianestesia da parede posterior da faringe e laringe; hipogeusia ou ageusia do terço posterior da hemilíngua; atrofia da hemilíngua. As causas mais comuns são traumatismo por arma de fogo e tumores na região retromastóidea. Síndrome de Déjerine ocorre por oclusão da artéria espinhal anterior ou da artéria vertebral. Na primeira, o quadro clínico e bilateral e, na segunda, unilateral. São lesados o feixe piramidal, a raiz do nervo hipoglosso e frequentemente as estruturas do leminisco medial. Do ponto de vista clínico essa síndrome apresenta hemiplegia alterna, com paralisia da hemilíngua ipsilateral à lesão e hemiplegia contralateral, sendo frequente alteração da sensibilidade profunda no lado hemiplégico. Nos casos de oclusão da artéria vertebral, ocorre quadriplegia, anestesia profunda nos quatro membros e paralisia da língua uni ou bilateral. 8 LEITURAS RECOMENDADAS 1. BRODAL, A. ANATOMIA NEUROLÓGICA COM CORRELAÇOES CLÍNICAS. 3ª EDIÇÃO, SÃO PAULO, ROCA, 1984, p.888. 2. CAMPBELL, W.W. DeJONG: THE NEUROLOGIC EXAMINATION. SIXTH EDITION, PHILADELPHIA, LIPPINCOTT WILLIAMS & WILKINS, 2005, p.671. 3. CARPENTER, M.B. FUNDAMENTOS DE NEUROANATOMIA. QUARTA EDIÇÃO, MARYLAND, PANAMERICANA, 1999, p. 458. 4. DANTAS, A. M. OS NERVOS CRANIANOS: ESTUDO ANATOMOCLÍNICO. RIO DE JANEIRO, GUANABARA KOOGAN, 2005,p. 213. 5. GOETZ, C.G. TEXTBOOK OF CLINICAL NEUROLOGY. THIRD EDITION, PHILADELPHIA, SAUNDERS ELSEVIER, 2007, p.1364. 6. ROPPER, A.H and BROWN, R.H. ADAMS and VICTOR’S: PRINCIPLES OF NEUROLOGY. EIGHTH EDITION, NEW YORK, McGRAW HILL, 2005, p.1382. 7. SANVITO, W.L. SÍNDROMES NEUROLÓGICAS. TERCEIRA EDIÇÃO, SÃO PAULO, ATHENEU, 2008, p. 614. 8. WARWICH, R & WILLIAMS, P.L. GRAY ANATOMIA. 35a EDIÇÃO. RIO DE JANEIRO. GUANABARA KOOGAN,1979,p. 1375. 9