Evangelho segundo S. Lucas 11,1-13. – cf.par. Mt 6,9-13; cf.Mt 7,7-11 Sucedeu que Jesus estava algures a orar. Quando acabou, disse-lhe um dos seus discípulos: «Senhor, ensina-nos a orar, como João também ensinou os seus discípulos.» Disse-lhes Ele: «Quando orardes, dizei: Pai, santificado seja o teu nome; venha o teu Reino; dá-nos o nosso pão de cada dia; perdoa os nossos pecados, pois também nós perdoamos a todo aquele que nos ofende; e não nos deixes cair em tentação.» Disse-lhes ainda: «Se algum de vós tiver um amigo e for ter com ele a meio da noite e lhe disser: 'Amigo, empresta-me três pães, pois um amigo meu chegou agora de viagem e não tenho nada para lhe oferecer', e se ele lhe responder lá de dentro: 'Não me incomodes, a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados; não posso levantar-me para tos dar'. Eu vos digo: embora não se levante para lhos dar por ser seu amigo, ao menos, levantar-se-á, devido à impertinência dele, e dar-lhe-á tudo quanto precisar.» «Digo-vos, pois: Pedi e ser-vos-á dado; procurai e achareis; batei e abrir-se-vos-á; porque todo aquele que pede, recebe; quem procura, encontra, e ao que bate, abrir-se-á. Qual o pai de entre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se lhe pedir um peixe, lhe dará uma serpente? Ou, se lhe pedir um ovo, lhe dará um escorpião? Pois se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que lho pedem!» Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (África do Norte) e doutor da Igreja Sermão 80 «Ensina-nos a orar» Acreditais, irmãos, que Deus ignora o que vos é necessário? Aquele que conhece a nossa aflição conhece antecipadamente os nossos desejos. Por isso, quando ensinava o Pai Nosso, o Senhor recomendava aos discípulos que fossem sóbrios nas palavras: «Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós Lho pedirdes» (Mt 6,7-8). Se o vosso Pai sabe o que vos é preciso, para quê dizê-lo, mesmo por poucas palavras? [...] Se o sabes, Senhor, será mesmo necessário pedir-To em oração? Ora quem nos diz: «não useis de vãs repetições» declara-nos noutro passo: «Pedi e recebereis» e, para que não pensemos que o diz com leveza, acrescenta: «Procurai e encontrareis» e, para que não pensemos que se trata apenas de uma simples maneira de falar, vede como termina: «Batei, e hão-de abrir-vos» (Mt 7,7). Ele quer portanto que, para que possas receber, comeces por pedir, para que possas encontrar te ponhas a procurar, para que possas entrar não deixes, enfim, de bater à porta [...] Porquê pedir em oração? Porquê procurar? Porquê bater? Porquê cansarmo-nos a pedir, a procurar, a bater, como se estivéssemos a instruir Aquele que tudo sabe já? E lemos inclusive, noutra passagem: «Disselhes uma parábola sobre a obrigação de orar sempre, sem desfalecer» (Lc 18,2). [...] Pois bem, para esclareceres este mistério, pede em oração, procura e bate à porta! Se Ele cobre com véus este mistério, é porque quer animar-te e levar-te a que procures e encontres tu próprio a explicação. Todos nós, todos, devemos encorajar-nos a orar. Pregador do Papa: impossível conhecer Jesus prescindindo da fé em Deus XVII Domingo do Tempo Comum (C) Gênesis 18, 20-21.23-32; Colossenses 2, 12-14; Lucas 11, 1-13 Jesus orando «Ele lhes disse: ‘Quando orardes, dizei: Pai, santificado seja teu Nome, venha teu Reino’.» Como seria o rosto e toda a pessoa de Jesus quando estava imerso na oração, nós podemos imaginar pelo fato de que seus discípulos, só de vê-lo orar, se enamoram da oração e pedem ao Mestre que os ensine também a orar. E Jesus os atende, como ouvimos, ensinando-lhes a oração do Pai Nosso. Também agora queremos refletir sobre o evangelho inspirando-nos no livro do Papa Bento XVI sobre Jesus: «Sem o arraigo em Deus – escreve o Papa –, a pessoa de Jesus é fugaz, irreal e inexplicável. Este é o ponto de apoio sobre o qual se baseia este livro meu: considera Jesus a partir de sua comunhão com o Pai. Este é o verdadeiro centro de sua personalidade». Os evangelhos justificam amplamente estas afirmações. Portanto, ninguém pode contestar historicamente que o Jesus dos evangelhos vive e atua em contínua referência ao Pai celestial, que ora e ensina a orar, que funda tudo sobre a fé em Deus. Se eliminarmos esta dimensão do Jesus dos evangelhos, não resta absolutamente nada d’Ele. Deste dado histórico se deriva uma conseqüência fundamental, isto é, que não é possível conhecer o verdadeiro Jesus se se prescinde da fé, se se realiza uma aproximação d’Ele como não-crentes ou ateus declarados. Não falo neste momento da fé em Cristo, em sua divindade (que vem depois), mas de fé em Deus, na acepção mais comum do termo. Muitos não-crentes escrevem hoje sobre Jesus, certos de que são eles os que conhecem o verdadeiro Jesus, não a Igreja, não os crentes. Longe de mim (e creio que também do Papa) a idéia de que os nãocrentes não tenham direito de tratar de Jesus. Jesus é «patrimônio da humanidade» e ninguém, nem sequer a Igreja, tem o monopólio sobre Ele. O fato de que também os não-crentes escrevam sobre Jesus e se apaixonem por Ele não pode senão agradar-nos. O que eu desejaria mostrar são as conseqüências que se derivam de um ponto de partida assim. Se negarmos a fé em Deus ou se prescindirmos dela, não se elimina só a divindade, ou o chamado Cristo da fé, mas também o Jesus histórico tout court, não se salva sequer o homem Jesus. Se Deus não existe, Jesus não é mais que um dos muitos iludidos que orou, adorou, falou com sua sombra ou com a projeção de sua própria presença, segundo Feuerbach. Mas como se explica então que a vida desse homem «tenha mudado o mundo»? Seria como dizer que não foram a verdade e a razão que mudaram o mundo, mas a ilusão e a irracionalidade. Como se explica que este home continue, a dois mil anos de distância, interpelando os espíritos como nenhum outro? Pode tudo isso ser fruto de um equívoco, de uma ilusão? Não há mais que uma via de saída a este dilema, e é preciso reconhecer a coerência dos que (especialmente no âmbito do californiano «Jesus Seminar») a tomaram. Segundo aqueles, Jesus não era um crente hebreu; era no fundo um filósofo ao estilo dos cínicos; não pregou um reino de Deus, nem um próximo final do mundo; só pronunciou máximas sapienciais ao estilo de um mestre Zen. Seu objetivo era despertar nos homens a consciência de si, convencê-los de que não tinham necessidade nem d’Ele nem de outro Deus, porque eles mesmos levavam em si uma faísca divina. Mas estas são as coisas que a Nova Era prega há décadas! O olhar do Papa foi adequado: sem o arraigo em Deus, a figura de Jesus é fugaz, irreal; eu acrescentaria contraditória. Não creio que isso deva entender-se no sentido de que só quem adere interiormente ao cristianismo pode entender algo dele, mas certamente deveria alertar com relação a achar que somente situando-se fora deste, fora dos dogmas da Igreja, se pode dizer algo objetivo sobre ele. [Tradução realizada por Zenit.] «Ensina-nos a rezar» é o melhor pedido que podemos fazer a Jesus, diz cardeal Dom Eusébio Scheid reflete sobre a oração RIO DE JANEIRO, quarta-feira, 21 de novembro de 2007 (ZENIT.org).- De acordo com o arcebispo do Rio de Janeiro (Brasil), «o melhor pedido que podemos fazer a Jesus» é o mesmo feito pelos apóstolos «num dos mais belos episódios do Evangelho»: «ensina-nos a rezar». Em mensagem aos fiéis difundida essa terça-feira pelo site de sua arquidiocese, Dom Eusébio Oscar Scheid recorda que «foi assim que Ele nos deixou o Pai-Nosso, a oração cristã por excelência, a partir da qual se desdobram todas as escolas e modalidades de oração». Mas o que é oração? – pergunta o arcebispo, que cita uma «espontânea, porém profunda» definição de Santa Teresinha de Lisieux: “A oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria”. Sob um enfoque teológico, afirma Dom Eusébio, «eu diria que oração é o falar divino». «Quando fomos batizados, recebemos a vida divina, fomos enxertados em Cristo, como nos diz São Paulo. Em conseqüência, participamos de sua Paixão, Morte e Ressurreição (cf. Rm 6,1ss). Tamanha intimidade com o Senhor nos proporciona os meios mais diretos para ouvirmos e acolhermos esse falar divino. Se não o fazemos, é porque estamos nos fechando à gratuidade desse dom», escreve. Ao citar algumas orações que, embora não sendo de cunho litúrgico, continuam compondo o patrimônio católico, o arcebispo aponta como uma das mais importantes o Rosário. Dom Eusébio recorda ainda a Via-Sacra, «que tem suscitado a oração contemplativa de gerações de fiéis, sobre as etapas da Paixão e Morte do Senhor». Segundo o arcebispo do Rio de Janeiro, o Ângelus «é outra jóia da tradição eclesial», que «mantém vivo o costume milenar da oração nas várias horas do dia, além de nos propiciar o louvor à nossa querida Mãe». «Outra oração digna de destaque é o Glória, que introduz, com a adoração à Trindade, todos os contextos de nossa vida e nossas atividades.» De acordo com o cardeal Scheid, a oração mental, pela qual se dirige, particularmente, a Deus, «é outra forma riquíssima de rezar». «Santa Teresa d’Ávila, também Doutora da Igreja, nos ensina: “A oração mental, a meu ver, é apenas um comércio íntimo de amizade, em que conversamos muitas vezes a sós com esse Deus por quem nos sabemos amados”», cita. Dom Eusébio enfatiza então que a oração «é diálogo com Deus, que nos fala, diretamente, como a amigos». Deus «também dialoga conosco, através do mundo criado. Se, por exemplo, sorvo um copo d’água e agradeço a Deus por isso, tornei a água instrumento de oração». «Os passarinhos cantam, e não sabem por quê. Mas se eu louvo o canto dos pássaros, se admiro a beleza divina, espelhada nas flores, estou dando linguagem, finalidade e coração ao mundo criado. Eis a beleza da oração de todas as coisas, quando, meditando sobre o mundo criado, falamos com Deus», afirma. Segundo o arcebispo, o mundo do trabalho manifesta essa realidade da criação, na qual o homem é chamado por Deus a intervir. «E o faz mediante esforços e sacrifícios, heranças do pecado das origens: “Tirarás da terra, com trabalhos penosos, o teu sustento todos os dias de tua vida” (Gn 3,17). Mas a oração é capaz de invocar o auxílio divino em todas as circunstâncias, de modo que, afinal, cada trabalhador, cada profissional possa exclamar, com gratidão: “Coroastes o ano com vossos benefícios; onde passastes ficou a fartura” (Sl 64[65],12)», destaca o cardeal Scheid. Rábano Mauro (c.784-856), abade beneditino e bispo Três livros para Bonoso, livro 3,4; PL 112, 1306 «Dar-lhe-á tudo quanto precisar» Não permitas que te falte a confiança em Deus, nem te deixes desesperar da sua misericórdia [...] Canta ao Senhor estas palavras do profeta: «Como os olhos do servo se fixam nas mãos do seu amo, e como os da serva, nas mãos da sua ama, assim os nossos olhos estão postos no Senhor, nosso Deus, até que tenha piedade de nós. Tem piedade de nós, Senhor, tem piedade de nós, porque estamos saturados de desprezo» (Sl 122, 2-3). Se estamos saturados de desprezo por causa dos nossos muitos pecados, devemos porém voltar-nos para o Senhor nosso Deus até que Ele de nós se apiede, e dirigir-Lhe continuamente as nossas súplicas até que nos conceda o perdão pelos nossos erros. De facto, é próprio da alma constante e tenaz perseverar na oração sem vacilar por desespero de querer ser atendida, e persistir tenazmente na oração até que Deus lhe faça misericórdia. Para que não venhas a pensar que ofendes ao Senhor por persistires na oração quando não mereces ser escutado, lembra-te da parábola de Evangelho. Nela descobrirás que os que oram a Deus com importuna perseverança não Lhe são desagradáveis, porque é dito: «Embora não se levante para [...] dar por ser seu amigo, ao menos, levantar-se-á, devido à impertinência dele, e dar-lhe-á tudo quanto precisar». Compreende pois que é o diabo que nos sugere que entremos em desespero por querer ser atendidos, e fá-lo para que nos seja retirada essa esperança na bondade de Deus, que é a âncora da nossa salvação, o fundamento da nossa vida, o guia no caminho que leva aos céus. O apóstolo Paulo diz: «Foi na esperança que fomos salvos» (Rm 8,24). São Siluane (1866-1938), monge ortodoxo Escritos «Ensina-nos a rezar» Se queres rezar com o espírito unido ao coração e não o consegues, reza com os lábios e concentra o espírito nas palavras da oração, como é dito na Escada santa [de S. João Clímaco]. Com o tempo, o Senhor dar-te-á a graça da “oração do coração”, conseguirás não te distrair, e rezarás com facilidade. Alguns, no trabalho da oração, tendo forçado a inteligência a descer ao coração, subverteram-no a tal ponto que já nem conseguiam pronunciar a oração com os lábios. Mas, tu, tens de conhecer a lei da vida espiritual: os dons só são concedidos às almas simples, humildes e obedientes. Àquele que em tudo for obediente e sóbrio – em alimento, em palavras e em gestos – o Senhor concederá a oração, ela far-se-á com facilidade no seu coração. A oração incessante procede do amor, mas perdemo-la com os julgamentos, com as palavras vãs e com a intemperança. Aquele que ama a Deus pode pensar n’Ele dia e noite, porque ocupação alguma nos pode impedir de amar a Deus. Os apóstolos amavam o Senhor sem que as coisas do mundo os perturbassem, e no entanto lembravam-se do mundo, rezavam por ele e dedicavam-se à pregação. Foi dito a Santo Arsénio, em contrapartida: «Foge dos homens». Mas o Espírito divino ensina-nos, até no deserto, a rezar pelos homens e pelo mundo inteiro. Santa Catarina de Sena (1347-1380), terceira dominicana, doutora da Igreja, co-patrona da Europa Os Diálogos, cap. 134 "Pedi e recebereis" A tua verdade disse que, se chamássemos, seríamos atendidos, se batêssemos à porta, sernos-ia aberta, se pedíssemos, ser-nos-ia dado: ó Pai eterno, os teus servos clamam-te misericórdia. Responde-lhes, pois. Porque eu sei que a misericórdia te pertence e, por isso, não a podes recusar a quem ta pede. Batem à porta da tua verdade porque é na tua verdade, no teu Filho (Jo 14,6), que conhecem o amor inefável que experimentas para com o homem. É por isso que batem à porta. E é por isso que o fogo da tua caridade não poderá, não pode não abrir àqueles que batem com perseverança. Abre, pois, dilata, quebra os corações endurecidos daqueles que criaste - se não for por causa dos que não batem, que seja ao menos pela tua bondade infinita e por amor dos teus servos que batem à tua porta em favor dos outros. Atende-os, Pai eterno... Abre a porta da tua ilimitada caridade que veio até nós pela porta do Verbo. Sim, eu sei que tu abres mesmo antes de nós batermos porque é com a vontade e com o amor que lhes deste que os teus servos batem e te chamam, para tua honra e para a salvação das almas. Dá-lhes, pois, o pão da vida, isto é, o fruto do sangue do teu Filho único. Santa Teresa d’Ávila (1515-1582), carmelita, doutora da Igreja Caminho de Perfeição, cap. 30 A oração introduz-nos desde já no reino de Deus «Santificado seja o vosso nome. Venha a nós o vosso Reino.» Admirai aqui, minhas filhas, a imensa sabedoria do nosso Mestre! Que queremos nós quando pedimos esse Reino?... Nosso Senhor conhecia a nossa extrema fraqueza. Ele sabia que nós éramos incapazes de santificar, de louvar, de exaltar, de glorificar o nome santíssimo do Pai eterno duma forma conveniente, a menos que atendesse a isso dando-nos logo cá em baixo o seu Reino. Foi exactamente por isso que o bom Jesus juntou aqui estes dois pedidos... Em minha opinião, um dos grandes bens que encerra o Reino do céu é que, lá, ficamos afastados de todas as coisas da terra; lá, goza-se um repouso e uma beatitude íntimas; lá, participa-se da alegria de todos numa paz perpétua, numa felicidade profunda de ver todos os eleitos santificarem e louvarem o Senhor, abençoando o seu nome, sem que se ache alguém que O ofenda. Todos O amam, e a alma não tem outra ocupação que não seja amá-lO, e não pode deixar de O amar porque O conhece. Pois bem! Se nós pudéssemos conhecê-lO, amá-lO-íamos do mesmo modo cá em baixo, não todavia tão perfeitamente nem com essa estabilidade, mas enfim, amá-lO-íamos de modo diferente daquele com que O amamos... Aquilo de que estamos a tratar é possível à alma, já neste exílio, com a graça de Deus. Mas, na verdade, ela não pode atingi-lo perfeitamente... pois ainda navegamos no mar deste mundo, e continuamos viajantes. Há contudo momentos em que o Senhor, vendo-nos fatigados do caminho, põe todas as nossas forças na calma e a nossa alma na quietude. Então, Ele revela claramente, por um certo ante-gosto, qual é o sabor da recompensa reservada àqueles que introduz no seu Reino. São Simeão, o Novo Teólogo (c. 949-1022), monge ortodoxo Catequese 33 “E àquele que bate à porta, abrir-se-lhe-á” Diz Cristo aos Doutores da Lei: “Ai de vós, doutores da Lei, porque vos apoderastes da chave da ciência” (Lc 11, 52). O que é a chave da ciência, senão a graça do Espírito Santo dada pela fé, que produz, por iluminação, o conhecimento pleno, e que nos abre o espírito, fechado e velado? […] E direi ainda: a porta é o Filho: “Eu sou a Porta”, diz ele (Jo 10, 7). A chave da porta é o Espírito Santo: “Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23). A casa é o Pai: “Na casa de Meu Pai há muitas moradas” (Jo 14, 2). Presta pois cuidadosa atenção ao sentido espiritual destas palavras. […] Se a porta não se abrir, ninguém entrará na casa do Pai, como diz Cristo: “Ninguém vem ao Pai senão por Mim” (Jo 14, 6). Ora, que o Espírito Santo é o primeiro a abrir-nos o espírito e a ensinar-nos aquilo que diz respeito ao Pai e ao Filho, foi também Ele que o disse: “Quando vier o Consolador, que vos hei-de enviar da parte do Pai, o Espírito da Verdade, que procede Pai, Ele testificará de Mim.” (Jo 15, 26). Como vês, o Espírito – ou antes, no Espírito, o Pai e o Filho dão-Se a conhecer inseparavelmente. […] Com efeito, se chamamos chave ao Espírito Santo, é porque é, antes de mais, por Ele e nele que temos o espírito clarificado e que, purificados, somos iluminados com a luz do conhecimento e baptizados com o que vem do alto, regenerados e tornados filhos de Deus, como diz Paulo: “É o próprio Espírito que intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rom 8, 26), e ainda: “Deus enviou aos nossos corações o Espírito que clama: ‘Abbá! Pai!’” (Gal 4, 6). É Ele, pois, que nos mostra a porta, porta que é luz, e a porta ensina-nos que Aquele que habita em casa é, também Ele, uma luz inacessível. Evangelho segundo S. Lucas 11,5-13. Disse-lhes ainda: «Se algum de vós tiver um amigo e for ter com ele a meio da noite e lhe disser: 'Amigo, empresta-me três pães, pois um amigo meu chegou agora de viagem e não tenho nada para lhe oferecer', e se ele lhe responder lá de dentro: 'Não me incomodes, a porta está fechada, eu e os meus filhos estamos deitados; não posso levantar-me para tos dar'. Eu vos digo: embora não se levante para lhos dar por ser seu amigo, ao menos, levantar-se-á, devido à impertinência dele, e dar-lhe-á tudo quanto precisar.» «Digo-vos, pois: Pedi e servos-á dado; procurai e achareis; batei e abrir-se-vos-á; porque todo aquele que pede, recebe; quem procura, encontra, e ao que bate, abrir-se-á. Qual o pai de entre vós que, se o filho lhe pedir pão, lhe dará uma pedra? Ou, se lhe pedir um peixe, lhe dará uma serpente? Ou, se lhe pedir um ovo, lhe dará um escorpião? Pois se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu dará o Espírito Santo àqueles que lho pedem!» S. Cipriano (cerca 200-258), bispo de Cartago e mártir Da oração dominical A oração dos filhos de Deus Eis como o Senhor nos disse para rezarmos: “Nosso Pai que está nos céus”. O homem novo, renascido e restituído ao seu Deus pela sua graça, diz em primeiro lugar “Pai” porque ele começa a tornar-se seu filho. “Ele veio para a sua casa, diz o Evangelho, e os seus não o receberam, mas a todos que o receberam, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus: aos que acreditam no seu nome” (Jo 1,11-12). O que acreditou no seu nome tornou-se filho de Deus e deve pois começar por dar graças proclamando-se filho de Deus e chamando Deus Pai que está nos céus... Que grande indulgência e que imensa bondade do Senhor para connosco! Ele quis que ofereçamos a nossa prece a Deus dando-lhe o nome de Pai. E tal como Cristo é Filho de Deus, ele quis que também nós tivéssemos o nome de filhos de Deus. Este nome, ninguém de entre nós ousaria pretendê-lo na oração se ele próprio não o tivesse concedido. Devemo-nos lembrar, irmãos muito amados, e devemos saber que assim que chamamos nosso Pai a Deus, temos que nos comportar como filhos de Deus para ele se comprazer em nós como nós nos alegramos nele. Comportemo-nos como templos de Deus (1Cor 3,16) e Deus permanecerá em nós. São Cipriano (c. 200-258), bispo de Cartago e mártir A Oração dominical Seus filhos no Filho O homem novo, que nasceu de novo e foi restituído ao seu Deus pela graça, diz em primeiro lugar: “Pai”, porque se tornou filho. «Veio para o que era seu e os seus não O receberam. Mas a quantos O receberam, aos que Nele crêem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus» (Jo 1, 11-12). Quem acreditou no seu nome e se tornou filho de Deus, deve começar por agradecer e proclamar que é filho de Deus. Não basta, caríssimos irmãos, ter consciência de que invocamos o Pai que está nos céus. Acrescentamos: «Pai nosso», isto é, Pai dos que crêem, dos que foram santificados por Ele e nasceram de novo pela graça espiritual: esses começaram a ser filhos de Deus. Como é grande a misericórdia do Senhor, como são grandes a sua benevolência e bondade em nos levar a rezar assim na presença de Deus, até ao ponto de Lhe chamarmos Pai! E, como Cristo é Filho de Deus, também nós, do mesmo modo, somos chamados filhos. Ninguém entre nós ousaria jamais usar esta palavra na oração; foi preciso que o pr óprio Senhor nos encorajasse a fazê-lo. S. Macário, (c. 405), monge no Egipto Homilia nº 16 «Quanta graça do Espírito Santo não há-de o Pai celeste conceder àqueles que a pedem!» Para conseguir o pão do corpo, o mendigo não se constrange em bater de porta em porta a pedi-lo; se não lho dão, avança até mais um pouco e pede, ainda mais sem cerimónia, pão, roupas ou sandálias para consolo do seu corpo. Se nada lhe derem, insiste e dali não sai, ainda que o expulsem. Nós, que procuramos receber o pão celeste e verdadeiro para nos fortificar a alma, que desejamos vestir as celestes roupas de luz e que aspiramos a calçar as imateriais sandálias do Espírito para refrigério da alma imortal, muito mais devemos, incansável e resolutamente, com fé e amor, ter sempre paciência, bater à porta espiritual de Deus e pedir com perfeita constância para nos julgar sermos dignos da vida eterna. Por isso dizia o Senhor «uma parábola sobre a obrigação de orar sempre, sem desfalecer» (Lc 18,1), a que acrescentava estas palavras: Quanta «justiça para com os que Lhe imploram noite e dia» (v. 6) terá então nosso Pai Celeste. E disse ainda, sobre o amigo: «Ainda que não lhe dê na qualidade de amigo, levantar-se-á devido à sua impertinência e dar-lhe-á tudo aquilo de que precisar». Acrescenta então: «Pedi, e ser-vos-á dado; procurai, e encontrareis; batei, e abrir-vos-ão. Porque àquele que pede ser-lhe-á dado, aquele que procura encontra, e àquele que bate abrir-lhe-ão». E prossegue: «Portanto se vós, que sois imperfeitos, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, vede então quanta graça do Espírito Santo há-de o Pai celeste conceder àqueles que a pedem!» É por isso que o Senhor nos exorta a pedir sempre, incansável e tenazmente, a procurar e a bater à porta, continuamente: porque Ele prometeu dar aos que pedem, procuram e batem, não aos que não pedem. É por Lhe rezarmos, Lhe suplicarmos e por O amarmos que Ele quer dar-nos a vida eterna. S. Tomás de Aquino (1225-1274), teólogo dominicano, doutor da Igreja Compêndio teológico Convém ao homem implorar Segundo o desejo providencial de Deus, foi dado a tudo o que existe o meio de chegar à sua conclusão conforme a sua natureza. Os homens receberam, para obter o que esperam de Deus, um meio adaptado à condição humana. Esta condição quer que o homem se sirva do implorar para obter do outro o que ele espera, sobretudo se aquele a quem se dirige lhe é superior. É por isso que é recomendado aos homens que implorem para obter de Deus aquilo que esperam receber dele. Mas a necessidade de implorar é diferente conforme se trata de obter qualquer coisa de um homem ou de Deus. Quando o pedido se dirige a um homem, deve-se primeiro exprimir o desejo e a necessidade daquele que implora. É preciso também que ele dobre, até fazer ceder, o coração daquele a quem implora. Ora estes dois elementos não têm mais lugar no pedido feito a Deus. Ao pedir, não temos que nos que inquietar em manifestar os nossos desejos ou necessidades a Deus que conhece tudo. É assim que o salmista diz ao Senhor: “Todos os meus desejos estão diante de ti” (Sl 37,10). E lemos no Evangelho: “Vosso Pai sabe que tendes necessidade de tudo isso” (Mt 6,8). Não se trata mais de dobrar, por palavras humanas, a vontade divina a querer o que de início não queria, porque é dito no livro dos Números: “Deus não é como um homem, para mentir, nem filho de Adão, para mudar” (23,19). João Paulo II Dives in misericórdia «Se vós, que sois maus, sabeis dar coisas boas aos vossos filhos, quanto mais o Pai do Céu…?» Quanto mais a consciência humana, vítima da secularização, esquecer o próprio significado da palavra «misericórdia», e quanto mais, afastando-se de Deus, se afastar do mistério da misericórdia, tanto mais a Igreja tem o direito e o dever de apelar «com grande clamor» (Heb 5, 7) para o Deus da misericórdia. Este «grande clamor», elevado até Deus para implorar a Sua misericórdia há-de caracterizar a Igreja do nosso tempo… O homem contemporâneo interroga-se com profunda ansiedade quanto à solução das terríveis tensões que se acumulam sobre o mundo e se entrecruzam nos caminhos da humanidade. Se algumas vezes o homem não tem a coragem de pronunciar a palavra «misericórdia», ou não lhe encontra equivalente na sua consciência despojada de todo o sentido religioso, ainda se torna mais necessário que a Igreja pronuncie esta palavra, não só em nome próprio, mas também em nome de todos os homens contemporâneos. Que este clamor esteja impregnado de toda a verdade sobre a misericórdia que tem expressão tão rica na Sagrada Escritura e na Tradição, e também na autêntica vida de fé e de tantas gerações do Povo de Deus. Com este clamor apelamos, como fizeram os Autores sagrados, para o Deus que não pode desprezar nada daquilo que Ele criou, para o Deus que é fiel a Si Evangelho segundo S. Lucas 11,14-23. – cf.par. Mt 12,22-30; 43-45; Mc 3,22-27 Jesus estava a expulsar um demónio mudo. Quando o demónio saiu, o mudo falou e a multidão ficou admirada. Mas alguns dentre eles disseram: «É por Belzebu, chefe dos demónios, que Ele expulsa os demónios.» Outros, para o experimentarem, reclamavam um sinal do Céu. Mas Jesus, que conhecia os seus pensamentos, disse-lhes: «Todo o reino, dividido contra si mesmo, será devastado e cairá casa sobre casa. Se Satanás também está dividido contra si mesmo, como há-de manter-se o seu reino? Pois vós dizeis que é por Belzebu que Eu expulso os demónios. Se é por Belzebu que Eu expulso os demónios, por quem os expulsam os vossos discípulos? Por isso, eles mesmos serão os vossos juízes. Mas se Eu expulso os demónios pela mão de Deus, então o Reino de Deus já chegou até vós. Quando um homem forte e bem armado guarda a sua casa, os seus bens estão em segurança; mas se aparece um mais forte e o vence, tira-lhe as armas em que confiava e distribui os seus despojos. Quem não está comigo está contra mim, e quem não junta comigo, dispersa.» S. Cipriano (cerca de 200-258), bispo de Cartago e mártir Da unidade da Igreja "Todo o reino dividido torna-se um deserto" Ninguém pode ter Deus como pai se não tiver a Igreja como mãe... O Senhor adverte-nos nesse sentido dizendo: "Quem não está comigo está contra mim e quem não recolhe comigo dissipa". Aquele que quebra a paz e a concórdia de Cristo age contra Cristo; aquele que colhe fora da Igreja dissipa a Igreja de Cristo. O Senhor diz: "O Pai e eu somos um" (Jo 10,30). Está escrito ainda a propósito do Pai, do Filho e do Espírito Santo: "Estes três são um" (1 Jo 5,7). Por isso, quem acreditará que a unidade, que tem a sua origem nesta harmonia divina, que está ligada a este mistério celeste, pode ser esquartejada na Igreja... devido a conflitos voluntariosos? Todo aquele que não observar esta unidade, não observa a lei de Deus, nem a fé no Pai e no Filho; não preserva a vida nem a salvação. Este sacramento da unidade, este vínculo da concórdia numa coesão indissolúvel é-nos mostrado no Evangelho pela túnica do Senhor. Ela não pôde ser de forma alguma dividida ou rasgada, mas foi tirada à sorte para se saber quem revestirá Cristo (Jo 19,24)... Ela é o símbolo da unidade que vem do alto. S. Simeão o Novo Teólogo (c. 949 - 1022), monge ortodoxo Catequese 27 "Quem não recolhe comigo, dispersa" O teu Mestre não se zanga quando o insultam; e tu, enervas-te? Ele suporta escarros, bofetados, chicotadas; e tu não podes aceitar uma palavra dura? Ele acolhe a cruz, uma morte desonrosa, a tortura dos cravos; e tu não aceitas cumprir os serviços menos honrosos? Como irás tornar-te participante da sua glória (1 Pe 5,1) se não aceitas tornar-te participante da sua morte desonrosa? Na verdade, foi em vão que abandonaste as riquezas, se não quiseres tomar a cruz, tal como ele ordenou com a sua palavra de verdade: «Vende o que tens e dá-o aos pobres», prescreve ele ao jovem rico, assim como a todos nós, «toma a tua cruz», «vem e segue-me» (Mt 19,21.16,24). Tu fizeste bem em partilhar as tuas riquezas, mas não aceitaste tomar a cruz, isto é, suportar com valentia o assalto de todas as provações; perdeste-te no caminho da vida e separaste-te, para tua desgraça, do teu Deus dulcíssimo e do teu Mestre Peço-vos, meus irmãos, observemos todos os mandamentos de Cristo, suportemos até à morte, por amor do Reino dos céus, as provações que nos assaltam, a fim de participarmos na glória de Deus, de ter parte na vida eterna e de herdar o gozo dos bens indizíveis, em Cristo Jesus nosso Senhor. Evangelho segundo S. Lucas 11,15-26. Mas alguns dentre eles disseram: «É por Belzebu, chefe dos demónios, que Ele expulsa os demónios.» Outros, para o experimentarem, reclamavam um sinal do Céu. Mas Jesus, que conhecia os seus pensamentos, disse-lhes: «Todo o reino, dividido contra si mesmo, será devastado e cairá casa sobre casa. Se Satanás também está dividido contra si mesmo, como há-de manter-se o seu reino? Pois vós dizeis que é por Belzebu que Eu expulso os demónios. Se é por Belzebu que Eu expulso os demónios, por quem os expulsam os vossos discípulos? Por isso, eles mesmos serão os vossos juízes. Mas se Eu expulso os demónios pela mão de Deus, então o Reino de Deus já chegou até vós. Quando um homem forte e bem armado guarda a sua casa, os seus bens estão em segurança; mas se aparece um mais forte e o vence, tira-lhe as armas em que confiava e distribui os seus despojos. Quem não está comigo está contra mim, e quem não junta comigo, dispersa.» «Quando um espírito maligno sai de um homem, vagueia por lugares áridos em busca de repouso; e, não o encontrando, diz: 'Vou voltar para minha casa, de onde saí.' Ao chegar, encontra-a varrida e arrumada. Vai, então, e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele; e, entrando, instalam-se ali. E o estado final daquele homem torna-se pior do que o primeiro.» Santo Irineu de Lyon (cerca 130-cerca 208), bispo, teólogo e mártir Contra as heresias “Mas se é pelo Espírito de Deus que expulso os demónios, quer dizer, então, que chegou até vós o Reino de Deus” Henoc, por ter andado na presença de Deus, foi transferido para o céu no seu corpo, prefigurando assim a transferência dos justos. Também Elias foi elevado tal como se encontrava na substância da sua carne formada (2Rs 2,11), profetizando desse modo o levantamento dos homens espirituais. Os seus corpos não puseram nenhum obstáculo a esta transferência e a este levantamento: foi pelas mesmas mãos pelas quais eles foram formados no princípio (Gn 2,7) que foram transferidos e elevados. Porque, em Adão, as mãos de Deus acostumaram-se a dirigir, a reter e a levar a obra formada por elas, a transportá-la a colocá-la onde queriam. Onde foi pois colocado o primeiro homem? No paraíso, sem dúvida, segundo o que diz a Escritura: “E Deus plantou um jardim no Éden, ao oriente, e nele colocou o homem que havia formado” (Gn 2,8). E foi de lá que ele foi expulso para este mundo, por ter desobedecido… Alguém acredita que é impossível que os homens permaneçam vivos tanto tempo como os primeiros patriarcas? Alguém acredita que Elias não foi elevado na sua carne, mas que o seu corpo foi destruído no carro de fogo? Ele julga que Jonas, depois de ter sido precipitado no fundo do mar e ter sido engolido por um peixe, foi lançado são e salvo no rio por ordem de Deus. Ananias, Azarias e Misael, lançados numa fornalha ardente, não sofreram nenhum mal e nem mesmo o cheiro do fogo ficou neles (Dn 3,50). Se a mão de Deus os assistiu e realizou neles coisas extraordinárias e impossíveis à natureza humana, que há de extraordinário se, naqueles que foram transferidos, esta mesma mão também realizou uma coisa extraordinária, executando a vontade do Pai? Ora esta Mão é o Filho de Deus (cf Dn 3, 25). Diádoco de Foticeia (c. 400-?), bispo Cem capítulos sobre o conhecimento, 6, 26 ss.; PG 65, 1169 ss. O Espírito Santo triunfa em nós dos espíritos do mal É luz de verdadeiro conhecimento discernir sem erro o bem do mal. […] Com efeito, aqueles que combatem devem preservar a todos o momento a calma do pensamento; assim, o espírito poderá discernir as sugestões que o atravessam, e depositará no tesouro da memória as que são boas e vêem de Deus, rejeitando as que são más e diabólicas. Quando o mar está calmo, os pescadores apercebem-se dos movimentos que têm lugar nas suas profundezas, a tal ponto que quase nenhum nos seres que as percorrem lhes escapa; mas, quando é agitado pelos ventos, esconde na sombria agitação aquilo que se apressa a mostrar na tranquilidade. […] O Espírito Santo é o único a quem pertence purificar o espírito pois, a menos que venha algum mais forte que apanhe o ladrão, o roubo não poderá ser recuperado. Devemos, pois, por todos os meios, mas em especial pela paz da alma, oferecer uma morada ao Espírito Santo, a fim de termos a lâmpada do conhecimento sempre acesa em nós. Pois, se ela brilha sem cessar em to dos os recessos da alma, não somente todas as insinuação pesadas e sombrias dos demónios se tornam evidentes, como ainda enfraquecem consideravelmente, apagadas por esta luz santa e gloriosa. É por isso que o apóstolo Paulo nos diz: “Não extingais o Espírito!” (1Tes 5, 19). Pseudo-Macário, monge anónimo no sec.VI que atribui as suas homilias a S. Macário, o Egípcio Homilia 33 «A sua casa somos nós» (He 3, 9) O Senhor instala-se numa alma ferverosa, faz dela o Seu trono de glória, senta-se nele e aí permanece... Essa casa que o seu dono habita é toda graça, ordem e beleza, como a alma com a qual e na qual o Senhor habita é só ordem e beleza. Ela possui o Senhor e todos os tesouros espirituais. Nela, Ele é o habitante, Ele é o chefe. Mas como é horrorosa a casa cujo dono está ausente, da qual o Senhor está longe. Ela degrada-se, entra em ruína, enche-se de porcaria e de desordem. Torna-se, de acordo com a palavra de um profeta, num covil de serpentes e de demónios (Is 34, 14). A casa abandonada enche-se de cães, de gatos, de lixo. E como é infeliz a alma que não se consegue levantar da queda funesta, que se deixa levar e acaba por odiar o seu esposo e afastar os seus pensamentos de Jesus Cristo! Mas quando o Senhor a vê recolher-se e buscar noite e dia o seu Senhor, gritar por Ele, tal como Ele a convida a fazer: « Orai incansavelmente», então « Deus far-lhe-á justiça» (Lc 18, 1-7) ¬ Ele prometeu-o ¬ e purifica-la-á de toda a maldade. Ele fará dela «uma esposa sem mancha nem ruga» (Ef 5, 27). Crê na Sua promessa; ela é verdade. Vê se a tua alma encontrou a luz que iluminará os seus passos e a comida e bebida verdadeiras que são o Senhor. Faltamte ainda? Então procura-as noite e dia e encontra-las-ás. Simeão Neo-teólogo (cerca de 949-1022), monge ortodoxo Catequese 27 "Quem não junta comigo, dispersa" Os amigos de Deus, os que O amam e O possuem em si como inviolável tesouro de todo o bem, aceitam injúrias e humilhações com uma alegria e uma felicidade inefáveis. Amam os que os maltratam, com ardor e sinceridade, como se eles fossem os seus benfeitores... O próprio Deus suportou injúrias para nossa salvação. Suportai-as, também vós, com alegria. Deus foi esbofeteado pelo último dos servos, dando-te assim o exemplo de uma vitória; e tu não aceitas suportar igual tratamento de um homem que partilha a tua própria condição! Tens vergonha de te tornares um imitador de Deus!... Que diremos então aos que renunciaram a tudo e se fizeram pobres por causa do Reino dos Céus? Irmão, fizeste-te pobre e imitaste o teu Mestre, Deus, o Cristo. Olha-o então, agora que Ele está e vive contigo, junto de ti, Ele que está acima de todos os céus. Eis que caminhais os dois lado a lado: alguém vos encontrou no caminho da vida; deu uma bofetada ao teu Mestre, e outra a ti. O Mestre não responde, e tu recalcitras? S. [Padre] Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho O lugar do combate espiritual O lugar do combate entre Deus e Satanás, é a alma humana, em cada instante da vida. É pois necessário que a alma deixe livre acesso ao Senhor para que ele a fortifique por todos os lados e com toda a espécie de armas. Assim a luz pode vir iluminá-lo para melhor combater as trevas do erro. Revestido de Cristo (Ga 3,22), da sua verdade e da sua justiça, protegido pelo escudo da fé e pela palavra de Deus, ele vencerá os seus inimigos, por mais fortes que eles sejam (Ef 6,13s). Mas para estar revestido de Cristo, ainda é preciso morrer para si mesmo. Evangelho segundo S. Lucas 11,27-28. Enquanto Ele falava, uma mulher, levantando a voz do meio da multidão, disse: «Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram!» Ele, porém, retorquiu: «Felizes, antes, os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática.» S. Beda Venerável (cerca de 673 - 735), monge, doutor da Igreja Homilia sobre S. Lucas: L. IV, 49 "Felizes os que escutam a palavra de Deus e a guardam" "Feliz a mãe que te trouxe no seu seio e te alimentou com o seu leite". Grande é a devoção, grande é a fé que se exprimem nesta palavra da mulher do Evangelho. Enquanto os escribas e os fariseus põem o Senhor à prova e blasfemam, esta mulher reconhece diante de todos a sua incarnação com uma tal lealdade, confessa-a com uma tal certeza que desmonta a calúnia dos seus contemporâneos e a falsa lei dos heréticos dos tempos futuros. Ofendendo as obras do Espírito Santo, os contemporâneos de Jesus negavam que ele fosse verdadeiramente Filho de Deus, consubstancial ao Pai. Mais tarde, houve homens que negaram também que, pela acção do Espírito Santo, Maria sempre virgem tenha fornecido a substância da sua carne ao Filho de Deus que havia de nascer com um corpo verdadeiramente humano; negaram que ele fosse verdadeiramente Filho do homem, da mesma natureza que Sua mãe. Mas o apóstolo paulo desmente essa opinião quando diz de Jesus que Ele é "nascido de mulher, submetido à Lei" (Ga 4,4). Porq ue, concebido no seio da Virgem, ele foi buscar a sua carne, não ao nada, nem a outra parte, mas ao corpo de Sua mãe. De outro modo, não seria exato chamar-lhe verdadeiramente Filho do homem... São Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja Sermão 31 sobre o Cântico dos cânticos «Feliz daquela que acreditou que teriam cumprimento as palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor" (Lc 1,45) Os homens da antiga aliança viviam sujeitos a um regime de símbolos. Para nós, pela graça de Cristo, presente na carne, resplandeceu a própria verdade. E contudo, por relação ao mundo futuro, vivemos ainda, de certa maneira, à sombra da verdade. Escreve o Apóstolo Paulo: «A nossa ciência é imperfeita e a nossa profecia também é imperfeita» (1 Cor 13, 9); e ainda: «Não que eu tenha já alcançado a meta» (Fil 3, 13). Com efeito, não podemos deixar de distinguir aquele que caminha pela fé e aquele que se encontra já na visão clara. Assim, «o justo viverá da fé» (Hab 2, 4; Rom 1, 17), enquanto o bem-aventurado exulta na visão da verdade; agora, o homem são vive à sombra de Cristo [...]. E é boa, esta sombra da fé, que filtra a luz que cega os nossos olhos ainda mergulhados nas trevas, e os prepara para suportarem a luz. Com efeito, está escrito que Deus «purificou os seus corações pela fé» (Act 15, 9). A fé não tem, pois, como efeito a extinção da luz, mas a sua conservação. Tudo aquilo que os anjos contemplam a descoberto é preservado para mim pela luz da fé, que o faz repousar no seu seio, a fim de o revelar no momento ideal. Não será preferível ela manter oculto aquilo que ainda não és capaz de captar sem véu? Aliás, a Mãe do Senhor também vivia na sombra da fé, uma vez que lhe disseram: «Feliz aquela que acreditou» (Lc 1, 45); e, do corpo de Cristo, recebeu também uma sombra, segundo a mensagem do anjo: «a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra» (Lc 1, 35). Esta sombra nada tem, pois, de desprezível, uma vez que é projectada pela força do Altíssimo. Com efeito, a carne de Cristo tinha um poder que cobriu a Virgem com a Sua sombra, a fim de que o filtro desse corpo vivificante lhe permitisse suportar a presença divina, sustentar o brilho da luz inacessível, o que seria impossível a uma mortal. Este poder iludiu todas as forças adversas; o poder desta sombra expulsou os demónios e protegeu os homens. Poder verdadeiramente vivificante e sombra verdadeiramente refrescante! Quanto a nós, é à sombra de Cristo que vivemos, pois caminhamos pela fé e recebemos a vida, sendo alimentados pela Sua carne. S. Bernardo (1091-1153), monge de Cister e doutor da Igreja “Felizes os que escutam a palavra de Deus e a põem em prática” Maria era muito reservada; nós encontramos prova disso no Evangelho. Quando é que viram que ela fosse loquaz ou cheia de presunção? Um dia, ela pôs-se à porta, desejosa de falar com o seu filho, mas não usou da sua autoridade maternal para interromper a sua pregação, nem para entrar na casa onde ele pregava. (Mc 3,13). Se tenho boa memória, os evangelistas não ouviram mais do que quatro vezes a palavra de Maria. A primeira, quando ela se dirige ao anjo; ainda assim não é mais do que uma resposta. A segunda, na sua visita a Isabel, quando, glorificada pela prima, ela preferiu glorificar o Senhor. A terceira, quando ela se queixou ao seu filho, então com a idade de doze anos, que o pai e ela própria o haviam procurado numa inquietação. A quarta, nas bodas de Cana, quando ela interpela o seu filho e os servos. Em todas as outras circunstâncias, Maria mostra-se lenta para falar, pronta para escutar, porque “ela conservava todas essas palavras no seu coração” (Lc 2,19.51). Não, vocês não encontram em parte alguma que ela tenha falado, nem mesmo do mistério da Encarnação. Pobres de nós que temos palavra fácil! Pobres de nós que derramamos toda a nossa alma, como um recipiente roto! Quantas vezes Maria ouviu o seu filho, não apenas falar em parábolas à multidão, mas na intimidade, revelar aos discípulos os segredos do Reino dos céus. Ela viu-o fazer milagres, depois suspenso na cruz, expirando, ressuscitado, e subindo ao céu. Quantas vezes se pode dizer que em todas essas circunstâncias se tenha feito ouvir a voz da Virgem?... Quanto maior Maria é, mais ela se humilha não apenas em tudo, mas mais que todos. Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) (1891-1942), carmelita, mártir, co-patrona da Europa Source Cachée «Felizes os que escutam a palavra de Deus e a põem em prática» No silêncio eterno da vida interior de Deus é que foi tomada a decisão da Redenção. E foi na obscuridade duma casa silenciosa de Nazaré que a força do Espírito Santo desceu sobre a Virgem, que se encontrava sozinha e em oração, e se realizou a encarnação do Salvador. Mais tarde, reunida à volta da Virgem silenciosa e orante (Act 1,14), a Igreja nascente esperava a nova efusão do Espírito, que tinha sido prometida para lhe dar vida, para lhe dar a sua claridade interior, a sua fecundidade e eficácia. Os acontecimentos visíveis da história que renovam a face da terra, preparam-se no diálogo silencioso das almas consagradas a Deus (Sl 103,30). A Virgem, que guardava a Palavra de Deus no seu coração, é o modelo daquelas pessoas atentas, nas quais revive continuamente a oração sacerdotal de Jesus. Evangelho segundo S. Lucas 11,29-32. – cf.par. Mt 12,38-42 Como as multidões afluíssem em massa, começou a dizer: «Esta geração é uma geração perversa; pede um sinal, mas não lhe será dado sinal algum, a não ser o de Jonas. Pois, assim como Jonas foi um sinal para os ninivitas, assim o será também o Filho do Homem para esta geração. A rainha do Sul há-de levantar-se, na altura do juízo, contra os homens desta geração e há-de condená-los, porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão; ora, aqui está quem é maior do que Salomão! Os ninivitas hão-de levantar-se, na altura do juízo, contra esta geração e hão-de condená-la, porque fizeram penitência ao ouvir a pregação de Jonas; ora, aqui está quem é maior do que Jonas.» São Justino (c.100 -160), filósofo, mártir Diálogo com Trífon (34-36) «Ora aqui está alguém que é maior do que Salomão» Deixai-me citar um salmo, dito pelo Espírito Santo a David; dizeis que tem a ver com Salomão, vosso rei, mas tem a ver com Cristo [...]: «Ó Deus, concede ao rei a tua rectidão» (Sl 71,1). Como Salomão se tornou rei, dizeis que é dele que este salmo fala; mas as palavras do salmo designam nitidamente um rei eterno, que é Cristo. Porque Cristo foi-nos anunciado como rei, sacerdote, Deus, Senhor, anjo, homem, chefe supremo, pedra, criança por nascimento, como um ser de dor num primeiro momento, depois como um ser que se eleva aos céus, e que regressa na glória da sua realeza eterna [...] «Ó Deus, concede ao rei a tua rectidão e a tua justiça ao filho do rei, para que julgue o teu povo com justiça e os teus pobres com equidade [...] Todos os reis se prostrarão diante dele; todas as nações o servirão» [...]. Salomão foi um rei grande e ilustre; no seu reinado foi edificada a casa a que chamamos Templo de Jerusalém, mas é claro que nada do que é dito no salmo lhe aconteceu. Nenhum rei o adorou nem o seu reino não se estendeu até aos confins da Terra, os seus inimigos não se curvaram a seus pés para lhes sacudir a poeira [...] O «Senhor do universo» (Sl 23,10) não é Salomão; é Cristo. Assim que ressuscitou de entre os mortos e subiu aos céus, ordenou aos príncipes que Deus nomeou no céu «para abrirem as portas» do céu, a fim de que «Aquele que é o Rei da glória entre» e suba para «se sentar à direita do Pai, até que ele faça dos inimigos escabelo para seus pés», como é dito noutros salmos (23,109). Mas quando os príncipes do céu O viram sem figura nem beleza, sem honra, nem glória (Is 53,2), não O reconheceram e perguntaram: «Quem é esse Rei glorioso?» (Sl 23,8). O Espírito Santo responde-lhes então: «O Senhor do universo, eis o Rei glorioso». Com efeito, não é de Salomão, que tanta glória teve enquanto rei [...], que se pôde dizer: «Quem é ele, esse Rei glorioso?» Clemente de Alexandria (150-c.215), teólogo Protréptico, cap. 10 “Converteram-se em resposta à pregação de Jonas e aqui está quem é maior do que Jonas" Arrependamo-nos; convertamo-nos, da ignorância ao verdadeiro conhecimento, da loucura à sabedoria, da injustiça à justiça, da impiedade a Deus. Numerosos são os bens que daí decorrem, como diz o próprio Deus em Isaías: “Esta é a herança dos servos do Senhor” (54, 17). Não o ouro e a prata, nem aquilo que a traça destrói e que os ladrões roubam (Mt 6, 19), mas o tesouro inestimável da salvação. […] É esta herança que coloca em nossas mãos o testamento eterno pelo qual Deus nos garante os seus dons. Este Pai que nos ama com ternura não cessa de nos exortar, de nos educar, de nos amar e de nos salvar. “Sede justos”, diz o Senhor. “Todos vós que tendes sede vinde à nascente das águas; mesmo os que não tendes dinheiro; vinde, comprai pão e comei sem pagar, vinho e leite sem pagar.” (Is 55, 1). Ele convida-nos ao banho que purifica, à salvação, à iluminação. […] Os santos do Senhor herdarão a glória de Deus e do seu poder, uma glória que “nem o olho viu, nem o ouvido ouviu, nem jamais passou pelo pensamento do homem” (1 Cor 2, 9) […]. Tendes esta promessa divina da graça e, por outro lado, ouvistes as ameaças do castigo: são as duas vias pelas quais o Senhor salva. […] Por que tardamos? Por que não acolhemos o seu dom, escolhendo o melhor? “Ofereço-te hoje, de um lado, a vida e o bem; de outro, a morte e o mal” (Dt 30, 15). O Senhor procura levar-te a escolher a vida; Ele aconselha-te como um pai […]. De quem dirá o Senhor: “Deles é o Reino dos céus” (Mt 5, 3)? Ele é daqueles que o desejam quando escolhem em favor de Deus. É daqueles que apenas pretendem crer e seguir o essencial da mensagem, como os ninivitas ouviram a mensagem do Profeta e, graças ao seu arrependimento sincero, obtiveram a salvação, em vez da ruína que os ameaçava. Santo Aphraate ( ?- c. 345), monge e bispo em Nínive, perto de Mossul no actual Iraque As Exposições, nº 3: Acerca do jejum "Jonas foi um sinal para os habitantes de Nínive: assim será com o Filho do homem com respeito a esta geração" Os filhos de Nínive fizeram um jejum puro, quando Jonas lhes pregou a conversão. Assim está escrito: "Quando ouviram a pregação de Jonas, decretaram um jejum permanente e uma súplca ininterrupta, sentando-se em cima de sacos e de cinza. Despiram as suas vestes delicadas e, em vez delas, revestiram-se de sacos. Recusaram aos recem-nascidos os seios de suas mães, retiraram o pasto ao gado pequeno e grande" (Jn 3)... E eis o que está escrito: "Deus viu as suas obras, viu que se afastavam do seu mau caminho. Então desviou deles a cólera e não os aniquilou". Não disse: "Viu uma abstinência de pão e de água, com sacos e cinza" mas, antes, "viu que se convertiam do seu mau caminho e da malícia das suas obras"... Foi um jejum puro e, por isso, foi aceite, aquele jejum que fizeram os Ninivitas, quando se afastaram do seu mau caminho e da avidez das suas mãos... Porque, meu amigo, quando se jejua, a melhor abstinência é a abstinência da malícia. É melhor do que a do pão e da água, melhor do que... "dobrar o pescoço como um junco e cobrir-se de sacos e de cinzas", como diz Isaías (58,5). Na verdade, quando o homem se abstém de pão, de água ou de qualquer outro alimento, quando se cobre de saco e de cinzas e entra em aflições, ele é amado, belo e reconhecido. Mas o que agrada mais é que se humilhe a si mesmo, que "desfaça as cadeias" da impiedade e "corte os laços" da hipocrisia. Então "a sua luz brilhará como o sol e a sua justiça caminhará diante dele. Será como um pomar bem regado, como uma fonte cuja água nunca cessa" (Is 58, 6 sgg). São Romano, o Melodista (? – c. 560), compositor de hinos Hino 51 «Os Ninivitas converteram-se em resposta à pregação de Jonas; ora aqui está quem é maior que Jonas» Abre, Senhor, abre-me a porta da tua misericórdia antes da minha hora de partir (Mt 25,11). Porque eu tenho de partir, de ir até Ti e de me justificar de tudo o que eu digo em palavras, do que faço em acções e dos pensamentos que guardo no meu coração. «Mesmo o rumor das murmurações não escapará ao teu ouvido» (Sb 1,10). David diz-Te no seu salmo: «Os teus olhos viram-me em embrião, no teu livro está tudo escrito« (Sl 138, 13.16). Ao leres nele as marcas das minhas más acções, grava-as na tua cruz, pois é nela que eu me glorifico (Ga 6,14), gritando-Te: «Abre-nos a porta» […] O espírito endureceu-se-nos a tal ponto que, quando ouvimos falar das calamidades que aconteceram a alguém, em nada nos corrigimos (Lc 13,1s). «Não há quem seja sensato, quem procure a Deus; estamos extraviados, estamos pervertidos» (Sl 13,2-3). Os Ninivitas, naquele tempo, arrependeram-se a um único apelo do profeta. Mas, nós, não compreendemos apelo nem ameaça. Com suas lágrimas, Ezequias pôs em fuga os Assírios suscitando contra eles a justiça do alto (2 Rs 19). Ora eis que os Assírios […] nos puseram cativos, e não chorámos nem gritámos: «Abre-nos a porta». Divino Senhor, de todos juiz, não esperes que mudemos de atitude; tu não precisas das nossas boas acções, pois cada um de nós se dedica a más acções pelo pensamento e pela vontade. Porque é assim, Salvador, governa os nossos dias segundo a tua vontade, sem esperares a nossa conversão, pois talvez ela não se dê. E, ainda que ela venha a acontecer, será por pouco tempo, não persistirá até ao fim. Como a semente que cai entre as pedras, como a erva nos telhados, ela secará sem chegar a crescer (Mc 4,5 ; Sl 128,6). Estende pois a tua misericórdia sobre nós e todos os que pedem: «Abre-nos a porta». Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI] Retiro pregado no Vaticano, 1983 "Jonas foi um sinal para os habitantes de Nínive" Os Ninivitas acreditaram na mensagem daquele judeu e fizeram penitência. Para mim, a conversão dos Ninivitas constitui um fato muito surpreendente. Como podiam eles acreditar? Não encontro outra resposta senão a seguinte: ao escutarem a pregação de Jonas, reconheceram que pelo menos a parte verificável daquela mensagem era simplesmente verdade - a malícia da cidade era grave. Puderam compreender que a conversão era assim a única possibilidade de salvarem a cidade... O desinteresse pessoal do mensageiro constituía o segundo elemento da credibilidade de Jonas: tinha vindo de longe para um serviço que o expunha ao ridículo e do qual ele não podia certamente esperar qualquer vantagem pessoal. A tradição rabínica acrescenta ainda um outro elemento: Jonas ficava marcado pelos três dias e três noites no coração da terra, "no fundo dos infernos" (Jo 2,3). Os traços da sua experiência de morte ficavam visíveis e autenticavam as suas palavras. É impossível não nos questionarmos a este respeito. Se viesse um novo Jonas, acreditaríamos nele? As nossas cidades acreditariam? Ainda hoje, para as grandes cidades, para os Ninivitas modernos, Deus procura mensageiros da penitência. Temos nós a coragem, a fé profunda, a credibilidade necessárias para tocar os corações e abrir as portas à conversão? Cardeal Joseph Ratzinger [Papa Bento XVI] Retiro pregado no Vaticano em 1983 "No que respeita a sinal, só lhes será dado o de Jonas" "Esta geração pede um sianl". Também nós esperamos a manifestação, o sinal do sucesso, tanto na história universal como na nossa vida pessoal. Por isso, perguntamos se o cristianosmo transformou o mundo, se produziu esse sinal de pão e de segurança de que falava o diabo no deserto (Mt 4,3s). De acordo com a interpretação de Karl Marx, o cristianismo dispôs de tempo suficiente para estabelecer a prova dos seus princípios, para provar o seu sucesso, para demonstrar que criou o paraíso terrestre; para Marx, depois de todo este tempo, seria necessário apoiar-nos agora em princípios diferentes. Esta argumentação não deixa de impressionar muitos cristãos que chegam a pensar que seria necessário, pelo menos, inventar um cristianismo muito diferente, um cristianismo que renunciasse ao luxo da interioridade, da vida espiritual. Mas é precisamente assim que eles impedem a verdadeira transformação do mundo, que se baseia num coração novo, num coração vigilante, um coração aberto à verdade e ao amor, um coração libertado e livre. Na raiz deste pedido descarado de um sinal está o egoismo, a impureza de um coração que só espera de Deus o sucesso pessoal e uma ajuda para afirmar o absoluto do eu. Esta forma de religiosidade é a recusa absoluta de conversão. Mas quantas vezes não dependemos nós mesmos do sinal do sucesso! Quantas vezes não reclamamos o sinal e recusamos a conversão! São Justino (c. 100-160), filósofo mártir Diálogo com Tryphon “O sinal de Jonas” O Filho sabia que Seu Pai Lhe daria tudo conforme o Seu desígnio, e que O ressuscitaria de entre os mortos e exortou todos aqueles que temem a Deus a louvá-l’O porque, pelo mistério do Crucificado, teve piedade de toda a raça de homens crentes (cf. Sl 22,24). Além disso, depois da Sua ressurreição de entre os mortos apareceu ao Seus irmãos, os Apóstolos… que se arrependeram por se terem afastado d’Ele durante a Sua crucifixão… Cristo devia ressuscitar ao terceiro dia depois de ter sido crucificado. Assim está escrito nas Memórias dos Apóstolos [os evangelhos] que os judeus, que discutiam com Ele, Lhe disseram: “Dá-nos um sinal”. Ele respondeu-lhes: “Não vos será dado outro sinal senão o de Jonas”. A estas palavras veladas, os auditores podiam compreender que depois da Sua crucifixão, ao terceiro dia, Cristo ressuscitaria. Mostrava, assim, aos auditores, que os seus compatriotas eram mais perversos que os da cidade de Nínive; porque logo que Jonas, depois de expelido do ventre da baleia, anuncia aos Ninivitas que passados três dias pereceriam todos, eles decretaram um jejum para todos os seres vivos, homens e animais, vestindo-se de saco e com violentas lamentações, a verdadeira penitência de seus sentimentos e a renúncia à injustiça. Acreditaram que Deus é compassivo, que é “amigo do homens” (Sab. 1,6), para com todos aqueles que se afastam da iniquidade. Porque o próprio rei e os grandes desta cidade se v estiram também de saco, e perseveraram no jejum e na oração, a sua cidade nõa foi destruída. Ora, como Jonas se entristecia com isso… Deus censurou-o por se ter deixado abater ao ver que a cidade de Nínive não fora, ainda, São João Crisóstomo (c. 345-407), bispo de Antioquia, mais tarde de Constantinopla, doutor da Igreja 4ª Homilia sobre 1 Coríntios O sinal de Jonas Choremos os pagãos que não compreendem a salvação que Deus lhes quer dar. Sim, um esposo ama menos a sua mulher do que nós amamos todos os homens e, por isso, quereríamos levar todos os homens à salvação. Choremos e lamentemos esses incrédulos, porque, para eles, “a linguagem da cruz é uma loucura”, sendo, como é, “poder de Deus e sabedoria de Deus” (1 Co 1, 18.24). Vê bem, ó homem! Por ti, Jesus Cristo tomou a forma de escravo (Fl 2, 7); por ti, morreu numa cruz; por ti, ressuscitou. E tu dizes que é impossível acreditar num amor assim, adorar um Deus assim, quando o que este Rei fez por ti, seu inimigo, que pai, que filho ou que amigo, entre nós, o teria feito por ti? Quando digo: “O meu Deus está pregado numa cruz”, o pagão responde: “A razão não pode admitir uma coisa dessas. Ele sofre, deixa-Se crucificar; não pode, então salvar-Se a si mesmo? E, se não pode salvar-Se a si mesmo, como pode salvar os outros? (cf. Mt 27, 42). Tudo isto é contrário à razão”. É verdade: a cruz é um mistério que supera a razão humana, é sinal de um poder para além de qualquer compreensão. Quando, depois de terem sido lançados na fornalha, os três Hebreus triunfaram das chamas (Dn 3), isso resultou mais prodigioso do que se não tivessem sido lançados nelas. Que Jonas tenha sido engolido por uma baleia, é natural, é normal; mas Jonas permanecer vivo no ventre do monstro, aí está o prodígio. Do mesmo modo, Cristo provou melhor a sua divindade triunfando da morte, desde o próprio seio da morte, do que recusando-Se a morrer. Evangelho segundo S. Lucas 11,33-36: A lâmpada do corpo. – cf.par. Mt 6,22-23 Evangelho segundo S. Lucas 11,37-41. – cf.par. Mt 23,1-36 Mal Jesus tinha acabado de falar, um fariseu convidou-o para almoçar na sua casa; Ele entrou e pôs-se à mesa. O fariseu admirou-se de que Ele não se tivesse lavado antes da refeição. O Senhor disse-lhe: «Vós, os fariseus, limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso interior está cheio de rapina e de maldade. Insensatos! Aquele que fez o exterior não fez também o interior? Antes, dai esmola do que possuís, e para vós tudo ficará limpo. S. Clemente de Roma, papa de 90 a 100 Epístola aos Coríntios, 14-16 Purificar o interior do nosso coração É justo e santo, irmãos, obedecer a Deus mais do que seguir os agitadores orgulhosos... Liguemo-nos àqueles que piedosamente praticam a paz e não aos que fingem querer a paz. Com efeito, em alguma parte está escrito: "Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim" (Is 29,13; Mc 7,6). E também: "Bendizem com a boca mas amaldiçoam com o coração" (Sl 61,5). E ainda: "Amaram-no com a boca e mentiram-lhe com a língua; o seu coração não foi recto para com Ele e não permaneceram fiéis à sua aliança" (Sl 77,36)... Na verdade, Cristo pertence aos que são humildes de coração, não aos que se elevam acima do seu rebanho. O ceptro da majestade de Deus (cf. He 1,8), o Senhor Jesus Cristo, não veio acompanhado de soberba nem de orgulho - e, contudo, poderia tê-lo feito - mas com humildade de coração, tal como o Espírito Santo tinha dito dele: "Quem acreditou na nossa palavra? A quem foi revelada a direita do Senhor? Anunciámo-lo como uma criança, como uma raiz numa terra árida. Não tinha beleza nem brilho; vimo-lo... mas o seu aspecto era desprezível" (Is 53,1-3)... Vedes, meus bem-amados, qual é o modelo que vos foi dado? Se o Senhor se humilhou assim, que devemos nós fazer, nós a quem Ele permite que caminhemos sob o jugo da sua graça? Santo Ambrósio (c. 340-397), bispo de Milão e doutor da Igreja Comentário sobre o Evangelho de S. Lucas, 7, 100-102 «Quem fez o exterior não fez também o interior?» «Vós, os fariseus, limpais o exterior do copo e do prato.» Como vedes, os nossos corpos são aqui designados por nomes de objectos frágeis e feitos de barro, que se partem com uma simples queda. E os sentimentos íntimos da alma são designados por expressões e gestos do corpo, como aquilo que está no interior do copo pode ser visto do exterior. [...] Como vedes, não é o exterior deste copo e deste prato que nos suja, é o seu interior. Como bom mestre que é, Jesus ensina-nos a limpar as manchas do corpo, dizendo: «Dai antes de esmola o que estará dentro e tudo para vós ficará limpo.» Vedes de quantos remédios dispomos? A misericórdia purifica-nos. A palavra de Deus também nos purifica, de acordo com o que está escrito: «Vós estais limpos, devido à palavra que vos tenho dirigido» (Jo 15, 3). [...] É o ponto de partida de uma passagem muito bela: o Senhor convida-nos a procurar a simplicidade e condena a nossa ligação àquilo que é supérfluo e terra-a-terra. Devido à sua fragilidade, os fariseus são comparados – e com razão – ao copo e ao prato: observam pontos que não têm qualquer utilidade para nós, negligenciando aqueles onde se encontra o fruto da nossa esperança. Cometem, pois, uma grande falta, desdenhando o melhor. E, contudo, até a essa falta é prometido o perdão, desde que depois dela venha a misericórdia e a esmola. Balduíno de Ford (?- c. 1190), abade cisterciense Homilia 6, sobre a Carta aos Hebreus “Limpais o exterior. Aquele que fez o exterior não fez também o interior?” O Senhor conhece os pensamentos e as intenções do nosso coração. Ninguém duvida que Ele, de fato, os conhece. Mas nós só conhecemos unicamente aqueles que ele nos torna manifestos pela graça do discernimento. Porque o espírito do homem nem sempre sabe o que há nele. E mesmo quando se trata dos seus próprios pensamentos, sejam eles queridos ou não, tem deles uma ideia que nem sempre corresponde à realidade. Mesmo os que se apresentam com evidência aos olhos do espírito, ele não os discerne com precisão, tão obscurecido está o seu olhar. Com efeito, acontece frequentemente, por qualquer razão humana ou procedente do Tentador, que alguém se deixe levar pelo seu próprio pensamento para aquilo que é só aparência de piedade e que, aos olhos de Deus, não merece de maneira nenhuma a recompensa prometida à virtude. É que, de fato, algumas coisas podem apresentar o aspecto de verdadeiras virtudes, como também de vícios, e enganarem os olhos do coração. Pelas suas seduções, podem perturbar a visão da nossa inteligência ao ponto de muitas vezes lhe fazer tomar por um bem realidades que realmente são más, e inversamente, levá-la a ver um mal onde, na verdade, não existe. É este um aspecto da nossa miséria e da nossa ignorância, que precisamos muito de deplorar e grandemente temer. Quem pode verificar se os espíritos procedem de Deus a não ser que tenha recebido de Deus o discernimento dos espíritos? Este discernimento é a fonte de todas as virtudes. Santa Teresa de Ávila (1515-1582), carmelita, Doutora da Igreja Caminho de Perfeção, cap. 28 “Aquele que fez o exterior não fez também o interior?” Se eu tivesse compreendido como compreendo agora que tão grande Rei habita neste pequeno palácio da minha alma, parece-me que não O teria deixado sozinho tantas vezes. Ter-me-ia apresentado, pelo menos de vez em quando, à Sua presença, e sobretudo teria tido o cuidado de conseguir que o Seu palácio estivesse menos sujo. Que coisa admirável! Aquele que, com a Sua grandeza, encheria mil mundos e muito mais, fechar-Se em habitação tão pequena! Por um lado, é verdade que, sendo o soberano Senhor, traz consigo a liberdade; e, por outro, que, estando cheio de amor por nós, Se faz à nossa medida! Bem ciente de que uma alma principiante poderia perturbar-se ao ver-se – sendo tão pequena – destinada a conter tanta grandeza, não Se dá a conhecer imediatamente; a pouco e pouco, contudo, vai-lhe aumentando a capacidade, à medida dos dons que Se propõe colocar nela. É o poder que Ele tem de aumentar este palácio da nossa alma que me leva a dizer que traz consigo a liberdade. O essencial é fazer desse palácio um dom absoluto, esvaziando-o por completo, a fim de que Ele possa adorná-lo e desadorná-lo a Seu bel-prazer, como se de uma morada Sua se tratasse. Nosso Senhor tem razão em querer que assim seja; não lho recusemos, pois. Ele não pretende forçar a nossa vontade, antes recebe o que ela Lhe dá. Mas só se dá por inteiro quando nós também nos damos por inteiro. É certo que é assim, e se vo-lo repito com tanta frequência é porque se trata de uma coisa muito importante. Enquanto a alma não Lhe pertencer por completo, liberta de tudo, Ele não age nela. Aliás, nem vejo bem como poderia fazê-lo, Ele que tanto ama a ordem perfeita. Se enchemos o palácio de gente comum e de todo o género de bugigangas, como poderá o Soberano encontrar lugar nele, juntamente com a Sua corte? Já é de espantar que queira deterse uns momentos no meio de tantos obstáculos. Fénelon (1651-1715), arcebispo de Cambraia Instruções e conselhos sobre diversos pontos..., Da justiça farisaica à verdadeira justiça de Jesus Cristo A alma está tão infectada de amor próprio, que se suja sempre um pouco ao ver a sua virtude; isto é, toma sempre alguma coisa para si própria. Dá graças a Deus, mas sabe que é especialmente sobre ela que se derramam os dons celestes, de preferência a qualquer outra pessoa. Esta maneira de se apropriar das graças é muito subtil e muito imperceptível em certas almas que parecem rectas e simples. Elas não se apercebem da armadilha que montam para si mesmas. Este laço é tanto pior, quanto é roubar o bem mais puro e que, por consequência, mais estimula a inveja de Deus. Estas almas só cessam de se apropriar das suas virtudes quando deixam de as ver e tudo parece escapar-se-lhes. Então elas exclamam, como Pedro quando se afundava nas águas: “Salva-nos, Senhor, que perecemos!” (Mt 8,25). Elas não encontram mais nada nelas; tudo falta. Não há no seu íntimo senão objecto de condenação, de horror, de aversão por si próprias, de sacrifício e de abandono. Perdendo assim esta própria justiça farisaica, entra-se na verdadeira justiça de Jesus Cristo, que não podem nunca considerar como sua própria. Evangelho segundo S. Lucas 11,42-46. Mas ai de vós, fariseus, que pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as plantas e descurais a justiça e o amor de Deus! Estas eram as coisas que devíeis praticar, sem omitir aquelas. Ai de vós, fariseus, porque gostais do primeiro lugar nas sinagogas e de ser cumprimentados nas praças! Ai de vós, porque sois como os túmulos, que não se vêem e sobre os quais as pessoas passam sem se aperceberem!» Um doutor da Lei tomou a palavra e disse-lhe: «Mestre, falando assim, também nos insultas a nós.» Mas Ele respondeu: «Ai de vós, também, doutores da Lei, porque carregais os homens com fardos insuportáveis e nem sequer com um dedo tocais nesses fardos! São Siluane (1866-1938), monge ortodoxo Escritos «Ai de vós, fariseus, porque gostais do primeiro lugar nas sinagogas» A alma do homem humilde é como o mar; quando atiramos uma pedra ao mar, a pedra agita a superfície das águas durante uns instantes, mas em seguida mergulha nas profundezas. Assim são absorvidas as dores no coração do homem humilde, porque a força do Senhor está com ele. Onde habitas tu, alma humilde? Quem vive em ti? E a que posso eu comparar-te? Resplandeces, brilhante como o sol, mas não te consomes, apesar de arderes (Ex 3, 2), e aqueces todos os homens com o teu ardor. A ti pertence a terra dos mansos, nas palavras do Senhor (Mt 5, 4). És semelhante a um jardim florido, ao fundo do qual se encontra uma casa magnífica, onde o Senhor gosta de repousar. Amam-te o céu e a terra. Amam-te os santos apóstolos, os profetas, os santos e os bemaventurados. Amam-te os anjos, os serafins, os querubins. Ama-te, na tua humildade, a puríssima Mãe do Senhor. Ama-te o Senhor, que rejubila em ti. Cardeal John Henry Newman (1801-1890), padre, fundador de comunidade religiosa, teólogo A tradição e a vontade de Deus Pouco importa a maneira pela qual aprendemos a conhecer a vontade de Deus, quer seja pela Escritura, pela tradição apostólica, ou pelo que S. Paulo chama a “natureza”, contanto que estejamos seguros de que é a vontade de Deus. Na realidade, Deus revela-nos o conteúdo da fé pela inspiração, porque é de ordem sobrenatural. Mas revela-nos as questões práticas do dever moral pela nossa própria consciência divinamente guiada. As questões de pura forma, ele as revela pela tradição da Igreja, pelo costume que nos faz pôlas em prática, muito embora elas não dependam da Escritura. Isto para responder à questão que podemos pôr a nós próprios: “Porquê pois observar os ritos e as formas que a Escritura não prescreve?”. A Escritura transmite-nos aquilo em que é preciso acreditar, aquilo que é preciso estender, aquilo que devemos manter. Mas ela não diz a maneira concreta de o fazer. Porque podemos fazê-lo desta ou daquela maneira precisa, somos forçados a juntar qualquer coisa ao que nos di z a Escritura. Ela recomenda-nos por exemplo que nos reunamos para a oração e ela liga a sua eficácia à união dos corações. Mas como não indica o momento nem o lugar da oração, a Igreja deve completar o que a Escritura se contentou de prescrever de maneira geral... Pode dizer-se que a Bíblia nos dá o espírito da nossa religião; a Igreja, ela, deve dar forma ao corpo onde este espírito encarna. As pessoas que tentam adorar Deus de uma maneira (dizem elas) “puramente espiritual” acabam de fato por não o adorar de todo. É um fato corrente; cada um pode dar-se conta pela sua São [Padre] Pio de Pietrelcina (1887-1968), capuchinho AP; CE 47 “Malditos vós, os fariseus, que gostais dos primeiros lugares nas sinagogas e de que os homens vos saúdem nas praças públicas” A verdadeira humildade do coração é mais sentida e vivida do que exteriorizada. É certo que devemos mostrar-nos sempre humildes na presença de Deus, mas não com a falsa humildade que conduz ao desencorajamento, ao esmagamento e ao desespero. Temos de ter má impressão de nós mesmos, não colocar os nossos interesses à frente dos interesses dos outros, considerar-nos inferiores ao nosso próximo. Se precisamos de paciência para suportar as misérias dos outros, de mais paciência precisamos ainda para aprendermos a suportar-nos a nós mesmos. Perante as infidelidades quotidianas, não cesses de fazer actos de humildade. Quando o Senhor te vir assim arrependido, estender-te-á a Sua mão e atrair-te-á a Si. Neste mundo, ninguém merece coisa alguma; é o Senhor quem nos concede tudo, por pura benevolência e porque, na Sua bondade infinita, nos perdoa tudo. Evangelho segundo S. Lucas 11,47-54. Ai de vós, que edificais os túmulos dos profetas, quando os vossos pais é que os mataram! Assim, dais testemunho e aprovação aos atos dos vossos pais, porque eles mataram-nos e vós edificais-lhes sepulcros. Por isso mesmo é que a Sabedoria de Deus disse: 'Hei-de enviar-lhes profetas e apóstolos, a alguns dos quais darão a morte e a outros perseguirão, a fim de que se peça contas a esta geração do sangue de todos os profetas, derramado desde a criação do mundo, desde o sangue de Abel até ao sangue de Zacarias, que pereceu entre o altar e o santuário.' Sim, Eu vo-lo digo, serão pedidas contas a esta geração. Ai de vós, doutores da Lei, porque vos apoderastes da chave da ciência: vós próprios não entrastes e impedistes a entrada àqueles que queriam entrar!» Quando saiu dali, os doutores da Lei e os fariseus começaram a pressioná-lo fortemente com perguntas e a fazê-lo falar sobre muitos assuntos, armando-lhe ciladas e procurando apanhar-lhe alguma palavra para o acusarem. S. Gregório de Nazianzo (330-390), bispo, doutor da Igreja 3º discurso teológico «Começaram a detestá-lo terrivelmente e a invectivá-lo» Aquele que agora desprezas, houve um tempo em que estava acima de ti; aquele que agora é homem era eternamente perfeito. Ele estava no princípio, não criado ; depois, submeteu-se às contingências deste mundo… Foi para te salvar, a ti que o insultas, a ti que desprezas Deus só porque tomou a tua natureza grosseira… Foi envolvido em panos mas, ao levantar-se do túmulo, libertou-se da sua mortalha. Deitaram-no numa manjedoura, mas foi glorificado pelos anjos, anunciado por uma estrela, adorado pelos Magos... Teve de fugir para o Egipto, mas libertou este país das superstições dos egípcios. Não tinha “nem forma nem beleza” (Is 53,2) diante dos seus inimigos, mas para David ele era “o mais belo dos filhos dos homens” (Sl 44,3) e resplandeceu sobre a montanha, mais deslumbrante do que o sol (Mt 17,1sg). Como homem foi baptizado; mas, como Deus, apagou os nossos pecados; não precisava de ser purificado mas queria santificar as águas. Como homem foi tentado; mas, como Deus, triunfou, ele que “venceu o mundo” (Jo 16,8)... Teve fome, mas alimentou milhares, ele que é “o pão vivo descido do céu” (Jo 6,48). Teve sede, mas exclamou: “Se alguém tem sede, que venha a mim e beba” (Jo 7,37)... Conheceu a fadiga, mas é o repouso de todos os que “sofrem e se abatem debaixo do fardo” (Mt 11,28)... Deixou que lhe chamassem “Samaritano e possesso do demónio” (Jo 8,48); mas é ele quem salva o homem que caiu nas mãos dos salteadores (Lc 10,29sg) e afugenta os demónios... Ora mas é ele mesmo quem escuta as orações... Chora, mas é ele mesmo que faz cessar as lágrimas. É vendido por preço vil; mas é ele quem resgata o mundo e por um grande preço: pelo seu próprio sangue. Como uma ovelha, conduzem-no à morte, mas é ele quem conduz Israel às verdadeiras pastagens (Ez 34,14), tal como hoje o faz com a terra inteira. Como um cordeiro, ele cala-se; mas ele é a Palavra anunciada pela voz daquele que clama no deserto (Mc 1,3). Foi enfermo e ferido; mas é ele que cura toda a doença e toda a enfermidade (Mt 9,35). Foi elevado sobre o madeiro e nele foi pregado; mas é ele quem nos restaura pela árvore da vida... Morre, mas faz viver e destrói a morte. Foi sepultado, mas ressuscita e, subindo ao céu, liberta as almas dos infernos. Missal Romano Impropérios de Sexta-Feira Santa «Começaram a incriminá-Lo violentamente e a escarnecê-Lo» «Meu povo, que mal te fiz Eu? Em que te contristei? Responde-me!» (Mq 6,3) Libertei-te da terra do Egipto: E tu preparaste uma Cruz ao teu Salvador! Guiei-te durante quarenta anos pelo deserto, Alimentei-te com o maná e levei-te para a terra prometida: E tu preparaste uma Cruz para o teu Salvador! Que mais podia Eu fazer por ti? Plantei-te como vinha formosa e escolhida: E tu foste para Mim uma fonte de amargura: Quiseste matar-Me a sede com vinagre, E com uma lança atravessaste o lado do teu Salvador! Meu Povo, que mal te fiz Eu? Em que te contristei? Responde-me! Dei-te o ceptro real: E tu colocaste-Me na cabeça a coroa de espinhos! Pelo meu poder elevei-te acima dos povos: E tu levantaste-Me no patíbulo da Cruz! Meu povo, que mal te fiz Eu? Em que te contristei? Responde-Me! Baudoin de Ford (? - cerca de 1190), abade cisterciense O Sacramento do Altar, II, 1 "Os escribas e os fariseus começaram a detestá-lo terrivelmente" Os que derramaram o sangue de Cristo não o fizeram para tirar o pecado do mundo... Mas, inconscientemente, serviram o plano da Salvação. A salvação do mundo, que se lhe seguiu, não dependia nem do seu poder, nem da sua vontade, nem da sua intenção, nem do seu ato, mas veio do poder, da vontade, da intenção, do ato de Deus. Nessa efusão de sangue, com efeito, não era apenas o ódio dos perseguidores que estava a agir, mas também o amor do Salvador. O ódio fez a sua obra de ódio, o amor fez a sua obra de amor. Não foi o ódio mas o amor quem realizou a salvação. Derramando o sangue de Cristo, o ódio derramou-se a si mesmo, "para que fossem revelados os pensamentos de grande número de corações" (Lc 2,35). Também o amor, ao derramar o sangue de Cristo, derramava-se a si mesmo, para que o homem soubesse quanto Deus o amava: "A ponto de não poupar o seu próprio Filho" (Ro 8,32). "Porque Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho único" (Jo 3,16) Esse Filho único foi oferecido, não porque os seus inimigos venceram, mas porque ele mesmo o quis. "Tendo amado os seus, amou-os até ao fim" (Jo 13,1). O fim é a morte aceite pelos que se ama: eis o fim de toda a perfeição, o fim do perfeito amor. "Porque não há maior amor do que dar a sua vida pelos que se ama" (Jo 15,13)