COLÉGIO PEDRO II DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO MUSICAL II

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COLÉGIO PEDRO II
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO MUSICAL
II Encontro de Educação Musical do CPII
Mesa Redonda
Tema:
QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS DA EDUCAÇÃO MUSICAL:
MEUS ALUNOS GOSTAM DE FUNK, PAGODE E GOSPEL
Adriana Rodrigues Didier
[email protected]
Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer o convite do prof. Roberto Stepheson e
parabenizar toda a equipe do Departamento de Educação Musical do Colégio Pedro II,
pela iniciativa desse encontro. Foi muito emocionante entrar no Campus Centro para a
Cerimônia de Abertura do II Encontro de Educação Musical do Colégio Pedro II, e poder
observar a arquitetura do prédio, o jardim interno, os corredores, o Salão Nobre, e, ainda,
ouvir o concerto belíssimo do Coral de Alunos do Campus Engenho Novo II, sob a
regência da prof.ª Neila Ruiz Alfonzo, e os depoimentos emocionados de toda a equipe do
colégio.
Ao entrar no prédio, como não lembrar da mãe de D. Pedro II, a austríaca D. Leopoldina,
que se apaixonou por nossa flora, fauna e que tinha enorme curiosidade pela cultura dos
escravos que trabalhavam ao seu redor, atitude absolutamente incomum para a corte? O
botânico von Martius e o zoólogo von Spix (1981) faziam parte da comitiva trazida por D.
Leopoldina e que, para nossa sorte, também eram musicistas pois, ao registrarem suas
descobertas científicas, aproveitaram para também anotarem o que ouviam. Devemos a
eles a coleta e publicação de relevante material, principalmente a de um lundu anônimo.
Aproveito esse “gancho” para minha primeira reflexão sobre o tema sugerido.
Em algum momento na história da Educação Musical na cidade do Rio de Janeiro os
professores devem ter conversado entre si constatando com algum espanto: meus alunos
gostam de lundu, samba e rock.
Imagino os professores do final do século XIX boquiabertos ao saberem que alguns de
seus alunos ricos e brancos não só frequentavam como dançavam e acompanhavam com
palmas os batuques de lundu realizados em lugares distantes do centro (TINHORÃO,
2002).
Assim como os professores do Colégio São Bento nas primeiras décadas do século XX
poderiam ficar escandalizados ao saber que seu aluno de classe média e branco, Noel
Rosa, subia o morro para ouvir um samba “diferente” e convidava seus amigos Cartola e
Ismael Silva para serem parceiros (MÁXIMO; DIDIER, 1990).
Na década de 60 os professores talvez não gostassem muito de saber que seus alunos
gostavam de guitarra e ouviam rock. Com o slogan “Defender o que é nosso”, a “Passeata
ANAIS do II Encontro de Educação Musical do Colégio Pedro II, Departamento de Educação Musical, Rio de Janeiro, 6 e 7 de novembro de 2015.
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da MPB”, que ficou conhecida como a “Passeata Contra A Guitarra Elétrica”, aconteceu
em 1967, em São Paulo (MELLO, 2003). Liderada por Elis Regina, Jair Rodrigues, Zé
Keti, Geraldo Vandré, Edu Lobo, MPB-4, e Gilberto Gil, a passeata comprovava o medo e
o estranhamento causado por esse novo som.
O tema dessa mesa redonda “Questões contemporâneas da Educação Musical: meus
alunos gostam de funk, pagode e gospel” me conectam ao pesquisador carioca Micael
Herschmann (2005, p. 35):
Assistimos hoje à crise de um modelo, de um paradigma de Brasil, no qual era
possível encobrir ou colocar em segundo plano aquilo que o outro traria de irredutível,
os diferentes interesses presentes em nosso cotidiano social com o recurso simbólico
a imagens unificadoras construídas a partir de diferentes materiais. É como se
acompanhássemos, no imaginário social, a desfiguração gradativa da fisionomia da
sociedade bem-humorada que tem como símbolos máximos manifestações culturais
como o carnaval, o samba e o futebol. No seu lugar hoje, vem se esboçando um
imaginário social que, sem descartar totalmente a antiga imagem do País, estabelece
um novo “retrato” do Brasil, marcado pela pluralidade e por fraturas sociais profundas,
tais como sugerem as representações associadas ao mundo do funk e do hip-hop.
Ambos parecem expressar e sintetizar, nas letras e na diversidade de sons e gestos, o
novo ambiente cultural urbano brasileiro contemporâneo.
Sobre o funk, pagode e gospel
Sem nenhuma pretensão, que não a de trazer à tona o que me foi proposto debater em
15 minutos, abordarei muito rapidamente tanto quanto superficialmente os três gêneros.
A representação que o funk tem no Rio de Janeiro, hoje, para os professores de música,
muitas vezes pode estar ligada ao palavrão, ao sexo e à bandidagem. A palavra inglesa
funky significava, no final do século XIX, literalmente 'malcheiroso'; posteriormente a
palavra representa a música que combina formas tradicionais de música negra,
caracterizada por um ritmo forte e marcado. Segundo o pesquisador Dayrel (2002, p.
119):
Ao contrário da imagem socialmente criada a respeito dos jovens pobres, quase
sempre associada à violência e à marginalidade, eles também se posicionam como
produtores culturais.
Há um grande debate abordando várias questões sobre o papel do funk para o jovem,
algumas fazem referência à busca da sua identidade e à rebeldia das músicas. Estas
podem estimular o jovem a refletir sobre si mesmo, sobre seu lugar social, sobre exercer
o livre direito às escolhas, elaborando modos de vida distintos e ampliando o leque das
experiências de vida. É o exercício da escolha, a construção da sua autonomia. Quais
seriam os espaços em que os jovens podem exercitar a prática de escolhas responsáveis,
onde possam construir-se como sujeitos autônomos? Penso que estas questões são
relevantes para um novo debate.
Passando para o próximo gênero, trago o pesquisador Nei Lopes (2013):
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Surgido como sinônimo de divertimento, patuscada, farra, o termo ‘pagode’ ganhou, no
Rio de Janeiro, a acepção de reunião de sambistas, em substituição a ‘roda de
samba’, denominação antes em voga. Realizado preferencialmente em torno de uma
mesa, onde são servidas bebidas e comidinhas, esse tipo de reunião popularizou-se
também com o nome de "pagode de mesa". E, daí, a partir dos encontros realizados
no quintal do bloco Cacique de Ramos, o termo "pagode" passou a definir, ao mesmo
tempo, um estilo de interpretação do samba e um subgênero de canção popular.
O pagode, uma variedade do samba, mais próximo das raízes brasileiras, me sugere
atualmente uma uniformização, pois percebo a maioria dos arranjos de pagode ter saído
da mesma fôrma, assim como a maneira de cantar, o timbre da voz, o vestuário, o
repertório, e as letras algumas vezes quase beirando a pornografia. Uma máquina de
ganhar dinheiro, seguindo todos com a mesma padronização. E, para mim, tudo o que
leva apenas a um caminho é restritivo, limitador.
Já o gosto pela música gospel, a meu ver, traz o retrato fiel do papel que as igrejas
evangélicas têm cumprido na formação musical. Na licenciatura do Conservatório
Brasileiro de Música Centro Universitário (CBM CEU) mais de 60% dos alunos têm a sua
iniciação musical na igreja. Desde cedo acompanham seus familiares aos cultos, às aulas
dominicais, aos poucos vão se interessando por um instrumento, rapidamente têm a
oportunidade de obter alguma orientação ou aula de música. Paralelo ao seu interesse e
aprendizagem, recebem o instrumento emprestado (caso não tenham condição de
comprar), e são convidados a se apresentarem junto aos grupos musicais durante os
cultos.
Essa é a história de vida que ouço nos últimos anos na minha experiência com formação
de professores no CBM CEU. A igreja cumprindo o lugar que deveria ser da escola, da
sociedade. Muitas financiam para seus fiéis a graduação ou mesmo cursos de extensão e
pós-graduação. A igreja (que muitas vezes possui uma orquestra) oferece espaço para os
ensaios, a oportunidade de compor, fazer arranjos e reger. A troca seria a presença, a
fidelidade na crença, e nesse momento recorro a Travassos (1999, p. 133) em sua
pesquisa com alunos na UNIRIO:
as igrejas são espaços musicais inclusivos que não colocam pré-requisitos técnicos
rigorosos. Aí a regra parece ser o fomento à participação que, por sua vez, promove a
prática musical. A alimentação recíproca dos dois é prontamente captada por um
aluno, ao explicar que, quanto mais ia às igrejas evangélicas, mais tocava, e quanto
mais era chamado para tocar, mais ia às igrejas.
Alguns fatores são trabalhados com muita consciência na licenciatura: como a
constatação do preconceito arraigado com a música afrodescendente, a dificuldade em
aceitar os repertórios ‘seculares’ e a não pregação dentro da escola onde lecionam. É
preciso lembrar-lhes sempre que a educação pública no Brasil é laica.
Em relação à “voz gospel”, acho da maior importância que pelo menos os alunos cantores
percebam que imitam literalmente os timbres, as improvisações e todo o jeito de cantar
dos artistas norte-americanos. Devem perceber o quanto isso é limitador e os afastam da
sua própria voz, da sua identidade. Uma aluna contou que foi a um encontro evangélico
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em Recife e que 100% do repertório trabalhado era “traduzido” do inglês, confirmando,
neste caso, a hegemonia da América do Norte. O brasileiro reverenciando mais uma vez
o que vem do exterior.
Talvez o funk, o pagode e a música gospel tenham sido os caminhos encontrados pelos
alunos, ou mesmo suas referências familiares e que cabe ao professor de música não
iniciar uma luta, mas entender que a Educação Musical é muito mais ampla. O repertório
é um pequeno detalhe dentro do universo enorme que pretendemos sensibilizar. Todo
trabalho de contextualização, de notação, dos parâmetros do som, principalmente de
escuta e criação podem passar ao largo dos gêneros.
Como reflexão, trago a experiência que tive durante meu mestrado na UNIRIO em 2001,
com uma professora que me marcou muito, Elizabeth Travassos, que por duas vezes me
mostrou o quanto eu estava equivocada.
Na primeira vez, em 2001, debatendo em aula sobre o programa Horizontes Culturais, no
qual eu trabalhava com professores da rede municipal do Rio de Janeiro e centrava minha
pesquisa, falei cheia de orgulho que o objetivo era levá-los ao Theatro Municipal do Rio
de Janeiro, para ouvirem uma música melhor, de qualidade. Ela parou na minha frente
questionando: e quem disse que é a melhor? Melhor para quem? Que pretensão você
tem de achar que o que você oferece é o que há de melhor? Naquele momento “meu
queixo caiu”, assim como a minha pesquisa tomou outro rumo, concluindo que o
Programa Horizontes Culturais oferecia aos professores mais uma possiblidade, dentre
várias, de frequentar os espaços culturais do Rio de Janeiro.
Na segunda vez, frequentando suas aulas de Análise Etnomusicológica I, e ao ler no
programa o estudo da música africana, pensei caricaturalmente entrar pelas matas e ouvir
os batuques das diferentes etnias, e qual não foi a minha surpresa quando ela nos
apresenta um vídeo da Jùjú Music, a mais eletrônica e metropolitana da Nigéria e, de
novo, percebi como a minha visão era estereotipada, atrasada, totalmente fora da
realidade.
Como contemplar a diversidade dos gostos na sala de aula? Como contemplar o meu
gosto com o da turma e vice-versa? É esse o objetivo de um educador musical?
Quem está certo e quem está errado? Todos devem gostar da mesma música? Cabe aos
educadores musicais eleger o que é música de qualidade e o que não é? Qual o critério
para se colocar no altar?
Penso que primeiro deve-se olhar para a própria história do professor. Dobrar-se sobre si
mesmo. Quais eram as músicas dos tempos de sua adolescência? Qual o seu repertório
favorito?
Eu por exemplo, na minha trajetória como cantora, participei durante anos de um madrigal
renascentista; cantei num grupo vocal cujo repertório era dedicado ao italiano pré-barroco
Claudio Monteverdi; gravei peças de compositores do barroco brasileiro; cantava grande
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parte do repertório dos Beatles, da dupla americana Simon & Garfunkel e dos cariocas
Noel Rosa e Chico Buarque. Uma salada, reconheço. Mas essa é a minha história.
Gosto de provocar o aluno. O que pensa? Por que gosta? Como é a harmonia? A
apreciação em gravação ou ao vivo é um ótimo início. Na contextualização procuro a
história do gênero. Desde quando, como e por quê?
Para mim, o ideal seria que paralelo a toda essa proposta de discussão se começasse a
trabalhar nas bases da educação infantil, saindo do estereótipo, das músicas banalizadas
e infantilizadas, sair das músicas exclusivas para as faixas etárias e partir para a criação
desde pequenos, só assim pode ser que saiamos do choque quando esse aluno sai da
infantilização para o proibidão. Mais uma vez a música tem um discurso dentro da escola
e outro fora.
Não acredito que o ideal fosse o professor levar/trabalhar o que elas já fazem na rua, mas
dar possibilidades para novas criações, novas escutas e tudo mais com que a Educação
Musical possa contribuir para a formação do indivíduo.
Sugiro que os alunos da licenciatura pesquisem sobre seus instrumentos e seu repertório
e que se apresentem para a turma. A grande maioria nunca tinha se dado a esse
trabalho, essa curiosidade ainda não havia sido despertada. Qual a origem do seu
instrumento, como chegou ao Brasil? O que quer dizer a palavra funk, pagode e gospel?
Quando cada aluno escuta o companheiro de turma discursar sobre o seu instrumento,
repertório e como se deu seu interesse pela música, o grupo passa a compreender, a se
interessar e, principalmente, a respeitar a história do outro. Percebem que o saber não
vem só do professor.
Reconhecer e não brigar. Faz-se premente sensibilizar os alunos para que compreendam
e reconheçam musicalmente a curva melódica do funk, a harmonia do pagode, as
diferenças que existem entre as cantoras brasileiras que imitam as norte-americanas com
seus timbres, vocalizes e ornamentos.
Imagino que os coralistas da prof.ª Neila Ruiz, que se apresentaram na abertura deste
encontro também cantem gospel, funk e pagode, sentiram-se felizes cantando a música
do Marcos Leite inspirada nos índios Kraó1 e também Sarará Crioulo (Macau).
Penso que esse é o caminho: serem seduzidos pela arte da professora, pela vibração e
orgulho em mostrar seu trabalho e convidar os alunos a fazerem parte dele. Não tem
quem não se contagie!
Penso que o Colégio Pedro II, propondo esse diálogo aberto, trazendo à tona essa
preocupação, abrindo suas portas para os estágios e promovendo encontros como esse,
certamente está cumprindo sua parte.
1. “Três Cantos Nativos dos Índios Krahô”, composição coral de Marcos Leite.
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Espero ter contribuído para as questões contemporâneas da Educação Musical, do
repertório, do gosto musical, do diferente, e que o funk, o gospel e o pagode sejam um
dos caminhos para outras músicas, outras realidades, outros prazeres.
E viva a diferença!
Referências
DAYREL, Juarez. O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, São Paulo,
v. 28, n. 1, p. 117-136, jan./jun. 2002.
HERSCHMANN, Micael. O funk e o hip-hop invadem a cena. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2005.
LOPES, Nei. Pagode, o samba que faz escola. Blog do Instituto Moreira Salles. 28.01.2013.
Disponível em <http://www.blogdoims.com.br/ims/pagode-o-samba-que-faz-escola-por-nei-lopes>.
Acesso em 31 out. 2015.
MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1990.
MELLO, Zuza Homem de. A era dos festivais: uma parábola. São Paulo: Editora 34, 2003.
SPIX, Joh. Bapt. Von; MARTIUS, C. F. P. von. Viagem pelo Brasil: 1817-1820. Tradução de Lúcia
Furquim Lahmeyer. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
1981.
TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. São Paulo: Ed. 34, 2002.
TRAVASSOS, Elizabeth. Redesenhando as fronteiras do gosto. Horizontes Antropológicos. Porto
Alegre, ano 5, n. 11, p. 119-144, out. 1999.
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