Revista Paulista de Pediatria ISSN: 0103-0582 [email protected] Sociedade de Pediatria de São Paulo Brasil Del Ciampo, Ieda Regina L.; Del Ciampo, Luiz Antonio; Carvalho Galvão, Lívia; Fernandes, Maria Inês M. Constipação intestinal: um termo desconhecido e distúrbio freqüentemente não reconhecido Revista Paulista de Pediatria, vol. 24, núm. 2, junio, 2006, pp. 111-114 Sociedade de Pediatria de São Paulo São Paulo, Brasil Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=406038916004 Como citar este artigo Número completo Mais artigos Home da revista no Redalyc Sistema de Informação Científica Rede de Revistas Científicas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal Projeto acadêmico sem fins lucrativos desenvolvido no âmbito da iniciativa Acesso Aberto Artigo Original Constipação intestinal: um termo desconhecido e distúrbio freqüentemente não reconhecido Intestinal constipation: an unknow term and not frequent recognized trouble Ieda Regina L. Del Ciampo1, Luiz Antonio Del Ciampo2, Lívia Carvalho Galvão2, Maria Inês M. Fernandes3 Resumo Abstract Objetivo: Identificar a prevalência de procura espontânea de crianças com constipação intestinal crônica em uma unidade básica de saúde e o conhecimento de seus pais ou responsáveis sobre este problema. Métodos: Estudo tipo transversal, por meio de entrevistas estruturadas com os pais de crianças na faixa etária de 1 ano completo a 10 anos incompletos, que freqüentavam uma unidade básica de saúde. Após a consulta médica, as crianças que fossem sorteadas tinham seus pais convidados a participar do estudo, respondendo a um questionário no qual constavam: identificação do paciente, história de constipação intestinal do paciente, dos pais e irmãos e conhecimento dos pais sobre o hábito intestinal das crianças. Resultados: Foram realizadas 313 entrevistas e encontradas 84 (26,8%) crianças constipadas. Procuraram espontaneamente o serviço, com queixa de constipação intestinal crônica, 15,5% (13/84) delas. Em relação aos responsáveis pelas crianças, 76,2% (64/84) consideravam que suas crianças tinham dificuldades para evacuar e apenas 9,5% (8/84) conheciam a expressão constipação intestinal. Conclusões: A procura espontânea por atendimento médico devido à constipação intestinal foi pequena, provavelmente porque esta não é considerada como doença, o que é corroborado pelo desconhecimento da expressão constipação intestinal e pela baixa morbidade do problema. Parcela significativa dos pais considera normal o hábito intestinal dos filhos, apesar dos mesmos apresentarem dificuldades para evacuar. É necessário instituir e divulgar mais ações preventivas e terapêuticas sobre este importante agravo à saúde da criança e do adolescente. Objective: To identify the prevalence of spontaneous demand of primary health care among children with intestinal constipation and the knowledge of their parents about this problem. Methods: This cross-sectional study consisted of surveys with parents of children with 1 - 10 years old that attended a primary health care center. After medical consultation, children were chosen by chance to participate in the study. Parents of those chosen were invited to participate by answering a survey with questions about the following themes: identification, child´s history of intestinal constipation and parental knowledge about intestinal habits of their children. Results: 313 interviews were completed and 84 (26.8%) children with constipation were identified. Of those with constipation, 15.5% (13/84) have spontaneously searched medical attention in the health care center, with signs and symptoms of intestinal constipation. Regarding parental perception of the problem, 76.2% (64/84) of them were aware of the difficulties presented by their children, but only 9.5% (8/84) knew the expression “intestinal constipation”. Conclusions: The spontaneous demand for medical examination due to intestinal constipation was small, probably because the problem was not considered a disease. The ignorance of the expression “intestinal constipation” and the small morbidity of the problem had worsened the recognition of the problem by the families. A relatively high percentage of parents considered their children normal regarding their intestinal habits, despite the fact that they had intestinal constipation. It is necessary to promote and teach preventive and therapeutic actions regarding this important problem of children and adolescents. Palavras-chave: Constipação, cuidados primários de saúde, puericultura, criança. Key-words: Constipation, child care, primary health care, child. Mestre em Pediatria pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 2 Professor-doutor do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo 3 Professor-associado do Departamento de Puericultura e Pediatria da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Endereço para correspondência: Ieda Regina Lopes Del Ciampo Avenida Abade Constantino, 371 CEP 14040-290 – Ribeirão Preto (SP) E-mail: [email protected] Recebido em: 10/10/2005 Aceito em:13/2/2006 1 Rev Paul Pediatria 2006;24(2):111-4. 111 Constipação intestinal: um termo desconhecido e distúrbio freqüentemente não reconhecido Introdução Métodos Nos últimos anos, devido à sua elevada prevalência, a constipação intestinal crônica (CIC) vem sendo considerada como um problema de saúde pública. Trata-se de uma doença que atinge indivíduos de qualquer idade e apresenta repercussões clínicas que não requerem tratamento de emergência. É responsável por cerca de 3% das queixas registradas em consultórios de pediatria geral e quase 25% dos casos de atendimento nos ambulatórios de gastroenterologia pediátrica(1-3). Suas causas estão diretamente relacionadas aos hábitos alimentares e ao padrão de vida modernos, que acompanharam a evolução do processo industrial de produção de alimentos, a falta de tempo para realizar refeições adequadas e os modismos culturais, contribuintes principais da redução da quantidade de fibras insolúveis dos alimentos. Também as novas práticas alimentares como redução da prevalência do aleitamento materno, o consumo de alimentos status-convenience, como chá, açúcar, pão e refrigerantes, e a produção de diversos tipos de alimentos direcionados particularmente às crianças, com maciça divulgação pela mídia, tornaram a ingestão de fibras cada vez menor, contribuindo para a instalação do quadro de constipação intestinal em grande número de indivíduos predispostos(4). O sedentarismo e a limitação das atividades físicas decorrentes dos hábitos de vida moderna, como o uso de controle remoto, computadores, videogame, televisão, elevador, etc., que contribuem para a diminuição de esforços do ser humano na realização de suas tarefas diárias, também podem ser responsáveis pela diminuição da motilidade intestinal. Para alguns autores, a constipação intestinal crônica deve ser considerada como “uma doença da civilização, criada pelo próprio homem, que hoje utiliza drogas como forma de contorná-la”(5). Mesmo sendo considerada uma doença autolimitada e com resolução na própria infância, a constipação intestinal crônica pode persistir até a idade adulta(6-9). A conscientização de toda a família do paciente e sua conseqüente participação ativa em todos os passos do tratamento são fundamentais para a resolução do problema. Portanto, para compreender e lidar com casos de uma doença desta natureza, é necessário estabelecer uma forte e adequada relação médico-mãe-criança, cujos reflexos poderão ser observados na transformação do relacionamento entre os familiares(10). O presente estudo tem como objetivo conhecer a prevalência de procura espontânea de crianças constipadas por atendimento médico, em uma unidade básica de saúde. Trata-se de um estudo tipo transversal, realizado no período de março de 1996 a fevereiro de 1997, por meio de entrevistas estruturadas com os pais de crianças na faixa etária de 1 ano completo a 10 anos incompletos, que freqüentavam o ambulatório de Puericultura e Pediatria da Unidade de Vila Tibério, pertencente ao Centro de Saúde da Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Nesse período, foram entrevistados 313 pais, sorteados dentre todas as crianças que procuravam a unidade de saúde para atendimento médico, perfazendo, em média, seis entrevistas semanais. Inicialmente, foi realizado o sorteio das crianças e realizada a avaliação médica, que, além de atender às necessidades dos pacientes, serviu também para excluir do estudo aquelas portadoras de doenças neurológicas, as com hipotireoidismo ou que faziam uso de medicamentos constipantes como antiácidos, anticonvulsivantes, suplementos à base de ferro, antiespasmódicos, analgésicos ou antidepressivos. Todos os pais das crianças sorteadas que obedecessem aos critérios de inclusão eram convidados a participar do estudo, respondendo a um questionário no qual constavam: identificação, história de constipação intestinal do paciente, conhecimento dos pais sobre a constipação intestinal e o motivo da procura do serviço médico. Foram incluídas no estudo as crianças que tiveram três ou mais consultas médicas de rotina no serviço, em bom estado geral durante a seleção para a entrevista e que não apresentavam os critérios de exclusão anteriormente definidos. A constipação intestinal é um sintoma definido pela ocorrência de qualquer uma das seguintes manifestações, independentemente do intervalo entre as evacuações: eliminação de fezes duras, em cíbalos, na forma de seixos ou cilíndricas com rachaduras, dificuldade ou dor para evacuar, eliminação esporádica de fezes muito volumosas, que podem ou não entupir o vaso sanitário, ou freqüência de evacuações inferior a três por semana, exceto em crianças em aleitamento natural exclusivo(11). Para este estudo, utilizou-se um critério que dividiu os sinais e sintomas em maiores e menores, de acordo com a sua importância, a saber: a) sinais maiores – fezes cilíndricas ressecadas, fezes fragmentadas, eliminação dolorosa, eliminação com esforço e escape fecal; b) sinais menores – volume aumentado, intervalo entre as evacuações maior ou igual a dois dias, sangramento e demora para iniciar a evacuação. Foram considerados constipados os pacientes que apresenta- 112 Rev Paul Pediatria 2006;24(2):111-4. Ieda Regina Lopes Del Ciampo et al. vam dois ou mais dos critérios maiores ou um critério maior e dois menores(12). O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa do Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP. Resultados No período de março de 1996 a fevereiro de 1997 foram atendidas, no serviço, 5432 consultas médicas, que compreenderam: retornos de Puericultura, retornos médicos e atendimentos não-programados. Dentre todas as crianças atendidas nesse período, 313 participaram do estudo, sendo encontradas 84 (26,8%) portadoras de constipação intestinal crônica, com 42 (50%) de cada sexo. A procura espontânea por consulta médica, com queixa específica de constipação intestinal crônica, ocorreu em 15,5% (13/84) dos casos. Quando foi perguntado se os pais ou responsáveis pelas crianças conheciam a expressão constipação intestinal, apenas 9,5% (8/84) responderam afirmativamente. Em 76,2% (64/84) dos casos de constipação, os responsáveis acreditavam que as crianças apresentavam dificuldades para evacuar e 36% (30/84) disseram que consideravam normal o padrão evacuatório. Em 16,7% (14/84) dos casos, mesmo supondo que seu filho apresentava dificuldades para evacuar, os responsáveis consideravam que isso pudesse ser normal. Dentre os pacientes que procuraram espontaneamente atendimento com queixas específicas de constipação intestinal crônica, apenas 30,7% (4/13) de seus pais ou responsáveis afirmaram conhecer a expressão constipação intestinal. Tais pacientes apresentavam, cada um, três sinais maiores (fezes cilíndricas e ressecadas, eliminação dolorosa e com esforço) e dois menores (dificuldades para iniciar a evacuação e eliminação variando de dois a cinco dias). Discussão Neste estudo, a prevalência de constipação intestinal verificada na amostra populacional analisada está de acordo com aquela encontrada por outros autores, em estudos nacionais e internacionais, variando entre 25,1% a 38,4 em crianças de diferentes faixas etárias(12-18). Deve-se reconhecer as dificuldades de diagnosticar a constipação intestinal crônica, cuja variedade de sintomas é grande, porém pouco valorizada, tornando-se necessário efetuar uma anamnese dirigida, que somente pode ser realizada Rev Paul Pediatria 2006;24(2):111-4. quando o médico está atento à possibilidade de constipação intestinal como causa dos sintomas do paciente. Os resultados apresentados mostram que, em muitos casos, a procura por consulta médica especificamente, devido à constipação intestinal crônica, é pequena, corroborando com a afirmativa de que grande parte dos indivíduos não o faz, provavelmente por não considerarem a constipação intestinal crônica uma doença (pelo menos até que apareçam complicações como escape fecal e sangramento anal). Observações semelhantes foram encontradas em trabalhos realizados por diferentes autores(13,19-21). Quanto à opinião dos pais sobre a constipação de seus filhos, a elevada freqüência dos que acreditavam que estes não tinham dificuldades para evacuar (76,2%) e dos que acreditavam que o padrão das evacuações era normal (36%) está de acordo com o estudo sobre encoprese e soiling, o qual mostra que somente metade dos pais reconhece a constipação intestinal de seus filhos e poucos relacionam o escape fecal à constipação(22). Estes achados mostram como os casos são entendidos pelos leigos e quais as dificuldades encontradas pelo médico para diagnosticar a doença, quando uma boa e atenta anamnese não é realizada. Deve-se destacar que é fundamental procurar ativamente conhecer o padrão de evacuação das crianças. Também, o tratamento e a educação preventiva a serem instituídos ficam dificultados quando os pais não reconhecem a doença da criança. No presente estudo, a expressão “constipação intestinal” era desconhecida pelos responsáveis em elevadíssima proporção (90,5%). Este achado pode estar relacionado à baixa morbidade da doença, que atua silenciosamente, fazendo com que as crianças constipadas recebam tratamentos caseiros paliativos ou, até mesmo, não sejam tratadas. A doença não percebida e/ou não referida ao profissional de saúde é, ao mesmo tempo, menos abordada a contento nos consultórios médicos, local onde a informação é de extrema importância, o que deixaria pacientes e responsáveis sem maiores orientações, e estes desconhecem até mesmo a nomenclatura científica correta. Diante dos resultados encontrados neste estudo, é necessário institur e intensificar medidas preventivas da constipação intestinal crônica, em especial quanto aos aspectos dietético-nutricionais, de atividades e modificações dos hábitos familiares. Assim, os programas de Puericultura revestemse de importância crescente, visto que todo este conjunto de orientações e atitudes é desenvolvido no seguimento de rotina da criança, desmistificando a falsa impressão de cura do problema provocada por manobras de esvaziamento retal e uso de laxativos. 113 Constipação intestinal: um termo desconhecido e distúrbio freqüentemente não reconhecido Considerada como um problema grave de saúde, com conseqüências em longo prazo, a constipação intestinal crônica precisa ser abordada como prioridade pelos serviços de atendimento à saúde da criança e do adolescente, principalmente no que se refere aos seus aspectos preventivos. Isto permitiria ao pediatra estabelecer um vínculo com o paciente e com sua família, conhecendo melhor o ambiente e as condições de vida daquela criança, com a possibilidade de interferir desde o início do quadro e não somente quando aparecem sinais e/ou sintomas de complicações da constipação intestinal crônica. A intervenção precoce aumenta a possibilidade de melhora rápida desta condição, proporcionando melhor qualidade de vida ao paciente portador, que deixaria de sofrer as conseqüências de uma doença crônica aparentemente tão pouco valorizada. Referências bibliográficas 1. Kimbro C, Daisley K. Bowel control intervention: nurses can make a difference. Ostomy Wound Manage 1992;38:40-4. 2. Levine MD. Children with encopresis: a descriptive analysis. Pediatrics 1975;56:412-6. 3. Molnar D, Taitz LS, Urwin OM, Wales JK. Anorrectal manometry results in defecation disorders. Arch Dis Child 1983;58:257-61. 4. Del Ciampo IRL, Galvão LC, Del Ciampo LA, Fernandes MIM. Os pais percebem a constipação intestinal de seus filhos? Estudo em uma unidade básica de saúde. Rev Paul Pediatr 2004;22:15-8. 5. Eshchar J. Constipation and education. Arch Intern Med 1978;138:690-1. 6. Abrahamian FP, Lloyd-Still JD. Chronic constipation in childhood: a longitudinal study of 186 patients. 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