Braz J Periodontol - September 2014 - volume 24 - issue 03 POSSÍVEL ASSOCIAÇÃO ENTRE DOENÇA PERIODONTAL E DOENÇAS INTESTINAIS INFLAMATÓRIAS CRÔNICAS Possible association between periodontal disease and chronic inflammatory bowel diseases Lizia Felix Cotias de Mattos1, Caroline de Moura Martins Lobo dos Santos2, Maria Amélia Pazos Roxo3, Marilisa Lugon Ferreira Terezan4 1 Pós-graduanda em Periodontia pela FO-UERJ 2 Especialista, Mestre e Doutoranda em Periodontia pela FO-UERJ 3 Especialista e Mestre em Periodontia pela FO-UERJ 4 Coordenadora e Professora do Curso de Especialização em Periodontia da FO-UERJ Recebimento: 11/04/14 - Correção: 10/06/14 - Aceite: 21/07/14 RESUMO Introdução: A periodontite é um processo inflamatório crônico multifatorial em resposta ao biofilme dental, que pode estar associado à doenças inflamatórias crônicas por ser um foco distante de inflamação sistêmica. Dessa forma, podendo estar associada à doenças intestinais inflamatórias crônicas. Objetivo: Esta revisão literária teve por objetivo compreender e verificar as possíveis evidências da associação entre periodontite e doenças intestinais inflamatórias crônicas. Revisão da literatura: foram buscados e selecionados artigos científicos nas bases Medline/Pubmed que explicassem a associação entre periodontite - e seus fatores associados - e doenças intestinais, tais como Doença de Crohn e Colite Ulcerativa. Conclusão: fica evidente que é possível que exista associação entre periodontite e doenças intestinais inflamatórias crônicas, principalmente quanto a etiopatogenia, a microflora e os fatores de risco. Além disso, a presença simultânea de ambas sugere o agravamento da severidade e da prevalência das mesmas. Apesar disso, até o presente momento, mais estudos são necessários para que se possa afirmar a relação direta dessas doenças. UNITERMOS: Periodontite. Doenças intestinais inflamatórias crônicas. Doença de Crohn. Colite Ulcerativa. R Periodontia 2014; 24:17-23. 1 INTRODUÇÃO Doenças periodontais são condições inflamatórias crônicas multifatoriais, que afetam as estruturas de suporte dos dentes, as quais podem ser divididas em gengivite e periodontite. Diferentemente da gengivite que é um processo inflamatório brando e reversível, a periodontite pode causar consequências irreversíveis, como a destruição do ligamento periodontal, osso e tecidos gengivais, podendo levar em casos mais graves, à perda de elementos dentários. A inflamação e a resposta imune na bolsa periodontal são iniciadas e perpetuadas por várias espécies de bactérias organizadas em biofilmes nas superfícies dentárias, denominada placa bacteriana dental. (Menegat et al., 2010; Brito et al., 2013). O resultado de tal interação é modulado por fatores de risco, que podem ser tanto inerentes quanto An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 Revista Perio Setembro 2014 - 30-09-14.indd 17 adquiridos. Várias citocinas pró-inflamatórias, por exemplo, têm sido estudadas e associadas à alteração na resposta inflamatória do hospedeiro, como a interleucina IL-1 Beta, IL-1 alfa, Fator de necrose tumoral (TNF), Interferon gama, IL-18 e mais recentemente investigada, a IL-6. A presença das mesmas predispõe uma acelerada progressão da periodontite, devido à regulação defeituosa da resposta imune causada pelas mesmas (Menegat et al., 2010). Fatores genéticos responsáveis por tal susceptibilidade ou resistência à periodontite precisam ser melhores identificados.Muitos outros fatores que afetam a patogênese foram bem descritos, tais como fumo, diabetes, obesidade, medicações e nutrição (Dentino et al., 2013). Evidências sugerem que os efeitos da periodontite podem não somente estar associados à cavidade oral, mas podem também apresentar conseqüências sistêmicas, já 17 30/09/2014 17:13:10 Braz J Periodontol - September 2014 - volume 24 - issue 03 - 24(3):17-23 que tal doença ativa a resposta hepática aguda, além de representar uma fonte distante de inflamação sistêmica branda. Por esta razão, a periodontite está associada com diversas doenças sistêmicas tais como infarto do miocárdio, acidente vascular encefálico, diabetes e parto prematuro (Tonetti & Van Dyke, 2013). Além das doenças sistêmicas já mencionadas, Brito et al. (2013) relataram uma grande prevalência de periodontite em pacientes com doenças intestinais inflamatórias crônicas (DIIC), tais como Doença de Crown (DC) e Colite Ulcerativa (UC). Essas doenças são causadas por reações inflamatórias exageradas à bactérias comensais do intestino. Assim como na periodontite, as DIIC são infecções endógenas com hipersensibilidade local, que refletem tal tentativa frustrada do mecanismo imune em eliminar bactérias (Brandtzaeg, 2001). O gene CARD 15 e suas variantes, presentes em muitos pacientes com DC, mostraram estar envolvidas na resposta inflamatória mediada intestinal, podendo da mesma forma, influenciar na resposta do tecido periodontal (Jamal, 2010). Três estudos anteriores, seccionais sobre CD e UC, mostraram maior prevalência e severidade da periodontite moderada em pacientes afetados ( Flemming et al., 1991; Grossner-Schreiber et al., 2006; Britoet al., 2008). Vários fatores vêm sendo sugeridos como possíveis iniciadores de eventos no desenvolvimento da DII, incluindo microorganismos bacterianos e virais, produtos da dieta e toxinas ambientais Estes fatores são suspeitos de iniciar uma sequência de processos crônicos imunológicos que perpetuarão uma prolongada resposta imune intestinal, em pessoas geneticamente predispostas, levando a injúria tecidual e subsequentes sintomas clínicos. Entre os numerosos mediadores bioquímicos solúveis liberados por células intestinais ativadas, particular atenção vem sendo dada a citocinas inflamatórias (Menegat, et al., 2012). Algumas bactérias foram estudadas devido à grande quantidade e prevalência na cavidade oral de pacientes com DC e UC, como a gram-negativa Campylobacter rectus. Foi detectada nesta uma grande capacidade de inibir a quimiotaxia de neutrófilos o que possivelmente pode estar associada à causa das DIIC. Não houve, porém, estudos mostrando a associação destas bactérias à doença periodontal (Van Dyke et al.,1986). Desta forma, esta revisão literária teve por objetivo compreender e verificar as possíveis evidências da associação entre periodontite e DIIC. 2 REVISÃO DISCUTIDA DA LITERATURA 2.1 Doença de Crohn A DC é um tipo de DIIC de origem desconhecida que 18 Revista Perio Setembro 2014 - 30-09-14.indd 18 pode acometer qualquer parte do trato gastrointestinal, o qual compreende desde a cavidade oral até o ânus. Fatores que possam ser causadores de tal patologia ainda estão em análise, tais como: hábitos alimentares, genética, fatores ambientais e fatores infecciosos (Ballone, 2003). As manifestações ocorrem mais frequentemente nas áreas do cólon, ílio e região perianal, podendo, porém com menos frequência, apresentar manifestações extraintestinais, como as oftalmológicas, dermatológicas e reumáticas. Os principais sintomas são de acordo com a gravidade da doença, podendo variar desde leves sinais de obstrução intestinal e massas duras palpáveis, até febre, perda de peso, diarreias frequentes, vômitos, anemias e abscessos intra-abdominais, em casos mais graves (Lichtenstein et al., 2009). Manifestações orais de doenças intestinais podem estar presentes, já que a mucosa oral está em continuidade e intimamente relacionada com os outros tecidos do corpo através da corrente sanguínea, vasos linfáticos e tecidos nervosos. Dentre elas podem ser observadas aftas, ulcerações granulomatosas, queilite angular, candidíase, xerostomia, halitose e disfagia (Katz et al., 2003). A lesão oral mais característica secundária às doenças intestinais são as úlceras aftosas recorrentes que têm uma prevalência de 0,5 a 20% em pacientes que sofrem de DIIC (Pittock et al., 2006). Pacientes com vômitos e refluxo, apresentam maior prevalência de lesões erosivas devido à redução do PH salivar causado pelo líquido estomacal e lesões cariosas causadas pela redução do fluxo salivar, levando ao desconforto no uso de próteses e maior propensão a desenvolver infecções na mucosa. Além disso, medicações usadas no tratamento da DC diminuem ainda mais o fluxo salivar (Katz et al., 2003). O tratamento da DC por enquanto não é curativo. A principal medicação utilizada é o ácido acetilsalicílico que tem por objetivo controlar, clínica e laboratorialmente, a doença inflamatória e permitir a nutrição adequada. Em casos mais graves onde os aminosalicilatos são ineficazes, corticosteróides, como a Prenidisolona, são administrados. Imunossupressores são também associados aos corticosteróides na fase aguda da doença, como a mercaptopurina e a azatioprina que têm sido eficazes na remissão da doença (Biancone et al., 2002; Hendrickson et al., 2002; Pierik et al., 2006). 2.2 Colite Ulcerativa Diferentemente da DC que pode afetar qualquer área do trato gastrointestinal, a UC é limitada ao intestino grosso. Além disso, na DC a inflamação se estende profundamente nos tecidos enquanto na UC, úlceras extensas nas camadas superficiais dos tecidos do cólon e do reto são características. A inflamação na UC é simétrica e limitada às An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 30/09/2014 17:13:10 Braz J Periodontol - September 2014 - volume 24 - issue 03 - 24(3):17-23 áreas de proximidade do reto, já a DC apresenta-se de forma assimétrica e segmentada com áreas afetadas intercaladas com áreas saudáveis. A idade do aparecimento de ambas as doenças ocorre entre 15 e 30 anos, porém indivíduos mais jovens ou mais velhos podem também ser afetados (Brandtzaeg, 2001). A etiologia da UC também é desconhecida e sua fisiopatologia ainda não foi completamente elucidada e, portanto, o tratamento adequado ainda deixa a desejar. Estudos epidemiológicos são limitados devido ao difícil diagnóstico em casos mais brandos (Gordon & Nivatvongs, 1992). A causa mais provável da UC, sugeridos por muitos autores, seriam fatores genéticos e ambientais (Podolsky, 2002; Head & Jurenka, 2003; Danese & Fiocchi, 2006). Os sintomas clínicos da doença incluem ataques intermitentes de diarreia sanguinolenta, dores abdominais, perda de muco, sangramento retal, dor abdominal e perda de peso. Os pacientes podem apresentar desde anemia leve, que passa despercebida pelo exame clínico, até um quadro agudo de dispnéia por falta de hemoglobina nos casos mais avançados (Corman, 2005). Manifestações extraintestinais podem incluir lesões oculares, artrites e artralgias, doenças renais e hepáticas, além de atraso no crescimento, anomalias ósseas, febre e perda de peso (Ardizzone et al., 2000; Hendrickson et al., 2002). A manifestação bucal mais frequente desta doença é a pioestomatite vegetante que se caracteriza por várias lesões pustulentas na mucosa labial, jugal e do palato mole, com aproximadamente 5mm de diâmetro, ovais e persistentes (Silverman et al., 2004; Porter & Leão 2005). A pioestomatite vegetante é, portanto, um ótimo indicador da presença de doenças intestinais, especialmente na UC. Desta maneira, o paciente apresentando tal lesão deve ser encaminhado para um gastroenterologista para avaliação (Ruiz-Roca et al., 2005). Assim como na DC, o tratamento da UC consiste na administração de aminosalicilatos, corticosteróides e imunossupressores, dependendo do estágio da doença (Head & Jurenka, 2003). A terapia nutricional torna-se indispensável no controle da atividade das DIIC. O profissional qualificado irá prescrever multivitamínicos diários, suplementação de cálcio e de ferro quando necessárias e ainda fornecer orientações alimentares, assim como restrição de alimentos fibrosos ou picantes (Hendrickson et al., 2002). apresentam causas multifatoriais que resultam de uma interação complexa entre fatores genéticos imunológicos e ambientais. Tais interações levam a um defeito na barreira da mucosa contra bactérias, o que provoca uma reação inflamatória exuberante resultando em inflamação crônica e destruição tecidual. De acordo com o estudo comparativo feito por Brandtzaeg (2001), ambas as doenças inflamatórias parecem ser explicadas por infecções endógenas que induzem hipersensibilidade à bactérias comensais. O estímulo depende das células apresentadoras de antígenos que levam a reações classe IX determinadas por CD4 T helper e/ou classe I, CD8 com poder citotóxico e/ou supressivo. Essas células estão presentes tanto na mucosa intestinal quanto na gengiva inflamada, portanto tal reação imunológica pode ser desencadeada por uma microbiota indígena em ambos os sítios. A inflamação crônica que ocorre nas DIIC é semelhante à resposta inflamatória que ocorre na cavidade oral que leva à periodontite (Helieh et al., 2009). Diferentemente da periodontite, as doenças intestinais não apresentam agentes específicos causadores de doença (Indrolo et al., 2011). Uma revisão sistemática realizada por Sanz & Winkelhoff (2011), concluiu que existem similaridades entre as inflamações crônicas que ocorrem tanto na periodontite quanto nas DIIC, já que em ambas as bactérias comensais iniciam o processo de resposta imune do hospedeiro, porém em DIIC não existem bactérias específicas associadas com a iniciação da doença como ocorre na periodontite, a qual necessita da presença de bactérias putativas com fatores de virulência definidos. 2.3 Semelhanças entre as etiopatogenias das doenças intestinais inflamatórias crônicas e periodontite Segundo Indrolo et al. (2011), a periodontite e as DIIC 2.4 Fatores de risco comuns Estudos epidemiológicos mostraram que a higiene oral deficiente e o fumo influenciam diretamente na prevalência e severidade de ambas as doenças. O fumo demonstrou resultados negativos em periodontite e DC, porém resultados positivos em UC (Indrolo et al., 2011). Além disso Brandtzaeg et al. (2001) elucidaram que o desenvolvimento de ambas as doenças pode ser influenciado por fatores genéticos do sistema imunológico, pela dosagem e potencial de virulência de bactérias indígenas, pela saúde geral e nutricional, e por fatores psicológicos. Existe comprovação de uma predisposição genética para UC, apesar de não existirem genes definidos até o momento para tal condição. Já em DC houve a associação entre uma variação do gene CARD 15, que impede a habilidade de reconhecer bactérias comensais intestinais, o que resulta em uma resposta imune inadequada. Da mesma maneira, estudos têm demonstrado evidências de susceptibilidade genética para periodontite, que influenciam na prevalência e severidade An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 19 Revista Perio Setembro 2014 - 30-09-14.indd 19 30/09/2014 17:13:10 Braz J Periodontol - September 2014 - volume 24 - issue 03 - 24(3):17-23 da doença (Sanz & Winkelholff, 2011). Um estudo piloto realizado por Gatti et al. (2012), em pacientes frequentadores do Hospital Pedro Hernesto no Rio de Janeiro, investigou a presença de polimorfismo do gene TNF-A-308 em indivíduos com periodontite e DC, comparando-os com indivíduos com periodontite apenas. O objetivo foi encontrar uma maior prevalência deste gene em pacientes que apresentam ambas as doenças, já que o mesmo representa um aumento na liberação de TNF-alfa, uma maior susceptibilidade à DC e uma alteração na resposta à terapia. Visto que tecidos periodontais inflamados apresentam uma maior concentração de TNF-alfa no fluido gengival e a mesma em ação com outras citocinas inflamatórias, podem representar uma maior taxa de destruição óssea, sugere-se que o este polimorfismo genético presente em pacientes com DC, pode ser um fator de risco para periodontite. Os resultados desse estudo, apesar do número reduzido de participantes, demonstrou que pacientes com DC e periodontite apresentam uma maior prevalência de alteração pleomórfica do gene TNF-alfa, contribuindo assim para uma maior susceptibilidade à qualquer doença inflamatória incluindo periodontite e DC. Nagpal et al. (2012) analisaram o caso de uma paciente jovem de 28 anos apresentando DC e periodontite agressiva, a qual foi devidamente tratada. Após melhora do quadro, a paciente abandonou suas visitas de manutenção, retornando depois de 10 anos, desta vez não apenas com periodontite agressiva em quadro avançado, como também com anemia ferropriva, além da DC pré-existente. Segundo os autores, esses achados clínicos sugerem que periodontite associada à DC, pode ter sido acentuada devido à presença de anemia, e por isso, anemias associadas à DC podem ser consideradas fatores de risco para periodontite. A periodontite por sua vez provoca um efeito sistêmico, que pode levar a uma tendência anêmica, já que provoca a redução da eritropoese. Este caso, portanto, ilustra a possível influência da periodontite em anemias quando associadas à DC e, também, a piora da periodontite na presença de anemias. Existe, portanto, uma semelhança nos fatores de risco entre as doenças intestinais e a periodontite, uma vez que a presença de bactérias, sejam elas comensais ou específicas, não seria determinante da presença da doença, sendo necessário que haja uma predisposição genética ou algum fator ambiental, como fumo, má higiene ou anemia, para que a barreira de defesa seja quebrada, provocando assim a doença. no Rio de Janeiro com doenças intestinais e pacientes saudáveis, que apresentavam periodontite crônica, moderada à severa, não tratada. Os resultados mostraram que pacientes com DC apresentaram maior quantidade de P. anaerobius. Os sítios com periodontite mostraram maior concentração de S.aureos, S. anginousus, S.mitis e S.mutans em pacientes com doenças intestinais. Foi concluído então que os que pacientes com DC apresentaram maior concentração de bactérias patogênicas principalmente S. mutans, o que pode propiciar não somente periodontite, mas também maior prevalência de cárie. Além disso, pacientes com doenças intestinais em geral, acumulam maior quantidade de bactérias nas áreas subgengivais inflamadas. Bolsas periodontais podem acumular até 415 espécies de bactérias na área subgengival, se tornando um nicho ecológico favorável para o acúmulo de outras bactérias que podem causar infecções oportunistas (Gendron et al., 2000). Em um estudo realizado por Kuehbacher et al. (2008), um grupo específico de bactérias (TM7) encontradas na placa subgengival de pacientes com periodontite, demonstraram que o mesmo pode contribuir para o estabelecimento de um estado pró-inflamatório da microbiota intestinal. Pacientes com doenças intestinais apresentam maior acúmulo de bactérias nas áreas subgengivais, e estas por sua vez agravam a periodontite. Da mesma maneira, a presença dessas bactérias periodontais pode aumentar a susceptibilidade do hospedeiro a outras infecções, incluindo doenças intestinais. 2.5 Comparações entre as microfloras Brito et al. (2013) compararam a composição da microflora gengival de pacientes do Hospital Universitário Pedro Ernesto 2.6 Prevalência, severidade e extensão de periodontite em pacientes com doenças intestinais inflamatórias crônicas Habashneh et al. (2012) realizaram um estudo de caso controle em pacientes frequentadores de clínicas médicas da cidade de Jordan, cujos resultados mostraram que o índice gengival e o índice de placa foram maiores naqueles com doenças intestinais quando comparados aos pacientes saudáveis. Além disso, a severidade e a extensão da periodontite avaliada através de profundidade de bolsa e perda de inserção foram significantemente maiores em pacientes com doenças intestinais. A prevalência da periodontite em pacientes entre 36-45 anos foi significantemente maior. Este estudo está de acordo com outros que demostraram a alta prevalência de periodontite em pacientes com DIIC (Flemming et al., 1991; Grossner- Schereiber et al., 2006). Grossner-Shereiber et al. (2006) realizaram um estudo de caso controle para analisar a prevalência de cárie dental e doenças periodontais em pacientes com doenças intestinais. Os resultados mostraram que pacientes com doenças 20 An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 Revista Perio Setembro 2014 - 30-09-14.indd 20 30/09/2014 17:13:10 Braz J Periodontol - September 2014 - volume 24 - issue 03 - 24(3):17-23 intestinais apresentaram maior presença de lesões orais tais como hiperplasia ou edema da mucosa oral, inchaço gengival, úlceras, aftas, candidíase, líquen plano e leucoplasia quando comparados com pacientes saudáveis. Não houve diferença entre grupos com relação à quantidade de dentes, porém pacientes com doenças intestinais apresentaram maior quantidade de placa e prevalência de cárie dentinária quando comparados com o grupo controle. Os resultados do exame periodontal mostraram que os pacientes do grupo controle apresentaram maior profundidade de bolsa, porém os índices de sangramento à sondagem foram iguais em ambos os grupos. Já a prevalência de perda de inserção nos pacientes com doenças intestinais foi ligeiramente maior, com 81% desses pacientes apresentando perda maior ou igual a 4mm em pelo menos um sítio e 63% apresentando perda maior ou igual a 5mm. Apesar destes valores de perda de inserção ter sido maiores em pacientes com DIIC, elas não foram suficientes para significância estatística. Os autores concluíram então que pacientes com DIIC apresentam maior prevalência de cárie dental, devido a hábitos dietéticos alterados e má absorção podendo ser o agente causador de tal alteração. A situação periodontal em pacientes com DIIC mostrou uma maior prevalência, porém não significativa, de perda de inserção e não houve diferença nos sinais de inflamação em ambos os grupos. Este estudo está de acordo com Brito et al. (2008), onde foram comparados a prevalência de doença periodontal e índice de dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD) em pacientes com doenças intestinais e pacientes saudáveis. Os resultados mostraram que pacientes com doenças intestinais têm maior CPOD, prevalência e severidade de doença periodontal, medidas através da profundidade da bolsa e perda de inserção, dentre eles os pacientes com UC apresentaram doença periodontal mais severa. 2.7 Efeitos coadjuvantes do tratamento de ambas as doenças Devido ao mecanismo patogênico comum de tais doenças, o tratamento da periodontite pode ser beneficiado pelas mesmas drogas usadas no tratamento das DIIC (Indrolo et al., 2011). Pacientes com lesões orais características de periodontite que apresentam dores abdominais, diarreia, artralgia e lesões de pele devem ser avaliadas para DIIC, e da mesma maneira pacientes com DIIC apresentando ulcerações gengivais, edemas e eritema, devem passar por um cuidadoso exame periodontal (Indrolo et al., 2011). Uma vez estabelecida a relação da periodontite com doenças intestinais, é possível relacionar o efeito coadjuvante do tratamento de ambas. A redução da quantidade de An official publication of the Brazilian Society of Periodontology ISSN-0103-9393 Revista Perio Setembro 2014 - 30-09-14.indd 21 bactérias e diminuição da inflamação aumenta a resistência do hospedeiro às infecções oportunistas. 3 CONCLUSÃO Fica evidente que é possível que exista associação entre periodontite e doenças intestinais inflamatórias crônicas, principalmente quanto a etiopatogenia, a microflora e os fatores de risco. Além disso, a presença simultânea de ambas sugere o agravamento da severidade e da prevalência das mesmas. Apesar disso, até o presente momento, mais estudos são necessários para que se possa afirmar a relação direta dessas doenças. ABSTRACT Introduction: Periodontitis is a multifactorial chronic inflammatory processin response to the biofilm, which may be associated with chronic inflammatory diseases by being a distant focus of systemic inflammation. Thus, may be associated with chronic inflammatory bowel diseases. Objective: This literature review aimed to understand and verify the possible evidence of the association between periodontitis and chronic inflammatory bowel diseases. Literature Review: We searched and selected papers in Medline/Pubmed, to explain the association between periodontitis and its associated factors-and-intestinal diseases such as Crohn’s Disease and Ulcerative Colitis. Conclusion: It is evident that there may exist an association between periodontitis and chronic inflammatory bowel diseases, particularly regarding the pathogenesis, microflora and the risk factors. Morover, the simultaneous presence of both suggest an increased severity and prevalence thereof. Nevertheless, to date, more studies are needed to affirm the direct relationship between these diseases. UNITERMS: Periodontitis. Inflamatory bowel disease. Crohn Disease. Ulcerative Colitis. 21 30/09/2014 17:13:10 Braz J Periodontol - September 2014 - volume 24 - issue 03 - 24(3):17-23 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1- Menegat J, Brito F, Barros F, Pedreira R, Fischer RG, Figueredo C. Níveis elevados de il-6 no fluido gengival de pacientes com periodontite crônica e retrocolite ulcerativa idiopática. R. Periodontia 2010; 20(2): 61-68. 2- Brito F, Zaltman C, Carvalho ATP, Fischer RG, Persson R, Gustafsson A et al. Subgingival microflora in inflammatory bowel disease patients with untreated periodontitis. Eur J Gastroen Hepat 2013; 25(2): 239-245. 3- Dentino A, Lee S, Mailhot J, Hefti AF. Principles of periodontology. Periodontol 2000 2013; 61(1): 16-53. 4- Tonetti MS, Van Dyke TE. Periodontitis and atherosclerotic cardiovascular disease: consensus report of the Joint EFP/ AAP Workshop on Periodontitis and Systemic Diseases. J Periodontol 2013; 84(4): 24-29. 5- Brandtzaeg P. Inflammatory bowel disease: clinics and pathology. 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