SOCIOLOGIA FICHA 2 TEMA: Estratificação social: influências do Trabalho nas relações sociais Professor Hugo Alexandre ([email protected]) Estrutura e estratificação social O que é uma estrutura social? Diríamos que uma estrutura social é o que define determinada sociedade. Ela se constitui da relação entre os vários fatores – econômicos, políticos, histórico, sociais, religiosos, culturais – que dão uma feição para casa sociedade. Uma das características da estrutura de uma sociedade é sua estratificação, ou seja, a maneira como os diferentes indivíduos e grupos são classificados em estratos (camadas) sociais e o modo como ocorre a mobilidade de um nível para outro. A questão da estratificação social foi analisada pelo sociólogo brasileiro Octávio Ianni, em diferentes sociedades, com base, fundamentalmente, na forma como os indivíduos organizam sua produção econômica e o poder político. Para estudar a estratificação em cada sociedade é necessário, segundo Ianni, que se verifique “como se organizam as estruturas da apropriação (econômica) e dominação (política)”. Entretanto, essas estruturas são atravessadas por outros elementos – como a religião, a etnia, o sexo, a tradição e a cultura –, que, de uma forma ou de outra, influem no processo de divisão social do trabalho e no processo de hierarquização. A estratificação social e as desigualdades decorrentes são produzidas historicamente, ou seja, são geradas por situações diversas e se expressam na organização das sociedades em sistemas de castas, de estamentos ou de classes. Cada caso precisa ser analisado como uma configuração histórica particular. Nessa unidade, vamos examinar os sistemas de castas e de estamentos; no próximo, trataremos de sistema de classes, característico da sociedade capitalista. As sociedades organizadas em castas O sistema de castas é uma configuração social de que se tem registro em diferentes tempos e lugares. No mundo antigo, há vários exemplos da organização em castas (na Grécia e na China, entre outros lugares). Mas é na Índia que está à expressão mais acabada desse sistema. A sociedade indiana começou a se organizar em castas e subcastas há mais de 3 mil anos, adotando uma hierarquização baseada em religião, etnia, cor, hereditariedade e ocupação. Esses elementos definem a organização do poder político e a distribuição da riqueza gerada pela sociedade. Apesar de na Índia haver hoje uma estrutura de classes, o sistema de castas permanece mesclado a ela, o que representa uma dificuldade a mais para entender a questão. O sistema sobrevive por força da tradição, pois, legalmente foi abolido em 1950. Pode-se afirmar, em termos genéricos, que existem quatro grandes castas na Índia: a dos brâmanes (casta sacerdotal, superior a todas as outras), a dos xátrias (casta intermediária, formada normalmente pelos guerreiros, que se encarregam do governo e da administração pública), a dos vaixás (casta dos comerciantes, artesãos e camponeses, que se situam abaixo dos xátrias) e a dos sudras (a casta dos inferiores, na qual se situam aqueles que fazem trabalhos manuais considerados servis). Os párias são os que não pertencem a nenhuma casta, e vivem, portanto, fora das regras existentes. Entretanto, há ainda um sistema de castas regionais que se subdividem em outras tantas subcastas. O sistema de castas caracteriza-se por relações muito estanques, isto é, quem nasce numa casta não tem como sair dela e passar para outra. Não há, portanto, mobilidade social nesse sistema. Os elementos mais visíveis da imobilidade social são: a hereditariedade, a endogamia (casamentos só entre membros da mesma casta), as regras relacionadas à 1 alimentação (as pessoas só podem se alimentar com os membros da própria casta e com alimentos preparados por elas mesmas) e a proibição do contato físico entre membros das castas inferiores e superiores. Repulsão, hierarquia: estas são as palavras-chaves para definir o sistema de castas, de acordo com o sociólogo francês Céléstin Bouglé (1870-1939), discípulo de Durkheim. Mas nenhum sistema é totalmente rígido, nem o de casta. Embora seja proibido, as castas inferiores adotam costumes, ritos e crenças dos brâmanes, e isso cria certa homogeneidade de costumes entre castas. A rigidez das regras também é relativizada por casamentos entre membros de castas diferentes (menos com os brâmanes), o que não é comum, mas acontece. A urbanização e a industrialização crescentes e a introdução dos padrões comportamentais do Ocidente têm levado elementos de diferentes castas a se relacionarem. Isso vai contra a persistência dos padrões mais tradicionais, pois, no sistema capitalista, no qual a Índia está fortemente inserida, a estruturação societária anterior só se mantém se é fundamental para a sobrevivência do próprio sistema. No caso específico da Índia, o sistema de castas está sendo gradativamente desintegrado, o que não significa, entretanto, que as normas e os costumes relacionados com a diferenciação em castas tenham desaparecido do cotidiano das pessoas. Confirma isso a existência de programas de cotas de inclusão para as castas consideradas inferiores nas universidades públicas. As sociedades estamentos organizadas por O sistema de estamentos ou estados constitui outra forma de estratificação social. A sociedade feudal organizou-se dessa maneira. Na França, por exemplo, no final do século XVIII, às vésperas da revolução havia três estados: a nobreza, o clero e o chamado terceiro estado, que incluía todos os outros membros da sociedade – comerciantes, industriais, trabalhadores urbanos, camponeses, etc. Nas palavras de Octávio Ianii, “a sociedade estamental [...] não se revela e explica apenas no nível das estruturas de poder e apropriação. Para compreender os estamentos (em si e em suas relações recíprocas e hierárquicas), é indispensável compreender o modo pelo qual categorias tais como tradição, linhagem, vassalagem, honra e cavalheirismo parecem predominar no pensamento e na ação das pessoas”. Assim, o que identifica um estamento é o que também o diferencia, ou seja, um conjunto de direitos e deveres, privilégios e obrigações que são aceitos como naturais e são publicamente reconhecidos, mantidos e sustentados pelas autoridades oficiais e também pelos tribunais. Numa sociedade que se estrutura por estamentos, a condição dos indivíduos e dos grupos em relação ao poder e à participação na riqueza produzida pela sociedade não é somente uma questão de fato, mas também de direito. Na sociedade feudal, por exemplo, os indivíduos eram diferenciados desde que nasciam, ou seja, os nobres tinham privilégios e obrigações que em nada se assemelhavam aos direitos e deveres dos camponeses e dos servos, porque a desigualdade, além de existir de fato, transforma-se em direito. Existia assim um direito desigual para desiguais. A possibilidade de mobilidade de um estamento para outro existia, mas era muito controlada – alguns chegavam a conseguir títulos de nobreza, o que no entanto, não significava obter o bem maior, que era a terra. A propriedade da terra definia o prestígio, a liberdade e o poder dos indivíduos. Os que não possuíam eram dependentes, econômica e politicamente, além de socialmente inferiores. O que explica, entretanto, a relação entre os estamentos é a reciprocidade. No caso das sociedades do período feudal, existia uma série de obrigações dos servos para com os senhores (trabalhos) e destes para com aqueles (proteção), ainda que camponeses e servos estivessem sempre em situação de inferioridade. Entre os proprietários de terras, havia uma relação de outro tipo: um senhor feudal (suserano) exigia serviços militares e outros serviços dos senhores a ele subordinados (vassalos). Formava-se, então, uma rede de obrigações recíprocas, como também fidelidade, observando-se uma hierarquia em cujo topo estavam os que dispunham de mais terras e 2 mais homens armados. Mas o que prevalecia era a desigualdade como um fato natural. Um exemplo dado pelo sociólogo brasileiro José de Souza Martins ilustra bem isso. Ele declara, em seu livro “A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais”, que durante uma pesquisa no Mosteiro de São Bento, na cidade de São Paulo, encontrou um livro de segunda metade do século XVIII, no qual havia dois registros de doações (esmolas): uma feita para um nobre pobre (os nobres podiam torna-se pobres, mas não perdiam a condição de nobres), que recebeu 320 réis; outra, para um pobre que não era nobre, que recebeu 20 réis. Comenta o sociólogo que “um nobre pobre, na consciência social da época e na realidade das relações sociais, valia dezesseis vezes um pobre que não era nobre [...] porque as necessidades de um nobre era completamente diferentes das necessidades sociais de um pobre apenas pobre”. Atualmente, se alguém decide dar esmola a uma pessoa que está em situação precária, jamais leva em consideração as diferenças sociais de origem do pedinte, pois parte do pressuposto de que elas são puramente econômica. José de Souza Martins conclui que basicamente é isso o que distingue estamento de classe social. Hoje, muitas vezes utilizando o termo estamento para designar determinada categoria ou atividade profissional que tem regras muito precisas para que se ingresse nela ou para que o indivíduo se desenvolva nela, com um rígido código de honra e de obediência – por exemplo, a categoria do militares ou a dos médicos. Assim, usar as expressões “estamento militar” ou “estamento médico” significa afirmar as características que definiam as relações na sociedade estamental. O Trabalho é um conceito chave para a Sociologia Qualquer trabalho, em qualquer período histórico e em qualquer tipo de sociedade, constitui um conjunto de atividades manuais e intelectuais criadas e planejadas pela espécie humana que, ao se apropriar de bens de natureza e modificá-los, visa à reprodução de seus indivíduos e, assim, da própria sociedade. A sociedade não existiu sempre da mesma forma. Os grupos sociais não se organizaram cultural, política e economicamente de maneira idêntica. Ao elaborarem suas interpretações sobre a sociedade moderna, os clássicos da sociologia destacaram o papel do trabalho, mais precisamente da divisão do trabalho (Durkheim), da ética do trabalho (Max Weber) e das relações de trabalho (Marx). Durkheim e o trabalho como forma de solidariedade social Interessado em explicar o que garante coesão entre os membros de determinada sociedade, Émile Durkheim divide as sociedades em antigas e modernas. Nas sociedades antigas, o que garante a coesão e a perenidade social é a solidariedade mecânica, fundada em crenças e valores religiosos comuns. Já nas sociedades modernas, os valores, as crenças e os interesses são diversificados, diferenciados. Por esse motivo, nesta, a coesão social é mais complexa, mas, ainda assim, existe. A divisão do trabalho social (as variadas profissões e a intensa especialização do trabalho) é que mantém a interdependência entre os indivíduos. O trabalho torna-se assim fonte principal de solidariedade. Durkheim chama essa forma de coesão de solidariedade orgânica. A divisão do trabalho tenderia a assegurar o exercício da liberdade individual porque permitiria que cada um seguisse sua vocação ou desejo profissional. Para que a realização das vocações pessoais, anunciada pela especialização cada vez maior do trabalho, não entrasse em conflito com a necessidade de manter a sociedade unida e coesa, era necessário que se estabelecessem regras e normas claras que eliminassem o “estado de anomia” jurídica e moral que atualmente se encontra na vida econômica. O cidadão na passagem do feudalismo ao capitalismo Sabemos que a emergência do cidadão livre ocorreu lentamente na Europa, entre os séculos XVII e XIX. Mas o que exatamente, permitiu aos indivíduos se libertarem das amarras do modo de produção feudal? De início o “trabalho” teve um papel decisivo. Quais foram as condições históricas e os processos sociais que permitiram, na Europa Ocidental, o 3 surgimento de um novo personagem, o indivíduo livre, que revolucionou as relações sociais? A quebra da relação senhor/servo e a possibilidade de vender livremente, no mercado sua força de trabalho foram características que melhor definiram o processo de emergência do cidadão livre, tal como o entendemos hoje, e a nova estratificação social (isto é, a novo forma de hierarquia e distribuição das classes na sociedade) que então começou a se organizar. O cidadão livre, sobre o qual falamos, rompeu com a “obrigação” devida ao senhor feudal (a talha, a corvéia, as banalidades e toda uma séria de tributos), conquistou direitos e mobilidade social, anunciando lentamente o fim do feudalismo. Em termos gerais, entre os séculos XVII e XIX, o indivíduo passou a ser livre não apenas em termos econômicos, mas igualmente em termos políticos e sociais, embora o conceito de liberdade apresentasse significados diferentes em cada região ou país. Karl Marx e o trabalho como forma de alienação social Weber, em seus trabalhos, procurou analisar por que o capitalismo só teria se desenvolvido numa época determinada da história da humanidade. Proprôs-se a investigar, assim, para além da questão econômica proposta por Marx, o significado cultural das sociedades capitalista que se organizavam sob a base do mercado livre. Nessas sociedades, os indivíduos adotavam comportamentos racionais para alcançar seus objetivos. Entretanto, esses comportamentos eram influenciados, também por valores sociais e culturais. Assim, os indivíduos nem sempre agiam movidos apenas por interesses econômicos. Propondo uma estratificação social diferenciada, incluiu outras variáveis como determinantes na hierarquização dos indivíduos, como o prestígio, a honra, além do poder. Ao contrário de Marx. Weber não acreditava que os trabalhadores se reconheciam como membros de uma única classe. Mesmo sendo todos trabalhadores, eles não partilhavam necessariamente os mesmo valores ou hábitos culturais e, em consequência, não poderiam apresentar um comportamento social único. No capitalismo, Marx chama de “trabalhador nu”. A expressão é apropriada porque, no capitalismo, o produtor direto está duplamente separado dos meios de produção. Além de não ser proprietário dos meios de produção, dos instrumentos de trabalho, o trabalhador também não detém o controle técnico do processo produtivo. Marx procurou analisar os efeitos do trabalho no capitalismo tendo em vista aquela separação. Ele chamou de alienação o efeito que o trabalho produz na consciência do trabalhador. O trabalho alienado provoca um estranhamento justamente porque o trabalhador não se reconhece no trabalho que realiza, não reconhece sua atividade nos produtos finais que ajuda a produzir. Assim, para Marx, o trabalho e a divisão do trabalho são fundamentais para a compreensão da sociedade. Assim, enquanto para Durkheim a divisão do trabalho na sociedade industrial é fonte de solidariedade social, para Marx a divisão (técnica) do trabalho constitui a fonte de exploração do trabalho pelo capital. Max Weber e o significado cultural do trabalho no capitalismo 4