ÉTICA E NEUROCIÊNCIAS JOSÉ IGNACIO TAVARES XAVIER 1 1 – Doutor em Psicologia - IP / UFRJ, Médico Psiquiatra - UCPEL e Psicoterapeuta Reichiano Resumo As neurociências constituem um campo em veloz expansão. Estima-se que a quantidade de conhecimento na área duplique a cada dois anos e meio. Nesse contexto, a neuro-ética emerge ao longo da última década como um campo com estatuto próprio em face do rápido progresso no entendimento das funções biológicas cerebrais e sua participação na produção da subjetividade humana. Por tratar-se de uma disciplina nascente a sua massa crítica ainda é limitada, com a maioria dos autores oferecendo uma perspectiva panorâmica do novo campo e procurando alertar os leitores acerca de novas nuances de questões éticas ‘antigas’, bem como do surgimento de ‘novos’ dilemas éticos. Constituem exemplos de ‘novos’ dilemas éticos o manejo de achados incidentais durante o uso de tecnologias de neuro-imagem, a translação dos achados da pesquisa para o campo da clínica (p. ex. diagnóstico precoce de Alzheimer e outras doenças degenerativas ainda sem tratamento eficaz) e para o campo jurídico (observação e registro da atividade e função cerebral e os desafios para o estabelecimento de responsabilidade legal), bem como o uso das novas tecnologias na vigência da saúde. A revolução neurocientífica traz em sua esteira novas tecnologias e possibilidades de intervenção em condições resultantes de doença ou trauma e oferece novas possibilidades de intervenções fora da arena médica tradicional, como o uso de distintas interfaces máquina-cérebro e de novas tecnologias computacionais para o aprimoramento de habilidades humanas. A diferença entre tratamento (recuperação de uma condição natural perdida) e aprimoramento (incremento de performance de uma capacidade normal) aparece como o maior desafio ético na atualidade, especialmente no tocante ao (ab)uso de novas opções farmacológicas e interfaces máquinacérebro em crianças, em adultos saudáveis e, o mais preocupante: a sua aplicação para fins militares. Pelo lado ‘antigo’ da questão observa-se que, embora o debate acerca de noções como self, mente, identidade, personalidade, determinismo e livrearbítrio seja muito anterior à compreensão biológica do cérebro, a discussão ganha novos e instigantes contornos e passa a exigir na atualidade um esforço de unificação das linguagens da filosofia e da ciência, o que certamente nos conduzirá a um novo patamar da concepção da condição humana. Constituem Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 57 novas dimensões de questões éticas ‘antigas’ a aplicação de tratamentos inovadores (psicofármacos, interfaces chip-neuronais), a acessibilidade universal a tais procedimentos, a liberdade pessoal em escolher tais alternativas ou ter a autonomia pessoal restringida acerca dessas escolhas (no tocante ao seu uso cosmético em funções em si mesmas saudáveis) e, finalmente, a questão da preservação da privacidade cognitiva. Quais são as possíveis implicações das possibilidades tecnológicas da neurociência? Onde localizar o ponto de corte entre o uso ético e o abuso da ciência para fins não-terapêuticos? Como implementar e garantir os marcos éticos que se impõem daqui por diante? A emergência dessas questões convoca ao debate acerca das novas fronteiras éticas não apenas os neurocientistas, mas também os filósofos, os biotecnólogos, os engenheiros computacionais, os juristas, os cientistas sociais e os homens que fazem a política. Boletim Interfaces da Psicologia da UFRuralRJ – 1º Seminário – Ano 2007 Página - 58