DA CLASSE HOSPITALAR AO ESPAÇO ESCOLAR CARDOSO*, Terezinha Maria - UFSC [email protected] IARTO**, Ana Paula Calcagnotto – UFSC FIGUEIREDO***, Kathi da Rosa Leal – UFSC CORDEIRO****, Marilda Andrade de Abreu – UFSC GUERREIRO, Monique Rafaella - UFSC Resumo A hospitalização infantil tem despertado o interesse em profissionais de diversas áreas. Este trabalho pretende evidenciar a importância dos profissionais da educação para a recuperação da criança/adolescente com câncer, minimizando o sofrimento destes, proporcionando a integração entre escola e hospital. Propôs-se alcançar professores da Rede de Educação Pública e Particular da Grande Florianópolis, que convivem com crianças em processo tratamento oncológico no Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG). O processo de hospitalização, tanto para criança quanto para o adolescente é muito marcante. A doença passa a ser uma realidade para a criança, deixando marcas, principalmente na adolescência, causando modificações no seu corpo e nas suas emoções. Essas modificações podem acarretar o afastamento da criança na escola, principalmente nas fases mais críticas do tratamento, quando poderá submeter-se a cirurgia e/ou sessões de quimioterapia ou radioterapia, necessitando de internação em dados momentos. Além da internação outros fatores podem afastar a criança/adolescente da escola: os pais, que para poupar seus filhos de situações que envolvam esforço físico, intelectual ou social, além daqueles exigidos pelo tratamento do câncer, os impedem de freqüentar a escola mesmo quando estes se sentem bem; outro fator se relaciona a falta de informação dos educadores com relação ao câncer infantil, ocasionando atitudes preconceituosas por parte destes e/ou de educandos. Com base em depoimentos e indicações da literatura da área nos propusemos elaborar audiovisual - DVD com orientações de médico, psicólogo e pedagogo aos professores sobre os cuidados do estudante com câncer e a importância da escola para a recuperação. Este material deverá ser distribuído às escolas com estudante acometido pelo câncer infantil e que freqüentam a Classe Hospitalar do Ambulatório de Oncologia do HIJG. Palavras-chave: Criança com câncer; Educando hospitalizado; Formação de professores; Classe hospitalar. * Professora Doutora em Educação - UFSC/SC. Pesquisadora e Orientadora do Grupo de Estudos, Pesquisas e Processos de Escolarização em Ambientes Hospitalares – UFSC. ** Estagiária em Orientação Escolar – UFSC. *** Estagiária em Supervisão Escolar – UFSC. **** Estagiária em Orientação Escolar - UFSC. Integrante do Grupo de Estudos, Pesquisas e Processos de Escolarização em Ambientes Hospitalares – UFSC. 1104 Introdução Este trabalho apresenta os resultados parciais de pesquisa desenvolvida no Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG) e em escolas das Redes de Ensino Pública e Privada da Grande Florianópolis, a qual teve como objetivo primeiro a produção de material audiovisual informativo sobre o câncer pediátrico, direcionado aos educadores e a ser distribuído às escolas com estudantes acometidos pelo câncer infantil e que freqüentam ou freqüentaram a classe hospitalar e/ou o ambulatório oncológico do HIJG. O tema escolarização da criança/adolescente doente, mais precisamente o Câncer na criança e no adolescente, de modo geral, é tema pouco explorado nas escolas e conseqüentemente pouco conhecido. Quando alguma criança e/ou adolescente na escola ou até mesmo entre a família desenvolve algum tipo de câncer, muitas alterações poderão ocorrer na sua vida particular, escolar e familiar. Nas palavras de Moreira e Valle (2001, p. 217-218): [...] quando a criança com câncer chega à escola ainda traz alguns efeitos colaterais do tratamento, que é longo e invasivo, tais como, perda dos cabelos, náusea, fadiga, dentre outros. Isto faz com que estas crianças representem uma nova população também dentro da escola, que por suas características, não pertence ao tradicional grupo de alunos especiais, constituído por crianças com algum tipo de deficiência visual, auditiva ou intelectual. Estas crianças geralmente são antigos alunos da escola que agora, vitimizados por uma doença estigmatizada e potencialmente fatal como o câncer, adquiriram a necessidade de cuidados especiais que são transitórios e distintos de acordo com a fase de seu tratamento. Apesar dos efeitos colaterais e da gravidade da doença se faz necessário refletir e atuar na perspectiva de compreender a importância da permanência da criança na escola buscando agir da maneira mais natural e sem preconceitos. Segundo a visão sócio-intertacionista, o desenvolvimento se dá pelas trocas dos sujeitos com o mundo e, nesse sentido, a escola juntamente com a família exerce um papel relevante na formação da identidade social e pessoal da criança/adolescente. A Escola é um dos principais lugares onde a criança amplia suas possibilidades de trocas, experiências e vivenciam diferentes papéis. De acordo com Vendrúsculo (apud MOREIRA; VALLE, 2001, p. 219-220): A escola é o local onde as crianças experienciam o sucesso, a realização e o senso de competência, sendo que a abstinência escolar pode levar à perda destas experiências que levam ao desenvolvimento normal da auto-estima e do senso de domínio e controle sobre o seu ambiente. Podemos afirmar que os benefícios da vivência escolar para a criança em 1105 tratamento do câncer são de grande importância. Por estudo já realizado em escolas da Grande Florianópolis (BOSSLE; NUNES, 2007) percebemos o despreparo da equipe escolar para o acolhimento do estudante com câncer, o preconceito e a falta de informação dos educadores e educandos sobre a criança em tratamento. A família por sua vez fica insegura em levar seu filho doente à escola devido aos constrangimentos constantes. O presente trabalho atende solicitação do setor de pedagogia do HIJG ao Centro de Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, para que realizasse um projeto de produção de material informativo sobre o câncer pediátrico aos educadores, haja vista a crescente demanda de crianças na classe hospitalar, as quais, ao retornarem para a escola regular sofrem constrangimentos devido às alterações físicas durante o processo de tratamento do câncer. Tal solicitação foi atendida com o entrelaçamento do estágio de última fase das habilitações de Orientação Educacional e Supervisão Escolar do Curso de Pedagogia da UFSC, cujas estagiárias desenvolveram projeto com a finalidade de levar subsídios a questões pertinentes à doença, tratamento e cuidados da criança com câncer aos professores e profissionais da educação, tendo em vista o despreparo da escola para receber a criança doente de câncer, como veremos na justificativa. Desse modo teve como objetivo geral o desenvolvimento de material didático audiovisual direcionado aos educadores visando à integração entre classe hospitalar, escola e família, no tratamento da criança/adolescente com câncer. E como objetivos específicos informar os educadores sobre o câncer pediátrico; orientar educadores sobre os cuidados do estudante com câncer; estimular à reintegração da criança/adolescente na escola; Justificativa O processo de hospitalização, tanto para criança quanto para o adolescente é muito marcante. A doença passa a ser uma realidade para a criança, deixando marcas, principalmente na adolescência, causando modificações no seu corpo e nas suas emoções. Tais modificações podem acarretar o afastamento da criança na escola, em vista da necessidade de suspensões periódicas, principalmente nas fases mais criticas do tratamento, quando este poderá submeter-se a cirurgia e/ou sessões de quimioterapia ou radioterapia, necessitando de internação e/ou atendimento no hospital. Os pais, por sua vez, procuram poupar seus filhos em tratamento de situações que envolvam esforço físico, intelectual ou social, além daqueles exigidos pelo câncer e seu 1106 tratamento e, conseqüentemente, impedem a criança de freqüentar a escola mesmo quando esta se sente bem. Um outro fator que causa o afastamento da criança da escola relaciona-se a falta de informação do corpo docente em relação ao câncer infantil e atitudes preconceituosas por parte de professores ou de alunos. Segundo Moreira e Valle (2001, p. 227) “[...] se os pais não sentirem que seus filhos estarão bem assistidos no ambiente escolar certamente o manterão em casa, em detrimento da vontade deste e de recomendações da equipe médica”. A imagem da doença câncer em geral, está popularmente ligada à morte e destruição e isto, muitas vezes impede os pais de falarem claramente à escola a respeito do diagnóstico da doença, reduzindo a compreensão e o apoio dos educadores e de alunos relacionados à criança doente. Apesar das dificuldades, a criança com câncer geralmente demonstra preocupação com a perda das atividades escolares. E nesse sentido é de suma importância que a criança continue com as mesmas atividades que realizava antes da manifestação da doença, com os mesmos compromissos sociais e a freqüência à escola. O que pode contribuir para que esta tenha esperança e uma perspectiva de futuro. Por meio deste trabalho pretendemos esclarecer aos profissionais da educação sobre a necessidade de desenvolverem trabalho para a inclusão da criança com câncer, minimizando o sofrimento das crianças e dos adolescentes hospitalizados e proporcionando a integração: escola x hospital. Nesse sentido organizamos, por meio de entrevistas a profissionais que trabalham com as crianças/adolescentes no ambulatório de oncologia do HIJG (médico, psicóloga e pedagoga) um DVD com o intuito de orientar os educadores de escolas com crianças e adolescentes em tratamento do câncer para que compreendam a importância do convívio destas com os outros sujeitos do cotidiano escolar, bem como sobre os cuidados que devem ser tomados neste ambiente, para que a freqüência à escola não seja prejudicial ao tratamento do câncer. Opção Metodológica Como qualquer ação social, “a pesquisa em educação pode ser entendida como a concretização de um conjunto de procedimentos que encaminha a investigação para construir um saber científico na e sobre a prática educativa” (LEITE, 2002). A natureza desta pesquisa e os pressupostos que fundamentaram as questões investigadas exigiram e condicionaram a eleição do método de investigação em virtude das diferentes formas de desenvolvimento 1107 assumidas pela realidade concreta pesquisada. Nesse sentido, a metodologia escolhida colocase no âmbito da pesquisa qualitativa (BOGDAN, BIKLEN, 1994; ZAGO, CARVALHO, VILELLA, 2003), utilizando-se de um conjunto variado e complementar de estratégias de investigação: pesquisa bibliográfica, entrevistas individuais e com grupos focais. Com relação à revisão bibliográfica necessária ao desenvolvimento do trabalho, ela foi e continua sendo realizada de forma detalhada no âmbito nacional, cobrindo os dez últimos anos. Assim, estão sendo revisados tanto os principais periódicos da área da educação, quanto aqueles das áreas da psicologia e saúde. Para a elaboração do roteiro de entrevista à equipe multiprofissional do HIJG, foi utilizado material coletado em trabalho anterior junto a unidades escolares com estudantes acometidos pelo câncer, bem como coleta de dados específica com o grupo focal ou grupo de discussão (ABRAMOVAI, RUA, 2002; GALLEGO, 2002) como técnica de pesquisa em uma escola da Rede Pública Municipal de Florianópolis (SC), a qual tem no seu grupo discente adolescente com câncer e que frequenta o ambulatório de oncologia do HIJG. O principal critério para a seleção desta escola relacionou-se a não intervenção (orientação) por parte do setor de pedagogia. De acordo com Abramovai e Rua (2002, p. 3), a principal vantagem do grupo focal ou grupo de discussão, relaciona-se ao fato de que: Os entrevistados falam, dividem opiniões, discutem, trazendo à tona os fatores críticos de determinada problemática, que dificilmente aparecem tanto nos questionários fechados como nas entrevistas individuais abertas. Com isso, o método permite a manifestação de uma grande diversidade de idéias, opiniões, conceitos, mostrando atitudes e valores num ambiente onde os indivíduos interagem como na vida real. Para a realização do grupo focal, os educadores da escola, foram organizados em grupos de no máximo 12 e no mínimo 6 participantes, aos quais foram dirigidas questões/temáticas relacionadas ao tema em estudo, tais como: Que conhecimentos têm sobre o câncer infantil? Que conhecimentos os educadores deveriam ter sobre esta doença? A criança/adolescente com câncer pode frequentar a escola? O que fazer se na sua turma tivesse estudante com câncer? Maiores dificuldades enfrentadas pela escola para a integração da criança com câncer? As entrevistas individuais se deram no âmbito do hospital infantil, com equipe multiprofissional – médico, psicólogo e pedagogo –, cujo roteiro foi elaborado com base em informações trazidas do levantamento bibliográfico e dos grupos focais realizado na 1108 escola. Também foi de grande importância trabalho realizado por estagiárias de pedagogia que entrevistaram educadores, família e criança/adolescente com câncer em trabalho anterior a este (BOSSLE, NUNES, 2007). Os depoimentos dos profissionais do HIJG foram filmados e transpostos para o audiovisual informativo de modo a que se constituam de orientações/informações sobre o câncer infantil e os principais cuidados que a escola precisa ter para acolher o aluno acometido pela doença. Resultados O distanciamento do processo de escolarização repercute fortemente no processo de socialização, pois a perda de contato da criança ou adolescente com seus colegas é imediata. As escolas não informam as crianças e adolescentes sobre doenças, e logo que um colega é acometido de uma enfermidade grave, nem os alunos e nem os professores se sentem preparados para prover um apoio. De acordo com Nucci (2002, p.20): Continuando a freqüentar escola, ao mesmo tempo em que faz o tratamento no hospital, a criança recebe, dos pais, professores, colegas e profissionais de saúde que dela cuidam, uma clara mensagem: ‘Você tem um futuro’. Essa poderosa expectativa não deverá ser perdida, sendo parte relevante do cuidado médico que a criança merece receber. É um fato que a criança com câncer não tem freqüência regular o que pode afetar o seu rendimento em relação ao ensino-aprendizagem. Faz-se necessário que a escola entenda que o seu papel é fazer a adequação das práticas pedagógicas às necessidades daquela criança, criando estratégias para os processos de aprendizagem e avaliação. Nesse sentido, o roteiro para a organização do DVD está baseado nos seguintes tópicos: • A criança e adolescente em tratamento ficam com baixa imunidade e mais sensível a doenças oportunistas (gripes, virose, rubéola, sarampo); • A criança e adolescente com câncer não deve ficar em local pouco ventilado; • Durante o tratamento de quimioterapia não deve se expor ao sol, pode ter reações como náuseas, enjôo, diarréia e dores de cabeça, ter liberdade de sair e entrar da sala pela necessidade constante de ir ao banheiro; • A escola toda precisa estar preparada para conviver com as diferenças existentes no ambiente escolar, especialmente a mudança na aparência física da criança e adolescente; • 1109 Cuidado especial com a auto-estima da criança e adolescente, para que esta não se isole, chegando a uma depressão. • A permanência da criança e adolescente na escola é de grande importância para o seu tratamento, auto-estima e desenvolvimento psico-social. O DVD está sendo produzido com colaboração de profissionais da gerência de tecnologia da Secretaria Estadual de Educação - SC e terá duração aproximada de 08 min. Em etapa posterior o DVD será validado em apresentações às escolas (6 escolas), a serem selecionadas entre aquelas que têm estudante com câncer (banco de dados do setor de Pedagogia do HIJG) e escolas que não tem no corpo discente estudante acometido pelo câncer infantil. A validação será efetuada também com a técnica dos grupos de discussão. REFERÊNCIAS ABRAMOVAI, Miriam; RUA, Maria das Graças. Escolas Inovadoras: experiências bem sucedidas em escolas públicas. Grupo Focal. 2002. Trabalho não publicado. BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto: Porto Editora, 1994. BOSSLE, Manuela E.; NUNES, Cíntia O. A criança com câncer: visão da família e da escola “Subsídios para a organização de material informativo para escolas com crianças com câncer”. Florianópolis: Centro de Educação/UFSC, 2007. Relatório de Estágio do Curso de Pedagogia, habilitação orientação educacional. GALLEGO, Javier Callejo. Observación, entrevista y grupo de discusión: el silencio de tres prácticas de investigación. Revista Española de Salud Pública. Madrid, v.76, n.5, out. 2002. LEITE, Siomara Borba. A ciência como produção cultural/material. In: OLIVEIRA, Inês B. de & ALVES, Nilda. Pesquisa no/do cotidiano das escolas: sobre redes e saberes. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2002. p. 149-57. MOREIRA, Gisele M. S.; VALLE, Elizabeth R. M. A continuidade escolar de crianças com câncer: um desafio à atuação multiprofissional. In: VALLE, Elizabeth R. M. do (Org.) Psico oncologia pediátrica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001. NUCCI, Nely A.G. A criança com Leucemia na escola. Campinas: Livro Pleno, 2002. ZAGO, Nadir; CARVALHO, Marília Pinto de; VILELA, Rita Amélia Teixeira (Org.) Itinerários de pesquisa: perspectivas qualitativas em Sociologia da Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 287-309.