APRESENTAÇÃO V. 3 n. 1 e 2 (2011) TeMpo e MeMÓrIa Wesley Adriano Martins Dourado Editor geral da revista M arCas Do teMpo eM nÓs ... Faz dezenove anos que o curso de filosofia da Universidade Metodista de São Paulo foi criado. Ele surgiu em 1992, no interior da FAFIR, Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião. Em 2011, celebramos quinze anos de realização da Semana de Filosofia. A recordação destes “inícios” nos desafiou à meditação sobre o tempo. Debruçamo-nos sobre a tradição filosófica e outras áreas do conhecimento para voltar ao tempo enquanto tema de ponderação humana, mas, também, ao tempo vivido por aqueles que fizeram e ainda constituem a história do curso de filosofia da Metodista. Três artigos1 deste volume dirigem-se a este tema. O primeiro é da Profa. Dra. Regina Rossetti e de Glaucio Adriano Zangheri, denominado “Tempo bergsoniano e ritmo na linguagem musical”. O tempo apresenta-se, na reflexão proposta na articulação da noção Bergson do tempo, como duração com a noção de tempo na experiência musical. Todavia, o tempo está marcado, também, nos que a propõem. A Profa. Dra. Regina foi coordenadora do curso de filosofia da UMESP e Glaucio licenciou-se em filosofia na Metodista. Representam um tempo em que construíam, com suas vidas e conhecimento, este curso. 1 Os dois primeiros artigos são decorrentes da palestra oferecida pelos professores Regina Rossetti e Washington Luiz Souza na XV Semana de Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo. Revista Páginas de Filosofia, v. 3, n. 1-2, p. 1-5, jan/dez. 2011 2 APRESENTAÇÃO O segundo texto é do Prof. Washington Luiz Souza, denominado “Vigiar e Punir – 36 anos”. Trata-se de uma análise da obra “Vigiar e Punir”, de Michel Foucault, no contexto da produção do próprio filósofo e na relação dela com a discussão que se faz, no mundo contemporâneo, dos temas tratados na obra do filósofo. A ponderação sobre o tempo se apresenta na reflexão apresentada. O terceiro texto foi oferecido por interesse do Prof. Washington Luiz Souza como estratégia de aprofundar a própria análise que apresenta no texto anterior. Essa reflexão está intitulada “Michel Foucault e o uso filosófico da História”. Embora a reflexão não trate diretamente do tempo, a este tema se dirige ao se debruçar sobre o conceito de História, descontinuidade, entre outros. Também, aqui o tempo se manifesta para além da reflexão proposta. O Prof. Washington é docente do curso de filosofia da Metodista na parte recente de sua história. A s nossas LÁGrIMas De saUDaDe eM ForMa De teXto ... No primeiro semestre de 2011, nos deixou Danilo Di Manno de Almeida.2 Ele esteve no início do curso de filosofia da Metodista. Passamento marcante na história do curso e dos muitos discentes que tiveram a experiência de serem aprendizes do Danilo. Para homenageá-lo, decidimos voltar às suas ideias anotadas em suas produções, bem como, aquelas que apareceram nas prosas, nas reuniões, e até mesmo, nas trocas de e-mails. Nem todos conseguiram. Não porque tenha faltado tempo ou vigor, mas porque as lágrimas borraram o esforço da escrita. Três textos percorreram as trilhas do pensamento desse professor e amigo. O primeiro é da Profa. Dra. Maria Leila, denominado “O pensamento inquieto de Danilo Di Manno de Almeida e nosso diálogo inacabado”. Com emoção, talvez estranha para a academia, a Profa. Maria Leila fala 2 Graduou-se em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1987), realizou o mestrado em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (1992) e doutorou-se em Filosofia – Université de Paris X, Nanterre (1999). Foi professor titular da Universidade Metodista de São Paulo. Tinha experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia Geral e Filosofia da Educação, tendo atuado principalmente nos seguintes temas: ética, formação de educadores, cultura, América Latina, hermenêutica, imaginação, subjetividade e corpo. Revista Páginas de Filosofia, v. 3, n. 1-2, p. 1-5, jan/dez. 2011 Revista Páginas de Filosofia 3 das prosas risonhas e graves na seriedade que travaram sobre educação nos muitos momentos de trabalho no Programa de Pós-Graduação em Educação da Metodista. Sentados um defronte ao outro, no espaço de trabalho aos dois reservados, essa conversa se dava frequentemente, mas ainda assim ficou pelo meio. Provavelmente, a “inquietude” do Prof. Danilo e “crença sincera” da Profa. Maria Leila na colaboração da educação para a transformação, ao que tudo indica, manteriam essa prosa sempre a alguns passos de terminar. Nesse texto, a sensibilidade da Profa. Maria Leila, o seu envolvimento corporal com o que estuda e ensina, novamente, parece escorrer em lágrimas entre as palavras que costurou sem, contudo, abandonar o seu compromisso com a educação e a política que no tratamento teórico desses temas faz. O segundo texto foi denominado “Filosofia, Ética e Geografia: relatos de uma experiência acadêmica com Danilo Di Manno de Almeida”. Assinado pelo Prof. Dr. Daniel Pansarelli e os mestrandos Rafael Augusto de Assis e Rafael Specian Gomes, a ponderação retoma os saberes cultivados pelo Prof. Danilo em duas disciplinas no curso de filosofia da Metodista. Essa rememoração é entrelaçada com as ideias anotadas em textos do professor, mestre e amigo desses autores. Evidencia-se aqui a dimensão topológica da compreensão da filosofia que defendia o Prof. Danilo, bem como, a profundidade utópica da sua compreensão ética. O terceiro texto é do Prof. Dr. Sávio Carlos Desan Scopinho, que trata das reflexões do Prof. Danilo sobre a ética e a cidadania. Também aqui a reflexão articula ideias e vivências; imaginação e vida. Falando da sua passagem pela Universidade Metodista de São Paulo e, em particular, pelo Núcleo de Disciplinas de Formação Geral, hoje denominado “Núcleo de Formação Cidadã”,3 trata da esperança e da utopia escondidas na concepção, ação e produção teórica deste espaço da Universidade capitaneado, por alguns anos, pelo Prof. Danilo. 3 O Prof. Danilo recusou com insistência esta denominação por estar convencido que a formação cidadã não pode ser ensinada. O primeiro título dado a este espaço na Universidade guardava a ideia de que há uma formação que transcende a formação profissional e que deve compor o percurso no ensino superior. Assim, a universidade assume dentro de si outras demandas da vida em comunidade e, no limite, desafia os corpos à construção de novos modos de viver em sociedade. Desafia-se à cidadania, mas esta não pode ser ensinada. Revista Páginas de Filosofia, v. 3, n. 1-2, p. 1-5, jan/dez. 2011 4 APRESENTAÇÃO T eXto , teMpo e MeMÓrIa ... Este volume termina com uma resenha, uma versão e um “bilhete” que ressoam com os textos apresentados. A resenha foi produzida por Bruno Cortinove, ex-aluno do curso de filosofia, que acompanhou as aulas do Prof. Danilo sobre filosofia contemporânea e o teve como leitor na sua banca de trabalho de conclusão de curso, quando protagonizaram embate filosófico existencialmente respeitoso e divertido. Salvo engano, esta foi a última participação do Prof. Danilo no curso de filosofia da Metodista. O texto resenhado tem como título “Filosofia e Ciência do Tempo”, de Bernard Piettre. A feitura desta resenha colabora com um dos temas deste volume, mas também com a memória e a saudade. Bernard foi amigo do Prof. Danilo, com quem conviveu quando dos seus estudos de doutoramento na França. A versão é de um texto escrito pelo Prof. Danilo denominado “Nós, os não-europeus – O pensamento na América Latina e a não filosofia – Um possível non-rapport?”. O Prof. Hugo Allan Matos4 e Paulo Cesar Corrêa,5 alunos do Prof. Danilo na graduação e no programa de pós-graduação do mestrado em educação da Universidade Metodista prepararam esta versão que apresenta, de modo acentuado, a maneira de o Prof. Danilo lidar com a filosofia e o conhecimento de modo geral: desde os corpos daqui, deste lugar. O bilhete foi escrito um ou dois dias depois do sepultamento do professor e amigo Danilo. Em silêncio, o texto contou que a voz embargada de muitos não conseguia expressar. Além dizer a tristeza de muitos, Possui graduação em Licenciatura em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (2006) e Universidade Metodista de São Paulo (2009). Atualmente é professor de filosofia – Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, pesquisador da Universidade Federal do ABC, mestre em educação pelo programa de pós-graduação em educação da Universidade Metodista de São Paulo e professor auxiliar da Universidade Metodista de São Paulo. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Ética, atuando principalmente nos seguintes temas: alteridade, totalidade, analética, modernidade e libertação. 5 Possui graduação em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo – SP (1991). Mestrado em Educação pela UMESP, Pós-Graduado em Filosofia e História Contemporânea pela UMESP, advogado, Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela UNIFIEO, Graduando em Teologia pela UMESP. 4 Revista Páginas de Filosofia, v. 3, n. 1-2, p. 1-5, jan/dez. 2011 Revista Páginas de Filosofia 5 ele apresenta aspectos do pensamento do Danilo que muito enriquecem o tratamento de dimensões de sua vida e reflexões. T eMpo e MeMÓrIa ... Era noite. Eu conversava sobre os sentidos da palavra ética e moral a partir de texto escrito pelo Prof. Danilo, no edifício Delta da Metodista, em São Bernardo do Campo, no bairro Rudge Ramos. A turma era composta por alunos de diferentes cursos da universidade. Portando aparelhos de áudio e vídeo, alguns funcionários da Universidade informaram que fariam uma tomada do grupo e que eu poderia continuar a atividade com a turma. Minutos depois, entra o Prof. Danilo caracterizado de mendigo. Pediu licença e sentou-se. Interrompeu os trabalhos dizendo que gostaria de dar aula. Para espanto dos alunos, concedi-lhe que o fizesse. Em poucos minutos a reação pública de algumas pessoas indicava não apreciar a presença daquele maltrapilho-professor. Diante da reação, o Prof. Danilo saiu da sala... Depois, soubemos que este era um vídeo que produzia para a aula que daria no curso de pedagogia na modalidade a distância... O desejo é que este volume da revista “Páginas de Filosofia”, que agora apresento, nos incomode o pensamento e o modo de existir. Tempo e história; conhecimento e saudade, misturados geram este volume que articula elementos da tradição filosófica, a tarefa de revisitá-la, bem como o exercício humano de pensar desde o nosso tempo e lugar. Os conhecimentos, poesia dos que nos antecederam, são retomados, talvez, ultrapassados na consideração do presente e daquilo que se esconde nos movimentos dos corpos utópicos. Novos tempos e memórias... Revista Páginas de Filosofia, v. 3, n. 1-2, p. 1-5, jan/dez. 2011