Vacinação anti-HPV – impactos muito além do câncer de colo uterino Discussão estruturada a partir do artigo HPV Vaccine Against Anal HPV Infection and Anal Intraepithelial Neoplasia. N Engl J Med 2011 Oct 27;365(17):1576-1585, JM Palefsky et al (1). Angélica Nogueira-Rodrigues SBOC – Regional Minas Gerais Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos CACON Centro-Oeste de Minas Coordenação de Pesquisa Clínica do INCA A identificação por Harald zur Hausen da correlação entre a infecção pelo vírus do papiloma humano (HPV) e o desencadeamento de lesões pré malignas e de câncer de colo uterino levou ao seu reconhecimento com um prêmio Nobel no ano de 2008 (2,3). Estima-se que o HPV seja responsável por aproximadamente 5% de todos os cânceres humanos (4). A infecção por um HPV de alto risco implica em risco relativo (RR) de 50 a 100 para o desenvolvimento de câncer de colo uterino, muito mais significativo do que o RR de 10 para fumantes desenvolverem câncer de pulmão (5). Implicado como agente etiológico de virtualmente 100% dos casos de câncer de colo uterino, aproximadamente 85% dos tumores de canal anal, 70% de vagina, 50% de pênis, 44% de vulva, e cerca de 20% dos tumores de cabeça e pescoço, especialmente os que ocorrem em pacientes com baixa exposição aos fatores de risco clássicos (tabaco e álcool) (6), o HPV foi também detectado em uma grande variedade de outros tumores como mama, cólon, próstata, mas aparentemente estas associações são tênues e possivelmente consequentes à ubiquidade do vírus (7). Com agente desencadeador bem definido e progressão neoplásica extensivamente estudada, a carcinogênese induzida por HPV independe do sítio de localização tumoral, sendo um denominador comum a vários tumores, e oferece por conseguinte oportunidade única para exploração de estratégias terapêuticas, de profilaxia e de detecção precoce. Corroborando esta teoria, Palefsky e colaboradores publicaram na edição de 27 de outubro de 2011 do NEJM resultado de estudo de fase III randomizado de vacina anti-HPV versus placebo que demonstrou que, em pacientes homens homossexuais ativos vacinados, há redução de neoplasia intraepitelial anal (1). A vacina quadrivalente anti-HPV (qHPV) é efetiva em prevenir infecções permanentes ou neoplasias intraepiteliais do colo uterino causadas pelos HPV 6,11,16 ou 18. Os resultados apresentados por Palefsky são de um sub-estudo de uma investigação maior que avalia a eficácia de qHPV em prevenir lesões genitais em homens heterossexuais e homens que praticam sexo com homens. O subestudo incluiu 602 pacientes, com idade entre 16 e 26 anos, com até 5 parceiros sexuais ao longo da vida e HIV negativos. Os sujeitos de pesquisa eram então randomizados entre placebo ou vacina e 299 pacientes foram incluídos em cada braço (1). A eficácia da vacina contra neoplasia intraepitelial anal devido a qualquer subtipo de HPV foi de 25, 7% (95% CI,−1,1 –45,6) na população de intenção de tratamento, e a eficácia contra a neoplasia intraepitelial causada pelos quatro tipos vacinais de HPV foi 50,3% (95% CI, 25,7–67,2). Significativa redução nas neoplasias intraepiteliais anais grau I foi observada (49,6%; 95% CI, 21,2– 68,4), assim como graus 2 ou 3 (54,2%; 95% CI, 18,0–75,3). Na população tratada per protocol, qHPV apresentou 77,5% de eficácia (95% CI, 39,6–93,3) contra neoplasia intraepitelial causada pelos subtipos de HPV incluídos na vacina , sendo 74,9% de eficácia contra neoplasias anais intraepiteliais graus 2 ou 3 (95% CI, 8,8– 95,4) (1). Pacientes que receberam placebo ou vacina apresentaram taxas similares de eventos adversos (70% dos participantes de cada grupo), na maioria reações locais, das quais poucas foram intensas. Não houve evento adverso sério ou mortes (1). Os autores concluíram que a qHPV foi eficiente em reduzir neoplasia intraepitelial anal causada pelos subtipos de HPV cobertos pela vacina (1). Os resultados são animadores, induzindo à projeção para possíveis impactos na doença invasiva anal e em tumores HPV dependentes de outras localizações anatômicas. Contudo, é necessária a conscientização de que, pelos altos custos vigentes, o acesso à vacina tem ido na contramão das áreas de maior necessidade, fato que, somado à inexistência de efeito terapêutico sobre as infecções instaladas, tem levado a projeções de que não haverá redução na incidência nas neoplasias invasivas HPV relacionadas antes de 2040. Especificamente em relação ao câncer de colo uterino, há projeções de aumento das atuais 300.000 mortes ano para 400.000 no ano de 2030, não podendo ser arrefecidos os esforços de rastreamento e desenvolvimento de novos tratamentos para as neoplasias HPV dependentes, sob risco de agravamento do cenário atual. Take-home message: 1) O vírus do papiloma humano é responsável por 5% de todos os cânceres humanos. 2) A vacina quadrivalente anti-HPV foi eficiente em reduzir neoplasia intraepitelial anal em homens que praticam sexo com homens. 3) Uma vez que não possui efeito terapêutico, não há perspectiva na redução do número de casos de cânceres HPV dependentes antes de 2040 e os esforços com rastreamento e desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas não podem ser arrefecidos, independente da incorporação da vacina profilática. Referências bibliográficas: 1- JM Palefsky, AR Giuliano, et al. HPV Vaccine Against Anal HPV Infection and Anal Intraepithelial Neoplasia.N Engl J Med. 2011 Oct 27;365(17):1576-1585 2- Durst M, Gissmann L, Ikenberg H, et al: A papillomavirus DNA from a cervical carcinoma and its prevalence in cancer biopsy samples from different geographic regions. Proc Natl Acad Sci U S A 80:3812-3815, 1983 3- Boshart M, Gissmann L, Ikenberg H, et al: A new type of papillomavirus DNA and its prevalence in genital cancer biopsies and in cell lines derived from cervical cancer. The EMBO Journal 3:1151-1157, 1984. 4- Parkin DM. The global health burden of infection-associated cancers in the year 2002. International Journal of Cancer 2006; 118(12):3030–3044. 5- Franco EL, Harper DM: Vaccination against human papillomavirus infection: A new paradigm in cervical cancer control. Vaccine 23:2388-2394, 2005 6- Gillison ML: Human papillomavirusassociated head and neck cancer is a distinct epidemiologic, clinical, and molecular entity. Semin Oncol 31:744-754, 2004 7- Gillison ML, Shah KV: Role of mucosal human papillomavirus in nongenital cancers. J Natl Cancer Inst Monogr 57-65, 2003