COMUNICAÇÃO BREVE REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIAS VETERINÁRIAS Avaliação da estabilidade da progesterona em diferentes tipos de amostras: soro e leite desnatado Evaluation of stability of progesterone in cattle serum and deffated milk R. Payan Carreira1*, A. A. Colaço1, J. Robalo Silva2 1 CECAV, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Apart.1013, 5001-911 Vila Real codex, Portugal 2 CIISA, Faculdade de Medicina Veterinária, R. Prof. Cid dos Santos, 1300-447 Lisboa, Portugal Resumo: O efeito do tempo de manutenção de amostras de sangue à temperatura ambiente até à centrifugação e separação do soro, sobre a velocidade de degradação da progesterona (P4), foi avaliado em amostras de sangue (37 amostras) colhidas em vacas cíclicas, por punção da jugular, e divididas em alíquotas que foram centrifugadas dentro de 15 minutos após a recolha (tempo zero), aos 30 minutos (tempo A), e às 1, 3 e 6 horas (tempos B, C, e D, respectivamente). Depois do sangue ter sido centrifugado, o soro foi aspirado e armazenado a –20 ºC até à execução dos doseamentos de progesterona. Antes da centrifugação todas as alíquotas foram mantidas à temperatura ambiente. A manutenção das amostras à temperatura ambiente resultou no decréscimo progressivo dos níveis de progesterona, com perda de cerca de 30% e 45% da concentração inicial às 3 e 6 horas, respectivamente. A comparação das concentrações de progesterona no soro e no leite desnatado de amostras colhidas numa vaca Maronesa ao longo de um ciclo éstrico completo, mostrou uma correlação positiva entre as concentrações no soro e no leite (r= 0,91; P< 0,001). Summary: Bovine jugular venous blood was collected into plastic tubes (37 samples) containing a clotting promoter gel and aliquoted for centrifugation at time zero (within 15 minutes of collection), time A (30 minutes) and time B, C, and D (1, 3 and 6 hours, respectively) for evaluation of time-dependent progesterone (P4) degradation. After centrifugation, serum was aspirated and stored at –20 ºC until progesterone determination. Before centrifugation all subsamples were maintained at room temperature. Incubation of whole blood at room temperature resulted in progressive decline of progesterone, with a loss of about 30% and 45% at 3 and 6 hours, respectively, in relation to the initial concentration (time zero). Comparison of progesterone concentrations in serum and deffated milk of samples collected along a complete estrous cycle of a Maronês cow, showed a positive correlation between serum and milk progesterone concentrations (r= 0,91; P< 0,001). O doseamento da progesterona em fluidos biológicos é um indicador útil e preciso da capacidade funcional do corpo lúteo, sendo generalizadamente utilizado para controlar a actividade ovárica em diferentes espécies (Reimers et al., 1983; Reimers et al., 1991). Correspondente: tel: 259350411; e-mail: [email protected] No entanto, a concentração de progesterona varia nas diferentes amostras em que pode ser doseada (soro, plasma, leite, saliva e outros fluidos corporais), pelo que se torna necessário validar os resultados obtidos para os diferentes tipos de amostra a utilizar, de forma a garantir uma uniformidade de apreciação dos resultados. No caso das amostras de sangue, existe evidência de que a concentração de progesterona diminui com o tempo que decorre até à centrifugação, e que a degradação da hormona é acelerada quando a temperatura é elevada (Vahdat et al., 1981). Por outro lado, factores genéticos condicionam a produção de leite, não só quantitativa mas também qualitativamente, pelo que parece importante averiguar quais os possíveis factores condicionantes dos doseamentos a realizar, seja relativos à colheita, seja à preparação e armazenamento da amostra. Este estudo teve como objectivos: 1) determinar os efeitos do tempo de pré-centrifugação de amostras de sangue total, mantidas à temperatura ambiente, sobre os valores séricos de P4 e 2) avaliar a relação entre os níveis de progesterona em amostras de soro e em amostras de leite desnatado, provenientes do mesmo animal e colhidas em simultâneo. Para avaliação da velocidade de degradação da progesterona em sangue completo, mantido à temperatura ambiente, foram processadas alíquotas a partir de 37 amostras colhidas, ao longo do ciclo éstrico, em 5 vacas cíclicas alojadas nos estábulos da UTAD. O sangue foi recolhido, por punção da jugular, para 5 tubos plásticos de 2,4 mL, contendo um gel promotor da coagulação (Serum-gel, S-Monovette, Sarstedt). As amostras foram mantidas à temperatura ambiente até serem centrifugadas aos seguintes tempos pós-colheita: t0 (até 15 minutos), tA, tB, tC e tD (30 minutos, 1, 3, e 6 horas, respectivamente). Após centrifugação das amostras a 2.000 g, durante 15 minutos, o soro obtido foi armazenado a –20 ºC, até ao doseamento da progesterona. Para comparação dos teores de P4 no sangue cir207 Carreira, R.P. et al. RPCV (2003) 98 (548) 0207-209 Quadro 1 - Análise estatística descritiva da percentagem de degradação da progesterona (relativa à quantidade de hormona existente ao tempo 0) nas amostras de sangue mantidas à temperatura ambiente durante o tempo de incubação que antecedeu a centrifugação. Percentagem de degradação da P4 Tempo A (à 1/2 hora) Tempo B (à 1 hora) Tempo C (às 3 horas) Tempo D (às 6 horas) Média (± erro padrão) 2,475 ± 0,951a 15,692 ± 1,739 a 30,543 ± 2,758 b 45,519 ± 3,095 c Mediana 1,650 15,4 31,7 44,9 C. V. 0,768 0,674 0,549 0,414 Nº Observações 37 37 37 37 a, b, c – As médias seguidas de letras diferentes apresentam diferenças estatísticas altamente significativas (P<0,001). culante e no leite foram recolhidas, cada três dias e durante um mês completo, simultaneamente e sempre à mesma hora do dia, amostras de sangue e de leite a partir de uma vaca de trabalho mantida no seu habitat normal. Após recolha, as amostras de sangue foram mantidas à temperatura ambiente até à centrifugação, durante cerca de 20 minutos. As amostras de leite foram recolhidas para um recipiente com capacidade para 200 ml contendo azida sódica (100 mg; Merk), por ordenha manual dos quatro tetos, depois de se ter deixado o vitelo mamar durante alguns minutos, por forma a fazer o escoamento do leite retido na cisterna. Cerca de 20 minutos após a colheita, as amostras foram centrifugadas a 3.000 g, durante uma hora e, depois de removida a camada butirosa, alíquotas da fracção desnatada foram armazenadas a –20 ºC, até ao momento de dosear a progesterona. As concentrações de progesterona nas diferentes amostras foram determinadas por radioimunoanálise (RIA) em fase sólida, utilizando-se um kit comercial (“Coat-a-Count ® Progesterone”, Diagnostic Products Corp., L.A.). O método utilizado foi já validado para a espécie bovina (Reimers et al., 1983; Robalo Silva et al., 1992). As análises foram processadas sempre em duplicado para cada uma das amostras. Os coeficientes de variação intra-ensaio obtidos foram de 9,3% e de 4,1% para Gráfico 1 – Gráfico dos perfis de progesterona (ng/ml) em amostras de soro e de leite desnatado colhidas numa fêmea bovina de raça maronesa mantida em regime tradicional de alojamento e maneio, em Bobal, concelho de Mondim de Basto. 208 os níveis de 1 ng/mL e de 5 ng/mL, respectivamente; os coeficientes de variação inter-ensaio correspondentes foram de 17,6% e de 8,0%, para as concentrações já referidas. Conforme se mostra no Quadro 1, a manutenção das amostras de sangue completo à temperatura ambiente resultou em degradação progressiva da progesterona. Os doseamentos efectuados mostraram que, tomando como referência a concentração de progesterona na alíquota centrifugada no tempo zero (níveis de P4 variaram entre 0,1 e 10,2 ng/mL), houve um decréscimo das concentrações da hormona de cerca de 30% e 45% nas alíquotas centrifugadas às 3 e 6 horas, respectivamente. O declínio observado nas concentrações de progesterona das várias amostras, confirma a instabilidade da progesterona antes da separação do plasma ou do soro, tal como observado por outros autores (Vahdat et al., 1981; Oltner et al., 1982; Reimers et al., 1983; Breuel et al., 1988; Pulido et al., 1991; Reimers et al., 1991). Embora os resultados devam ser interpretados com precaução porque é elevado o erro padrão da percentagem de degradação da progesterona às 3 e às 6 horas de incubação, deve ter-se em conta que isso é essencialmente influenciado pelos valores de progesterona inferiores a 1 ng/mL. É sabido que a precisão da medição desses níveis é baixa, o que resulta em coeficientes de variação entre ensaios muito altos nesse tipo de amostras. A causa da perda de progesterona nas amostras não é ainda perfeitamente clara, mas há evidência de que Gráfico 2 – Representação gráfica da curva de regressão encontrada para a relação entre os teores de progesterona (ng/ml) no soro e no leite desnatado para o caso da fêmea maronesa estudada. Carreira, R.P. et al. a degradação dependa da presença de glóbulos vermelhos (Vahdat et al., 1984), sendo modulada pela disponibilidade de glucose da amostra. Embora a degradação seja dependente da temperatura, ela ocorre mesmo em amostras refrigeradas durante o período que antecede a centrifugação (Reimers et al., 1983). Os dados obtidos neste estudo, embora não permitam inferir sobre o mecanismo de degradação da progesterona, permitem confirmar a opinião de Breuel et al. (1988) de que, a instabilidade da progesterona no sangue total de bovinos é elevada. A obtenção de valores fidedignos torna imprescindível centrifugar as amostras rapidamente após a colheita, sendo conveniente mantê-las refrigeradas até à centrifugação, como forma de diminuir a actividade celular e a perda de substância activa. Com base nas amostras de sangue e de leite colhidas durante um ciclo éstrico completo (dia zero = estro) de uma fêmea maronesa em lactação, foram obtidos os perfis de progesterona apresentados no Gráfico 1. Conforme se pode observar nesse gráfico, os níveis de progesterona no sangue e no leite tiveram, ao longo de todo o ciclo éstrico, uma correlação positiva significativa (r=0,961; P<0,0001). A relação entre as concentrações nos dois fluidos corresponde à curva de regressão apresentada no Gráfico 2, e pode traduzir-se pela seguinte fórmula: Y=0,216 + 0,351 X + 0,029 X2; R2=0,944. De acordo com esta fórmula, pode dizer-se que, nas condições em que as amostras foram recolhidas, e para este animal, uma concentração sérica de progesterona de 1 ng/mL corresponde a cerca de 0,59 ng/mL de progesterona no leite desnatado. Como grande parte da progesterona está associada aos lípidos (Heap et al., 1975; Keller et al., 1977) e é excretada juntamente com os glóbulos de gordura (Alanko, 1990), o doseamento da fracção desnatada corresponde essencialmente à progesterona associada à caseína (cerca de 20% do total). Os teores de caseína no leite são relativamente constantes ao longo da lactação (Cowan e Larson, 1979; Nachreiner et al., 1992), pelo que os níveis de progesterona no leite desnatado têm uma correlação mais elevada com os do soro do que os do leite completo. Os dados obtidos neste estudo confirmam que a progesterona é muito instável no sangue total, ocorrendo um decréscimo rápido dos níveis da hormona quando o sangue é mantido à temperatura ambiente. A degradação da progesterona pode ser evitada centrifugando o sangue dentro de meia hora após a colheita, devendo ainda haver o cuidado de refrigerar as amostras por RPCV (2003) 98 (548) 207-209 imersão em gelo logo após a sua obtenção. Em fêmeas lactantes pode ser vantajoso colher leite em vez do sangue. Os dados obtidos neste estudo indicam que concentrações de 1 ng/mL no soro correspondem aproximadamente a 0,5 mg/mL no leite desnatado, devendo este valor ser utilizado como limiar entre presença e ausência de função lútea. Bibliografia Alanko, M. (1990). Milk progesterone tests in the management of reproductive functions in dairy cattle. Meddelande-Svensk Husdjursskötsel 160, 30-32. Breuel, K. F., Spitzer, J. C., Gimenez, T., Henricks, D. M., Gray, S. L. (1988). Effect of holding time and temperature of bovine whole blood on concentration of progesterone, estradiol-17β and estrone in plasma and serum samples. Theriogenology 30, 613-627. Cowan, C. M., Larson, L. L. (1979). 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