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A ATIVIDADE PEDAGÓGICA NA EDUCAÇÃO FÍSICA: SENTIDOS E
SIGNIFICAÇÕES DA CULTURA CORPORAL
Vidalcir Ortigara
Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC
Matheus Bernardo Silva
Universidade Federal do Paraná
Ademir Damazio
Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC
Carlos Augusto Euzébio
Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC
RESUMO
O presente trabalho tem, como objetivo, discutir a função do
conhecimento científico para a educação física. O recorte dessa
discussão será sobre a educação física e seu objeto de tematização e
intervenção pedagógica, isto é, a cultura corporal. Partimos do
pressuposto que os sentidos estabelecidos para o significado do
conhecimento da cultura corporal são firmados, atualmente, em uma
base ideológica/filosófica/epistemológica que reproduz o modelo
social vigente, ou seja, em uma ontologia empirista que contribui
para a manutenção da sociabilidade do capital. Argumentamos pela
necessidade de mudança dos atuais sentidos da cultura corporal no
âmbito da educação física, para que possamos torná-la um elemento
que contribua para o estabelecimento das possibilidades de
transformação da atual realidade social.
Palavras-chave: Sentidos/Significações. Educação. Educação Física.
Atividade pedagógica. Cultura Corporal.
Vidalcir Ortigara; Matheus Bernardo Silva; Ademir Damazio; Carlos Augusto Eusébio
THE PEDAGOGICAL ACTIVITY IN PHYSICAL EDUCATION: SENSE AND
MEANING OF THE CORPORAL CULTURE
ABSTRACT
The present study has as objective to discuss the function of the
scientific knowledge for physical education. The main point of this
discussion will be on the physical education and its thematic object
and pedagogical intervention, this means, the corporal culture. We
start from the assumption that the senses established for the meaning
of the corporal culture knowledge are currently based on an
ideological/philosophical/epistemological basis that reproduces the
current social model, this means, in an empiristic ontology that
contributes to maintenance of the capital sociability. We confirm the
need for changes in the current senses of the corporal culture in the
physical education sphere, so that we can make it an element that
contributes to the establishment of transformation possibilities of the
current social reality.
Keywords: Senses/Meaning. Education.
Pedagogical activity. Corporal Culture.
Physical
Education.
Considerações Iniciais
Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca foram
a mesma coisa, o significado fica-se logo por aí, é direto, literal,
explícito, fechado em si mesmo, unívoco, por assim dizer, ao passo que
o sentido não é capaz de permanecer quieto, fervilha de sentidos
segundos, terceiros e quartos, de direções irradiantes que se vão
dividindo e subdividindo em ramos e ramilhos, até se perderem de
vista, o sentido de cada palavra parece-se com uma estrela quando se
põe a projetar marés vivas pelo espaço fora, ventos cósmicos,
perturbações magnéticas, aflições.
(José Saramago, 1997)
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Para início de conversa, sentimos a necessidade de explicitar
elementos intrínsecos da realidade social contemporânea para,
posteriormente, entrarmos em uma temática mais específica de reflexão
sobre a atividade pedagógica a partir do contexto das aulas de educação
física. Partimos da premissa de que a atividade educativa – e, por
consequência, a educação física – desenvolve-se dialeticamente com e no
seio da organização societária. Refletimos sobre a atividade pedagógica,
fundamentando-nos em uma aversão visceral, uma repulsa intestina, um
descontentamento profundo, uma recusa intransigente do modelo
capitalista de expropriação do humano, ou seja, de uma crítica radical ao
modo social estabelecido. Assumimos a perspectiva de que a educação
física pode contribuir com tal crítica e que, em sua prática pedagógica,
deve favorecer a apropriação ativa e consciente do conhecimento da
cultura corporal, uma vez que tal apropriação contribui para produzir as
condições objetivas de emancipação humana.
Posicionamo-nos contrários a essa sociedade burguesa vigente, que
se caracteriza como “[…] a mais desenvolvida e diversificada organização
histórica de produção […]” (MARX, 2011, p.58), que age de forma
contraditória ao desenvolvimento, concebendo o capital como ponto de
partida e chegada, conforme afirma Marx (2011, p.58): A “[…] sociedade
burguesa é só uma forma antagônica do desenvolvimento; nela são
encontradas com frequência relações de formas precedentes inteiramente
atrofiadas ou mesmo dissimuladas.”
Para Mészáros (2009), é nesta ordem de reprodução sociometabólica
do capital que estamos submersos, em meio a uma imperiosa arrogância
(sub)humana, no qual os beneficiados são apenas a minoria dominadora
que usufrui indiscriminadamente da força de trabalho usurpada da classe
dominada: “A potencialidade da tendência universalizante do capital, por
sua vez, se transforma na realidade da alienação desumanizante e na
reificação.” (MÉSZÁROS, 2009, p. 17, itálicos no original).
Marx (2008, p. 80), de maneira interessante e irônica, apresenta a
condição do trabalhador perante o seu trabalho estranhado: “O
trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto
mais a sua produção aumenta em poder da extensão. O trabalhador se
torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria.”
Segundo Mészáros (2009, p. 19, itálicos no original),
O sistema do capital se articula numa rede de contradição que
só se consegue administrar medianamente, ainda assim durante
curto intervalo, mas que não se consegue superar
definitivamente. Na raiz de todas elas encontramos o
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antagonismo inconciliável entre capital e trabalho, assumindo
sempre e necessariamente a forma de subordinação estrutural e
hierárquica do trabalho ao capital, não importando o grau de
elaboração e mistificação das tentativas de camuflá-la.
Para vislumbrarmos as possibilidades de superação dessa
subordinação, precisamos compreender o próprio trabalho, ou seja,
precisamos compreender a principal atividade do ser social.
O trabalho, do ponto de vista ontológico, é atividade vital humana.
É nele que o homem busca suprir suas necessidades para a sobrevivência e
produção de novas vidas humanas que garantem sua continuidade na
existência. Esse processo tem, como momento originário, a relação ser
social e natureza. Com a complexificação das relações e interpelações na
complexificação social, não se elimina esse momento, mas, para
compreendê-lo, é preciso ter presente essa condição da existência
humanai. No entanto, esse contato e domínio da natureza remete o
indivíduo a dois aspectos aparentemente opostos, podendo, por um lado,
manifestar elementos negativos em que, em prol de um objetivo
específico, acaba por gerar a destruição, sem refletir sobre as possíveis
consequências para as próximas gerações. Por outro, ocorre a interação
com a natureza de uma maneira positiva, no qual há a transformação da
mesma para poder objetivar os meios de satisfação de suas necessidades,
mas ressaltando as possibilidades para a sua conservação.
Lukács (2010) expressa com clareza essa situação:
É preciso ter sempre em mente que uma fundamentação
ontológica correta de nossa imagem de mundo pressupõe as
duas coisas, tanto o conhecimento da propriedade específica de
cada modo do ser, como o de suas interações, inter-relações etc.
com os outros. [...] O ser humano pertence ao mesmo tempo (e
de maneira difícil de separar, mesmo no pensamento) à
natureza e à sociedade. Esse ser simultâneo foi claramente
reconhecido por Marx como processo, na medida em que diz,
repetidas vezes, que o processo humano traz consigo um recuo
das barreiras naturais. (LUKÁCS, 2010, p. 42)
O autor magiar ressalta que o “recuo” significa que tais barreiras
não desaparecem no processo histórico, mas que as determinações que
permanecem sempre naturalmente fundadas são postas sob o domínio das
condições sociais. Não se trata, todavia, de uma visão dualista do ser
humano, “[…] o homem nunca é de um lado, essência humana, social, e,
de outro, pertencente à natureza; sua humanização, sua sociabilização, não
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significa uma clivagem de seu ser em espírito (alma) e corpo.” (LUKÁCS,
2010, p. 42).
Conforme afirmamos, o homem é o único ser capaz de ter o
domínio da natureza, isto é, tem a capacidade “consciente” de transformála e, dessa maneira, transforma a si mesmo, mostrando-nos por essa ação a
dimensão e a complexidade que pode realizar perante a natureza; ou seja,
por meio da objetivação e da apropriação dos diversos elementos
encontrados na natureza, dá-se a sua formação . “O homem faz da sua
atividade vital mesma um objeto da sua vontade e da sua consciência. Ele
tem atividade vital consciente.” (MARX, 2008, p. 80).
Portanto, a realidade social se dá pela atividade mediada do
homem com a natureza, que é sempre mediada por outros homens, isto é,
pelas objetividades produzidas pelos seres humanos no curso da história.
Sobre esse fator, Kosik (2010, p. 246-247, itálicos no original) argumenta
que
A realidade não é (autêntica) realidade sem o homem, assim
como não é (somente) realidade do homem. É a realidade da
natureza como totalidade absoluta, que é independente não só
da consciência do homem, mas também da sua existência, e é
realidade do homem que na natureza, e como parte da natureza
cria a realidade humano-social, que ultrapassa a natureza e na
história define o próprio lugar no universo. O homem não vive
em duas esferas diferentes, não habita, por uma parte do seu
ser, na história, e pela outra, na natureza. Como homem ele está
junta e concomitantemente na natureza e na história. Como ser
histórico e, portanto social, ele humaniza a natureza, mas
também a conhece e reconhece como totalidade absoluta, como
causa sui suficiente a si mesma, como condição e pressuposto da
humanização.
Marx e Engels (2007), ao explicitarem a gênese da história humana,
analisam esse metabolismo do ser social com a natureza, em que a própria
produção da vida humana está indissociavelmente ligada a ele.
A produção da vida, tanto da própria, no trabalho, quanto da
alheia, na procriação, aparece desde já como uma relação dupla
– de um lado, como relação natural, de outro como relação
social –, social no sentido de que por ela se entende a
cooperação de vários indivíduos, sejam quais forem as
condições, o modo e a finalidade. (MARX; ENGELS, 2007, p.
34).
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Em debate semelhante, quando busca explicitar o processo de
humanização, que elucida a passagem da hominização para o ser social,
Leontiev (1964, p. 290, itálicos no original) assevera que
As aquisições do desenvolvimento histórico das aptidões
humanas não são simplesmente dadas aos homens nos
fenômenos objetivos da cultura material e espiritual que os
encarnam, mas são aí apenas postas. Para se apropriar destes
resultados, para fazer deles as suas aptidões, “os órgãos da sua
individualidade”, a criança, o ser humano, deve entrar em
relação com os fenômenos do mundo circundante através de
outros homens, isto é, num processo de comunicação com eles.
Assim, a criança aprende a atividade adequada. Pela sua função
este processo é, portanto, um processo de educação.
É com esse enfoque que pretendemos realizar o debate neste
trabalho, tomando como pressuposto a reflexão da formação humana, ou
seja, a formação da consciência baseada nas intervenções na realidade
social vigente. Essa análise será realizada (e já está sendo realizada) pela
justificativa de termos como interesse final explicitar um esboço da
importância que o conhecimento científico possui na atividade pedagógica
em educação física, isto é, a tomada de consciência para si das novas
gerações em relação à cultura corporal.
Como já anunciamos, a consciência está diretamente ligada às ações
realizadas na realidade social.
A consciência é, naturalmente, antes de tudo a mera consciência
do meio sensível mais imediato e consciência do vínculo limitado
com outras pessoas e coisas exteriores ao indivíduo que se torna
consciente; ela é, ao mesmo tempo, consciência da natureza [...]
e, por outro lado, a consciência da necessidade de firmar
relações com os indivíduos que os cercam constituem o começo
da consciência de que o homem definitivamente vive numa
sociedade. (MARX; ENGELS, 2007, p. 35, itálicos no original)
Trataremos da importância do conhecimento científico de uma
maneira omnilateral, portanto, na sua totalidadeii concreta no âmago da
educação física, compreendendo os sentidos e significados que a cultura
corporal possui na sociedade capitalista. Sustentando-nos em Vigotsky
(2000, p. 241), podemos ressaltar que
O desenvolvimento dos conceitos científicos na idade escolar é,
antes de tudo, uma questão prática de imensa importância –
talvez até primordial – do ponto de vista das tarefas que a
escola tem diante de si quando inicia a criança no sistema de
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conceitos científicos. […] É igualmente grande a importância
teórica dessa questão, uma vez que o desenvolvimento dos
conceitos científicos – autênticos, indiscutíveis, verdadeiros –
não pode deixar de revelar no processo investigatório as leis
mais profundas e essenciais de qualquer processo de formação
de conceitos em geral.
Complementando esse posicionamento, o autor adverte que
O curso do desenvolvimento do conceito científico nas ciências
sociais transcorre sob as condições do processo educacional,
que constitui uma forma original de colaboração sistemática entre
o pedagogo e a criança, colaboração essa em cujo processo ocorre o
amadurecimento das funções psicológicas superiores da criança com
o auxílio e a participação do adulto. No campo do nosso
interesse, isto se manifesta na sempre crescente relatividade do
pensamento casual e no amadurecimento de um determinado nível de
arbitrariedade do pensamento científico, nível esse criado pelas
condições do ensino. (VIGOTSKY, 2000, p. 244, itálicos nossos).
Objetivamos apresentar, como proposição, os motivos necessários
para uma significação para si dos sentidos e significados do conhecimento
científico da cultura corporal, para podermos contribuir para a formação
da consciência de classe. Para que a classe subalterna não permaneça
“congelada” nas suas atuais compreensões que envolvem teórica e prática
unilateral, reforçando, cada vez mais, o estereótipo da dominação do
homem sobre o homem, e aviltando as condições de, ao compreender as
determinações históricas concretas, realizar escolhas que perspectivem a
transformação social.
Portanto, partimos do pressuposto de que uma das funções da
educação é possibilitar às novas gerações apropriarem-se da riqueza
material e spiritual, na perspectiva de – na dialética de apropriação e
objetivação – constituírem-se partícipes do gênero humano. Como afirma
Leontiev (1978), o ser humano constitui-se à medida que se apropria da
produção acumulada no desenvolvimento sócio-histórico e depositada nas
objetividades materiais e espirituais. Na complexificação do
desenvolvimento histórico, houve a necessidade de organização
institucional desse processo de apropriação, que desencadeou na
organização escolar.
Na estruturação do currículo escolar moderno, encontramos
elencada a educação físicaiii. Os debates em torno das perspectivas teóricometodológicas da educação física abarcam tendências, cujas concepções de
ser humano e de corpo variam entre a positivista naturalista até a
fenomenológica existencialista. Nossa referência será a perspectiva
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teórico-metodológica crítico superadora (COLETIVO DE AUTORES,
1992)iv, que tem suas bases na pedagogia histórico-crítica de fundamentos
teóricos no materialismo histórico. Nessa tendência, o conhecimento
tematizado na atividade pedagógica da educação física é a cultura
corporal, que aborda as manifestações expressivas corporais como o
esporte, a ginástica, os jogos e brincadeiras, a dança, as lutas e outros.
Embora estejamos a duas décadas de sua publicação, é consensual a
necessidade de aprofundamento de vários de seus aspectos. Um deles,
para o qual pretendemos contribuir, é o do sentido e significado que a
cultura corporal pode ter no âmbito da tematização pedagógica escolar.
Portanto, o desenvolvimento do estudo busca explicitar primeiramente as
abordagens que obtiveram maior repercussão acadêmica no âmbito
brasileiro para localizar a tendência teórico-metodológica crítico
superadora e o sentido e significado da cultura corporal.
As perspectivas pedagógicas contemporâneas na educação e na
educação física
Na educação contemporânea, observamos que existem diversas
abordagens em evidência no campo acadêmico e escolar. Essas
abordagens, em sua maioria, afirmam estar inseridas em um campo crítico
da educação. Porém, a confirmação que de fato se concretizam na
atividade pedagógica como uma abordagem crítica se torna algo mais
complexo e difícil. Por outro lado, também temos a condição de alerta
sobre as formulações pedagógicas que pretendem estar em um campo
progressista; no entanto, como alerta Tonet (2005, p. 203), possuem um
caráter idealista que “[...] se manifesta na construção de um ideal abstrato
[...]”. Essas afirmações “[...] têm um apelo muito grande porque parecem
opor uma ação educativa emancipadora a uma ação educativa
conservadora, a-crítica, reprodutivista, passiva, alienante [...]”. O autor
ainda chama atenção para o fato de que “a falta de uma sólida base
metodológica de caráter histórico-ontológico faz com que o seu
conhecimento do processo social não consiga ultrapassar o nível da
superficialidade” (TONET, 2005, p. 203).
Portanto, não permite vislumbrar a superação da imediaticidade da
realidade social estranhada. “Essa mistura impossível de empirismo e
voluntarismo resulta numa série de recomendações vazias que, ao
contrário do que expressamente pretendem, colaboram para a reprodução
dessa forma de sociabilidade desumanizadora.” (TONET, 2005, p. 203)
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No cenário da prática educativa, a consequência é o que Moraes
(2003, p. 156-157, itálicos nossos) denomina de retração da teoria, ou
poderíamos dizer, de um esvaziamento do conhecimento.
Procedeu-se a uma verdadeira sanitarização na “racionalidade
moderna e iluminista”, vertendo-se fora não só as impurezas
detectadas pela inspeção crítica, mas o próprio objeto de
inspeção; não apenas os métodos empregados para validar o
conhecimento sistemático a arrazoado, mas a verdade, o
racional, a objetividade, enfim, a própria possibilidade de
cognição do real. [...] O recuo da teoria foi decorrência natural
desse processo. Inaugurou-se a época cética e pragmática, dos
textos e das interpretações que não podem mais expressar ou,
até mesmo, se aproximar da realidade, constituindo-se em
simples relatos ou narrativas que, presos às injunções de uma
cultura, acabam por arrimar-se no contingente e na prática
imediata – uma metafísica do presente, ou, como define
Jameson (1988, p. 26), uma história de presentes perpétuos. O
ceticismo, todavia, não é apenas epistemológico, mas ético e
político. E importa para nós tanto em sua versão conservadora,
como peça retórica, consciente ou não, de veneração ao
mercado, como igualmente em sua versão “crítica” e “radical”.
Entre os efeitos sociais desse “recuo da teoria”, temos uma
ressignificação das políticas públicas – com a “emergência de certo ethos
neodarwinista” que as banaliza na perspectiva do produtivismo –, a
ressignificação dos conceitos como um puro exercício linguístico e o
apaziguamento das relações sociais, como única saída para a solução dos
conflitos sociais.
A retórica é precisa. A negação da objetividade aparece aqui
associada à ideia de desintegração do espaço público, do
fetichismo da diversidade, da compreensão de que o poder e a
opressão estão pulverizados em todo o lugar. Daí resulta a
impossibilidade de estabelecer uma base de resistência e
enfrentamento da realidade que, queiram ou não, apresentamse aos sujeitos como totalidade da economia e das relações de
poder (MORAES, 2003, p. 157).
Na educação física, esses discursos plangentes também são
persistentes e muito presentes. Lembrando que a educação física, durante
seu percurso histórico, substanciou-se em várias tendências ou orientações
para constituir suas ações. Atualmente, ainda vem sendo palco para novos
debates e reflexões. Podemos citar a querela ou o lamento da pósmodernidadev que, atualmente, encontra-se em destaque tanto nos
debates no interior da educação como na educação física. A discussão das
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“viradas” na educação física na atividade epistemológica e ontológica
também se fazem presentes em nosso campo de atuação. Sobre essa
questão podemos mencionar o texto de Almeida e Vaz (2010) que, em
última análise, realizam uma crítica sobre as reflexões realizadas por
outros autores da área em relação à falta dos sentidos ontológicos na
educação física.
Almeida e Vaz (2010) denunciam que esses autores apontam como
prioritária a necessidade da ontologia, ao invés da epistemologia; contudo,
esquecem-se de um importante detalhe: compreender que a ontologia
precede realmente a epistemologia, mas que ambas atuam de uma
maneira dialéticavi, não as pontuando e fragmentando por ranking,
colocações, etc. A reflexão de Almeida e Vaz (2010) se justifica quando
observamos os embasamentos com as quais se referenciam, ligados
diretamente aos aportes teóricos de Rorty, ou seja, no neo-pragmatismo.
Sobre essa perspective, Duayer (2001, p. 23-24) nos esclarece que
A ontologia desse mundo perene do capital estreita o horizonte
da prática humano-social. Essa é a proposta explícita de Rorty.
No mundo que liquidou a história, a ontologia hegemônica tem
que ser anistórica. E tem que impugnar, como metafísica, toda
ontologia da sociedade que insistia em sua historicidade.
Contra a metafísica do que dominam grande narrativa
marxiana, contra esta ontologia que indaga o papel possível do
sujeito no curso objetivo, porém não determinista, da história,
tais correntes contrapõem a ontologia do existente. Ontologia
esta que melhor seria qualificada como metafísica do existente,
existente metafísico porque não pode vir a ser outro pela
simples razão de que a teoria impugna a priori qualquer prática
emancipatória do sujeito. Qualquer outra atitude representaria
o abominável desejo de fazer história.
Refletir sobre a educação e a educação física dessa maneira nos
remete a uma intervenção fragmentada, sem a visão da totalidade, e que
reproduz os preceitos do atual modelo social que nos concede unicamente
a construção de um homem unilateral, incitando-nos ao estranhamento.
Podemos comparar a educação nesse modelo à análise de Engels sobre a
educação fornecida pelos burgueses aos proletariados:
Engels observava que o ensino transmitido nas escolas criadas
pela burguesia aos operários – em resumo, pelas classes
dominantes às classes subalternas – ao fazê-lo perder toda a sua
“disponibilidade” original, levava-os a uma autêntica e verdadeira
atrofia moral e desolação intelectual […]. (MANACORDA, 2007, p.
81, itálicos nossos).
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Contudo, partimos de uma formação de homem que Marx (2009, p.
108, itálicos no original) nos apresenta:
O homem se apropria da sua essência omnilateral de uma
maneira omnilateral, portanto como um homem total. Cada
uma das suas relações humanas com o mundo, ver, ouvir,
cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir, perceber, querer, ser
ativo, amar, enfim todos os órgãos da sua individualidade,
assim como os órgãos que são imediatamente em sua forma
como órgãos comunitários, são no seu comportamento
objetivo ou no seu comportamento para com o objeto a
apropriação do mesmo, a apropriação da efetividade
humana; seu comportamento para com o objeto é o
acionamento da efetividade humana (por isso ela é precisamente
tão multíplice […] quanto multíplices são as determinações
essenciais e atividades humanas), eficiência humana e
sofrimento humano, pois o sofrimento, humanamente
apreendido, é uma autofruição do ser humano.
Contribuindo com esse posicionamento, Lukács (2010, p. 109)
acrescenta: “O ser humano é também um ser fundamentalmente históricosocial, na medida em que seu passado constitui, sob a forma do seu
próprio passado, um momento importante do seu ser e atuar presentes.”
E podemos concretizar essa questão, explicitando com uma
passagem da obra de Leontiev (1978, p. 100):
No decurso da sua vida, o homem assimila as experiências das
gerações precedentes; este processo realiza-se precisamente sob
a forma da aquisição das significações e na medida desta
aquisição. A significação é, portanto, a forma sob a qual um
homem assimila a experiência humana generalizada e refletida.
Por essas condições, temos como proposição a necessidade do
debate ontológico (ORTIGARA, 2002) e como o mesmo se manifesta na
atividade pedagógica no campo educacional, por conseguinte, na
educação física, sob a égide de uma postura e de uma intervenção crítica.
E, para que isso se torne eficaz, necessitamos refletir a partir de uma
conjuntura predominantemente histórico-social. No entanto,
A história não é aqui, porém, um simples saber, mas o
esclarecimento dos motivos traduzidos na práxis enquanto
passado, daquelas forças motoras do passado que, ao dar
expressão plástica à relação presente dos seres humanos com a
sua própria generidade, poderiam ser mais eficazes que os
simples fatos do presente. (LUKÁCS, 2010, p. 110).
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Torna-se, portanto, impossível pensar a atividade pedagógica, sem
basear-se nas fundamentações histórico-sociais. Pensar e agir excluindo
esse posicionamento é efetivar a intervenção docente de uma maneira ahistórica e a-dialética.
Referimo-nos a uma prática pedagógica, tendo como elemento
fundante o conhecimento científico produzido e acumulado
historicamente; há, então, a necessidade de compreender que sentido é
dado a esse conhecimento científico – no recorte da cultura corporal – no
bojo da sociedade capitalista e, com isso, propor que os sentidos da cultura
corporal devem atribuir outros conceitos, direcionados para uma
mudança societal.
Os sentidos das significações da cultura corporal
Como já anunciado, nesse momento iremos tratar a respeito dos
sentidos que norteiam o conhecimento científico da cultura corporal.
Concebendo que a cultura corporal é o objeto de estudo da educação
física, compreendemos que a mesma deve ter em seu horizonte uma
perspectiva crítica, que possui em sua especificidade “[…] desenvolver
uma reflexão pedagógica sobre o acervo de formas de representação do
mundo que o homem tem produzido no decorrer da história,
exteriorizadas pela expressão corporal […]”, isto é, atribuindo aos
elementos “[…] que podem ser identificados como formas de
representação simbólica de realidades vividas pelo homem,
historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas.” (COLETIVO DE
AUTORES, 1992, p. 38).
Partimos da compreensão de “[…] que a materialidade corpórea foi
historicamente construída e, portanto, existe uma cultura corporal, resultado
de conhecimentos socialmente produzidos e historicamente acumulados
pela humanidade […]”. Esses conhecimentos […] necessitam ser
retraçados e transmitidos para os alunos na escola.” (COLETIVO DE
AUTORES, 1992, p. 39, itálicos nossos). O retraçar dos conteúdos implica
explicitar a orientação em relação ao contexto social cindido em classes, ou
seja, estabelecer em defesa de qual grupo social nos posicionamos na “[…]
luta entre as classes sociais a fim de afirmarem seus interesses.” (idem, p.
23). Isso exige que reflitamos sobre os sentidos do significado que a
cultura corporal possui no âmago da realidade social vigente e que
perspectivas temos para uma ressignificação desses sentidos.
Nesse contexto, compreendemos que o significadovii é
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A generalização da realidade que é cristalizada e fixada num
vetor sensível, ordinariamente a palavra ou locução. É a forma
ideal, espiritual da cristalização da experiência e da prática
social da humanidade. A sua esfera das representações de uma
sociedade, a sua ciência, a sua língua existem enquanto
sistemas de significação correspondentes. A significação
pertence, portanto, antes demais ao mundo dos fenômenos
objetivamente históricos. [...] A significação é, portanto, a forma
sob a qual um homem assimila a experiência humana
generalizada e refletida (LEONTIEV, 1978, p. 100-101).
A prática social, portanto, é a gênese dos significados e dos
sentidos, ou seja, o indivíduo situa-se no seio de um processo de
assimilação de produções realizadas no decorrer da história pela
humanidade. Essa relação ocorre do material real para a consciência
humana. A relação apresentada faz com que o indivíduo tenha no seu
significado a realidade objetiva. O significado efetiva uma função
mediadora do reflexo do mundo pelo homem, no momento em que o
mesmo tenha consciência dessa realidade. “O homem encontra um
sistema de significações pronto, elaborado historicamente, e apropria-se
dele tal como se apropria de um instrumento, esse precursor material da
significação.” (LEONTIEV, 1978, p. 96)
Os significados e os sentidos possuem uma relação íntima no
âmbito da consciência humana; no entanto, partem de uma relação e
função distinta. “Eles estão intrinsecamente ligados um ao outro, [...] é o
sentido que se exprime nas significações (como o motivo nos fins) e não a
significação no sentido” (LEONTIEV, 1978, p. 98). A estrutura que rege a
consciência do homem está fundamentalmente ligada à estrutura social
humana, na sua atividade vital, na realidade social que o indivíduo
encontra-se inserido.
A transformação essencial que caracteriza a consciência nas
condições do desenvolvimento da sociedade de classes é a
modificação que sofre a relação que existe entre o plano dos
sentidos e o plano das significações nas quais se produz a
tomada de consciência (LEONTIEV, 1978, p. 114).
Os sentidos inseridos na ação humana, no bojo da sociedade
capitalista, atribuem características dessa realidade social, ou seja, uma
formatação retrógada, unilateral, condicionando o homem apenas aos
interesses da classe dominante, em torno do capital, da divisão social do
trabalho, da propriedade privada.
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Em uma nova perspectiva, os sentidos devem constituir-se em um
formato de passagens mais complexas, apresentando-se como uma
estrutura integrada. Buscamos explicitar que somos desfavoráveis aos
sentidos dados na sociedade capitalista, na qual
os indivíduos buscam apenas seu interesse particular, que para
eles não guarda uma conexão com seu interesse coletivo, que
este último é imposto a eles como um interesse que lhes é
“estranho” e que deles “independe”, por sua vez, como um
interesse “geral” especial, peculiar; ou, então, os próprios
indivíduos têm de mover-se em meio a essa discordância, como
na democracia. (MARX; ENGELS, 2007, p. 37, itálicos no
original)
Dessa maneira, de acordo com Leontiev (1978, p. 139),
a consciência humana desenvolve-se, portanto, nas suas duas
mudanças qualitativas por definhamento das suas
particularidades anteriores que cedem o seu lugar a outras. Na
aurora da sociedade humana, a consciência passa pelas
diferentes etapas da sua formação inicial; só o desenvolvimento
ulterior da divisão social do trabalho, da troca e das formas de
propriedade acarreta um desenvolvimento da sua estrutura
interna, tornando-a, porém, limitada e contraditória; depois,
chega um tempo novo, o tempo de novas relações, que cria uma
nova consciência do homem.
Os sentidos do conhecimento científico da cultura corporal também
devem ser efetivados de uma nova maneira, ou seja, necessitam ter uma
ressignificação, para constituirmos elementos para a atividade docente
possuir em seu horizonte uma perspectiva crítica frente à realidade social
vigente. Nesse caso, Marx e Engels (1934, apud LUKÁCS, 2010, p. 101)
explicitam que só no capitalismo apresenta-se
a diferença do indivíduo pessoal diante do indivíduo de classe,
a causalidade [os sentidos/significado] das condições de vida
para o indivíduo. […] A concorrência e a luta dos indivíduos
entre si produz e desenvolve essa causalidade como tal. Por
isso, na ideia, os indivíduos são mais livres do que antigamente
sob domínio da burguesia, porque suas condições de vida são
fortuitas; na realidade, naturalmente eles são menos livres,
porque mais subsumidos sob a força objetiva.
Julgamos, então, a hipótese de que a educação e a educação física
não possuem apenas a função de produzir em cada ser humano o que a
humanidade produziu histórica e coletivamente, pois, compreendemos
que essa produção se torna uma reprodução estranhada do indivíduo. Se
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considerarmos que o papel docente é transmitir o conhecimento, na sua
forma mais elaborada, que foi produzida pela humanidade, não levando
em consideração os sentidos que são dados aos significados – em uma
reificação – que a cultura corporal é refletida e interpretada, estaremos
contribuindo para a formação humana atrelada aos preceitos capitalistas.
Essa relação do capital com a educação pode ser compreendida na
contundente argumentação de Mészáros (2005, p. 25-26, itálicos no
original):
Poucos negariam hoje que os processos educacionais e os
processos sociais mais abrangentes de reprodução estão
intimamente ligados. Consequentemente, uma reformulação
significativa da educação é inconcebível sem a correspondente
transformação do quadro social no qual as práticas
educacionais da sociedade devem cumprir as suas vitais e
historicamente importantes funções de mudança. Mas, sem um
acordo sobre esse simples fato, os caminhos dividem-se
nitidamente. Pois caso não se valorize um determinado modo
de reprodução da sociedade como o necessário quadro de
intercâmbio social, serão admitidos, em nome da reforma,
apenas alguns ajustes menores em todos os âmbitos, incluindo
o da educação. As mudanças sob tais limitações, apriorísticas e
prejulgadas, são admissíveis apenas com o único e legítimo
objetivo de corrigir algum detalhe defeituoso da ordem
estabelecida, de forma que sejam mantidas intactas as
determinações estruturais fundamentais da sociedade como um
todo, em conformidade com as exigências inalteráveis da lógica
global de um determinado sistema de reprodução. Podem
ajustar-se as formas pelas quais uma multiplicidade de
interesses particulares conflitantes se deve conformar com a regra
geral preestabelecida da reprodução da sociedade, mas de
forma nenhuma pode-se alterar a própria regra geral.
Todavia, analisamos que devem ser apresentados novos sentidos a
esses significados não só da cultura corporal, mas de todos os demais
significados que compõem a educação, perspectivando a transformação
em nossa realidade social. Conduzindo o processo educacional não para a
correção de algo que no momento atual torna-se impossível de corrigir – a
ordem social estabelecida –, mas, partindo da premissa inegociável de
apresentarmos possibilidades de uma aversão do capital.
Estamos mencionando que a educação física escolar tenha, como
principal função, ressignificar os sentidos da produção no âmbito da
cultura corporal já acumulada histórica e coletivamente pela humanidade,
dando direcionamentos a novos sentidos que possam perspectivar aquilo
que atribuímos que seja função da educação, da educação física, em suma,
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da atividade pedagógica docente: “presentificar” às novas gerações o
conhecimento científico, possibilitando o estabelecimento de novos
sentidos.
Considerações Finais
Nessa explicitação procuramos apresentar uma hipótese de
analisarmos essa problemática que rege a compreensão do papel da
educação e o nosso recorte no âmago da educação física e da atividade
pedagógica. Analisamos que a educação não pode assumir uma função de
produzir no aluno apenas aquilo que foi acumulado histórica e
coletivamente na sua forma mais elaborada, sem levar em consideração os
sentidos que são dados aos significados que permeiam essa produção. O
fato de não questionar esse fator e não apresentar novos sentidos a esses
significados remete-nos ao erro que várias orientações pedagógicas já
efetivaram e vêm efetivando, ou seja, cair novamente nas armadilhas que
o sistema capitalista possui, não perspectivando a superação do mesmo.
Como Tonet (2005, p. 235) nos apresenta, um dos requisitos para
uma prática educativa que perspective a emancipação humana é articular
essa prática “[…] com as lutas desenvolvidas pelas classes subalternas,
especialmente com as lutas daqueles que ocupam posições decisivas na
estrutura produtiva.” Não dar sentido a esse posicionamento nos
credencia à reprodução social.
Perspectivamos a formação de um “[...] cidadão crítico e consciente
da realidade social em que vive, para poder nela intervir na direção dos
seus interesses de classe” (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 36). Pois é
no conjunto das relações sociais que os indivíduos se formam enquanto
ser social. No interior dessas relações sociais – no confronto das classes
sociais – devemos pensar nossa intervenção pedagógica de uma maneira
“judicativa” que prevaleça aos interesses dos oprimidos. Concordamos
com Libâneo (1985, p. 39), quando afirma que “[…] não basta que os
conteúdos sejam apenas ensinados, ainda que bem ensinados, é preciso
que se liguem de forma indissociável à sua significação humana e social.”
Pois, mesmo transmitindo o conhecimento científico à classe subalterna,
no sentido em que o mesmo se encontra, conduz-nos ainda para a
formação unilateral, reprodutora da nossa realidade social e, nessa
situação, tentando estabelecer um modus vivendi para uma impossível
harmonização das classes.
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NOTAS:
No desenvolvimento histórico-social do ser humano as atividades complexificam-se e, portanto,
não podemos reduzir tudo ao trabalho, ainda que esteja na base do processo de reprodução e
produção da vida humana. Porém ele continue a ser o modelo da práxis social.
i
Segundo Kosik (2010, p. 44), “Totalidade significa: realidade como um todo estruturado, dialético,
no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser
racionalmente compreendido. Acumular todos os fatos não significa ainda conhecer a realidade; e
todos os fatos (reunidos em seu conjunto) não constituem, ainda, a totalidade. Os fatos são
conhecimento da realidade se são compreensíveis como fatos de um todo dialético – isto é, se não
são átomos imutáveis, indivisíveis e indemonstráveis, de cuja reunião a realidade saia constituída –
se são entendidos como partes estruturais do todo.”
ii
Sobre a inclusão e o desenvolvimento da educação física como componente curricular, ver Soares
(1994), Bracht (1992).
iii
Obra escrita por um coletivo de autores que, para expressar o caráter social e coletivo da obra,
optou por fazer a referência dessa maneira, já consagrada no Brasil. Foi escrita por: Carmem Lúcia
Soares, Celi Nelza Zülke Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e
Valter Bracht.
iv
“[…] o fio principal que perpassa todos […] [os] princípios pós-modernos é a ênfase na natureza
fragmentada do mundo e do conhecimento humano. As implicações políticas de tudo isso não são
bem claras: o self humano é tão fluido e fragmentado (o ‘sujeito descentrado’) e nossas identidades,
tão variáveis, incertas e frágeis que não pode haver base para solidariedade e ação coletiva
fundamentadas em uma ‘identidade’ social comum (uma classe), em uma experiência comum, em
interesses comuns.” (WOOD, 1999, p. 13, itálicos no original).
v
Compreendemos que “A dialética trata da ‘coisa em si’. Mas a ‘coisa em si’ não é uma coisa
qualquer e, na verdade, não é nem mesmo uma coisa: a ‘coisa em si’, de que trata a filosofia, é o
homem e o seu lugar no universo, ou (o que em outras palavras exprime a mesma coisa): a
vi
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totalidade do mundo revelada pelo homem na história e o homem que existe na totalidade do
mundo.” (KOSIK, 2010, p. 248).
Nesse artigo, trabalharemos com a nomenclatura “significado”, embora em algumas traduções
apareça como “significação”. Quando for o caso de citações manteremos a forma da referida edição.
vii
Sobre os autores
Vidalcir Ortigara, Doutor em Educação, é professor do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC.
Matheus Bernardo Silva é Mestrando em Educação na Universidade Federal do
Paraná UFPR.
Ademir Damazio, Doutor em Educação, é professor do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC.
Carlos Augusto Euzébio, Mestre em Educação pela Universidade do Extremo
Sul Catarinense – UNESC, é professor do Curso de Educação Física da UNESC.
Recebido em 02 de outubro de 2012
Aceito em 30 de março de 2013
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