Tecnologia em Processos Gerenciais Ágda Francine Alexandre Menezes INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE SÃO PAULO – CAMPUS SÃO CARLOS A CONSTRUÇÃO DO AUTOR COMO MARCA PELA AUTOPUBLICAÇÃO POR LIVRO TECNOLOGIA EM PROCESSOS GERENCIAIS DIGITAL Ágda Francine Alexandre Menezes A CONSTRUÇÃO DO AUTOR COMO MARCA PELA AUTOPUBLICAÇÃO POR LIVRO DIGITAL São Carlos - SP 2015 Ágda Francine Alexandre Menezes A CONSTRUÇÃO DO AUTOR COMO MARCA PELA AUTOPUBLICAÇÃO POR LIVRO DIGITAL Monografia apresentada ao Instituto Federal de São Paulo – campus São Carlos, como parte das exigências para a conclusão do Curso Superior de Tecnologia em Processos Gerenciais. Orientadora: Profa. Dra. Thereza Maria Zavarese Soares. São Carlos – SP 2015 ÁGDA FRANCINE ALEXANDRE MENEZES A CONSTRUÇÃO DO AUTOR COMO MARCA PELA AUTOPUBLICAÇÃO POR LIVRO DIGITAL Monografia apresentada ao Instituto Federal de São Paulo – campus São Carlos, como parte das exigências para a conclusão do Curso Superior de Tecnologia em Processos Gerenciais. Data de aprovação: ____________________________ BANCA EXAMINADORA ________________________________________ Profa. Dra.Thereza Maria Zavarese Soares IFSP – campus São Carlos ________________________________________ Prof. Me. André Luiz Mendes Oliveira IFSP – campus São Carlos ________________________________________ Prof. Prof. Dr. José Henrique de Andrade IFSP – campus São Carlos Dedico este trabalho primeiramente а Deus, socorro presente nа hora dа angústia, e também meu noivo por todo o incentivo e credibilidade que me deu nesse desafio que enfrentei. AGRADECIMENTOS Primeiramente a Deus, por ter me dado saúde e força para superar as adversidades, impostas, muitas vezes, por mim mesma. A minha orientadora, Profª. Drª Thereza Maria Zavarese Soares, pelo suporte, confiança, pelas suas correções e incentivos, e também aos demais professores pelo conhecimento compartilhado ao longo de todo este processo. A minha Mãe, que durante todo esse período, tem me auxiliado com sua motivação e com sua fé em tudo que posso realizar. Ao meu noivo, pelo apoio incondicional e paciência, pelo incentivo para que eu sempre buscasse algo mais e conquistasse muito mais não só com este trabalho, mas em tudo que foi ou será feito por mim; e também a minha família, que mesmo com todas as dificuldades que tivemos, nunca deixou de me incentivar para concluir o curso e aumentar o meu conhecimento, ficando ao meu lado para que o pudesse fazer da melhor forma, tanto com bons conselhos como com constante cobrança. A minha amiga Lenyara, pela ajuda com a formatação do trabalho. E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito obrigado. A Criatividade diferencia os seres humanos de outras criaturas vivas da face da Terra. Os seres humanos dotados de criatividade moldam o mundo a sua volta. As pessoas criativas tentam o tempo todo aperfeiçoar a si mesmas e o mundo. A criatividade se expressa na humanidade, moralidade e espiritualidade. (ZOHAR, 2000 apud KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 20) Resumo Seja pelo preço baixo, pelo fácil acesso ou pelos avanços da inclusão digital, o ebook tem se tornado cada dia mais usual, e graças a essa usualidade, os autores iniciantes têm aproveitado o espaço encontrado na internet através de plataformas de vendas ou de divulgação para expor suas obras e conseguir entrar no mercado editorial, uma vez que ainda é um mercado restrito para quem está apenas começando. Mas será que essa ferramenta de autopublicação pode auxiliar quanto à construção do nome de um autor iniciante como marca e estabelecer um vínculo entre essa possível nova marca e seus leitores, proporcionando ainda mais divulgação pela rede? Para responder a esta pergunta, esta pesquisa tem como objetivo principal investigar, através da história da escrita e da leitura, a construção do livro como produto e do autor como marca, assim como a evolução do mercado editorial e a autopublicação do livro digital dentro do marketing 3.0, além de analisar o poder da marca como propriedade intelectual, verificar a participação do e-book como produto para o novo marketing e observar, através do estudo de dois casos de utilização do e-book como forma de autopublicação e de primeiro investimento para entrada no mercado editorial, os resultados obtidos pelos escritores, a fim de responder se é possível ou não utilizar essa ferramenta para divulgar e fortalecer o nome do autor como marca. Para isso, a pesquisa realizada constitui-se como de natureza bibliográfica e exploratória, para que fosse possível investigar o problema a fundo a partir de referências teóricas e responder aos seus principais objetivos. Foi também realizada uma análise documental para constatar, através de amostras, se o livro digital pode ser utilizado como ferramenta para a construção de uma marcaautor e de seu fortalecimento para conseguir o fechamento de contrato com uma editora para a publicação de livros em formato impresso. Palavras-chave: Livro digital. Autopublicação. Marca-autor. Marketing 3.0. Abstract Be it by low price, easy access, or by advances in digital inclusion the e-book has become more usual, and thanks to e-books being highly used, authors have taken advantage of the space provided on the internet through sales platforms, to exhibit their work and get into the publishing market, since there is still limited access to this market for those who have just started. But, it’s this self-publishing tool that assists in the development of a new author’s name as a brand and establish a possible link between this new brand and he’s readers providing even more disclosure in the network? To answer these questions this research aims to investigate, through the history of writing and reading, the construction of the book as a product and the author as a brand, the development of publishing and self-publishing of the e-book in marketing 3.0 , analyze the power of the brand as intellectual property, verify the participation of the e-book as a product for the new marketing, and realize through observation in two cases of use of the e-book as a form of self-publishing and first investment for entry into the publishing world. The results will conclude whether or not you can use this tool to disseminate and strengthen the author's name as a brand. This research was constructed through the basic bibliographic and descriptive processes to make it possible to investigate the problem thoroughly from theoretical references and to respond to their main objectives. An analysis of sample documents was also performed in order to find if the digital books can be used as a tool to build an author’s brand name, and it is strength to achieve a contract closure between the author and a publisher for the publication of his books in it is printed version. Key words: E-book; Self-publishing; Brand-author; Marketing 3.0. LISTA DE ILUSTRAÇÕES 1 - A evolução da escrita e de seus usos: antecedentes do livro como produto........25 2 - Os cinco níveis de um produto aplicados ao livro.................................................29 3 - O e-book e o marketing 3.0...................................................................................39 4 - A relação decrescente da criatividade privada......................................................42 5 - O destaque da marca-autor em capas de livro.....................................................46 6 - Os níveis de significado da marca-autor...............................................................47 7 - Síntese dos atributos do autor como marca.........................................................48 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 11 2 A HISTÓRIA DA ESCRITA E DA LEITURA: A CRIAÇÃO DO LIVRO COMO PRODUTO E DO AUTOR COMO MARCA ....................................................................... 15 2.1 DAS NARRATIVAS ORAIS À INVENÇÃO DA ESCRITA ..................................... 16 2.2 A ESCRITA SAGRADA DOS EGÍPCIOS................................................................. 16 2.3 OS REGISTROS DAS PRIMEIRAS LEIS E DAS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS DOS POVOS SUMÉRIO E PERSA ................................................................................ 17 2.4 OS CHINESES E OS TEXTOS BUDISTAS ............................................................ 18 2.5 A CRIAÇÃO DO ALFABETO ..................................................................................... 19 2.6 A CONTRIBUIÇÃO GREGA ...................................................................................... 20 2.7 A SUBSTITUIÇÃO DO PAPIRO PELO PERGAMINHO ....................................... 21 2.8 DOS COPISTAS ÀS IMPRESSÕES ........................................................................ 22 2.9 O SURGIMENTO DA VERSÃO DIGITAL DO LIVRO ............................................ 25 3 A HISTÓRIA E A EVOLUÇÃO DO MERCADO EDITORIAL........................................ 30 3.1 A HISTÓRIA DA COMERCIALIZAÇÃO DO LIVRO ............................................... 30 3.2 OS CENTROS EDITORIAIS DO SÉCULO XV AO XVIII ...................................... 32 3.3 A EVOLUÇÃO DO MERCADO EDITORIAL ........................................................... 33 3.4 O MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO ................................................................ 35 3.5 E-BOOK: UMA NOVA VERSÃO DO LIVRO PARA O NOVO MARKETING ...... 36 4 A PROPRIEDADE INTELECTUAL: O AUTOR COMO MARCA ................................. 40 4.1 A CRIATIVIDADE PRIVADA ...................................................................................... 40 4.2 ORIGEM E FUNÇÕES DA MARCA ......................................................................... 42 4.3 O NOME DO AUTOR COMO CERTIFICADO DE CONFORMIDADE ............... 44 5 O E-BOOK COMO FERRAMENTA PARA CRIAÇÃO DO NOME DO AUTOR COMO MARCA NO MERCADO EDITORIAL.................................................................... 49 5.1 E-BOOK: UMA PORTA DE ENTRADA PARA NOVOS AUTORES NO MERCADO EDITORIAL? .................................................................................................. 49 5.2 OS BLOGS E AS REDES SOCIAIS NA CONSOLIDAÇÃO DA MARCA-AUTOR .............................................................................................................................................. 51 6 ESTUDO DE CASOS ........................................................................................................ 54 6.1 METODOLOGIA .......................................................................................................... 55 6.2 CASO 1: FML PEPPER .............................................................................................. 56 6.3 CASO 2: BEL PESCE ................................................................................................. 58 6.4 COMPARAÇÃO E CONCLUSÃO DOS CASOS OBSERVADOS ....................... 60 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................. 62 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................... 63 11 1 INTRODUÇÃO Antes da escrita, o conhecimento era passado oralmente, a partir dos registros da memória do interlocutor, em sua maioria, anciãos das tribos ou civilizações, que faziam soar, aos ouvidos de seus descendentes, a sua vivência e o seu próprio ponto de vista sobre o mundo. Foi necessária, então, a criação de um mecanismo que pudesse não só transmitir as necessidades dos indivíduos, mas eternizar as mensagens que uma geração deixaria para outra. A princípio, na era pré-histórica, a escrita conhecida como rupestre contava com as imagens do dia a dia para contar os acontecimentos. Após milhares de anos, os egípcios, com os hieróglifos, e os sumérios, com a escrita cuneiforme, contaram com essas formas de escrita para divulgar a religião, as descobertas de novas ciências e novas tecnologias. Assim, a evolução da escrita passou da transcrição em placas de argila, de pedra, até mesmo de barro, ao papiro e ao pergaminho, ambos considerados precursores do papel. Em seguida, os rolos de pergaminho foram substituídos pelo códex, uma espécie de amarração de páginas costuradas, o que facilitava o armazenamento e a leitura dos textos em comparação àqueles rolos. Quando foi necessária a transcrição em massa, surgiu à tipografia, a princípio, pelos Chineses, com um modelo de tipógrafo bem rudimentar, que, no século XV, foi redescoberto pelo alemão Johannes Gutenberg, que aperfeiçoou a invenção criando a prensa tipográfica. O passo subsequente foi o livro impresso e a sua produção em série, que reduziria o custo e daria direito a todos de terem acesso à cultura e à educação, antes monopolizada por anciãos, na era da oralidade, e pela nobreza e o clero, quando a escrita já era usada para registro de informações oficiais. Desde então, o livro manteve as mesmas características e funcionalidades, mas, após cinco séculos, com a constante revolução tecnológica, chegamos à era da globalização, era em que as informações são instantâneas e circulam amplamente, devido aos diversos meios de comunicação, principalmente aos avanços nas áreas da computação e da informática. Desde 1970, quando o e-book ou livro digital foi idealizado, cresce a lista de adeptos a essa modalidade de leitura e publicação. O baixo custo de produção e a praticidade de acesso se tornaram os principais motivos da sua disseminação e aceitação, e há quem acredite que, em um 12 futuro não tão distante, não entraremos mais em bibliotecas ou livrarias, porque o mundo digital assumirá a função de repositório de todo o saber produzido, cujo acesso é potencialmente irrestrito e onipresente, ou seja, pode ser feito por qualquer pessoa de qualquer lugar do planeta. Por outro lado, nos dias de hoje, a grande dificuldade dos autores, sobretudo brasileiros, é se firmar no mercado editorial por meio de um contrato com as editoras, e o e-book tem sido a ferramenta usada por eles para chamar a atenção dessas empresas. Muitos desses autores começam sua jornada com a autopublicação de livros digitais (prática também conhecida como e-publishing ou self-publishing, já que o termo equivalente em português ainda é empregado como um neologismo), o que pode potencializar a venda de suas obras no futuro, pois, através desse mecanismo de divulgação, o seu nome pode vir a se tornar conhecido e se estabelecer como uma marca que agrega valor aos seus textos. Portanto, os ebooks não são somente uma alternativa para a publicação de livros, mas também uma oportunidade para expor trabalhos de autores pouco conhecidos ou até desconhecidos no mercado atual, podendo trazer assim mais chances de crescimento nesse mercado, cujo ápice é a publicação impressa por editoras. Porém, não é somente a autopublicação do livro digital que garante a exposição e o possível sucesso do livro. Para que tudo isso seja viável, os autores também se utilizam das redes sociais como meio de projeção do seu trabalho. Daí podermos afirmar que, de muitas maneiras, a internet facilitou essa interação do autor e a divulgação do seu trabalho para o público-alvo, pois hoje é possível utilizála para a propagação instantânea de informações com alcance mundial. Isso pode ser observado através das redes sociais, que, além de favorecer a interatividade entre inúmeros usuários por todo o planeta, também distribui informações de maneira gratuita. Graças a isso, empresas e até mesmo empreendedores individuais têm se utilizado dessa ferramenta para promover a exposição de seus produtos. Essa estratégia de marketing, que se utiliza de um ou vários instrumentos de comunicação visando à maior liberdade de acesso às informações sobre produtos e serviços e à maior interação com o consumidor, se aproxima do que se conhece por marketing de relacionamento direto (KOTLER, 2011), entendido como um pressuposto do chamado marketing 3.0, que busca não só a satisfação do cliente, atendendo às suas necessidades individuais, mas também busca a identificação com o cliente, compartilhando valores e preocupações coletivos. Para isso, é preciso 13 estar em constante comunicação com os consumidores e observar com atenção o que é comunicado, como fazem as empresas que investem, por exemplo, nas mídias sociais expressivas para estabelecer esse contato direto com o público-alvo (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 9). A partir desse contexto, desenvolveu-se esta pesquisa, cujo objetivo geral foi analisar se a estratégia de marketing de relacionamento pode acrescentar valor ao nome de cada autor, e se esse nome, que está intrinsecamente ligado ao produto livro, pode fazer reconhecer o autor como marca, para, então, testar a hipótese de o e-book poder servir à inserção de novos autores no mercado, divulgando e aproximando esses autores de seu público-alvo. Para que fosse possível verificar essas informações, foram definidos os seguintes objetivos específicos: descrever, pela história da escrita e da leitura, o processo de construção do valor simbólico do livro como fonte de conhecimento, objeto de arte e produto para consumo; relacionar esse processo à formação do mercado editorial mundial e brasileiro, desde os primórdios até os nossos dias; analisar os conceitos de marketing de relacionamento e marketing 3.0 em sua relação com o problema de pesquisa, ou seja, como tais conceitos se aplicam e por que poderiam ser considerados mecanismos ativos para divulgação, consolidação e fortalecimento do nome do autor como marca, criando assim possíveis novas oportunidades para escritores iniciantes nesse mercado. Algumas das perguntas que procuramos responder com esta pesquisa foram: Como o livro se tornou um produto e o autor uma marca? O livro digital pode ser considerado um resultado da evolução do livro como produto transformado e com potencial para outras transformações e ampliações de seu uso (KOTLER, 2011), servindo tanto de “cartão de visita” para escritores iniciantes perante o mercado editorial quanto de ferramenta de relacionamento direto com o público consumidor? O interesse por este estudo surgiu pela transdisciplinaridade do assunto, pois foi possível investigar a história do livro, do mercado editorial e mesclar esses conhecimentos com as questões do novo marketing e as utilizações do e-book não só como produto, mas como objeto de divulgação do autor como marca. Apesar de existir desde 1970, o livro digital tem se destacado nos dias de hoje, sendo cada vez mais utilizado, visto que o acesso a computadores se tornou mais viável à população, graças à redução do preço desses aparelhos. Além disso, hoje o e-book tem sido adotado como alternativa tanto para quem quer uma forma prática de 14 publicação, quanto para autores independentes que querem evitar a burocracia e os custos que implicam uma publicação impressa. 15 2 A HISTÓRIA DA ESCRITA E DA LEITURA: A CRIAÇÃO DO LIVRO COMO PRODUTO E DO AUTOR COMO MARCA A escrita e a leitura se desenvolveram entre diversos povos do mundo devido à necessidade de registrar a comunicação oral e perpetuá-la. No entanto, conforme a escrita e a leitura evoluem com os passar dos anos, outras funcionalidades foram atribuídas a ambas as atividades. Os manuscritos se tornaram livros, e estes, por sua vez, se tornaram um artefato cultural. Através do livro, foi possível materializar a história da humanidade, suas crenças e descobertas. Também foi possível criar uma forma de negociação mais justa entre os povos, estabelecendo um meio de registrar e organizar a troca e a venda de mercadorias. Logo, não demorou muito para o livro transformar-se num instrumento de poder, pois quem tinha o conhecimento da linguagem escrita poderia manipulá-lo e usá-lo da maneira que lhe fosse mais conveniente. O livro também se tornou uma expressão de arte e um meio de transmissão de ideias, culminando num objeto de consumo, disponível nas prateleiras de livrarias, bancas de jornal, lojas de conveniência e também à venda pela internet, podendo ser comprado do computador de casa com entrega programada ou por download se for adquirido em formato digital, o que potencializa a função do livro como meio de acesso e disseminação cultural. A fim de contextualizar o tema deste estudo, neste capítulo, será apresentada uma breve história da escrita e da leitura, em meio a qual se concebe a ideia do livro, cuja função primordial é disseminar cultura e conhecimento, até torná-lo o produto que conhecemos hoje, em que o nome do autor torna-se sua marca. O capítulo explora desde a transformação do recurso narrativo em recurso pictográfico (escrita elaborada por desenhos que representam o sentido do que se fala) até as letras do alfabeto, passando pelas diversas nações e suas contribuições para aperfeiçoar a comunicação escrita. Para isso, foram consultadas as obras de alguns historiadores como Becker (1980), Fischer (1999) e Higounet (2003). 16 2.1 DAS NARRATIVAS ORAIS À INVENÇÃO DA ESCRITA Antes da escrita e dos livros, o recurso utilizado para que as pessoas pudessem passar seu conhecimento e sabedoria de uma geração para outra era a oralidade, mas isso se fazia de forma teatral e mnemônica. Com o auxílio de recursos visuais e audíveis, anciãos, patriarcas e sacerdotes descreviam tudo aquilo que havia sido vivido e transmitido por seus antepassados. Essa capacidade de comunicação foi o primeiro passo para o desenvolvimento humano. Fischer (1999) explica isso quando, em seu livro, descreve a história da linguagem humana como a história do desenvolvimento do cérebro humano e de suas capacidades cognitivas. Como consequência desse desenvolvimento, foi necessário criar outro meio de comunicação, um que pudesse registrar os acontecimentos de forma que as informações não sofressem alterações conforme fossem transmitidas pelos oradores, ou seja, um registro mais padronizado desse conhecimento evitando perdas ou acréscimos deturpantes. Assim, surge a primeira forma de escrita, que se utilizava de recursos pictográficos, ou seja, desenhos que ilustravam os eventos do cotidiano. Vários cientistas tentam determinar a origem da escrita no mundo, ou até mesmo descobrir um ancestral para todas as formas de linguagem escrita, pois existem semelhanças entre todas as descobertas do mundo antigo. Por isso, acredita-se que todas as línguas tenham partido de uma forma ou representação em comum. Entretanto, não é possível determinar com precisão quem inventou a escrita, mas sabe-se que esta foi criada com a intenção de imortalizar aquilo que era dito, inventado ou até mesmo ditado como regra. Fischer (1999) afirma que, através da escrita, o desenvolvimento social foi possível e, com ele, as mudanças sociais que possibilitaram à humanidade sair do estado de barbárie para a civilização, pois, graças à alfabetização, a interação entre os povos progrediu, conforme mostraremos nas próximas seções. 2.2 A ESCRITA SAGRADA DOS EGÍPCIOS Uma das primeiras civilizações a utilizar a escrita foi à egípcia. Usada desde 17 4000 a.C., a escrita egípcia, conhecida como hieroglífica ou escrita sagrada, pois, a princípio, foi destinada a inscrições nos templos e túmulos de faraós e sacerdotes, consistia no uso do recurso pictográfico ou ideográfico, que representava objetos concretos, ideias e até mesmo fonemas (sons que compõem palavras). Os hieróglifos eram, em sua maioria, gravados em pedras, que foram, durante muito tempo, o suporte das escritas monumentais. Já os hieróglifos lineares eram pintados com tinta em sarcófagos de madeira ou no papiro em um período posterior, fazendo com que a escrita obtivesse um traçado mais cursivo e simplificado. Usada principalmente por sacerdotes e escribas, por ser considerada sagrada, a escrita egípcia era gravada nos túmulos e templos, a fim de contar a história de um determinado faraó, que era considerado como um deus em sua cultura, e até mesmo dos outros deuses, pois o povo egípcio era politeísta. Mais tarde, a escrita egípcia também foi utilizada pelos escribas para ensinar e eternizar descobertas como as ciências matemáticas, filosóficas e médicas. Por somente ser utilizada por escribas e pessoas da alta sociedade, a escrita e a literatura egípcia eram consideradas símbolos de poder e soberania dessas classes sociais perante as demais que formavam o povo egípcio. Ainda em poder dos escribas, a escrita egípcia se tornou mais abreviada e simplificada, passando a ser gravada em papiro, uma espécie de planta cortada em lâminas longitudinais e transversais, que eram então coladas com a água do rio, formando assim folhas, sobre as quais traços eram feitos com uma haste de junco flexível. Como o papiro era um material sem muita resistência, seu uso foi abolido no século XI. Um dos mais antigos monumentos em que se registra a escrita egípcia, datado aproximadamente do terceiro milênio antes de Cristo, são as tabuletas de Narmer, o primeiro rei do Egito unificado. Essa época é considerada como a dinastia Tinita, pois a capital do reino ficava na cidade de Tinis. É também, nesse período, que surge o calendário de 365 dias. 2.3 OS REGISTROS DAS PRIMEIRAS LEIS E DAS RELAÇÕES DIPLOMÁTICAS DOS POVOS SUMÉRIO E PERSA O povo sumério-acadiano, apesar de se utilizar de tabuletas de argila fresca 18 cozidas em fogo, praticava uma escrita semipictográfica, em que quase é possível reconhecer os sinais utilizados para a representação. O processo para chegar à escrita que hoje conhecemos como cuneiforme foi gradual, sendo firmada em meados do terceiro milênio antes da era cristã, devido à necessidade de maior agilidade para traçar os sinais na argila, que antes eram profundamente desenhados para que ficassem nítidos após o processo de cozimento. Os documentos de maior importância foram datados da era do rei Hamurabi, por volta de 1700 a.C., considerada a idade do ouro da literatura acadiana e da escrita sumério-acadiana de estilo cuneiforme. Várias tabuletas com escritos se referem à vida social, religiosa e econômica, mas o principal documento da época é conhecido como o Código de Hamurabi, que foi gravado em um bloco de diorito. Uma de suas mais conhecidas inscrições é a Lei do Talião - olho por olho e dente por dente. O código, que era o pilar do reino da Babilônia, constitui o registro das mais antigas leis conhecidas pela humanidade. Nessa mesma época, a escrita acadiana adquiriu uma nova função: era usada na diplomacia internacional, pois existem documentos que confirmam a comunicação entre faraós e reis babilônicos já em caracteres cuneiformes, a fim de firmar acordos políticos entre os povos e estabelecer troca de mercadorias e iguarias. Após serem dominados pelo povo persa, os sumérios tiveram sua escrita transformada em um sistema silábico de aproximadamente 350 sinais, surgindo então o que poderia já ser considerado o primeiro sistema alfabético, que era, na época, sobretudo consonantal. 2.4 OS CHINESES E OS TEXTOS BUDISTAS Contemporâneos a todos esses povos, os chineses, por sua vez, também inventaram a sua própria forma de escrita. Sendo o único sistema em utilização até os dias de hoje, a escrita chinesa era composta de milhares de caracteres, e cada um destes tinha um significado, o que tornava custosa a aprendizagem. Sua criação é atribuída aos imperadores lendários do terceiro milênio antes de Cristo, porém os primeiros documentos conhecidos são datados do segundo 19 milênio. Os textos eram, inicialmente, gravados em ossos ou cascos de tartaruga e, posteriormente, em lâminas de bambu e seda crua. Foi também na China que surgiu pela primeira vez o papel, feito a partir de trapos de cânhamo e de linho e apresentado aos povos da Europa através dos árabes, durante a Alta Idade Média. A escrita chinesa tinha como função principal a transcrição de textos budistas, sendo assim mais uma vez utilizada a escrita como objeto de transmissão e eternização das crenças de um povo. 2.5 A CRIAÇÃO DO ALFABETO Higounet (2003) define o alfabeto como sinais que representam sons elementares da linguagem, por isso, com o alfabeto, a escrita passa a ser fonética, e não mais narrativa e pictográfica. Isso se deve à necessidade de rapidez e precisão na escrita e na leitura, sobretudo, quando os povos antigos realizavam operações comerciais. Contemporâneos, os fenícios e os cananeus de Ugarit traçaram, a partir da escrita cuneiforme, cada um o seu alfabeto. No século XVI a.C., os escribas de Ugarit usavam um alfabeto com aspectos cuneiformes, porém diferentes da escrita sumério-acádia. A única coisa em comum entre eles é que seus traços eram feitos com junco pontiagudo em tabuletas de argila. De desenho muito simples e com notações consonantais, usando somente alguns sons vocálicos, os escribas de Ugarit inovaram a escrita tradicional e reduziram seus caracteres aos 30 mais usuais (27 consoantes e 3 vogais). Os mais antigos documentos que referenciam essa escrita são os do túmulo do rei Ahiram, datados de 1000 a. C.. Influenciados por persas e egípcios, foram os fenícios que chegaram a um alfabeto mais simplificado, com apenas 22 símbolos, porém ainda predominantemente consonantais. Surgia, então, a possibilidade de escrever e ler qualquer palavra a partir do conhecimento de alguns poucos caracteres. Por isso, Becker (1980) afirma que foram os fenícios que ensinaram a humanidade a escrever. A leitura e a escrita foram simplificadas e adaptadas nesse período pela 20 necessidade imposta pelo cruzamento das civilizações, uma vez que tanto a cidade fenícia de Biblos quanto a cidade portuária de Ugarit eram pontos importantes de comércio na época, o que impulsionou a criação de uma escrita que se poderia difundir amplamente entre os povos, facilitando a sua comunicação. Aqui podemos observar que a escrita assumiu um papel unificador, ou seja, de efeito globalizante, já sendo considerado de grande valia seu aprendizado para manter boas relações comerciais e principalmente para organizar as finanças e as mercadorias que eram trazidas de todas as partes para a venda e distribuição entre os povos da região. Vale acrescentar ainda que, no século V a. C., as inscrições fenícias já aparecem traçadas em tinta sobre a argila e o papiro, o que as tornaram mais cursivas, delgadas e orientadas da esquerda para direita, conforme escrevemos nos dias de hoje. 2.6 A CONTRIBUIÇÃO GREGA O alfabeto grego é de grande importância, e, apesar de sua origem ser puramente fenícia, foram os gregos os primeiros a terem a ideia de acrescentar as vogais e não mais inferi-las foneticamente a partir das palavras construídas. No século IV, o alfabeto grego já era composto então por 24 letras, sendo elas consoantes e vogais, tornando o alfabeto grego o ancestral de todos os alfabetos europeus modernos. Quando em forma clássica, a escrita grega, ou jônica, era monumental e gravada em pedra. Mas, com o passar do tempo e com a criação de academias junto aos primeiros filósofos da humanidade, passou-se a usar tabuletas cobertas de cera nas quais se escrevia com uma espécie de estilete. Essas tabuletas eram feitas de ardósia e nelas era possível apagar o que estava lá escrito e, assim, reutilizá-las. No entanto, esses suportes foram substituídos a partir da descoberta do papiro. Alguns dos documentos mais antigos datando do quinto século antes de Cristo são os papiros de Elefantina, uma coleção de antigos manuscritos judaicos da época em que os judeus foram exilados da Babilônia. Apesar de os documentos judaicos serem normalmente encontrados em aramaico, os papiros de Elefantina foram escritos em caracteres gregos, evidenciando a interação entre os povos da época. Além disso, mais uma vez, observa-se o uso de manuscritos para 21 preservação da crença e cultura de um povo. A cultura grega veio atribuir novas funções à escrita e à leitura, agora utilizadas para propagar a vida intelectual e administrativa, transmitir histórias através das gerações, além de difundir e fortalecer as tradições. Também foi através da literatura grega que a escrita e a leitura foram transformadas em manifestações artísticas e ideológicas. Suas primeiras manifestações literárias são a Ilíada e a Odisseia, cuja autoria é atribuída ao poeta Homero. Considerados excelentes materiais históricos, esses dois poemas épicos refletem as tradições e os valores culturais contemporâneos a esse autor (acredita-se que os textos foram produzidos entre os séculos IX e VIII a. C.). Ambos os poemas apresentam estrutura semelhante (são epopeias), porém refletem duas temáticas diferentes: enquanto a Ilíada trata dos eventos da guerra de Troia e dos seus heróis, a Odisseia narra o retorno de um desses heróis, Ulisses (ou Odisseu), além de retratar cenas da vida cotidiana que sucedeu o período de guerra. Por suas temáticas, essas obras se tornaram base para a educação nas cidadesestados da antiga Grécia, pois serviam, sobretudo, ao ensino da ética e da conduta cívica. Assim, Homero exemplifica a ideia do autor como marca, pois suas obras foram e são reconhecidas tanto por seu nome quanto pela qualidade lírica com que registrou séculos de narrativas orais, fazendo desse poeta a personificação da cultura grega clássica. Como definida por Kotler (2011), a marca é um nome, termo, sinal ou símbolo ou até mesmo a combinação de todos esses itens, cujo propósito é identificar e destacar um bem ou serviço. Nesse caso, os bens seriam as duas obras, porém o nome associado a elas transcende o universo literário, representando e personificando a própria época em que foram escritas. 2.7 A SUBSTITUIÇÃO DO PAPIRO PELO PERGAMINHO Os primeiros livros foram escritos em papiro e armazenados em rolos conhecido como rotulus, o que nos remete aos rótulos de embalagens que hoje em dia envolvem todos os produtos que consumimos, dando-nos todas as informações necessárias à identificação do que iremos comprar. Para isso também serviam os rolos de manuscritos que eram produzidos pelos escribas: para registrar e transmitir 22 as informações sobre a história, as crenças, a arte das civilizações até então existentes, possibilitando o conhecimento e a identificação de diferentes culturas. Entretanto, no século I, na Ásia menor, já havia registros da existência de um outro suporte para a escrita: o pergaminho. Porém, foi somente no século IV que o pergaminho se tornou usual, e isso começou na cultura greco-romana. A substituição do papiro ocorreu, pois esse material era muito frágil e, com o tempo, se desgastava facilmente. Já o pergaminho era feito de couro de cordeiro, bode ou de veado novo, devidamente preparado, o que o tornava muito mais duradouro. Sendo assim, esse material tornou-se de uso exclusivo para a escrita desde o século IX até o século XIII. Nesse período, os escribas também descobriram um jeito de aproveitar o couro dos dois lados, e assim surgiu o códex, uma espécie de compilação de páginas fixadas por uma amarração. Essa invenção facilitou o armazenamento dos documentos, que antes eram feitos em rolos de papiro e de pergaminho, que ocupavam muito espaço. Além disso, quando faltava pergaminho, esse era reutilizado, pois se raspavam os escritos, que não se consideravam mais úteis, para se escrever novos textos. Os pergaminhos reaproveitados eram chamados de palimpsestos. 2.8 DOS COPISTAS ÀS IMPRESSÕES Entre os séculos VI e VIII, início da Idade Média, as condições econômicas e sociais no oriente e no ocidente sofreram mudanças. A ascensão dos povos bárbaros, acompanhada da decadência na administração do então Império Romano, somada à baixa produção de pergaminho, enquanto o papiro egípcio se tornava mais raro, provocaram a diminuição da produção de textos escritos. Somente quando se despertou a vida religiosa, isto é, quando houve a abertura de monastérios, foi que surgiu um campo novo para a atividade da escrita. Conforme relatos da época, com uma biblioteca em cada monastério, os monges adotaram o ofício de copistas, dedicando-se a produzir e reproduzir, além de luxuosos manuscritos, também livros e documentos considerados vulgares ou de uso corriqueiro. Na Alta Idade Média, o papel inventado na China, feito de trapos, cascas de árvores e fios de cânhamos, foi trazido por árabes até os países europeus, porém o 23 papel já havia sido inventado aproximadamente cem anos depois de Cristo. Assim, durante toda a Idade Média, que se estendeu do século V ao XV, época da criação das universidades e da abertura de monastérios e de suas bibliotecas, o trabalho de transcrição de informações era feito por copistas, sobretudo monges, cuja atividade era recopiar manuscritos, que seriam repassados e vendidos. Na época dos monges copistas, a Igreja Católica era soberana sobre as ciências e a educação, consequentemente exercia influência sobre todo o conhecimento, e se utilizava disso para exercer poder também sobre a população. Nesse período, o clero era a instância suprema do Estado. Porém, foi também nessa época que se iniciaram as correntes literárias do trovadorismo e do romance cavalheiresco, abordando temas não religiosos e mundanos. Foi somente no século XV, já na Idade Moderna, que a imprensa foi reinventada. Diz-se reinventada, pois, anteriormente, no século X, os chineses já tinham criado uma forma de imprensa. A tecnologia chinesa começou com a xilografia, que consistia em placas ou chapas de madeira com letras gravadas que eram molhadas em tintas. No ocidente, a xilografia também foi a antecessora da imprensa, que, uma vez descoberta pelos monges, era usada para recriar a imagem de santos e outras imagens sagradas, que eram, então, xilografadas em tapetes e outros acessórios utilizados na Igreja. A reinvenção da imprensa, com tipos móveis de metal, a princípio gravados e depois fundidos, foi um divisor de águas, pois assim nasceu a grafia mecânica. As primeiras tentativas de impressões tipográficas no ocidente ocorreram aproximadamente em 1440, na Holanda, mas foi Johannes Gutenberg, em 1450, na cidade de Mainz, que levou a invenção adiante e foi bem sucedido. Nessa época, tudo favorecia essa invenção e a sua propagação, pois havia papel em abundância, devido ao surgimento de fábricas para produzir esse novo recurso na Europa, de forma a torná-lo mais barato que o pergaminho. Além disso, também a tinta sofreu uma evolução com a invenção do pintor holandês Van Eyck, que criou uma solução em óleo de linhaça e nozes, que tornava as cores homogêneas e indeléveis. A primeira impressão de Gutenberg foi a Bíblia de 42 linhas, o que também impulsionou os movimentos da Reforma e Contrarreforma, pois o que fazia da imprensa uma invenção excepcional era o fato de que, a partir dela, o acesso às informações se tornou mais barato, de modo geral, quando comparado a um livro 24 manuscrito: a diferença, no ano de 1500, poderia chegar a 120 vezes o valor de um livro impresso, segundo Becker (1980). Aqui, então, temos a consolidação do livro como um produto, pois veio ao encontro da necessidade das pessoas de obter informações, ou seja, veio ao encontro de uma demanda e de um mercado consumidor (KOTLER, 2011), impulsionados por ideias renascentistas e humanistas (BECKER, 1980). A ideia de livros impressos circulou pela Europa e, em pouco tempo, Itália e França também começaram a publicar. Essa rápida adaptação não se deve somente aos livros, mas também aos jornais, revistas e cartazes. Com o advento da imprensa, puderam, então, ser publicados todos os autores clássicos, como também os do início da Idade Moderna, como Thomas More, Nicolau Maquiavel, Francis Bacon, William Shakespeare, Luís de Camões, cujos nomes passam a ser significar suas ideias e suas culturas (por exemplo, a criação e significação do termo maquiavélico e a data da morte de Camões, 10 de junho, celebrar, como feriado nacional, tanto o poeta quanto o dia de Portugal e das Comunidades Portuguesas), tornando-se, portanto, marcas que agregam valor às suas produções, haja vista a repercussão de descobertas de textos inéditos vários séculos após a morte de seus autores. Entre os clássicos, podemos citar Hipócrates, considerado o pai da medicina, Tales de Mileto, iniciador da matemática dedutiva, Pitágoras, que veio a substituir Tales, Sócrates e seu discípulo Platão, que foram seguidos por Aristóteles. Todos esses legaram obras e ensinamentos que repercutem até os dias de hoje, cujas ideias estão intrinsecamente associadas aos seus nomes (como o Juramento de Hipócrates, o Teorema de Pitágoras e a escola pitagórica, os princípios socráticos, platônicos e aristotélicos). Dessa forma, através da escrita e do livro, podemos, pois, entender a evolução das civilizações, suas influências e contribuições para o nosso tempo. Epstein (2002, p.12), no prefácio da obra O negócio do livro, resume toda a história desse objeto e, consequentemente, da atividade de escrita, que o originou, no seguinte parágrafo: Com o passar do tempo, os pictogramas, reduzidos aos seus fonemas – alfa, beta, e assim por diante – tornaram-se alfabetos, e uns quinhentos anos atrás essa poderosa tecnologia foi imensamente engrandecida pela invenção do tipo móvel, que em sua versão europeia trouxe à luz a Reforma, o Iluminismo, as revoluções científica e industrial e as sociedades daí resultantes: em outras palavras, o nosso mundo atual, com todas as 25 suas maravilhas e pesares. Os livros nos quais as histórias são guardadas para uso futuro agora podiam ser carregados aos confins do mundo e acabariam se transformando em mercadoria para os livreiros. A partir da imprensa, portanto, o livro passou a ser considerado como uma mercadoria, pela facilidade de compra e venda devido ao seu barateamento, abrindo caminho para a formação do mercado editorial. Porém, atualmente, vivemos uma nova fase de comercialização do livro, uma vez que novas tecnologias vêm sendo criadas, e o acesso a elas tem se difundido entre as civilizações atuais (apesar de esses recursos ainda não chegarem a toda a população mundial). Assim, o modo de produção de livros que se praticava nos últimos cinco séculos passa atualmente por mudanças, seguindo o fluxo dessa evolução, que ilustramos na figura a seguir. Figura 1 – A evolução da escrita e de seus usos: antecedentes do livro como produto Fonte: Dados da pesquisa. 2.9 O SURGIMENTO DA VERSÃO DIGITAL DO LIVRO Após cinco séculos da reinvenção da imprensa por Gutemberg, o livro, então, evolui para o formato eletrônico. Com os primeiros protótipos surgindo no final da 26 década de 1940, porém efetivamente desenvolvidos em 1970, os livros eletrônicos ou e-books podem ser lidos em vários formatos e também em diversos dispositivos como tablets, computadores e smartphones. Não é possível determinar com exatidão quem seria o criador do livro digital, porém um projeto precursor a ser considerado é o Index Thomisticus, um índice anotado dos trabalhos de Tomás de Aquino, teólogo e filósofo do século XIII, feito por Roberto Busa no final da década de 1940, um padre jesuíta italiano, pioneiro na utilização de computadores para análises linguísticas e literárias. Porém, esse dado não deve constar como fato para datar a invenção do e-book por se tratar apenas de uma aplicação de recursos computacionais à indexação e à identificação de palavras num conjunto de documentos. Mas, em 1971, a criação de acervos eletrônicos se inicia através do Project Gutenberg, um projeto voluntário para realizar a digitalização e a divulgação de arquivos culturais, que teve início com Michael S. Hart e a digitalização da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América. Assim, o Projeto Gutenberg é a mais antiga biblioteca digital existente. Vale ressaltar que o nome do projeto remete ao inventor da impressa com tipos móveis, retomando e reavivando o objetivo dessa invenção e os valores de sua época, que são a ampla difusão do conhecimento de modo que chegue ao alcance de todos e a liberdade de pensamento e de credo, quando tira da Igreja o domínio sobre a palavra escrita. Essas são ideias que constituem o livro como produto para além de um bem (enquanto texto escrito) e um serviço (registro e leitura para informar ou entreter), e que o e-book potencializa e promete potencializar cada vez mais. Além de tablets, computadores e smartphones, os livros digitais também podem ser utilizados em outros dispositivos de leitura, que são os e-Readers. Em relação ao e-book, os e-Readers, ou simplesmente leitores digitais, só foram inventados anos mais tarde. O primeiro no mercado foi o The Rocket eBook, lançado em 1998 pela empresa NuvoMedia, mas, em 1999, outros modelos também foram lançados como, o EveryBook Reader, lançado pela companhia EveryBook, e o Millennium eBook, lançado pela Librius. Todos esses dispositivos eram dedicados ao uso exclusivo para a leitura de livros digitais, mas não obtiveram sucesso devido à baixa disponibilidade de livros em formato digital e também à baixa operabilidade dos sistemas nos programas de leituras. Somente alguns anos mais tarde, a empresa norte-americana Amazon lançou o Kindle e conseguiu emplacar esse 27 produto, pois, além de vender o leitor, também disponibilizou um grande acervo de livros, que também eram vendidos pela empresa. Atualmente outros dispositivos para leitura já estão disponíveis no mercado, como o Sony Reader, o Cooler, o Nook e o Alpha. Assim, o livro digital proporcionou outras dimensões ao ato de ler, pois sua diferença em comparação aos livros publicados em papel não está somente na mídia utilizada, mas também na experiência de leitura, que se torna diferente, uma vez que o leitor não é apenas leitor e navegador, mas também editor e distribuidor (CHARTIER, 1998) devido à interatividade da leitura por hipertexto e da possibilidade de edição do texto para ser repassado a outros usuários, por exemplo. Consequentemente, a evolução do livro enquanto objeto também ocasiona a sua evolução enquanto produto, uma vez que “é algo que pode ser oferecido a um mercado para satisfazer a um desejo ou necessidade” (KOTLER, 2011, p. 383). Porém, para que seja colocado um produto no mercado, alguns fatores precisam ser considerados, como o benefício que tratará ao consumidor, além de atributos e condições que acrescentam valor ao bem a ser vendido. Esses fatores constituem os cinco níveis de um produto, que, de acordo com Kotler (2011, p. 383), correspondem “a uma hierarquia de valor para o consumidor”. Assim, conforme explica esse autor, no nível mais fundamental, está o benefício que o produto oferece (no caso do livro, suas funcionalidades primordiais são registrar ou documentar informações para posterior leitura, a se realizar a qualquer tempo, em qualquer lugar e por muitos). Já o segundo nível refere-se ao produto genérico, que apresenta os atributos básicos para atender às necessidades do cliente (um suporte prático para registro e leitura, como o do códex, que deu ao livro impresso o formato em que é produzido e comercializado até hoje). Com o passar dos anos, o livro se popularizou com a produção em massa, chegando, assim, ao terceiro nível, o do produto esperado, que tem as condições e os atributos mínimos esperados no ato da compra, pois já são oferecidos pela maioria dos concorrentes (um suporte leve, portátil e durável, que apresente um texto legível e completo). Após passar por esses três níveis, alcança-se o patamar do produto ampliado, cujas características superam as expectativas dos compradores, pois leva em consideração a experiência total do cliente ao usar o produto (além de informação, o livro pode ser produzido com materiais diversos, pode receber capas ou embalagens diferenciadas, pode ser comprado em livrarias físicas ou virtuais, com várias opções 28 de pagamento e entrega, pode receber críticas e avaliações por diversos canais de comunicação, tudo isso visando proporcionar uma experiência ampliada que traga satisfação à clientela). Como, segundo Kotler (2011, p. 384), “[...] os benefícios ampliados tornam-se, em breve, benefícios esperados”, a última etapa dessa evolução chega ao e-book como um produto que, além de ampliar os atributos do livro impresso, tem potencial para ampliar ainda mais a experiência de compra e uso do produto livro graças à constante inovação das tecnologias digitais, atendendo, assim, às demandas da sociedade globalizada, como as que dizem respeito a questões de interesse coletivo, das quais destacamos o uso consciente de recursos naturais e a democratização da informação, tornando possível o acesso à cultura a preços baixos ou gratuitamente. Isso o caracteriza como um produto potencial, que está no último nível de oferta, pois: [...] envolve todas as ampliações e transformações que este produto deve sofrer no futuro. Considerando que o produto ampliado descreve o que está incluído no produto, o produto potencial aponta para sua possível evolução. É neste nível que as empresas buscam agressivamente por novas maneiras de satisfazer aos consumidores e distinguir suas ofertas (KOTLER, 2011, p. 384). Conforme afirma Procópio (2010), que é membro da Comissão do Livro Digital organizada pela Câmara Brasileira do Livro, “[...] o livro em papel ainda se mantém na preferência do leitor médio, seja pela familiaridade, pela comodidade e também pelo custo” (p. 39). No entanto, o livro evoluiu: de manuscrito para impresso e, mais recentemente, para eletrônico. Da mesma forma, como mostraremos no próximo capítulo, o marketing evolui e, com ele, seus conceitos, que, por isso, devem ser tão dinâmicos quanto o mercado. Portanto, devemos ter em mente que a evolução do produto é e deve ser contínua, não só tornando esperado o produto ampliado, mas também tornando ampliado o produto potencial, como acontece hoje com o e-book, uma tecnologia desenvolvida para a distribuição de livros que traz em si um horizonte de possibilidades ao texto a fim de transformar a experiência de leitura e troca de conhecimentos (como recursos audiovisuais e hipertextos, por exemplo). Para ilustrar essa evolução, temos, a seguir, uma adaptação ao livro da definição dos cinco níveis do produto proposta por Kotler (2011, p. 383): 29 Figura 2 – Os cinco níveis de um produto aplicados ao livro Fonte: Adaptado de Kotler (2011, p. 383). 30 3 A HISTÓRIA E A EVOLUÇÃO DO MERCADO EDITORIAL A comercialização do conhecimento sempre existiu, mesmo quando os registros eram realizados em pedras ou em peles de animais. Quando as transações comerciais, as leis e os costumes dos povos passaram a ser registrados, a palavra escrita passou a ser utilizada como moeda de troca para garantir acordos e benefícios. Nos dias de hoje, a escrita e os livros são utilizados para disseminação de conhecimento de todo tipo (arte, história, filosofia, tecnologias etc.). Por isso, mais do que a comercialização do livro, o mercado editorial é a comercialização do conhecimento. Neste capítulo, apresenta-se a evolução do mercado editorial, a fim de identificar o momento em que o livro se tornou um negócio, assim como os motivos que impulsionaram o comércio do conhecimento. Também se buscou verificar por que esse comportamento mercantil tornou o sistema de conhecimento mais aberto, mas não o tornou público. 3.1 A HISTÓRIA DA COMERCIALIZAÇÃO DO LIVRO No Renascimento, o conhecimento e, consequentemente, os livros se tornaram mercadorias de fato, pois temos então os primeiros vestígios do capitalismo afetando a superestrutura cultural que se construiu ao longo de todas as eras passadas. Os textos, que até a Idade Média ficavam depositados em alguns poucos estabelecimentos, como universidades, templos ou monastérios, passam a ser propriedade dos indivíduos, que, por sua vez, começam a se preocupar com as falsificações, os plágios e a pirataria, que já surgem nessa época, como uma forma paralela de venda dos livros, devido à crescente demanda por esse produto. O comércio e a indústria do livro vêm de uma cultura mercantil desde os primórdios da Idade Média, visto que as rotas de comércio dependiam de informações contidas em manuscritos. Assim, a compra e a venda desses itens representavam um negócio de grande valor, principalmente para quem tinha interesse em conhecimentos de geografia e navegação. Por conseguinte, a aquisição de conhecimento por razões comerciais se 31 tornou mais intensa após a reinvenção da imprensa, e a própria impressão de livros se tornou um negócio que impulsionava aqueles que tinham interesse nas rotas de comércio a financiar impressores. Desse modo, a atividade de impressão encorajava a comercialização de todos os tipos de conhecimento. Com essa ajuda, o mercado se tornou mais competitivo com a publicação de obras diferentes sobre o mesmo assunto, uma vez que os impressores sempre produziam novas edições de textos clássicos, traduções e obras de referência. Isso trouxe a concorrência para esse mercado, pois havia disputas a respeito de qual versão oferecia mais informações ou outros itens de interesse para os leitores, como um sumário ou um índice mais detalhado. Esse mercado se firmou, sobretudo, pela a grande procura por atlas e enciclopédias, que sempre precisam passar por revisões e atualizações para se obter versões mais amplas e detalhadas (BURKE, 2003). Outros fatores que impulsionavam o mercado editorial durante o Renascimento foram a revolução ideológica e o comprometimento que havia entre os intelectuais e os impressores. Alguns desses movimentos são o Humanismo e a Reforma Protestante, cujas ideias, posteriormente, seriam retomadas pelo Iluminismo dos séculos XVII e XVIII. Soma-se a isso a prática dos mercenários, que, durante as guerras religiosas, obtinham lucro com impressões ilegais. A imprensa também trouxe consigo a oportunidade de anunciar a oferta de bens e serviços. Essa prática começou a se desenvolver no século XVII (BURKE, 2003), quando as gazetas holandesas e os jornais britânicos já anunciavam livros e serviços de tutores particulares. Além disso, livros e revistas anunciavam outras obras do mesmo impressor em suas páginas iniciais ou finais. Também, nessa época, havia catálogos de livros, publicando semanalmente ofertas e preços. Para proporcionar uma maior visibilidade aos catálogos e também tornar títulos internacionalmente conhecidos, eram realizadas feiras de livros, que traziam tanto os clássicos quanto as publicações recentes. Por fim, a imprensa também fez evoluir a forma como o livro era comercializado, fazendo surgir outras ocupações, como organizadores e revisores, que tinham a função de ajudar os impressores, que viriam a se tornar também editores. 32 3.2 OS CENTROS EDITORIAIS DO SÉCULO XV AO XVIII Segundo Burke (2003), o lugar onde mais se realizavam impressões de livros no século XV era na cidade de Veneza, na Itália. Suas impressões chegaram a 4500 títulos e cerca de dois milhões de cópias. A disputa nesse mercado se tornava cada vez mais acirrada, e com isso cresciam o número de chamados escritores espiões, que tinham o objetivo de verificar o que estava sendo impresso para plagiar. Por isso, um dos primeiros casos envolvendo direitos autorais ocorreu nessa época. No século seguinte, outro grande destaque do mercado de impressões foi a cidade de Amsterdã, na república Holandesa, que veio substituir Veneza, por ser um lugar onde imperava a tolerância religiosa. O principal motivo para o crescimento de Amsterdã nesse meio foram as suas exportações baseadas em traduções em diversas línguas, como latim, francês, inglês, alemão, russo, iídiche, armênio e georgiano. Assim, além de serem mais baratas, as impressões holandesas tinham a vantagem de atender às minorias étnicas com textos traduzidos para seus idiomas. No final do século XVIII, surgia outra grande potência editorial, a GrãBretanha, que utilizava a expressão “the grade” para caracterizar o negócio do livro. Escrever, nessa época, era comparado a qualquer outro trabalho, pois era possível viver somente da escrita e de suas vendas, não dependendo de patrocinadores, porém isso não significava que todo escritor seria bem sucedido, uma vez que existiam também aqueles que viviam na pobreza. No oriente, também surgiram sinais da explosão do mercado editorial, com o aumento do número de gráficas e livrarias. Todavia, no Japão, os motivos para o aumento da comercialização de livros foram outros. Burke (2003) descreve que o aparecimento de uma nova modalidade de leitura, da qual resultavam livros chamados de Kana-Kosh, termo utilizado para definir “livros para consumo”, potencializou as vendas. Esses livros continham o mais variado tipo de informações, como conselhos e até mesmo romances. Também se utilizavam de tipos silábicos mais simples, tornando suas publicações mais baratas a fim de alcançar mais leitores. Outra potência oriental era a China, que seguia a mesma tendência de comercialização do conhecimento e da cultura que a Europa empregava na época. Na China, livros, almanaques e pequenas enciclopédias eram vendidos em abundância, a preços acessíveis à sua população de mais de 100 milhões de 33 pessoas compartilhando o mesmo idioma. Com o aquecimento do lucro potencial das impressões, tornou-se cada vez mais necessário proteger a propriedade literária, e uma das primeiras leis aprovadas para esse fim foi a Lei inglesa do Direito Autoral de 1709, que tinha o intuito de revolver o problema da apropriação do conhecimento privado ou público sem consentimento prévio. Após essa iniciativa, outras leis foram criadas, como a lei do direito autoral do gravador em 1735. Seguindo os exemplos dos ingleses, foram criadas leis parecidas na França entre 1971 e 1973. Mas, apesar de todas essas tentativas, os plágios continuavam assim como a competição ilegal ou pirataria. A comercialização de livros trouxe também visibilidade para o que chamamos de comércio do lazer e consumo de cultura, pois foi através do mercado editorial que peças de teatro, óperas e exposições de pinturas se tornaram mais populares, uma vez que se difundiam através das propagandas inseridas em livros e revistas publicados. Diante do que foi apresentado nesta seção, pode-se afirmar que, embora o comércio de informações e conhecimento não fosse algo novo mesmo antes do século XV, o que tornou essa parte da história tão significante foi o fato de a reinvenção da impressa ter tornado essa atividade um grande negócio de repercussões mundiais. 3.3 A EVOLUÇÃO DO MERCADO EDITORIAL A indústria do livro só passou a existir efetivamente após a invenção de Gutenberg, pois o barateamento ocasionado pela produção em massa gerou mais consumo, ainda que não em larga escala, pois a maior parte da população naquela época não era alfabetizada. Por outro lado, será essa indústria que incentivará políticas de ensino a fim de ampliar seu mercado consumidor enquanto os Estados nacionais se formam em torno da uniformização linguística. Assim, o mercado se manteve crescente durante os séculos seguintes, principalmente, graças às evoluções e revoluções que o acompanhavam, como o Renascimento, o descobrimento da América, as novas filosofias, a formação do sistema capitalista moderno, a expansão comercial marítima, a Reforma, a Contrarreforma, o Absolutismo, a Revolução Francesa, a Revolução Industrial, o 34 surgimento do Socialismo, as guerras de independência pelo mundo, as novas ciências, as novas artes entre outros fatores que contribuíram para a disseminação e eternização do conhecimento humano pelo livro. No entanto, apesar de tantas transformações sociais, não são identificadas mudanças significativas no mercado editorial durante esse período de aproximadamente 500 anos de história, o que sinaliza uma tendência conservadora. Porém, a partir do século XX, esse cenário começa a se transformar. A década de 1920 foi considerada a era dourada no ramo editorial (EPSTEIN, 2002), principalmente no mercado americano que já era dominante como em muitas outras áreas. Essa época foi marcada pela grande variedade de escritores que enriqueciam o ramo editorial e geravam grande crescimento de demanda. Já a década de 1930 foi marcada pela grande depressão, quando os livros eram vendidos em consignação para as lojas, podendo retornar para suas respectivas editoras. As indústrias de livros mantiveram seu pequeno porte entre os anos de 1920 e 1950, com um trabalho muito artesanal e conservador, pois as livrarias eram consideradas grandes santuários onde era possível ter contato com o escritor e absorver sua sabedoria. Essas lojas se localizavam sempre em lugares nobres e áreas centrais. Eram imponentes e tinham grandes acervos abrangendo tanto obras clássicas quanto tudo que era novidade no mercado. Porém, o período das grandes e suntuosas livrarias chegou ao fim durante a década de 1960, fazendo-as migrar para os subúrbios e para os shoppings, o que vem a alterar radicalmente o mercado varejista, pois, em sua grande maioria, os estabelecimentos eram alugados e dependiam de um alto giro de estoque para que pudessem se manter em funcionamento. Era, então, preciso um alto volume de livros escritos por autores que já eram reconhecidos pelo mercado como marca para garantir as vendas, pois esses já contavam com uma legião de fiéis leitores consumidores. Assim, com o passar dos séculos, o mercado editorial foi sofrendo grandes perdas, principalmente para os autores iniciantes, pois as editoras começaram a se tornar mais cautelosas quanto a novos projetos, preferindo manter seus investimentos nos autores dos chamados best sellers, que já tinham um público cativo, conseguindo, por isso, se manter no mercado. Enquanto esses autores só dependiam das editoras para imprimir e distribuir os livros, as editoras começam a depender desses autores de fórmulas arrebatadoras para não abandonar o negócio. Somente na década de 1990, surgiram inovações que anunciavam uma alternativa 35 para a inserção de novos autores no mercado. Graças às livrarias e aos livreiros online, surge, então, uma nova forma de distribuição de livros, descentralizando o mercado e expandindo a comercialização para lugares mais remotos. Esse reposicionamento das vendas só foi possível graças à prática do que Epstein (2002) chama de marketing de livros, que propõe, entre outras coisas, a oferta de livros de autores famosos por valores irrisórios. E tal proposta se mostrou uma estratégia de grande sucesso na época. Essa nova maneira de as livrarias venderem e promoverem os livros por meio eletrônico abriu espaço para o surgimento de uma cultura de lançamento de novos autores por meio da utilização do e-book como uma releitura das práticas tradicionais do mercado editorial, que assim se renova investindo em inovação. 3.4 O MERCADO EDITORIAL BRASILEIRO Quando em 1940 foi criada a Associação Profissional das Empresas Editoras de Livros e Publicações Culturais (que, desde 1959, denomina-se Sindicato Nacional dos Editores de Livro – SNEL), o mercado editorial brasileiro passava por dificuldades, pois houve uma alta no preço do papel por causa dos acontecimentos envolvendo a Segunda Guerra Mundial. Isso só viria a se resolver mais tarde, em 1950, com a vitória da associação conquistando o direito de isenção de imposto na importação dessa matéria-prima e a criação de uma tarifa especial para a remessa postal. Em 1960, a indústria editorial estabelece um acordo com o governo, o Ministério da Educação (MEC) e a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) para a distribuição de livros didáticos. Esse acordo político, também firmado para instituição de benefícios tributários que, a princípio, tinham o prazo limite de três anos, tornar-se-ia o embrião do que viria a ser o atual Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), como financiamento de publicações garantido por verbas públicas. Com esse incremento do governo, o mercado editorial brasileiro se expandiu e ganhou notoriedade no exterior na década de 1970, o que trouxe empresas estrangeiras para o território nacional. Porém, era também notório que não havia espaço para todas essas empresas, pois essa é a mesma época em que havia a repressão política que abafou a impressa, ocasionando a prisão de editores que lutavam contra a censura e a apreensão na distribuição dos livros no Brasil. 36 Já a década de 1980 é marcada pela presidência de uma mulher no sindicato da categoria, que, à frente do SNEL, criou a primeira feira internacional do livro, que mais tarde passou a ser conhecia como Bienal do Livro, um dos principais eventos culturais do país. Ainda nessa década, ocorreram alterações nas leis dos direitos autorais, mas, por causa do preço do papel, livreiros e livrarias passaram a estocar menos, o que foi combatido com a manutenção dos benefícios tributários e a maior atenção ao combate à pirataria. Nos anos 1990, editor e autor, como toda a população brasileira, conviviam com a inflação, que não lhes favorecia nesse mercado. No entanto, quando esse problema foi superado quase no final da década, a indústria do livro foi alavancada com projetos de modernização e funcionalização de um relacionamento com toda a cadeia produtiva, formada pelo governo, autores, editores e consumidores. Porém, durante todos esses anos, o mercado não sofreu nenhuma evolução significativa: trabalhava-se sempre da mesma forma. Por isso, de acordo com Gilberto Mariot, que escreveu a apresentação para o livro de Procópio (2010, p. 13), o mercado editorial brasileiro é considerado muito conservador, pois seus empresários têm receio de fazer novos investimentos, e o meio de se fazer capital nesse mercado ainda é pela versão impressa dos livros. No que diz respeito ao e-book, como já visto em capítulos anteriores, esse surge oficialmente em 1971, mas só começou a ter algum espaço no Brasil em 1999, com a criação do eBooksBrasil.org, pela empresa iEditora. Apesar de a biblioteca virtual do estudante brasileiro ter sido criada pela Universidade de São Paulo em 1996 (PROCÓPIO, 2010, p.17), somente em 2000 apareceria o ícone e-book no menu de lojas virtuais como Nobel e Livraria Cultura. Mas o assunto só tem ganhado lugar como pauta de discussão a partir de 2010, quando se realizou o I Congresso Internacional do Livro Digital no Brasil. 3.5 E-BOOK: UMA NOVA VERSÃO DO LIVRO PARA O NOVO MARKETING Assim como o livro, o marketing evolui conforme os anos passam, e os objetivos a serem alcançados através de suas ferramentas também vão se modificando. Inicialmente, o marketing surgiu com o objetivo de alavancar um produto ou serviço, por isso, em sua primeira fase, tinha por função promover um 37 bem de consumo ou um trabalho, mostrando como eram necessários à vida dos consumidores. Porém, conforme evoluía, mudou seu foco para priorizar o consumidor de modo a conhecer suas necessidades para depois satisfazê-las pelo aprimoramento do produto ou serviço. Atualmente, o marketing encontra-se em uma nova fase, voltada para os valores pessoais e coletivos, valores esses que devem ser compartilhados pelas empresas. Ao invés de tratar as pessoas como simples consumidores, devem tratálas como seres humanos plenos, que possuem mente, coração e espírito (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 4). Para que isso aconteça, esse relacionamento deve ir além da verticalidade da relação empresa-cliente, para priorizar a horizontalidade do marketing feito pelas mídias expressivas de cliente para cliente, que aproxima todas as partes envolvidas, gerando um feedback mais efetivo (KOTLER, 2010, p. 9). Essa nova concepção de marketing se apresenta sob a denominação de marketing 3.0. Segundo Kotler, Kartajaya e Setiawan (2010), essa ideia surgiu na Ásia, em novembro de 2005, mais especificamente em uma empresa de consultoria de marketing chamada MarkPlus. Seu conceito se define pela busca da “centralidade humana”, ou seja, pretende reformular a noção de que a empresa funciona como um elemento isolado, propondo, em seu lugar, a ideia de que a organização deve operar com uma rede leal de parceiros, que compartilham os princípios que norteiam sua missão, visão e valores. Philip Kotler e Hermawan Kartajaya se juntaram a Iwan Setiawan – todos autores do livro Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano –, a fim de aperfeiçoar o conceito e aumentar o seu alcance, uma vez que é relativamente novo. Incentivado pelas novas tecnologias, o marketing 3.0 tem, em teoria, o objetivo de fazer do mundo um lugar melhor por meio da construção de valores que representem a responsabilidade corporativa no seio da vida social. Por meio desse novo conceito de marketing, pode-se destacar os produtos que valorizam o ser humano, ou seja, que têm potencial para satisfazer o indivíduo em sua plenitude - coração, mente e espírito. Conforme descrito por Kotler, Kartajaya e Setiawan (2010, p. 4): Cada vez mais, os consumidores, estão em busca de soluções para satisfazer seu anseio de transformar o mundo globalizado em um mundo melhor. Em um mundo confuso, eles buscam empresas que abordem suas 38 mais profundas necessidades de justiça social, econômica e ambiental em sua missão, visão e valores. Buscam não apenas satisfação funcional e emocional, mas também satisfação espiritual, nos produtos e serviços que escolhem. Em meio a essa nova tendência conceitual, pode-se, então, observar como editoras e autores iniciantes começam a (re)pensar o modo como apresentar seus nomes e produtos de forma a incorporar novos valores ou a renovar a tradição como uma estratégia de diferenciação, visando ao reconhecimento e/ou crescimento, uma vez que, assim, podem conquistar e fidelizar consumidores profundamente identificados aos livros que consomem. A partir dessa nova forma de conceber a relação com os consumidores, a tecnologia também nos permite uma conectividade e interatividade mais ativa. Kotler, Kartajaya e Setiawan (2010) destacam os computadores e smartphones com preços acessíveis e a internet de baixo custo como tecnologias que permitem aos indivíduos ter maior liberdade de comunicação e de colaboração entre si. Mas o que realmente impulsiona a interação entre as pessoas são tanto os suportes, mas principalmente os aplicativos e as mídias expressivas, como Blogs, páginas de redes sociais como Twitter e Facebook, e sites de compartilhamento de vídeos e fotos como YouTube e Instagram. Esses mecanismos influenciam os indivíduos, que, por sua vez, influenciam os demais, e, a partir dessa rede de influência, pode-se moldar o comportamento de consumidores e persuadi-los a contribuir para o crescimento das vendas e para a divulgação de produtos. Nesse sentido, a seguir, apresenta-se uma representação gráfica da interação entre os objetivos do novo marketing e as características do livro digital como produto. 39 Figura 3 – O e-book e o marketing 3.0 Fonte: Dados da pesquisa. 40 4 A PROPRIEDADE INTELECTUAL: O AUTOR COMO MARCA Neste capítulo, serão apresentados os conceitos de propriedade privada e marca, a fim de mostrar como o nome do autor se relaciona com a questão da marca nominal. 4.1 A CRIATIVIDADE PRIVADA O sentido da palavra propriedade remete ao direito real que uma pessoa tem sobre algo, e isso define essa pessoa como proprietária. Ter plenos poderes sobre algo garante o direito de uso exclusivo. Como exemplo, pode-se citar um proprietário de um apartamento, que tem interesse no uso exclusivo do imóvel porque pode não querer que pessoas estranhas entrem e morem na sua residência. Quanto à propriedade intelectual, apesar de também garantir direitos aos autores de uma obra científica, tecnológica ou artística, esses enquanto proprietários têm interesse que as pessoas conheçam, invistam e se apropriem daquilo que criaram. Por isso, a propriedade intelectual tem um caráter social e econômico: social enquanto concede poder ao proprietário para consentir a distribuição de suas criações, ou seja, diz respeito ao seu valor de uso; e econômico, pois permite ao proprietário comercializar o material criado, impulsionando assim um mercado em torno dessas obras, o que chamamos de valor de troca. Em Economia, o valor de troca é estabelecido pela escassez, ou seja, quanto mais raro o objeto, melhor é condição para estipular o seu valor. Por isso, a propriedade intelectual prevê poderes de utilização, publicação e reprodução das obras: sendo essas de uso exclusivo de seu proprietário e criador, seus rendimentos vão para quem as criou. Mas o que é propriedade intelectual? De acordo com Sherwood (1992, p.21), a propriedade intelectual é o conjunto de ideias, invenções ou produções criativas somadas ao desejo de dar a essas produções o status de propriedade, tornando-as criatividade privada. Atribuir o status de propriedade a algo que se inventou é uma noção muito antiga. Antes mesmo da Idade Média, os ceramistas colocavam marcas em suas 41 obras para que pudessem se diferenciar das demais, além disso, os detalhes do ofício eram passados de geração para geração, a fim de evitar imitações. Já o reconhecimento de autoria para um texto escrito foi primeiramente instituído após a imprensa ter sido reinventada por Gutenberg, pois, como já mencionado anteriormente, devido à facilidade de reprodução gerada pela produção em massa, começaram a se desenvolver as práticas do plágio e da pirataria. Como lei, a propriedade privada garante o direito do criador de receber, por determinado período de tempo, recompensa por sua criação. Segundo definição da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), a propriedade intelectual está divida em categorias, sendo elas a propriedade industrial, os direitos autorais, os cultivares e os programas de computadores, e dentro de cada uma dessas categorias, há subcategorias de propriedades. Porém, é dentro da propriedade industrial que se encontra o conceito que mais interessa a este estudo, que é o conceito de marca, sobre o qual dissertará a próxima seção. Mas para sintetizar a ideia de criatividade privada descrita neste item, na imagem a seguir, apresenta-se um modelo de proteção intelectual categorizado. 42 Figura 4 – A relação decrescente da criatividade privada Fonte: Dados da pesquisa. 4.2 ORIGEM E FUNÇÕES DA MARCA Desde a Antiguidade, os mercadores utilizavam várias técnicas para promover seus produtos. Entre havia as marcas, que tinham a função de informar a origem e a procedência da mercadoria. Por isso, muitas vezes vinham com um selo ou um sinal distintivo para sua identificação. Na Grécia, a chegada de mercadorias em navios era anunciada em alta voz pela cidade. Em Roma, cartazes eram distribuídos, mas, como a maioria da população era analfabeta, pintavam-se figuras que tinham relação com o estabelecimento para se identificar os produtos e serviços oferecidos (por exemplo, usar a imagem de uma vaca para indicar a venda de laticínios). Já na Idade Média, a marca era responsável pelo controle de quantidade e qualidade da produção, 43 certificando a garantia, ou seja, os consumidores poderiam reclamar caso o produto não estivesse nas condições adequadas. Nessa mesma época, em países como a França, Alemanha e Inglaterra, as marcas garantiam o monopólio e a identificação de falsificações. Somente no século XI as marcas ganharam um propósito mais comercial, pois já havia então a divisão de mercado e trabalho. Finalmente, no século XVI, a marca já era considerada um patrimônio, o que fez surgir as primeiras leis de proteção. Com o início da era industrial e o advento da produção em larga escala, a marca assume o papel de identificar os estabelecimentos da indústria e do comércio, a fim de promover seus produtos e distingui-los dos demais. Como novos mercados precisavam ser conquistados, surgiram os primeiros cartazes publicitários e os catálogos de compra, em que figuravam as marcas já relacionadas aos produtos. Assim, as marcas se tornaram símbolos de distinção com o propósito de chamar a atenção do consumidor e estabelecer a diferenciação entre os produtos. Segundo os princípios do Marketing, a marca se tornou a certificação que atribui conformidade a um produto ou serviço, atribuindo a esse uma personalidade. Ela identifica o vendedor ou fabricante e garante a eles o seu uso exclusivo. Também significa a promessa de um conjunto de características, benefícios e serviços aos compradores, além de possuir um valor patrimonial que é agregado àquilo que é marcado por ela. Segundo Kotler (2011, p. 393), a marca pode ser estabelecida como “um nome, termo, sinal, símbolo ou combinação dos mesmos, que tem o propósito de identificar bens ou serviços de um vendedor, ou grupo de vendedores, e de diferenciá-los de concorrentes”. Portanto, a marca é muito mais que um conceito estabelecido, ela representa o respeito e afeto que o consumidor possui por aquele fabricante, vendedor ou criador do serviço. Ela incorpora um conjunto de valores, tangíveis e intangíveis, que contribuem para diferenciá-la de similares. Por isso, precisa ser administrada cuidadosamente para não ter efeitos reversos no meio em que está inserida. Nos dias atuais, a marca possui uma força simbólica tão poderosa que praticamente tudo está relacionado a ela, até mesmo os produtos agrícolas possuem selos que trazem consigo um nome que tem as referências e as procedências do fabricante e vendedor. Mas como isso se aplica ao mercado editorial? É o que explicaremos a seguir. 44 4.3 O NOME DO AUTOR COMO CERTIFICADO DE CONFORMIDADE Nome civil, assinatura, nome de família, pseudônimo, apelidos, nomes artísticos, todos com o consentimento do titular podem ser utilizados como marca. E como marca, a autoria é um nome protegido por lei “que garante direitos exclusivos de o proprietário perpetuar o seu uso” (KOTLER, 2011, p.393), pois mesmo após a obra ser considerada de domínio público, os Direitos Autorais garantem o direito moral à propriedade intelectual, exigindo que a fonte sempre seja reconhecida. Assim, na literatura, o proprietário vitalício de uma marca, ou seja, aquele que detém os direitos patrimoniais da autoria em domínio público é o público, inclusive editoras que continuam publicando e vendendo obras clássicas. Por isso, mesmo após a disponibilização gratuita do acervo de Machado de Assis em plataformas eletrônicas, existem editoras que continuam a publicar e vender as obras desse autor, pois seu nome ainda tem forte apelo comercial como marca associada à cultura brasileira. A marca que é reconhecível, pronunciável, sem desenhos, cores ou formatos para representá-la é chamada de marca nominal. As marcas nominais de acordo com Pinho (1996, p. 15) têm funções específicas, sendo estas: concorrer, identificar, individualizar, revelar, diferenciar e publicitar. Para nomes de escritores, podem-se destacar as funções de identificar, revelar e promover. A função identificadora da marca nominal se aplica aos autores, pois, quando esses assinam seu nome em um texto, acabam por associar intrinsecamente um ao outro, criando uma individualidade. A marca é que revela a existência do produto ao consumidor, e a função de revelação se manifesta quando o consumidor compra um produto novo porque conhece a marca que o assinala. Com o livro não é diferente, pois esse é mais reconhecido pelo nome de quem o escreveu do que pelo seu título, até porque pode haver títulos iguais para autores diferentes. Já a publicidade tem a função de promover e trazer visibilidade ao nome que está associado a determinado produto, e isso faz com que a mercadoria deixe de ser anônima. Epstein (2002, p.33) corrobora essa ideia quando afirma que o autor, com o tempo, adquire o status de marca, fazendo um comparativo entre os autores de best sellers e a independência que esses têm em relação às editoras, pois só precisam delas para imprimir e distribuir seus livros, uma vez que a divulgação fica por conta 45 do nome que encabeça a capa do livro. Isso é tão notório que, também em seu relato, esse autor informa que os escritores que já são marcas, com o auxílio de seus agentes, podem se transformar em seus próprios editores, retendo todos os proventos de seu trabalho. Já as editoras, para conservarem tais contratos, renunciam a parte de seus lucros ou até pagam garantias de royalties bem maiores do que podem recuperar nas vendas, diante do poder dos grandes autores no mercado editorial. Com relação ao consumidor, para que o autor possa se transformar em uma marca, é necessário que os leitores lhe sejam fiéis e tenham orgulho de se devotar a ela, pois o que categoriza o autor como marca, é o poder de comercialização que o seu nome dá a cada novo livro escrito. Por isso, a autoria, como propriedade intelectual, tem um valor simbólico e funcional, com efeitos comunicativos e mercadológicos, quando analisada do ponto de vista do Marketing. Portanto, o nome do autor não é necessariamente inventado como uma marca, mas, uma vez que a criação literária é associada às noções de propriedade e proprietário, o produto livro torna-se indissociável da marca autor, como mostram os exemplos da figura 5, em que os nomes dos autores se destacam mais que os títulos das obras. Uma marca é um símbolo complexo e completo, que pode agregar atributos, benefícios, valores, cultura e personalidade para cativar o cliente. Quando se trata de atributos, a marca tem o poder de atingir seu consumidor promovendo qualidades. No caso do autor como marca, os atributos seriam erudição, imaginação, tradição ou inovação. Já os benefícios são os efeitos funcionais e/ou emocionais dos atributos, como o conhecimento e/ou o entretenimento. A marca também pode estabelecer e transparecer valores, valores esses que atingem o consumidor diretamente e o influenciam na hora da compra. Para o autor enquanto marca, podem ser associados, por exemplo, valores como o gosto pela leitura ou à democratização da informação. Cada marca também pode representar uma cultura (de um país ou de um grupo, por exemplo) e pode refletir uma personalidade (ser ou objeto que representa a cultura da marca) (KOTLER, 2011, p. 394). No que diz respeito à marca-autor, a cultura e a personalidade estão condicionadas ao perfil do usuário do produto livro. Assim, o usuário da marca caracteriza-se, basicamente, como uma pessoa alfabetizada, porém outras características podem identificadas dependendo do gênero e do estilo literários praticados pelo autor. ser 46 Figura 5 – O destaque da marca-autor em capas de livros 1 Fonte: Adaptada de várias fontes . Muitos dos autores citados na imagem acima vendem as suas fórmulas prontas e, por isso, já possuem leitores fiéis. Isso confirma à associação do nome do autor ao conceito de marca para o Marketing, uma vez que corresponde aos seis níveis de significado apontados por Kotler (2011, p.394), já descritos no texto e representados na figura a seguir. 1 http://desmanipulador.blogspot.com.br/2012/07/stephen-king-biografia.html; http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=80198; http://www.openpage.com.br/2011/03/resenha-classica-dom casmurro; http://images.livrariasaraiva.com.br/imagem/imagem.dll?A=&PIM;_Id=&L=190&pro_id=2638532; http://www.submarino.com.br/produto/112019187/kit-livros-o-melhor-de-john-grisham-3-volumes; http://upload.wikimedia.org/wikipedia/pt/thumb/e/e6/OAlquimista.gif/200px-OAlquimista.gif. 47 Figura 6 – Os níveis de significado da marca-autor Fonte: Dados da pesquisa. Portanto, a noção de marca ultrapassa a definição jurídica, e, além disso, a própria ideia de domínio público vem ao encontrou das novas práticas do marketing 3.0, visto que, de acordo com a legislação autoral brasileira (Lei 9.610/98), a regra geral para que as obras entrem para o domínio público é de 70 anos após a morte do seu autor. Mas esse acontecimento só estende os direitos de exploração patrimonial de uma obra a qualquer pessoa, além de incentivar a democratização da informação e a produção do conhecimento por todos e para todos. 48 Tabela 1 – Síntese dos atributos do autor como marca Marca Autor Nome, termo, sinal, símbolo, ou combinação dos mesmos, que tem o propósito de identificar bens ou serviços diferenciando-os dos concorrentes. Neste caso, o próprio nome ou pseudônimo que o autor atribui como assinatura de sua obra é a sua marca, pois a partir do momento que este é reconhecido por aquilo que escreve e emprega a sua personalidade nisto, e por isso conquista seus consumidores, sem precisar da ajuda de quaisquer outros recursos, seu nome se garante como atestado de conformidade daquilo que foi escrito. Garante e protege, por lei, os direitos exclusivos. Desde a reinvenção da impressa, foram criadas leis que garantem aos autores segurança contra fraudes e recompensa pelo seu trabalho de criação; legalmente falando, garantem que a obra seja reconhecida como pertencente àquela marca-autor. Representa, perante o consumidor, a promessa de um conjunto de características, benefícios e serviços. O autor deixa marcado, em suas obras, o seu estilo literário, inclusive os temas de sua preferência, o que constitui o conjunto de características, benefícios e serviços representados por sua marca. Equivale a uma qualidade, uma personalidade e uma cultura, que garantem a comercialidade do produto e a lealdade dos consumidores. O autor, quando já tem o seu nome estabelecido como uma marca no mercado editorial, passa a representar um conjunto de atributos pessoais e de valores culturais que fidelizam seus leitores-consumidores. Tem efeitos simbólicos, mercadológicos e comportamentais que ultrapassam a definição jurídica de marca. A autoria e a marca são tratadas pela lei como propriedade intelectual, mas diferente do copyright, a autoria não tem prazo de expiração, e sim, como a marca, tem valor simbólico que é permanentemente vinculado ao produto ou serviço. Fonte: Dados da pesquisa. 49 5 O E-BOOK COMO FERRAMENTA PARA CRIAÇÃO DO NOME DO AUTOR COMO MARCA NO MERCADO EDITORIAL O e-book não é a substituição do livro impresso, e sim a sua evolução a partir dos avanços tecnológicos vivenciados nas últimas décadas. Com isso, temos, no mercado, os dois tipos de produtos, e, por mais que pareça viável, um não substitui o outro, pois cada um atende a necessidades e demandas diferentes, de usuários que se dividem entre as duas modalidades de publicação. O livro digital tem grandes vantagens em relação ao livro impresso, principalmente para o autor que pode realizar uma publicação sem o auxílio de ninguém e com o custo zero. Porém, há desvantagens quando o e-book é lançado por plataformas on-line, pois, para alguns internautas, a rede deve disponibilizar informações gratuitamente, ideia essa que se reafirma na prática dos próprios usuários, que replicam conteúdos em prejuízo do autor da obra. Apesar disso, é fato que mesmo a pirataria de certa forma contribui para a consagração do autor como marca, visto que utilizar essas redes para estabelecer um contato mais próximo com os consumidores também o favorece. Diante do foi exposto até aqui, este capítulo apresentará uma análise da utilização do e-book por autores iniciantes e quais as formas mais utilizadas para a difusão desse material nas redes. Também será descrito o relacionamento do autor com o leitor pelos mesmos canais de divulgação da obra e como esse relacionamento contribui para estabelecer um novo autor como uma nova marca no mercado editorial. 5.1 E-BOOK: UMA PORTA DE ENTRADA PARA NOVOS AUTORES NO MERCADO EDITORIAL? Epstein (2002, p.12) explica que, nos últimos 12 anos, a forma de se fabricar livros foi substituída por tecnologias inimagináveis na década de 1950, e que a produção literária e editorial do modo que ele conheceu já está obsoleta, mas a maneira como as pessoas expressam e registram a cultura sempre será a mesma, pois as novas tecnologias não apagam o passado, nem alteram o genoma. Esse autor também afirma que os livros físicos não perecerão mesmo com as novas formas de leitura, tampouco as livrarias desaparecerão. Isso porque o e-book é o livro como produto potencial, pois observa todo o contexto de mercado e consumo e 50 apresenta uma oferta de competitividade, englobando todas as ampliações e transformações já sofridas e projetando aquelas que ainda deve sofrer no futuro (KOTLER, 2011, p.384). O livro como um produto ampliado proporciona ao leitor materiais e embalagens diferenciadas, propaganda, melhores condições de pagamento e entrega, além do relacionamento com o consumidor. Para o e-book como produto potencial, têm-se os diferenciais que o tornam uma etapa de um processo de evolução, pois hoje é possível ter muitos livros armazenados em alguns dispositivos móveis como notebooks, leitores digitais e celulares, mas o fato mais relevante e ainda pouco explorado sobre o livro digital é o seu baixo custo de elaboração. Em 1960, os livros eram vendidos por catálogos, e, desde aquela época, os autores iniciantes começaram a ter grande dificuldade para conseguir vender suas obras, pois, com o mercado editorial em constante mudança e com os patrocínios para autores quase acabando, as editoras se fecharam para as novas ideias e ficaram mais cautelosas quanto aos projetos futuros (EPSTEIN, 2002). Essas mudanças no mercado editorial continuaram, e, hoje mais do que antes, os autores iniciantes, devido à dificuldade de firmar um contrato com uma editora, têm que elaborar estratégias para chamar atenção de quem realmente importa: os leitores. Como os consumidores para qualquer mercado são o principal ponto de partida para elaboração e consolidação de uma marca, para começar a construi-la, é necessário conhecer e estabelecer contato com o público-alvo. O livro tanto em formato digital como impresso está associado a três componentes: ele é um bem de consumo, pois pode ser adquirido; é um serviço, pois proporciona entretenimento e informação; e também é um conjunto de ideias, como cultura e vida em comunidade. Para Kotler, Kartajaya, e Setiawan (2010, p.45), nos dias atuais, o consumidor anseia que o mundo seja um lugar melhor, e isso envolve também o que ele consome. Então, ele espera um produto que faça a diferença e satisfaça-o plenamente, em sua mente, coração e espírito. O e-book segue essa receita, pois representa o ideal da democratização da informação, viabiliza uma praticidade que antes era limitada e proporciona entretenimento ao leitor. Mas os consumidores de livros não abandonaram o gosto pelo papel, e por isso proporcionar um estreito contato com o escritor através do livro digital pode atrair a atenção de leitores para esse novo material, criando a oportunidade de relacionamento com clientes em potencial, para uma possível consolidação da marca-autor, o que resultará 51 futuramente em livros impressos, chegando ao objetivo final do Marketing, que é satisfazer desejos de uma maneira lucrativa. Conforme o que foi dito no capítulo 4, para um produto se tornar algo vendável, esse deve ter um valor de uso e um valor de troca. Como a internet é vista como um ambiente de livre circulação de informações, o livro digital pode ser utilizado somente como ponto de partida para o lançamento de uma ideia, sendo disponibilizado sem custos ou a um custo bem abaixo de um livro impresso, com o objetivo de divulgar o autor como uma marca iniciante e despertar o interesse de clientes em potencial. O leitor no fim tem o poder de decisão quanto à divulgação dessa nova marca, ou seja, quanto à entrada desse novo autor no mercado, mas, como a sua opinião se baseará nessa proposta lançada pelo livro digital, há menos chances de perdas caso não se alcance o sucesso esperado. 5.2 OS BLOGS E AS REDES SOCIAIS NA CONSOLIDAÇÃO DA MARCA-AUTOR A revolução desencadeada pela internet obteve sucesso graças à queda dos preços dos celulares, computadores e até mesmo da tecnologia de banda larga. Isso impulsionou a interatividade e a conectividade entre os indivíduos, transformando consumidores em “prosumidores”, pois além de consumir, os indivíduos criam e colaboram entre si (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 7). Nesse contexto, o boca a boca é fundamental para que os novos autores sejam conhecidos. Epstein (2002, p. 105) previu que, ao apresentar os livros diretamente aos leitores pela internet, a leitura tende a se expandir e os consumidores a crescer em números. Assim, ao conectar leitor e escritor, a possibilidade de expansão de mercado é quase ilimitada, pois isso agrega valor ao objetivo final do escritor, que é tornar-se uma marca. Além disso, torna-se possível construir uma rede de colaboração on-line por meio de feedbacks constantes sobre os trabalhos elaborados. No início de 2009, a Technorati detectou a existência de 13 milhões de Blogs ativos ao redor do mundo (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p.7). Os Blogs, assim como outros canais de comunicação da internet (Twitter, Facebook, YouTube), são conhecidos como mídias sociais expressivas (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 7), cujo poder de persuasão e dissuasão, que se manifesta nas 52 trocas de mensagens entre consumidores, pode definir um comportamento de compra, uma vez que a opinião de um consumidor pode afetar a decisão de toda uma rede de contatos. Antigamente, a interação do autor com o leitor acontecia eventualmente por ocasião de feiras de livros, como nas bienais do Brasil, ou até mesmo em dias reservados para autógrafos em livrarias famosas. Hoje essa interação é mais comum, pois muitos autores e personalidades literárias utilizam as redes sociais para se comunicar com o público, informando-o sobre novidades, como também pedindo opiniões e recebendo feedbacks sobre trabalhos passados e projetos futuros. Por caracterizarem-se pelo baixo custo, as mídias sociais têm assumido o papel da comunicação de marketing, ou seja, propagando produtos, ideias, serviços, muito além dos livros e do mercado editorial. Hoje em dia, existem empresas que treinam seus colaboradores para utilizar essas mídias de maneira a auxiliar na propaganda e no relacionamento com consumidor. Nesse sentido, o novo marketing enfatiza que a comunicação é fundamental, pois é o que garante a boa recepção, adaptação e aceitação do produto (MCKENNA, 1997, p. 121). Comunicar implica um diálogo que exige a boa expressão do emissor da mensagem e o bom entendimento do receptor. Por isso, anúncios, propagandas e os outros meios de divulgação, que são meramente informativos, não atendem às expectativas de um consumidor expressivo, participativo e preocupado com os valores que regem o mundo a sua volta. Além da comunicação da empresa com o consumidor, chamada comunicação vertical, existe também a comunicação horizontal, que atualmente é responsável pelas informações que fazem os consumidores depositarem sua confiança em uma marca ou produto em vez de outro (cerca de 90% dos consumidores confiam em recomendações de conhecidos e 70% em desconhecidos que postam informações sobre o produto na internet) (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010, p. 34). Para esses autores, essa comunicação pode proporcionar ainda maior fidelização de leitores. No caso de autores iniciantes, pode representar uma porta de entrada para o mercado editorial, pois toda nova marca precisa se apresentar para ser conhecida. Além disso, no mundo atual, onde todas as informações circulam pela rede, nada melhor do que utilizá-la para realizar esse primeiro contato com o público-alvo. Assim, autenticidade é a palavra que define o conceito de marca. Para isso, o autor precisa ressaltar suas características únicas para conquistar seu lugar no 53 mercado e se estabelecer como uma nova marca. Por conseguinte, as mídias sociais devem fazer parte dessa estratégia de conquista, pois, através delas, é possível divulgar o seu trabalho sem custos, disponibilizando-o em blogs e demais redes para leitura de forma gratuita, ou até mesmo inserindo seu trabalho em mídias corporativas que fazem a venda de seu material sem cobrar pela disponibilização. No entanto, esse investimento também prevê riscos, pois a internet, além de um terreno muito fértil e propício para comunicação, ainda é considerada uma terra sem lei. Por isso, uma das maiores dificuldades para os novos autores seria enfrentar questões como plágio e pirataria. Isso não é nem de longe um problema que só se limita aos livros digitais, pois todas as outras modalidades de mídia são ameaçadas pelos mesmos perigos na rede. Essa foi, por exemplo, uma das razões para mudanças no mercado da música, levando muitos artistas a não disponibilizar suas obras pela internet (PROCÓPIO, 2010). 54 6 ESTUDO DE CASOS A revolução tecnológica e, sobretudo, a internet têm promovido a contínua evolução e desenvolvimento da maioria dos serviços e produtos que fazem parte de nosso cotidiano. Como já visto neste trabalho, em seus capítulos anteriores, o livro também passou por melhorias, que lhe agregaram valores e diversas outras funcionalidades. Assim, hoje o livro se modernizou e ampliou seus formatos: sejam digitais ou impressos, todos proporcionam comodidade e satisfação a seus consumidores, que buscam cultura e/ou entretenimento. A forma de transmitir conhecimento e contar histórias passou por muitas atualizações: novos suportes, novos materiais e novas maneiras de armazenagem. Mesmo assim, podemos fazer comparações entre o passado e o futuro, como faz Chartier (1998, p. 13) quando afirma que: De um lado, os leitores da tela se assemelham ao leitor da antiguidade: o texto que ele lê corre diante dos seus olhos; é claro, que ele não flui tal como o texto de um livro em rolo, que era preciso desdobrar horizontalmente, já que agora ele corre verticalmente. De um lado, ele é como o leitor medieval ou o leitor do livro impresso, que pode utilizar referências como a paginação, o índice, o recorte do texto. Ele é simultaneamente esses dois leitores. Ao mesmo tempo é mais livre. O texto eletrônico lhe permite maior distância com relação ao escrito. Nos dias de hoje, observa-se que o autor de livros eletrônicos, muitas vezes, desempenha os papéis de editor e distribuidor, explorando essa independência de modo a favorecê-lo e a compensar a falta de recursos pela facilidade proporcionada pela internet, esse mundo virtual em que tudo acontece de forma rápida, quase imediata, principalmente através das redes sociais. Ainda que essa conectividade com o público possa trazer a consolidação do nome do autor como marca, há algumas barreiras que ainda o impedem de se estabelecer no mercado somente pelos livros digitais, pois alguns leitores têm dificuldade para aceitar esse novo conceito de produto porque desconfiam da sua qualidade, já que não passou pelo crivo das editoras, ou porque acreditam que tudo na internet deve ser de livre acesso, sem comercialização. Por isso, utilizar-se das duas modalidades de publicação do livro pode trazer benefícios ao autor iniciante, uma vez que, pelo livro digital, ele ingressaria no mercado editorial e começaria a 55 construir seu nome pelo boca a boca das redes sociais, para, posteriormente, dependendo do resultado das vendas on-line, poder buscar a publicação do livro impresso junto a uma editora, o que elevaria ainda mais a sua popularidade, fixando essa nova marca-autor no mercado. Neste capítulo, serão apresentados os casos de duas escritoras de gêneros literários diferentes, e como cada uma, ao fazer a sua autopublicação por e-book, conseguiu se consolidar no mercado, transformando seus nomes em marcas e, como consequência, firmando contratos com editoras. A análise desses casos foi feita pela descrição da trajetória de cada uma como escritora e os resultados que obtiveram com seus livros desde o lançamento de suas primeiras obras. As informações utilizadas nesta etapa do estudo foram coletadas dos sites oficiais de ambas as escritoras, como também de sites de editoras, livrarias, jornais e revistas e de outros canais de comunicação com seus leitores e seguidores pela internet (redes sociais e blogs). 6.1 METODOLOGIA Quanto a sua natureza, esta pesquisa busca pela satisfação da necessidade do saber, e se caracteriza como bibliográfica, pois explica um problema a partir de referências teóricas publicadas em livros, artigos, revistas, dissertações e teses, tendo como seu resultado o conhecimento gerado através do estudo da evolução do livro até o e-book, trazendo uma nova percepção do livro digital não somente como uma ferramenta de autopublicação, mas também de divulgação do trabalho de novos autores. E isso foi possível através da análise das contribuições científicas e culturais sobre esse assunto. Esta pesquisa é também exploratória quanto aos seus objetivos, pois, através da coleta de dados sobre esse tema, podemos ter outra visão e nos atualizar sobre as novas ferramentas de marketing e a sua evolução para atender ao mercado nos dias de hoje e continuar influenciando e proporcionando benefícios para quem as utiliza, além de também formular hipóteses significativas como a utilização do livro digital como ferramenta de divulgação do autor como marca. Por proceder à interpretação dos fenômenos e à atribuição de significados aos dados adquiridos, caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa quanto à sua abordagem. 56 Para concluir esta descrição metodológica, nesta pesquisa, foi realizado um estudo de casos por análise documental e observação sistêmica com amostras não probabilísticas e intencionais - as histórias de duas escritoras que ingressaram no mercado editorial pela autopublicação por livro digital - com o intuito de responder aos propósitos pré estabelecidos nos objetivos de pesquisa (RAMPAZZO, 2002). 6.2 CASO 1: FML PEPPER Para o estudo do caso da escritora FML Pepper, foram consultadas as seguintes fontes: o site oficial da escritora, seu blog acessível pelo seu site, sua página na rede social (Facebook), o site do projeto multiplataforma LitGirls da Livraria Cultura, que tem como objetivo aproximar jovens escritoras brasileiras de seus leitores, o site da editora Valentina, artigos da revista Exame, como também do jornal O Estado de S. Paulo em suas versões on-line. FML Pepper é formada em odontologia e exerce a profissão atualmente. No ano 2010, após engravidar, recebeu a notícia de que sua gravidez era de risco e, por esse motivo, precisou fazer repouso absoluto. Aproveitou então esse tempo para se dedicar à leitura, quando começou a se interessar em desenvolver a sua própria história, o livro Não Pare!, que, inicialmente, não tinha nenhum intuito de compartilhar, criando a história apenas para si. Porém, ao conseguir finalizar a obra, decidiu procurar um meio para divulgá-la. Contatou algumas editoras, mas recebeu respostas negativas, pois não queriam investir em uma escritora iniciante e, portanto, desconhecida do público. Ao pesquisar mais sobre formas de publicação, descobriu o sistema de autopublicação da Amazon KDP. Com seu original e com o único investimento com custos na elaboração da capa de seu livro com um profissional de photoshop, fez o upload de seu arquivo na amazon.com.br, seguindo o passo a passo que eles disponibilizam no próprio site. Quando colocou sua obra à venda em formato de e-book, ainda não havia plataforma em português, mas, quando o site ganhou domínio no Brasil, tornou-se a primeira brasileira a investir na autopublicação por essa plataforma, e sua obra ficou entre as mais vendidas. Seu primeiro livro, quando ainda publicado em formato digital, permaneceu dois anos consecutivos como o top 3 de sua categoria, e entre os 100 mais vendidos na Amazon Brasil. Não Pare! é um livro de literatura fantástica, que conta a história do 57 romance entre a morte e uma adolescente. Outra estratégia usada pela escritora foi disponibilizar alguns capítulos de forma gratuita para leitura na plataforma Wattpad, assim, aqueles que lessem o início do livro e se interessassem, poderiam adquirir a versão digital completa pelo site da Amazon Brasil. Pepper continuou sua trajetória como escritora e lançou o seu segundo livro digital. Surgia, então, a ideia de uma trilogia. Seu segundo livro Não Olhe! seguiu os passos de seu primeiro investimento. Após a repercussão positiva dos dois títulos em e-book, surgiram os contatos manifestando o interesse de editoras em firmar contrato com a escritora para publicação de livros impressos, que culminou com a assinatura de um contrato híbrido com a Editora Valentina, ou seja, mesmo tendo o compromisso com a impressão dos livros, a escritora poderia lançar seu terceiro livro de forma independente e em formato digital. A Valentina é uma editora carioca, que, além de publicações, também investe na divulgação de jovens escritores através de parcerias com blogueiros por meio de inscrição em um projeto intitulado Blogs amigos da Valentina, em que a editora seleciona os mais engajados na difusão de informações sobre o universo literário. Em troca dessa divulgação, a editora disponibiliza, como cortesia, seus últimos lançamentos, além de informações em primeira mão, como resenhas e promoções. Após firmar essa parceria, Pepper finalizou sua trilogia com o livro Não Fuja! e se consagrou na literatura fantástica, pois seus livros ocupam hoje posições entre os mais vendidos do gênero, tanto em formato digital como impresso. Em 2014, Pepper foi destaque no estande da Amazon KDP, na Bienal Internacional do Livro, e ministrou duas palestras sobre a autopublicação de livros digitais. Atualmente, não há nenhuma menção de futuros trabalhos, porém a escritora mantém em pleno funcionamento e atualização um site e um blog para contato com seus leitores, dos quais recebe opiniões. Também interage com o seu público por uma página no Facebook em que se apresenta como escritora. Neste estudo de caso, podemos observar que a marca faz parte do composto do produto e é o fator preponderante na adaptação desse produto ou serviço oferecido para o consumidor (COBRA, 2011, p. 206). Assim, é possível ver aqui como a escritora mantém constante comunicação com os seus leitores a fim de compartilhar sua produção literária e observar a sua aceitação pelas reações e comentários do público, estabelecendo assim o contato da marca com seus 58 consumidores. Portanto, esse uso dos canais de comunicação on-line para lançar e promover a iniciativa de autopublicação por livro digital se apresenta como um mecanismo de marketing de relacionamento direto, que visa à criação e manutenção de um vínculo de longo prazo entre produtor/vendedor e cliente. Após conseguir notoriedade por suas obras através da autopublicação, o fechamento de um contrato com uma editora se tornou mais fácil, pois seu nome já tinha destaque entre os livros de literatura fantástica no Brasil, ou seja, seu nome já era uma marca que garantia valor ao produto vendido, e assim, como uma marca consolidada, se tornou atrativo para o mercado editorial. Mesmo com um contrato hibrido, foi possível apostar numa boa vendagem, pois a marca também atribui qualidade emocional ao produto, ou seja, o autor pode contar com seus leitores fiéis como advogados da sua obra, que sempre estarão dispostos a comprar pela confiança que foi estabelecida com a criação de um vínculo entre a marca e o consumidor. 6.3 CASO 2: BEL PESCE Para o estudo do caso da escritora Bel Pesce, foram consultadas as seguintes fontes: o site oficial da empreendedora e escritora Bel Pesce, o site oficial para o download de seus livros (http://www.ameninadovale.com/volume1/) e reportagem da edição on-line da revista Veja. Bel Pesce é empreendedora e fundadora da FazINOVA, escola de empreendedorismo e habilidades. Após se formar no renomado Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Engenharia Elétrica, Ciências da Computação, Administração, Economia e Matemática, fazer programas de Liderança e Inovação e atuar em empresas como Microsoft, Google e Deutsche Bank, todas situadas no Vale do Silício, na Califórnia, Bel Pesce escreveu seu primeiro livro, A menina do Vale, para contar sua experiência com empreendedorismo. Ao disponibilizar seu livro digital para download gratuito em 2012, atingiu em três meses a marca 1 milhão de downloads. O mesmo livro foi impresso e lançado também em 2012 pela editora Leya, obtendo grandes resultados de vendas. 59 Ainda no ano de 2012, após o estouro em downloads e em vendas, Bel Pesce decide voltar ao Brasil e funda a empresa FazINOVA. Em 2013, lança seu segundo livro também nos dois formatos e com repercussões parecidas. Procuram-se Super-Heróis segue a mesma linguagem objetiva do livro anterior, mostrando como podemos usar os poderes do relacionamento para transformar vidas. Graças à grande visibilidade que suas publicações lhe proporcionaram, Bel Pesce hoje é referência quando o tema é empreendedorismo e, por isso, decidiu lançar seu terceiro livro, A Menina do Vale 2, para explicar como a criação de projetos está diretamente ligada à atitude de assumir responsabilidades, pois, só dessa forma, é possível trilhar uma jornada empreendedora de sucesso. As publicações de Pesce permanecem disponíveis gratuitamente na versão digital, mas ainda assim são vendidas pela editora Leya em diversas livrarias físicas e virtuais. Atualmente, não há menção a nenhum projeto futuro de publicação, mas seus livros são muito recomentados por profissionais das áreas de empreendedorismo e gestão de projetos. Pesce também estabelece contato com seus leitores por um blog ativo, um aplicativo que fornece dicas sobre como empreender e também um site com cursos sobre empreendedorismo, buscando, dessa maneira, disseminar o conhecimento registrado nos livros por outros meios, além de poder interagir com as pessoas que se interessam em conhecer ou que já conhecem o seu trabalho. No caso da escritora Pesce, sua experiência com a autopublicação proporcionou muito mais do que o seu reconhecimento como escritora, mas também em sua principal função, pois foi através da utilização do e-book como ferramenta de divulgação que sua experiência como empreendedora ficou conhecida em todo o Brasil. Seu nome, então, se estabeleceu como referência para assuntos ligados ao empreendedorismo, e seus livros nessa especialidade passaram a ter venda significativa quando também lançados em publicação impressa, graças à repercussão atingida por suas versões disponibilizadas gratuitamente na internet e divulgadas por seus consumidores através das redes, rendendo-lhe ainda mais acessos. Isso confirma o seu nome como atributo que agrega valor aos seus livros, e é essa atribuição de valores que traz a autenticidade e a singularidade à marca (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010). 60 6.4 COMPARAÇÃO E CONCLUSÃO DOS CASOS OBSERVADOS Nos dois casos apresentados, vemos dois perfis de escritores muito diferentes, em segmentos de mercado diferentes, e até mesmo com estratégias diferentes, porém ambos projetaram seus nomes como autores através da autopublicação por livro digital. E por que o e-book consegue tão rapidamente estabelecer a procura dos consumidores? Pois hoje, segundo o novo marketing, os consumidores influenciam os demais através de redes de contato, formando uma cadeia de crescimento na procura. Isso acontece porque uma das principais características do novo marketing é essa comunicação tanto vertical (de autor para leitor) quanto horizontal (de leitor para leitor), que firma esse relacionamento direto e ajuda tanto na divulgação como na fidelização do consumidor (KOTLER; KARTAJAYA; SETIAWAN, 2010), visto que a recomendação de leitor para leitor agrega confiança ao nome do autor que está relacionado ao livro. A estratégia da escritora do caso 1, Pepper, caracteriza-se da seguinte forma: seu livro digital foi disponibilizado em um site de vendas de livros digitais e físicos; pelo seu baixo custo de publicação, que resultou em um preço final baixo, a obra tornou-se popular, trazendo notoriedade à escritora, notoriedade que foi reforçada já pelos primeiros leitores que compartilharam os seus comentários pelos blogs literários e até pelas próprias redes de relacionamento social na internet. Diante desses resultados, a própria escritora, mesmo após o lançamento de seus títulos em suporte impresso, decidiu manter os seus livros disponíveis para compra em versão digital, a fim de continuar em contato direto com seus leitores e, assim, construir um relacionamento de longo prazo com o seu público. Por meio dessa estratégia de marketing, a escritora se firma como marca no mercado editorial para futuros lançamentos (se escrever novos livros, como já tem reconhecimento público, não sofrerá as mesmas dificuldades, pois o seu nome agrega a personalidade e o valor de sua marca enquanto autor, proporcionando, assim, confiabilidade ao consumidor). Já o caso 2, da escritora Bel Pesce, ao disponibilizar o seu livro na rede, ela não somente conquistou leitores, mas também projetou o seu nome para se estabelecer como marca de referência quanto ao tema empreendedorismo, pois foi pela recomendação feita de leitores para leitores que o mercado se abriu para ela como escritora, tornando conhecida a sua história e auxiliando até mesmo a 61 promoção de seus outros negócios, como a empresa FazINOVA. Uma vez que seu nome foi consolidado como marca, a escritora manteve sempre a mesma estratégia em todos os seus lançamentos editoriais, pois a disponibilização gratuita de seus livros em formato digital não prejudicou as vendas de seus livros impressos, garantindo a manutenção de seu vínculo contratual com a editora. Os dois casos mostram que o livro digital, pela facilidade com que circula na rede sem custos ou por um custo mínimo, somado ao relacionamento entre autor e consumidor e à comunicação entre leitores, resulta em grande visibilidade, transformando o nome de autores em referências e consolidando-os como marcas. Nesse sentido, Procópio (2010, p. 155) cita o exemplo do autor Paulo Coelho, que, para expandir o alcance de suas obras e absorver as mudanças do mercado editorial, pirateou os próprios livros, aproveitando-se de brechas em seus contratos editorias, e divulgou trechos de algumas obras completas em seu Blog. Quanto aos casos estudados, pode-se afirmar que o e-book funcionou como uma ferramenta simples e eficaz para o lançamento de novos autores. Assim, para um escritor, investir em uma publicação digital pode garantir a divulgação de sua obra e estabelecer o seu nome como marca, auxiliando assim no processo de consolidação de sua carreira literária, cujo ápice corresponde ao momento do fechamento de um contrato com uma editora, a partir do qual se torna possível atender aos diferentes tipos de consumidores do produto livro: aqueles que defendem que o livro impresso ainda é o único meio de perpetuar a cultura, e aqueles que acreditam, assim como Procópio e Epstein, que o livro como conhecemos ficará obsoleto e que o mercado será dominado pelo conteúdo digital. Porém, atualmente as duas versões andam lado a lado, uma como complementação da outra, mantendo e renovando a secular indústria editorial. 62 CONSIDERAÇÕES FINAIS O livro digital pode ser utilizado como uma ferramenta de divulgação para inserção de novos autores no mercado editorial? O estudo realizado buscava responder principalmente a essa questão, e, ao realizar a pesquisa sobre a evolução do livro como produto e do autor como marca, foi possível constatar que o livro, na sua forma digital, alcançou o nível de produto potencial, que é o último nível de abrangência para o produto segundo a teoria estudada, envolvendo todas as ampliações e transformações sofridas, além daquelas que podem ocorrer a partir de então a fim de atingir todas as esferas de satisfação do seu consumidor (KOTLER, 2011, p. 383). Assim, o livro digital mostra potencial para servir de primeiro contato do autor iniciante com o público leitor. Seja em sua venda ou em sua distribuição, o fácil acesso e o baixo custo desse tipo de publicação se tornam atrativos que se intensificam com a difusão pelos sites e redes sociais, levando à construção de uma nova marca a partir do nome do autor e junto a um grupo de seguidoresconsumidores, que são cativados pela interatividade com o objeto de consumo, ou seja, com o produto e a sua marca. Neste estudo, verificou-se que algumas dificuldades relacionadas à publicação de livros em formato digital, pois a internet pode ser um ambiente favorável à replicação, ao plágio e à pirataria, mas, por fim, essas dificuldades pdem acabar contribuindo para que a obra e o nome do seu autor sejam mais divulgados, favorecendo a sua consolidação como marca no mercado editorial. Ao longo dessa pesquisa foi identificado que, para o mercado editorial, o investimento em livros digitais ainda se apresenta de forma limitada e marginalizada, e que, dentro do marketing editorial, o e-book tem grande potencial para ser uma ferramenta de divulgação e relacionamento utilizada não somente por autores iniciantes, mas também por autores que já estão consolidados como marca no mercado. Para isso, acreditamos que o presente estudo serve de ponto de partida para pesquisas futuras, que venham a investigar quantitativamente o sucesso desse investimento na autopublicação entre autores iniciantes, podendo também se estender a autores renomados com o objetivo de conquistar novos leitores ou até mesmo de investir em diferentes gêneros literários. 63 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS A MENINA DO VALE. Como o empreendedorismo pode mudar sua vida. Disponível em: <http://www.ameninadovale.com/volume1/>. Acesso em: 24 abr. 2015. BECKER, Idel. Pequena História da Civilização Ocidental. 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