9 As concepções sobre as teorias evolutivas em licenciandos em ciências biológicas e suas implicações para o ensino Rúbia Amanda Guimarães FRANCO1 Danilo Seithi KATO2 Resumo: O presente artigo analisa as concepções de futuros professores sobre conceitos específicos de Teorias Evolutivas e suas implicações para a formação inicial. A pesquisa consistiu na análise de produções textuais realizadas por estudantes do quinto semestre de ciências biológicas de um Centro Universitário do Estado de São Paulo ao final da disciplina de Evolução e Biogeografia no ano de 2011. Além disso, o plano de aula da disciplina foi verificado com o intuito de identificar objetivos e perspectivas da mediação proposta. Foram identificadas concepções relacionadas a teorias darwinistas, lamarckistas e concepções alternativas compostas por um sincretismo de ideias das diferentes teorias evolutivas. As categorias construídas possibilitaram a discussão sobre as concepções dos professores em formação inicial e as implicações para a docência relativa ao ensino de conceitos específicos da Teoria Evolutiva, tal como o de seleção natural. Palavras-chave: Concepção de Professores. Ensino de Evolução. Teorias Evolutivas. 1 Rúbia Amanda Guimarães Franco. Especialista em Ensino de Ciências e Biologia pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP). Licenciada em Ciências Biológicas pela mesma instituição. E-mail: <[email protected]>. Danilo Seithi Kato. Docente no Instituto de Ciências Exatas, Naturais e Educação (ICENE), Departamento de Educação em Ciências, Matemática e Tecnologias (DECMT) da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Doutor em Educação Escolar pela UNESP e Mestre em Ensino de Ciências pela Universidade de São Paulo (USP). E-mail: <[email protected]>. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 10 The conceptions about the evolutionary theories in Biological Sciences undergraduates and their implications for teaching Rúbia Amanda Guimarães FRANCO Danilo Seithi KATO Abstract: The present article analyses the future teachers’ conceptions about specfic concepts of Evolutionary Theories and their implications for the initial formation. This research consisted of an analysis of textual productions carried out by undergraduate students of Biological Sciences at a university center in the State of São Paulo, at the end of the discipline “Evolução e Biogeografia”, in 2011. In addition, the lesson plan was verified in order to identify the goals and perspectives of the proposed mediation. Conceptions related to Darwinist and Lamarckian theories, as well as alternative conceptions consisted of a syncretism of ideas of the various evolution theories were identified. The constructed categories allowed a discussion about the conceptions of teachers in initial formation and the implications for teaching related to the teaching of specfic concepts of the Evolutionary Theory, such as the natural selection one. Keywords: Teachers’ Conceptions. Teaching of Evolution. Evolutionary Theories. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 11 1. INTRODUÇÃO No ensino de ciências e biologia a evolução biológica é um dos conteúdos de grande importância, pois caracteriza um eixo estruturante do currículo escolar das Ciências Biológicas (EL-HANI; MEYER, 2005). Contudo, nota-se uma dificuldade de se trabalhar com esse tema na sala de aula por conta de diversos fatores, dentre eles: as características epistemológicas desse conhecimento, a falta de materiais didáticos adequados, bem como a formação deficitária dos professores em relação a esse conteúdo escolar. O presente trabalho tem o enfoque no aspecto da formação inicial de professores no que concerne às concepções que possuem sobre a temática da Evolução Biológica. Mello (2008) relata que por mais que exista uma infinidade de pesquisas sobre o conceito de evolução biológica, muitas questões relacionadas à evolução ainda não são bem compreendidas. As concepções dos futuros professores podem revelar aspectos relevantes no processo de formação inicial e suas implicações para o ensino de biologia. A hipótese inicial do trabalho era de que o conhecimento dos licenciandos sobre as teorias evolutivas seria diverso, principalmente por suas características epistemológicas e históricas sobre o processo de construção desses modelos de pensamento. Aspectos abstratos de pensar as mudanças nas espécies configuram uma dificuldade na compreensão das concepções científicas sobre o tema. El-Hani e Meyer (2005) relatam que a evolução biológica consiste nas mudanças ocorridas nas espécies ao longo do tempo. Segundo Futuyma (2002, p. 07), “[...] as mudanças nas populações que são consideradas evolutivas são aquelas herdáveis via material genético, de uma geração para outra”. Dessa forma, é evidente que a compreensão dessas teorias exige um pensamento abstrato e complexo que envolva áreas distintas da biologia, tais como genética, ecologia, paleontologia, entre outras. No ensino de ciências biológicas, diversos fatores podem interferir na qualidade do aprendizado, destacando a importância do ensino de evolução biológica. Chaves (1993) relata que além da escassez de pesquisas sobre as concepções relacionadas ao tema, Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 12 na maioria das vezes, esse conteúdo se encontra nos últimos capítulos dos livros didáticos, e caso o professor não consiga abordá-lo juntamente com os demais conteúdos, ele acaba sendo deixado de lado, o que mostra um descaso pelo conteúdo. As concepções distantes do arcabouço conceitual-científico identificadas em alunos podem ter origem tanto cultural, como por meio de uma visão científica distorcida, ou até mesmo podem estar ligadas diretamente a de seus professores. Dessa questão, surge a importância de se analisar as concepções de professores em formação inicial, já que a deficiência na formação de docentes está diretamente relacionada com a má formação de alunos, principalmente quando se leva em consideração a abordagem de assuntos ligados às teorias evolutivas e outros conceitos afins (CHAVES, 1993). Oleques, Santos e Boer (2011) destacam que em pesquisas feitas no Brasil as compreensões acerca das teorias evolutivas de alguns professores não condizem com a atual teoria científica aceita. Chaves (1993) aponta que as concepções de futuros professores podem se mostrar muito parecidas com o conhecimento que eles possuíam quando ingressaram no curso universitário, evidenciando um outro problema, uma vez que esses professores, mantendo o mesmo entendimento anterior ao curso e estando em sala de aula, podem reproduzir concepções distorcidas do conhecimento científico. Coutinho, Mortimer e El-Hani (2007) analisaram as concepções de “vida” de pós-graduandos em Ecologia e em Genética. Para isso, construíram perfis conceituais. Segundo esses autores: A noção de perfil conceitual, ou seja, a idéia de que um único conceito pode ter diferentes zonas que correspondem a diferentes maneiras de ver, representar e significar o mundo, e são usadas pelas pessoas em contextos diferenciados, foi desenvolvida e está descrita em Mortimer (1994 1995 e 2000). Segundo esta noção, qualquer indivíduo pode possuir mais de uma forma de compreensão de um determinado conceito, ou seja, diferentes zonas de um perfil conceitual podem conviver no mesmo indivíduo, correspondendo a formas distintas de pensar e falar, que podem ser Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 13 usadas em contextos específicos. (COUTINHO, MORTIMER e EL-HANI, 2007, p. 02). Assim como o conceito de vida, vários conceitos podem apresentar diversas concepções; para o presente trabalho, essa noção de perfil conceitual será utilizada para analisar as concepções acerca das teorias evolutivas. O objetivo deste trabalho é identificar as concepções sobre as teorias evolutivas em licenciandos do curso de Ciências Biológicas que frequentaram a disciplina de Evolução e Biogeografia no último ano de graduação. Além disso, pretende-se discutir as implicações das concepções para a formação inicial de professores de biologia. 2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A partir desses fatores destacados que interferem no ensino de evolução biológica, optou-se por investigar as concepções de licenciandos em ciências biológicas, durante o curso de Evolução e Biogeografia. O objeto da pesquisa constituiu-se de trabalhos desenvolvidos pelos alunos de licenciatura no ano de 2011, com o objetivo de identificar as concepções dos alunos relacionadas a algumas das teorias da evolução. O presente trabalho insere-se no contexto de uma pesquisa qualitativa em que os dados coletados são descritivos (FLICK, 2004). Foram analisadas 7 produções textuais dos estudantes que compunham a atividade final e de avaliação da disciplina mencionada. A exploração desses textos e a construção das categorias de análise foram realizadas na perspectiva da análise de conteúdo de Bardin (2011), em que as fases de pré-codificação e categorização foram realizadas a partir da análise exaustiva do objeto da pesquisa. Foi realizada, também, uma leitura do plano de ensino da disciplina a fim de identificar as intenções deste para auxiliar na compreensão e análise dos trabalhos produzidos pelos licenciandos. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 14 3. RESULTADOS Análise do plano de ensino O plano dessa disciplina foi consultado e identificou-se que a ideia principal era colocar os estudantes em contato com a história do pensamento evolutivo para que estes pudessem identificar os processos e procedimentos de se pensar as teorias evolutivas. Além disso, outra intenção era de que os licenciandos pudessem perceber as diferenças entre as principais teorias e pensamentos dos autores que pensaram o processo evolutivo, bem como os principais conceitos envolvidos, além de promover a argumentação dos licenciandos no texto escrito. Sugerindo temas a serem explicados à luz da teoria evolutiva. Análises das produções textuais Seguindo as etapas destacas acima por Bardin (2011), após a análise dos trabalhos, os dados obtidos foram separados de acordo com o conteúdo relacionado às teorias evolutivas e aproximação de ideias, possibilitando a construção de três categorias, sendo elas relacionadas conforme as ideias de Lamarck, aproximações das ideias de Darwin, e concepções alternativas – miscelâneas de ideias das teorias evolutivas, apresentadas no quadro abaixo: Quadro 1. Categorias das concepções sobre as teorias evolutivas identificadas nas produções textuais dos licenciandos a partir da análise de conteúdo. Categorias 1. Aproximações com as ideias de Lamarck Descrição Destacam-se os trabalhos nos quais foi possível identificar aproximações com as ideias de Lamarck Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 15 Categorias 2. Aproximações com as ideias de Darwin Descrição Destacam-se os trabalhos nos quais foi possível identificar aproximações com as ideias darwinistas Nesta categoria, enquadram-se os trabalhos 3. Concepções alternativas – que apresentaram ideias de mais de uma teoria miscelâneas de ideias das evolucionista, além de concepções alternativas para fenômenos biológicos. teorias evolutivas Fonte: adaptado de Bardin (2011). Aproximações com as ideias de Lamarck Nesta categoria, apresentam-se trechos em que os discentes utilizaram o termo Lamarck e/ou lamarckismo em seu trabalho. No “O desaparecimento de órgãos vestigiais de acordo com a evolução”, podemos notar uma confusão relacionando a lei do uso e desuso, que fica clara na seguinte análise: “O terceiro molar também apresenta grande discussão entre pesquisadores, pois se apresenta como evidencia evolutiva, já que para muitos acreditam ser apenas uma modificação pouco importante, não sendo considerado processo evolutivo. Já a teoria evolutiva mostra o contrário desse argumento, sendo que este dente está desaparecendo devido a falta de seu uso, em consequência da dieta alimentar adotada pelo homem”. A ideia de que o órgão foi eliminado por falta de seu uso está relacionada à ideia proposta por Lamarck, lei do uso e desuso. Como já foi destacado anteriormente, a teoria da seleção natural está relacionada à eliminação das variações desfavoráveis, enquanto as favoráveis são mantidas (DARWIN, 2004). Dessa maneira, é Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 16 importante notar que o esforço em explicar um fenômeno biológico – nesse caso o terceiro molar – em uma perspectiva evolutiva é levado a cabo a partir da perspectiva do indivíduo e não de uma população induzindo a relação do uso e desuso constituída por Lamarck. Assim, seria possível o professor utilizar uma explicação mais próxima das ideias de Lamarck, contudo, é necessário situar historicamente esse pesquisador e a própria discussão teórica entre as teorias em questão. Essa perspectiva pode gerar uma incoerência conceitual caso o fenômeno em que a explicação ocorra seja realizado a partir do indivíduo e não da população. Assim, a interpretação restrita às ideias de Lamarck não é menos científica que a darwinista. Contudo, precisa ser situada no âmbito da discussão histórica em que essas ideias estão postas. O trecho a seguir também relata sobre Lamarck: “De acordo com Lamarck, em sua obra Philosophie zoologique (Filosofia Zoológica) publicada em 1809, a “progressão” ou aperfeiçoamento” das espécies se devia a uma sequência de fatos, sendo eles: as mudanças ambientais originam novas necessidades; as necessidades determinadas pelas mudanças ambientais conduzem ao uso e desuso de uns ou outros órgãos levando estes a se desenvolverem ou atrofiarem-se e finalmente, os caracteres adquiridos são transmitidos de geração em geração através da hereditariedade.” Assim como foi descrito pelos discentes no trabalho, El-Hani e Meyer (2005) descrevem que, segundo Lamarck, o ambiente forçaria mudanças de hábitos, e essas mudanças viriam a interferir no padrão de uso e desuso dos órgãos; essas alterações seriam transmitidas aos seus descendentes. Mello (2008) relata que Lamarck destacou-se por sua lei dos caracteres adquiridos com o exemplo do pescoço da girafa, mas o que poucos sabem é que Lamarck também propôs outras leis pouco divulgadas. As leis de Lamarck são: tendência para o aumento da complexidade, surgimento de órgãos em função das Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 17 necessidades e que acabam mantendo, lei do uso e desuso, herança dos caracteres adquiridos. Aproximações com as ideias de Darwin Na segunda categoria foram selecionados trechos que abordavam ideias aproximadas àquelas propostas por Darwin. Destaca-se no trabalho 1, sendo ele uma redação: Seleção Natural: atua sobre a variabilidade genética de uma população, que podem resultar de mutações, migração (fluxo-genico) e recombinação genética. Isso significa que os indivíduos que possuem fenótipos favoráveis as condições do meio tem maior chances de sobrevivência e de sucesso reprodutivo, é um processo permanente e está em todas as populações. Santilli (2011, p. 195) relata que: [...] a evolução é descrita como um processo de mudanças nas frequências gênicas em uma população e há consenso sobre ser a seleção natural um dentre outros mecanismos de evolução. Mas não há consenso sobre o papel das entidades envolvidas na seleção. Essa concepção coloca a seleção como uma entidade isolada que atua e age sobre a variabilidade genética. Por isso, ao pensar a seleção natural, o licenciando remete-se à ideia de um elemento ou força maior que escolhe o mais apto, deixando as relações complexas entre ser vivo e ambiente à margem. Já no trabalho 2 o discente utiliza a conceituação darwinista para explicar os fatores que interferem no crescimento populacional: [...] Darwin através de observações supôs que fatores alimento espaço controlariam o tamanho de todas as populações. Sendo assim os descendentes de um casal de animal haveria uma seleção natural, sobrevivendo os mais aptos e se reproduzindo apenas os que vencessem Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 18 a competição por espaço e alimento. Nessa competição seriam favorecidos os indivíduos de uma população que melhor se adaptassem as condições ambientais. Os outros seriam eliminados. [...]. Nessa produção, o licenciando evidencia a ideia dos fatores externos limitantes do crescimento populacional. Nesse caso, a seleção natural não aparece como uma “entidade” ou uma ferramenta de escolha da diversidade, mas sim um conjunto de condições ambientais e variações biológicas que se integram em uma perspectiva de morte diferencial. Essa morte diferencial significa que a morte é a condição dominante, e a sobrevivência, condicionada por um emaranhado de relações complexas entre o ambiente e as populações. Darwin (2004, p. 93) relata que: [...] não há exceção nenhuma a regra segundo a qual todos os seres vivos, aumentando naturalmente a uma velocidade alta, se não forem destruídos, cobrirão a terra em tão pouco tempo pela descendência proveniente de um único casal. El-hani e Meyer (2005, p. 40) descrevem, ainda, que “[...] o aumento da disponibilidade de recursos naturais não acompanha o crescimento populacional”. A luta pela existência ocorre devido ao grande número de populações e poucos recursos disponíveis, ocorrendo uma disputa na natureza. Essa concepção se diferencia daquela apresentada na primeira categoria na medida em que traz não só o pensamento de que a população é a unidade evolutiva, mas também o papel das interações entre ambiente e variação biológica na definição do conceito de seleção natural. Contudo, podemos identificar ideias diferentes sobre esse conceito, em que ora se apresenta como entidade externa, ora como fruto de um conjunto de relações entre os seres vivos e o meio em constante mudança e que limita o crescimento populacional. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 19 No trabalho 3, destaca-se: “O conceito básico de seleção natural é que as características favoráveis hereditárias tornam-se mais comuns em gerações sucessivas de uma população de organismos que se reproduzem e que características desfavoráveis hereditárias se tornam menos comuns”. Segundo El-hani e Meyer (2005 p. 41), as populações dos organismos apresentam variabilidades e estas podem ser transmitidas aos descendentes por meio da hereditariedade. Também no trabalho 3, destacamos: “A seleção natural age no fenótipo, ou nas características ou nas características observáveis de um organismo, de tal forma que indivíduos com fenótipos favoráveis têm mais chances de sobreviver e se reproduzir do que aqueles com fenótipos menos favoráveis”. Futuyma (2002, p. 69) descreve que fenótipos correspondem “[...] a(s) característica(s) observável(is) de um organismo, p.ex., cor dos olhos, frequência respiratória, número de descendentes produzidos. O fenótipo é frequentemente determinado tanto por fatores genéticos como ambientais”. Já no trecho abaixo os discentes escolheram uma citação que relata o seguinte: “A contínua utilização do controle químico com agrotóxicos não seletivos feitos pelo homem, sem rotação de culturas pode causar desequilíbrios mediante a eliminação de insetos benéficos, explosões populacionais de pragas, principalmente a perda de eficácia de inseticidas mediante a seleção natural de linhagem de insetos resistentes a estes compostos químicos. Produtos como pesticidas sintéticos aceleram o crescimento de resistência genética a pesticidas nas pragas, pois através da seleção natural as pragas sobreviventes darão origem a pragas mais potentes (MILLER, 2007)”. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 20 No trabalho 5 a aluna utiliza a seleção artificial do homem na eliminação de insetos com o uso de inseticidas. No segundo momento, destaca que mesmo com o uso de inseticidas aqueles insetos resistentes a estes não serão eliminados; fazendo referência à ação da seleção natural. Destacando ainda a variação genética, Futuyma (2002, p. 37) exemplifica: [...] populações de uma mosca varejeira que ataca ovelhas desenvolveram resistência ao inseticida diazinon. Inicialmente, as populações resistentes apresentaram atraso de desenvolvimento e anormalidades físicas, mas, mais adiante, esses traços diminuíram devido à seleção de outros genes que melhoraram os efeitos deletérios. Entre as teorias de Darwin apresentadas pelos alunos, a seleção natural, umas das teorias centrais da biologia evolutiva proposta por Darwin, foi abordada em diversos aspectos pelos licenciandos, conceitos e termos de diferentes áreas das Ciências Biológicas aparecem nas explicações, bem como definições do conceito analisado neste trabalho, tais como fluxo gênico, populações, variação, reprodução, diversidade, entre outros. Apesar de quase sempre vinculada a Darwin, Carmo, Bizzo e Martins (2009) relatam que Wallace também foi um grande contribuinte em seus estudos sobre a seleção natural, pois ele também descreveu sobre a luta pela existência, em que sobrevive e mantêm o maior número de descendentes os mais aptos, embora Wallace não tenha utilizado o termo “seleção natural”. De acordo com as análises dos trabalhos dos discentes que abordaram a teoria da seleção natural, nota-se que houve trechos em que os alunos abordaram aspectos hereditários, variação genética, entidades que são atingidas, a seleção natural e a ideia de seleção artificial juntamente com a seleção natural. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 21 Concepções alternativas – miscelâneas de ideias das teorias evolutivas Na terceira categoria foram identificadas produções textuais que apresentam aproximações com as ideias de Lamarck e de Darwin em um mesmo argumento. Além disso, evidenciam não só modelos concorrentes, mas concepções alternativas não científicas para os fenômenos estudados. [...] Dentro de suas premissas Darwin defendeu que a sobrevivência dos mais aptos, era a forma mais elaborada para sua teoria da seleção natural das espécies. Dentre as teorias auxiliares que explicam o embasamento dos fundamentos darwinianos, há de se considerar: a ação do meio ambiente como causa das variações, o uso e desuso das partes dos órgãos do organismo atuam de modo independente no processo de seleção natural e a hereditariedade dos caracteres adquiridos onde através da observação de diversas plantas e animais Darwin concluiu que a mudança de hábitos produz efeitos hereditários. Neste excerto, nota-se a apropriação de ideias das teorias de Darwin e Lamarck, com o objetivo de entender a oposição criada entre ambos, com uma visão científica. Assim como visões científicas e não científicas vindas do meio social, cultural e religioso, encaramos também conflitos entre diferentes teorias evolutivas na compreensão dos conceitos. Outro aspecto importante é notar que as intenções do autor, que inicia falando sobre seleção natural, enveredam para argumentos teleológicos para a explicação do fenômeno analisado. O fato do plano de ensino do curso prever a explicação de fenômenos biológicos sob a óptica das teorias evolutivas promove a argumentação por parte dos licenciandos. Essa argumentação explicita um perfil conceitual e, neste caso, uma miscelânea de ideias próprias e também científicas. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 22 Implicações das concepções dos professores para o ensino Diante dos objetivos do plano de aula da disciplina, em que se encontra o de argumentar sobre um fenômeno natural qualquer à luz da evolução e das teorias evolutivas utilizadas pelos alunos, nota-se que estes se apoiam nessas ideias evolutivas para justificar seus argumentos. Ou seja, a argumentação foi pedida pelo professor, mas a articulação entre o tema biológico e a explicação evolutiva foi por conta do licenciando. Nesse processo a construção do argumento expõe sua concepção da teoria evolutiva; fica claro que a argumentação é fundamental no ensino de ciências e biologia, na formação e aprendizagem de conceitos. A forma como o licenciando constrói seus argumentos acerca das teorias evolutivas fica em evidência, pois a partir dela é possível discutir como a prática desses futuros docentes será influenciada por essas concepções. A construção de categorias e a identificação da lógica argumentativa dos estudantes auxiliam também no planejamento e avaliação de cursos de formação de professores. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com a presente pesquisa podemos notar dificuldades diversas em relação ao ensino e aprendizagem das teorias evolutivas. A ideia de perfil conceitual empregada por Mortimer (1996) foi utilizada como referencial de análise para identificar como os professores em formação inicial podem conceber essas ideias e em que medida se aproximam ou se afastam do conceito científico. Indica-se, assim, a necessidade de uma aproximação das ideias científicas para o professor. Além disso, a má compreensão dos conceitos ligados à evolução biológica e suas teorias são um dos principais fatores que dificultam o ensino desse conteúdo. Investigando as concepções de professores em formação inicial por meio das análises de suas produções textuais, podemos perceber o que eles compreendem sobre o tema. É importante saber as concepções dos professores, uma vez que elas estarão diretamente ligadas à mediação de ensino – aprendizagem nas aulas de Biologia. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 23 Essa análise permite observar qual a noção de determinados conteúdos que esses professores em formação inicial possuem; abre, ainda, a possibilidade de investigar a necessidade de uma possível mudança conceitual, como essas concepções atuais podem interferir na atuação desses docentes em sala de aula e como isso interfere na aprendizagem dos futuros alunos. REFERÊNCIAS ALMEIDA, D. F. Ensino de evolução laico, mas pluricultural. Estação Cientifica, UNIFAP, Macapá, v. 1, n. 1, p. 115-120, 2011. BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. CARMO, V. A.; BIZZO, N.; MARTINS, L. A. P. Alfred Russel Wallace e o princípio da seleção natural. Filosofia e História da Biologia, 4: p. 209-233, 2009. CARNEIRO, A. P. N. A Evolução biológica aos olhos de professores nãolicenciados. 2004. 137 f. Dissertação de Mestrado em Educação Científica e Tecnológica. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, 2004. COUTINHO, F. A.; MORTIMER, E. F.; EL-HANI, C. N. Construção de um perfil para o conceito biológico de vida. Investigações em Ensino de Ciências, v. 12, n. 1, p. 115-137, 2007. CHAVES, S. N. Evolução de ideias e ideias de evolução: a evolução dos seres vivos na ótica de aluno e professor de biologia do ensino secundário. 1993. 117fs. Mestrado em Psicologia Educacional – Faculdade de Educação. Campinas: Unicamp, 1993. DARWIN, C. A origem das espécies. 4. ed. São Paulo: Martin Claret, 2004. FLICK, U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. 2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2004. FUTUYMA, D. J. Biologia evolutiva, 2. ed. São Paulo: FUNPEC-RP, 2002. ______. Evolução, ciência e sociedade. Sociedade Brasileira de Genética, 2002. Disponível em: <http://www.sbg.org.br>. Acesso em: 12 fev. 2014. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015 24 GOEDERT, L. A formação do professor de biologia na UFSC e o ensino da evolução biológica. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004. MELLO, A. C. Evolução Biológica: Concepções de alunos e reflexões didáticas. Dissertação de Mestrado em Educação em Ciências e Matemática – Pontifícia Universidade Católica, Porto Alegre, 2008. MEYER, D.; EL-HANI, C. N. Evolução: o sentido da biologia. São Paulo: UNESP, 2005. MORTIMER, E. F. Construtivismo, mudança conceitual e ensino de ciências: Para onde vamos? Investigações em Ensino de Ciências, v. 1, n. 1, p. 20-39, 1996. OLEQUES, L. C.; SANTOS, M. L. B.; BOER, N. Evolução biológica: percepções de professores de biologia. vol. 10. Revista Eletrônica de Ensinanza de lãs ciências, n. 2, p. 243-263, 2011. SANTILLI, S. Níveis e unidades de seleção: o pluralismo e seus desafios filosóficos. In: ABRANTES, P. C. (Org.). Filosofia da Biologia. Porto Alegre: Artmed S. A., 2011. SEPÚLVEDA, C.; EL-HANI, C, N. Quando visões de mundo se encontram: Religião e ciência na trajetória de formação de alunos protestantes de uma licenciatura em ciências biológicas. Investigações em Ensino de Ciências, v. 9, n. 2, p. 137-175, 2004. Educação, Batatais, v. 5, n. 1, p. 9-24, jan./jun., 2015