SOLSTÍCIO DE INVERNO: COMENTÁRIOS GERAIS. Todas as vezes em que nos reunimos nos meses de março, junho, setembro e dezembro, para comemorarmos respectivamente o equinócio de Outono, o Solstício de Inverno, o equinócio de Primavera e o solstício de Verão, salientamos que a situação astronômica no hemisfério norte (conhecido também como boreal ou setentrional, onde existe, segundo dados obtidos da Internet, mais de 60% das terras emersas e de 90% da população terrestre) é inversa: em 21 de junho, na América do Norte, América Central, Europa, Ásia e em partes da América do Sul e da África nossos confrades comemoram o solstício de Verão, enquanto aqui, no hemisfério sul (denominado também como austral ou meridional, que é composto principalmente por água e pela Antártida, maiores partes da América do Sul, da Indonésia, países vizinhos e da Oceania, e parte da África), nós comemoramos o solstício de Inverno. Assim, por causa dessa reiteração, é provável que algum irmão a suponha supérflua porque, afinal — pensará ele — a existência desses hemisférios (simbolizados em nossos templos pelas Colunas do Norte e do Sul, entre as quais se erige verticalmente o Eixo imaginário1, cruzado pela Grade ) Equivalente ao “equador solar” das teorias chinesas do Feng Shui. 1 1 do Oriente, em cujo ápice fica o Trono de Salomão) é lecionada, atualmente, nos cursos escolares. Demais — repensara com base em uma lição de astrologia —, “o Sol não está em nenhum signo do Zodíaco, senão simplesmente parece estar ao passar entre nossa pequena esfera — a Terra — e as constelações, em qualquer estação ou tempo determinado”2. Pois bem, sem embargo dessas presuntivas e sábias asserções, valemo-nos mais uma vez da repetição na esperança de que seja útil na interpretação de nossos arcanos, ressaltando — por seu intermédio — nossa condição de aprendiz dos Mistérios Arcaicos, pois aquela divisão — a exemplo dos pontos extremos daquele eixo, denominados astronomicamente zénite e nadir — recordanos o aspecto dual na Natureza: tudo em nosso Sistema Solar (e, de forma análoga, no Universo), presuntivamente tudo, submete-se ao princípio de polaridade que é representado, em nossos templos, dentre outros símbolos, pelo Pavimento Mosaico3. Consequentemente, se não 2 ) Conforme a lição da fundadora da Sociedade Teosófica, a erudita Helena Petrovna Blavatsky, o “Zodíaco móvel ou natural é uma série de constelações que formam um cinturão de 47 graus de largura, localizado ao norte e ao sul do plano da eclíptica. A precessão dos equinócios é causada pelo ‘movimento’ do sol através do espaço, o qual faz que as constelações pareçam se mover para frente contra a ordem dos signos à razão de 50 e 1/3 segundos por ano” (Cf. “Glosario Teosófico”, verbete “zodíaco”, p. 1101-2 - disponível na Internet em: www.portadosol.org.br). 3 ) De acordo com esse princípio, em tudo há dois polos ou aspectos opostos que são, na realidade, simplesmente os dois extremos da mesma coisa, consistindo a diferenciação em variação de graus, conforme se verifica do livro “O Caibalion” (obra dedicada ao estudo da Filosofia Hermética do Antigo Egito e da Grécia), 2 fizermos as adaptações necessárias ao estudo das nossas tradições, se as visualizarmos de uma forma estática — como se fossem ajustáveis de per si, isto é, sem as confrontarmos com as posições que eventualmente ocupamos perante as doze constelações do Zodíaco4 —, seus significados originais provavelmente se perderiam (exceto, obviamente, para aqueles que já os alcançaram), como sucederia, por exemplo, no estudo da química moderna (ciência transmitida por meio de símbolos), uma vez que o esquecimento ou a alteração arbitrária do sistema da Ciência Sagrada implica sempre, para dizermos o mínimo, a distorção dos ensinamentos legados pelos nossos ancestrais5. De fato: para comprovação da veracidade dessa assertiva (refiro-me à importância da diferenciação das polaridades no estudo da Natureza baseado na razão e na ciência), recordemo-nos que no Século XVIII, quando se formalizou a fase especulativa da nossa sublime instituição da qual se extrai esta observação: “O conhecimento do Princípio habilitará o discípulo a mudar a sua própria Polaridade, assim como a dos outros, se ele consagrar o tempo e o estudo necessário para obter o domínio da arte.” 4 ) O qual possui um polo norte diferente do polo norte geográfico, consoante demonstrou, dentre outros, William Eisen em “A Cabala Astrológica”: a linguagem do número. Tradução: Julia Vidili. São Paulo: Madras, 2006, p. 223. 5 ) De acordo com os expositores do Caibalion, por exemplo, esse Princípio de Polaridade, que é o quarto na ordem da apresentação, e os outros seis – que são, respectivamente, o Princípio de Mentalismo (1), de Correspondência (2), de Vibração (3), de Ritmo (5), de Causa e Efeito (6) e de Gênero (7) – constituem os denominados Sete Princípios da Verdade. 3 (a qual já estava desenvolvida desde o Século XVII, na opinião de historiadores mais recentes6, porque os mais antigos nos revelam — como é o caso de Jean Louis Laurens, em livro publicado em 1805 — não só a existência de lojas maçônicas “antes do 14º século”, “na Alemanha, na Inglaterra, na Prússia e até na França”, mas também de regulamentos gerais “redigidos em 1340”7), quando se formalizou a Franco-maçonaria no Século XVIII, repetimos para efeito de clareza, nosso objetivo se restringia à realização de duas reuniões anuais, “em los dias de los solstícios de verano y de invierno”, consoante nos informa Iván Herrera Michel em sua conhecida obra “Historia de la masoneria”8. Salientamos ainda que era, ou ainda é, justamente “no menor dia do inverno” que os integrantes do verdadeiro Xamanismo — que são descritos como adoradores do Espírito, isto é, aqueles que não têm altares nem ídolos — realizavam anualmente, ou ainda realizam, 6 ) Mais recentes, dissemos - e não mais modernos -, porque a magistral obra de Joseph Gabriel Findel, “History of Freemasonry from its rise down to the presente day” (“História da maçonaria desde a sua origem até o dia presente”), foi traduzida do alemão para o inglês em 1866. 7 ) LAURENS, J. L. Essais historiques et critiques sur la franc-maçonnerie ... Seconde édition. Paris: Chez Chomel,1806, p. 9, nota 1; e Ensaios históricos e críticos sobre a maçonaria livre ... Tradução: Augusto Diogo Tavares. Petrópolis: M. A. de Oliveira, 1899, p. 9, nota 1. 8 ) MICHEL, Iván Herrera. Historia de la masonería. Edição virtual: Barranquilla (Columbia), Janeiro de 2007, vol. I, p. 17 (disponível na Internet em: pt.escribd.com). 4 seus ritos, consoante revelou a erudita H. P. Blavatsky em sua preciosa obra intitulada “Isis sem Véu”9. E, na realidade, essa divisão circular de 180 graus gerada pela “linha do meio-dia” (conhecida também como equador solar), que nos conduz intuitivamente além da Cosmológica e aquém da Infinitesimal, tem uma importância incomensurável no exame dos nossos arcanos, porque, segundo o relato de Heródoto — o sábio historiador grego da antiguidade —, já no vestíbulo do templo de Vulcano, no Egito arcaico, por exemplo, na época de “Rampsinito” (faraó sucessor de “Proteu”), foram construídas duas estátuas de vinte e cinco côvados de altura, uma ao norte e outra ao sul, denominadas pelos egípcios, respectivamente, de Verão e Inverno10. E mais: segundo nos informou Daniel Rammé — o festejado arquiteto e historiador francês do Século XIX —, em sua “Teologia Cosmológica ou Reconstrução da Antiga e Primitiva Lei”, “2700 antes da era vulgar, a sombra do sol ao meio-dia foi medida nos dois solstícios de Inverno e Verão, com um gnomo de oito pés”, experiências que tiveram lugar em Honan (nome que significa “sul do Rio 9 ) BLAVATSKY, Helena Petrovna. Isis sem Véu: uma chave-mestra para os mistérios da ciência e da teologia antigas e modernas. Tradução: Mário Muniz Ferreira e Carlos Alberto Feltre. São Paulo: Editora Pensamento, 1995, vol. IV, p. 235. 10 ) Cf. HERÓDOTO. História. Versão eBooksBrasil: 2006, item CXXI. Disponível na Internet em: www.books.google.com.br. 5 Amarelo”), uma província da República Popular da China11 — fato que nos fora revelado anteriormente, conforme nossa investigação particular, pelo insigne egiptólogo do Século XIX, Alexandre von Humboldt, em sua obra “Cosmos: ensaio de uma descrição psíquica do mundo”12. É conveniente destacar ainda, antes de retornarmos ao nosso tema central, que esse legado do Egito arcaico tem, entre seus significados espiritual e psicofísicos13, estreita conexão com as projeções planas ou azimutais, estudadas modernamente no âmbito das ciências geodésicas14, e os enigmáticos Disco de Festo, Manuscrito de Voynich e os alinhamentos e monumentos megalíticos espalhados em torno de nosso planeta15. Neste ponto, abrindo um parêntese, ressaltamos que se justifica a extensão do princípio de polaridade ao Universo, consoante a regra de analogia recomendada por Hermes Trismegisto em sua conhecida Tábua de Esmeralda (recomendação que é aplicável do Átomo ao Cosmos), 11 ) RAMÉE, Daniel. Théologie cosmogonique ou Reconstitution de l'ancienne et primitive loi. Librairie D’Amyot: Paris, 1853, p. 28. 12 ) HUMBOLDT, Alexander von. Cosmos: essai d'une description physique du monde. Tradução: Hervé Faye e Louis Charles Galusky. Bruxelas: C. W. Froment, 1851, p. 500. 13 ) Nos quais os estudiosos incluem os dois hemisférios do cérebro. 14 ) As quais englobam a Engenharia Cartográfica e de Agrimensura. ) Dos quais se destacam, respectivamente, os de Carnac e Stonehenge. 15 6 porquanto, conforme advertiu Jesus Iglesias Janeiro — o insigne escritor e cabalista argentino —, a lua gira em torno da Terra, a Terra ao redor do Sol16, o Sol em torno de um centro comum aos componentes da nossa Galáxia ou Via Láctea, e ela, nossa Galáxia espiral, por sua vez, em torno de outro centro (gravitacional) comum a muitas Galáxias17. Isso significa, em termos de nosso sistema solar, nas palavras de William Eisen (autor do livro “A Cabala da Astrologia: a linguagem do número”), que, “(...) do mesmo modo como o polo zodiacal gira em torno do polo norte geográfico a cada 24 horas, assim o polo geográfico gira em torno do polo zodiacal a cada 26 mil anos”18 — nós diríamos, com apoio na lição de H. P. Blavatsky, em 25.868 anos. Observa-se, assim, que essa movimentação de componentes cósmicos — cuja duração em nosso sistema se denomina Grande Ano, Grande Era ou Ano do Sol, e, astronomicamente, ano platônico, que compreende a circulação elipsoide do Sol pelas doze constelações zodiacais — relaciona-se à forma pela qual caminhamos dentro do nosso Templo, aos raios cintilantes, às três viagens de iniciação, às purificações, à Escada de Jacó, à 16 ) Fato percebido anteriormente à era do cristianismo pelo astrônomo e matemático grego Aristarco de Samos, conforme informação dos especialistas. 17 ) JANEIRO, J. Iglesias. La Arcana de los Numeros. Buenos Aires: Editorial Kier, 1985, p. 121. 18 ) Op cit., p. 253. 7 construção e cobertura da Loja, ao local que o Maçom não pode transpor e as linhas limítrofes, à orientação da Loja, às doze colunas postas em torno do nosso Templo (seis no norte, seis no sul), ao pórtico elevado por três degraus, às duas colunas de bronze (erigidas uma em cada lado da entrada do templo), às três romãs abertas, ao tamanho dessas duas colunas19, às três janelas da Loja, ao Pavimento Mosaico (como já salientado), aos horários do início e término dos nossos trabalhos, às Três Luzes da Loja, à corda de oitenta e um nós (cuja divisão pela quantidade de viagens nos dá uma ideia aproximada da duração de cada ronda), e, enfim, a todos os símbolos maçônicos verdadeiros, ou seja, àqueles que compõem os ritos arcaicos. No entanto, como a análise dessas correspondências não se inclui no objeto deste trabalho, inclusive porque não disporíamos de capacidade perceptiva para execução da tarefa, limitamo-nos a recomendar a leitura dos livros: “O Sistema Solar”, do teosofista Arthur Edward Powell, cuja análise faz parte do programa da denominada “Loja Esotérica Virtual”20, e “O Sistema Planetário”, de Bovisio Santiago — o insigne escritor 19 ) Que nos recorda, imediatamente, os trabalhos de Euclides - o matemático grego de Alexandria. 20 ) Acessível na Internet em: www.levir.com.br/. 8 ocultista italiano que se radicou, propagou seus conhecimentos e desencarnou na Argentina no Século XX21. Com efeito: fizemos essas alusões tão-somente para lembrar que os egípcios do período arcaico — os ancestrais que nos legaram a Filosofia Esotérica ministrada em nossos templos — utilizavam-se dos signos do Zodíaco para representar a marcha da Natureza e das suas operações, durante as revoluções do Sol e da Lua, consoante nos disse, dentre outros, o famoso filósofo platónico, Lucius Apuleius, em seu livro “O Asno de Ouro”22. Charles François Dupuis — o célebre historiador francês —, por exemplo, pronunciando-se em igual sentido, assim se expressou em seu “Compêndio da Origem de Todos os Cultos”: “No templo de Heliópolis ou cidade do Sol havia doze colunas cheias de símbolos relativos aos doze signos e os elementos. As vastas massas de pedra consagradas ao astro do dia eram de figura piramidal, a mais apta para representar os raios do sol, e a forma em que se eleva a chama. A estátua de Apolo Agieo era uma coluna terminada em ponta, e Apolo era o sol. No Egito não se confiava aos artistas ordinários a modelação das efígies e estátuas dos deuses. Os sacerdotes faziam os desenhos determinando 21 ) SANTIAGO, Bovisio. El Sistema Planetário (Libro XVII). Disponível na Internet em: www.santiagobovisio.com. 22 ) APPULEIO. O Burro de Ouro. Tradução portuguesa. Lisboa: Tipografia de José Baptista Morando, 1847, p. 444. 9 suas formas por esferas, isto é, pela inspeção do céu e suas imagens astronômicas. Por isso vemos que em todas as religiões os números sete e doze, este que é dos signos, e aquele o dos planetas, são números sagrados que se reproduzem sob todas as formas. Tais são os doze grandes deuses; os doze apóstolos; os doze filhos de Jacob ou as doze tribos; os doze altares de Jano; os doze trabalhos de Hércules ou o sol; os doze escudos de Marte; os doze irmãos Arvales23; os doze deuses Consentes24; os doze membros da luz; os doze governadores no sistema maniqueu; os doze adityas dos Hindus; os doze azos (?) dos Escandinavos; as doze portas do Apocalipse; os doze bairros da cidade ideada por Platão ... O mesmo sucede com o número sete. Tal é o candelabro de sete acendedores, que figurava o sistema planetário no Templo de Jerusalém; os sete recintos do templo; (...) os sete pisos da torre da Babilônia; (...) os sete arcanjos dos Caldeus e Judeus; (...) os sete sacramentos dos cristãos, etc. A cada página do livro astrológico e cabalístico, intitulado o Apocalipse de João, estão os números doze e sete: o primeiro está repetido quatorze vezes, e o segundo vinte e quatro. O número trezentos e sessenta, que é o dos dias do ano, sem contar os epagómenos25, lembram também os trezentos e sessenta deuses que admitia a teologia de Orfeu; os trezentos e sessenta vasos de água do Nilo, que despejavam os sacerdotes egípcios, um em cada dia, em um 23 ) Espécie de sacerdotes romanos (Cf. NASÃO, Publio Ovídio. Os Fastos. Tradução: Antonio Feliciano de Castilho. Lisboa: Academia Real das Ciências, 1862, p. 532. 24 ) Deuses maiores, na mitologia de Roma, que formavam o conselho supremo. 25 ) Nome grego dos cinco dias que os egípcios acrescentaram para complementação do ano solar. 10 tonel sagrado que havia na cidade de Acanta; os trezentos e sessenta eons ou gênios dos gnósticos; (...) os trezentos e sessenta gênios que capturam a alma na hora da morte, segundo a doutrina dos cristãos de São João; os trezentos e sessenta templos situados na montanha de Louham (Loshan?) na China26; o muro de trezentos e sessenta estádios, com que cercou Semíramis a cidade de Belo ou Sol, na célebre Babilônia. Todos esses monumentos nos retratam a mesma distribuição do mundo, e do círculo dividido em graus que anda o sol. Finalmente também foram assuntos das divisões políticas e religiosas a partição do Zodíaco em vinte e sete partes, que indicam as estações, e em trinta e seis, que é a mesma que a dos decanos”27. Essas observações são dignas de reflexões. Mas, como salientamos, tudo isso tem correlações e significados esotéricos complexos, que nós não teríamos atualmente condições de analisar e desenvolver, principalmente em um trabalho com as características do presente; por se tratar de matérias abstrusas, devem ser versadas, a nosso ver, exclusivamente por aqueles que possuem, de fato, profundo conhecimento da Arte Real. Para chegarmos a essa conclusão é bastante observar que Jámblico — o famoso 26 ) Acreditamos que houve equívoco, na nomeação da montanha chinesa em que existem esses templos, porque o nome correto – ao que tudo indica – é Montanha Lushan, localizada no norte da província do Jiangxi e à margem sul do curso médio do rio Yangtsé, que foi tombada como patrimônio mundial. 27 ) DUPUIS, Charles François. Compendio del origen de todos los cultos. Tradução: D. Josef Marchena. Burdeos: Imprenta de Don Pedro Beaume, 1820, tomo I, p. 56-62. 11 filósofo platônico grego da antiguidade — revelou-nos em sua obra “Sobre Os Mistérios Egípcios” que por meio da doutrina simbólica os egípcios demonstravam não só aqueles fenômenos astronômicos, que constituíam uma parte muito pequena do sistema hermético, mas também — e principalmente — a unidade da Divindade28. Isso não nos impede, entretanto, de fazermos um bosquejo das ideias sublimes, que nos foram legadas pelos nossos ancestrais, com fundamento na síntese feita por um Mestre da Sabedoria Arcaica (refiro-me ao oriental, Djual Khool [Djwhal Khul], conhecido como “o tibetano”). Nas suas palavras, que nos limitamos a retransmitir, o espaço é considerado uma entidade e a “abóbada celeste” — como poeticamente se a denomina — é a aparência fenomênica dessa entidade. Uma ideia vaga desse entendimento, que proporciona uma analogia (embora falha pelas proporções), obtém-se da consideração da família humana, o quarto reino da natureza, como uma entidade-unidade que se expressa através das inumeráveis e diversificadas formas de homem. Cada um de nós, como indivíduos, participa da humanidade, não obstante cada um viva sua própria vida, reaja às suas 28 ) Cf. JÂMBLICO. Sobre los mistérios egípcios. Tradução: Enrique Ángel Ramos Jurado. Madry: Editorial Gredos, 1997, pp. 197 e 207. 12 próprias impressões, responda às influências e impactos externos, e, por sua vez, imane influências, envie radiações temperamentais e expresse alguma qualidade ou qualidades, afetando assim, em certa medida, seu meioambiente e àqueles com quem entra em contato. Ampliandose essa ideia ao sistema solar, verifica-se que essa entidade fenomênica é em si mesma parte integrante de uma vida bem maior, a qual se expressa por meio de sete sistemas solares, dos quais o nosso — a Via Láctea — é um. Dessa forma, a vida, as influências, as radiações e emanações dessa entidade macrocósmica e o efeito que produzem sobre nossa vida planetária, em os reinos da natureza e nas civilizações humanas em desenvolvimento é que constituem o objeto final do nosso aprendizado29. Encerrando esse resumo, destacamos que ele pode parecer inadequado à nossa mente analítica, por expressar o objeto da ciência antiga denominada por alguns estudiosos como Astrologia Científica ou Astrologia Judiciária, porém está relacionado aos mistérios egípcios arcaicos. Com efeito: conforme a narração do conhecidíssimo filósofo e historiador grego Plutarco, em sua não menos famosa obra intitulada “De Ísis e Osíris”, no solstício de Inverno os egípcios realizavam uma procissão e levavam 29 ) Cf. BAILEY, Alice A. Astrologia esotérica pelo mestre tibetano Djwhal Khul, p. 4. Disponível na Internet em: www.formarse.com.ar. 13 uma vaca, uma vaca sagrada, para dar sete voltas em torno do templo do Sol, e denominavam o ritual de “Busca de Osíris” — o qual se destinava à manifestação do desejo da deusa por ver a água que o sol produzia e que não existia em tempo de inverno30. Portanto, pelo nome atribuído a esse ritual, os atuais mestres maçons se lembrarão, provavelmente, da busca que realizaram à procura do Mestre Hiram Abiff, que, a exemplo de Osíris no antigo Egito, foi igualmente assassinado por forças das trevas31. Como consequência, não terão dificuldade para concluir que a festa do solstício de Inverno era, naquela época, também concernente à procura da Palavra Perdida, que representa, na franco-maçonaria — nada mais, nada menos —, que a compreensão daquilo que permanece ininteligível e incompreensível aos profanos e aos iniciados imperfeitos. É conveniente salientar que aquela declaração aparentemente confusa de Plutarco, relativa ao desejo da 30 ) Ploutarchou peri Isidos kai Osiridos: Plutarchi de Iside et Osiride liber, p. 72 (disponível na Internet em: http://books.google.com.br); e De Isis y Osiris, p. 41 (disponível na Internet em: http://pt.scribd.com). 31 ) Consulte-se, nesse sentido, LAVAGNINI, Aldo. Manual del Maestro, p. 18-9. Digitalizado por: Biblioteca Upasika. Disponível na Internet em: www.liberdade7.com.br. 14 deusa Isis (pretensão de natureza claramente mística, semelhante à nossa de encontrar a palavra perdida), corresponde também a um fato real, narrado por Heródoto — o historiador e geógrafo grego da antiguidade —, cuja explicação ele também proporcionou à posteridade, referente ao regime absolutamente diferenciado do Nilo (comparativamente aos outros rios do planeta), uma vez que começava a encher no solstício de Verão, retraía-se depois de cem dias, e permanecia pouco volumoso, inclusive durante o Inverno, até o novo solstício de Verão — situação que se modificou, a nosso ver, com as construções das represas de Assuã32. Pois bem, retornando ao tema principal dos nossos comentários — o que fazemos com uma preliminar recomendação de leitura do livro de Joseph Paul Oswald Wirt, o famoso ocultista suíço e escritor maçônico, denominado “O Simbolismo Astrológico”33 —, repassaremos agora os ensinamentos de Roso de Luna — o sábio teosofista espanhol — sobre a divisão daquela movimentação cósmica. Diz ele: “Mas a roda da Evolução, o incessante Sopro Eterno que deste modo liberta todas suas inteligentes energias empregadas na Manifestação, tem um 32 ) Conforme dados obtidos da Internet, duas foram as barragens construídas com objetivo de controlar as enchentes do rio Nilo: Assuã Baixa e Assuã Alta (concluída em 1970). 33 ) Disponível na Internet em: www.liberdade7.com.br. 15 ‘ponto de inflexão em sua curva’, como diriam os matemáticos; tornar-se o ponto a encarnar, ou seja, a manifestar-se em um novo universo, como o Sol quando, passado o solstício de inverno, começa desde aquele mesmo instante a grande ascensão simbolizada no conceito abstrato de ‘Primavera’, e dizemos ‘conceito abstrato’, porque dentro da eterna lei de toda curva ascendente ‘primavera’ não é só, por assim dizer, a primavera do ano, senão que podem determinar-se cem outras analógicas ‘primaveras’: a do dia (ascensão vital do meio-dia à meianoite); a da lunação (desde a lua nova até a lua cheia); a da vida (desde o nascimento até a idade adulta)... Por isso os deuses de todas as Teogonias, como pálidos reflexos que são da Ciência-Religião Primitiva da Natureza, nascem sempre no solstício de inverno, ou seja, começam desde o ponto mais baixo de cada ciclo, grande, pequeno ou ínfimo, sua obra de construção ou organização com os relativos e respectivos theoi ou ‘deuses’ na interminável cadeia de suas organizações, desde o protilo em íons e elétrons de diferente disposição ou número, a teor da universal Alquimia, para construir o átomo, e passando em seguida pela molécula simples de água, etc., à complexa de ácidos, gases e sais, à complexíssima das moléculas gigantes, como a das albuminas, até chegar triunfalmente ao mundo ou cosmos da célula petrográfica, vegetal ou animal, mundo ou 16 harmonia que, por sua vez, não é senão o elemento primordial das organizações vivas do vegetal, do animal, do homem ou do astro...”. “Essa é” — continua ele —, “ao contrário da anterior, a marcha de Shiva a Brahma; da desorganização à organização; do Pralaya ao Manvántara; da Morte à Vida; do Inverno ao Verão; do nascimento à virilidade; em uma palavra: do Caos a Deus, ou, em termos também de filosofia matemática da função eterna: C x T= K, em que, ao tomar T valores infinitamente grandes, ele vai reduzindo o C (o Caos) a valores infinitamente pequenos, até que, no limite, esse último se reduza a zero, e a constante K do Cosmos se identifique ou iguale com a Divindade ou Deus, ou seja, até que essa chegue à apoteose de sua manifestação ou Manvántara, como o Sol ao meio-dia, a lua em sua lua cheia, a Vida em o verão, o Homem em sua virilidade, e tudo, tudo, enfim, quando culmina... Esse é o momento supremo do equilíbrio entre o crescimento universal do grande, pequeno ou ínfimo; esse é Vichnú, o ‘Conservador de um dia’, dominado no colo da serpente de Shecha, a eterna Serpente dos Ciclos evolutivos de todo raio; a curva ou espiral sem fim, o Grande Labirinto da Vida em que os números ou unidades simples vão se integrando em unidades superiores (dezena, centena, milhar...) sem limite conhecido! Por isso Vichnú é Cosmos: a suprema harmonia daqueles dois 17 opostos evolutivos de Brahma e Shiva; por isso Vichnú abstrato aparece na apoteose de todo o evolutivo ao culminar em sua ascensão e iniciar sua descida, para novas e intermináveis ascensões e descidas; por isso também cuidaram de dizer Platão, David e Jesus, que ‘éramos deuses, e o havíamos esquecido’! Deuses não somos só nós, senão todos os seres, porque tudo quanto evoluciona pelo Grande Alento é potencialmente divino, como eterna Manifestação do sempre inesgotável e nunca plenamente Manifestado!”34. Nesse mesmo sentido, mas com a projeção dessas ideias diretamente sobre o “padroeiro” da nossa sublime instituição, colhem-se estes esclarecimentos do livro “Cosmogonia Maçônica: símbolo, rito, iniciação” — publicado na Argentina, em 2007, sob o pseudônimo de “sete mestres maçons”: “As duas festas mais importantes que se celebram em nossa Ordem (e que por certo foram celebradas por todos os povos), são as dos dois solstícios, de verão e de inverno — eixo vertical da roda —, que correspondem respectivamente ao sul e ao norte, ao meiodia e a meia-noite e aos signos zodiacais de Câncer e de Capricórnio. Esses dois pontos do tempo eram chamados ) LUNA, Roso de. Simbología Arcaica: comentários a “La Doctrina Secreta”, de H. P. Blavatsky, fundadora de la sociedad teosófica. Madry: Editorial Pueyo, 1921, p. 87-8. 34 18 pelos gregos ‘porta dos homens’ e ‘porta dos deuses’, e a tradição hindu os identificava como o pitr-loka e o devaloka, e estão relacionados com os dois perfis do Jano dos romanos e com os dois Joãos (Batista e Evangelista) da tradição cristã. Se diz que pela primeira das portas saem as almas dos não iniciados que, depois da morte, haverão de retornar a outro estado de manifestação; e pela segunda a dos que, graças à morte e ao processo iniciáticos, hão conhecido os estados múltiplos do ser e as diversas dimensões do tempo e do espaço, conseguindo desse modo realizar o retorno à Unidade, onde se recupera a inamovibilidade da origem e se obtém a Grande Luz oculta na não-manifestação. É esse o sentido esotérico de que nossos trabalhos se realizam do meio-dia à meia-noite; pois se é certo que para o profano a maior luz surge ao meio-dia e em o solstício de Verão (o dia mais longo do ano), o iniciado, pelo contrário, encontra a Grande Luz no solstício de Inverno, pois em sua busca interna se há dirigido até o conhecimento do Sol da Meia-noite. E também é esse o sentido simbólico de que o Cristo nasça justamente a zero hora e no solstício invernal de Capricórnio, e que a partir desse nascimento o tempo comece a contar de novo”35. 35 ) Cosmogonia masónica: símbolo, rito, iniciación. Buenos Aires: Editorial Kier, 2007, p. 173-4. Disponível na Internet em: www.books.google.com.br. 19 Pois bem, essa transformação do “deus” romano de duas faces opostas (Jano, ou Janus em latim), nos dois “santos” da religião cristã, e sua posterior introdução na Maçonaria como “patrono”, são aludidas pelos ilustres escritores Jean Palou e Albert G. Mackey, respectivamente, nas obras “O Simbolismo Maçônico” e “Simbolismo FrancoMaçônico”. O primeiro, aliás, vincula as festas daí decorrentes aos artesões construtores da Idade Média36, e o segundo, em tom de explicação — mas sem nada explicar realmente com clareza — acrescenta: “Se supormos que o círculo representa o curso aparente do sol, os paralelos indicarão os limites Sul e Norte da declinação solar, quando esse astro chega aos pontos solsticiais de Câncer e de Capricórnio. Os dias em que o sol chega a esses pontos são 21 de junho e 22 de dezembro, os quais explicarão facilmente que se hajam dedicado aos santos Joãos, cujos aniversários a Igreja celebra nesses dias”37. 36 ) PALOU. Jean. El simbolismo masónico: las logias de San Juan, p. 5. Disponível na Internet em: www.pt.escribd.com. 37 ) MACKEY, Albert Gallatin. El simbolismo francmasónico, p. 99-100. Disponível na Internet em: www.liberdade7.com.br. 20 De nossa parte — e apenas para registrar a opinião deste famoso estudioso e escritor francês do Século XIX, porquanto, a nosso ver, o culto à Divindade una, sob seu tríplice aspecto, remonta à Era do Egito Arcaico —, informamos que Emílio Burnouf, em sua obra “A Ciência das Religiões”, após asseverar que aquele rito anual “constitui o culto cristão por excelência”, e que está também distribuído “de acordo com a marcha do sol e da luz” — coincidindo o nascimento do Cristo com o solstício de Inverno e a festa do precursor com o solstício de Verão —, destaca que “as outras festas são distribuídas metodicamente nas outras partes do ano, de acordo com uma ordem que deve ser comparada com a de cerimônias védicas”. E mais: diz-nos ser muito provável que o Natal e o São João hajam coincidido primitivamente com os solstícios, e situa esse fato — essa coincidência provável —, com base em cálculo astronômico — considerando a precessão equinocial em cinquenta segundos por ano —, em, aproximadamente, 7.000 (sete mil) anos38. 38 ) BURNOUF, Émile. La Science des religions. Quatriéme édition revue et complétée. Paris: Libraire Ch. Delagrave, 1885, p. 181-2; e idem, deuxiême édition. Paris: Maisonneuve et Cie., M DCCC LXXII (1872), p. 284 (digitalizado pelo Google. Disponível na Internet em: www.books.google.com.br). 21 Nesse ponto, antes de fazermos uma última observação sobre essa antiga tradição maçônica — e aproveitando o espaço para enfatizar que a Maçonaria não surgiu com a formalização moderna dos ritos, mas no instante em que a Sabedoria Arcaica nos foi transmitida por meio de símbolos e alegorias —, utilizamo-nos do glossário teosófico de H. P. Blavatsky para dizer-lhes o seguinte: na concepção dos egípcios, Hórus — cuja imagem, em forma de menino recém-nascido, era retirada do santuário, no solstício de Inverno, para ser exposta à multidão egípcia — representava não só a abóbada celeste (oriunda da matriz do mundo), mas também, cosmicamente, o Sol de inverno (substância de seu pai, Osíris, de quem seria uma encarnação e com ele se identificaria); a água era o primeiro princípio das coisas — o fluído potencial contido no espaço infinito; e a vaca era consagrada a Isis (a mãe universal, a Natureza, a aurora da criação védica). E mais: os planos espiritual, mental, psíquico e físico da existência humana eram comparados — na Alquimia arcaica — aos quatro elementos: fogo, ar, água e terra, sendo cada um deles suscetível de uma tripla constituição: fixa, variável e volátil. Pois bem, chegado o momento da conclusão destes comentários, reservamo-lo para falar de uma possível dúvida decorrente da adoção do solstício de Inverno (que corresponde ao período de chuvas), pelos nossos 22 ancestrais, como representação do denominado Fogo Cósmico, em lugar do solstício de Verão (que corresponde ao período de maior radiação solar39). Supomo-la existente, porque, baseando-se no hierograma I.N.R.I., os mais adiantados na Arte Real indagariam: não é o fogo que renova a natureza inteira? Assim, para equacionamento e solução dessa questão, utilizaremos — aceitando-a, portanto, momentaneamente como a melhor — a lição de Jean-Marie Ragon Bettignies — o eminente escritor maçônico francês do Século XIX —, em seu “Curso Filosófico das Iniciações”, quando ele assim se expressou: “Pode parecer paradoxal que o emblema do fogo corresponda ao inverno em lugar do verão. Se homens vulgares houvessem escrito esses emblemas, teria ocorrido que, enganados pelo testemunho de seus sentidos, fariam que o fogo coincidisse com a época do ano em que o sol aquece mais intensamente a terra e, seguindo o mesmo raciocínio, teriam feito que a terra fria e inerte correspondesse com o inverno. Mas esses quadros engenhosos foram elaborados por sábios que não esqueceram que não deviam pintar o que viam, senão o que era realmente. Vejamos como raciocinaram para chegar a semelhante conclusão. A época do ano com que deve se relacionar o elemento terrestre é aquela em que a terra é coberta em todos os 39 ) Para aprofundamento da análise dessa matéria, sugerimos a leitura de “Simbolos fundamentales de la Ciência Sagrada” (capítulo XXXV), de René Guénon, disponível na Internet em: www.liberdade7.com.br. 23 lugares de flores e vegetação, devolvendo ao homem os tesouros que lhe foram confiados. Portanto, a terra deve corresponder à primavera. No verão parece que o ar puro brilha de modo extraordinário; o ar, rarefeito pelo calor, é mais vivo. Por isso o ar corresponde ao estio. O outono é a estação das chuvas, e deve caracterizarse por meio da água. Enfim, no inverno — nesta estação em que o calor se concentra e em que, enquanto a geada atapeta a superfície da terra, a Natureza prepara as maravilhas da primavera e os frutos do outono — é quando atua com maior energia o fogo central (o fogo elementar ou da Natureza); então é quando ele opera, apesar de estar oculto, suas mais deslumbrantes maravilhas: ignis ubique latet; então é quando queima a Natureza, e a fecunda e realiza no universo inteiro esse movimento que volta a nos trazer o sol e os dias bonitos: naturam amplectitur omnem. O fogo oculto e sempre ativo é o que produz e conserva todas as coisas: cuncta parit, cuncta que alit. O fogo, alma da Natureza cujas formas renova perpetuamente, é que divide os elementos dos corpos ou reúne suas moléculas dispersas: cuncta renovat, cuncta que dividit. Esse elemento é o que, uma vez que há sido o princípio de todos os seres, converte-se em causa ativa de sua destruição e de sua agregação a outros mistos: cuncta urit. Os antigos acreditaram que esse elemento era tão ativo que supuseram, primeiro, que era o primeiro agente da 24 Natureza, depois afirmaram que era o emblema da Divindade e, por último, que era própria Divindade”40. Em sendo essas as observações que pretendíamos realizar sobre o solstício de Inverno — e recordando aos interessados a existência de um interessante trabalho sobre os Hemisférios Norte e Sul à luz do Feng Shui (“Fan Shuêi”) chinês41 —, declaramos o cumprimento da nossa tarefa, agradecemos fraternalmente a atenção dispensada e afirmarmos que os comentários apresentados, mesmo que nada de novo lhes tenham proporcionado, foram compilados com o propósito inverso. Ayña (33º). 40 ) RAGON, Jean Marie. Curso Filosófico de las iniciaciones antiguas y modernas, p. 180-1. Tradução: Salvador Valera. Disponível na Internet em: www.liberdade7.com.br. 41 ) Disponível na Internet em: www.fengshui.com.br. 25