30 Especial Dr. Google Jornal Oftalmológico Jota Zero | Maio/Junho 2011 Especial Dr. Google 31 Dr. Google influencia novo posicionamento dos pacientes em relação aos médicos Especialistas em Oftalmologia e o CFM opinam sobre novo conceito adotado por pacientes ao buscarem informações sobre Medicina no gigante de buscas Google O brasileiro vem alcançando índices cada vez mais expressivos de acesso a internet (veja Box nesta matéria) e, com isso, utiliza cada vez mais a rede digital em busca de informações diversas. Hoje, é cada vez mais comum usar as páginas do Google para buscar e encontrar informações sobre a saúde pessoal antes mesmo de consultar um médico responsável. A seguir, a posição de três médicos oftalmologistas sobre os possíveis benefícios e malefícios do uso da internet para pesquisas relacionadas à Medicina. Segundo a especialista em Glaucoma Heloísa Russ, a pesquisa no Google é importante para os pacientes e também para os médicos.“O Dr. Google já foi incorporado a nossa realidade, pois a internet é, indiscutivelmente a fonte de informação atual, inclusive para nós, os médicos. Com essa ferramenta entramos em sites técnicos como Publimed, mas também às vezes o buscamos para sanar dúvidas corriqueiras”, disse. Já segundo o presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, Cláudio Lottenberg, a informação, sempre que com transparência e zelo, é benéfica “Seu conhecimento permite movimentos mais rápidos, permite julgamentos acerca de posturas técnicas e éticas e, portanto, pode ser muito útil”, opinou. Walace Chamon, Assessor Especial da Comissão Científica do CBO, por sua vez, Jornal Oftalmológico Jota Zero | Maio/Junho 2011 32 Especial Dr. Google Claudio Lottenberg Presidente do Hospital Israelita Albert Einstein Seu conhecimento permite movimentos mais rápidos, permite julgamentos acerca de posturas técnicas e éticas e, portanto, pode ser muito útil. Heloísa Russ Especialista em Glaucoma Devemos ser sinceros com o paciente, explicar que existem sites sérios e outros duvidosos utiliza a ferramenta para estimular o paciente, evitando que o mesmo interprete equivocadamente que o médico esteja inseguro ou com receio do paciente descobrir algo que não foi dito. “Utilizo a internet de maneira benéfica, sugerindo as palavras que os pacientes devem usar nas buscas ao final das consultas. Também lembro que deve tomar cuidado com o grande número de sites patrocinados que podem trazer informação distorcida”, contextualizou Walace. Ressaltando ainda a importância das pesquisas virtuais, Lottenberg entende que a utilização requer bom senso e que por ser uma área de acesso comum, a informação deve aparecer transparente e inserida nos cuidados com a ética médica. “Cabe aos usuários entender estes limites e aos elaboradores da informação também entender que aquilo que está descrito é de acesso comum”, finalizou Lottenberg. Hoje, por muitas vezes o paciente chega ao consultório médico com informações sobre o seu quadro clínico. Walace Chamon sugere que “o médico deve demonstrar segurança durante o atendimento, para que o paciente entenda que, apesar da internet ter toda a informação possível, quem tem o conhecimento é o médico”. Afirma também que assumir postura crítica é prejudicial à sua imagem. Já que o paciente pode interpretar tal atitude como o oposto do real diagnóstico empregado. Para Heloísa Russ, o médico deve escutar o paciente e jamais se sentir intimidado com a situação. “Devemos ser sinceros com o paciente, explicar que existem sites sérios e outros duvidosos. O médico jamais deve se sentir intimidado, e mesmo quando não sabe se aquilo é verídico, tomar nota e checar a informação em sites técnicos, informando ao paciente o caminho correto”, afirmou. Lottenberg chegou a se preocupar com essa situação, porém, hoje, acredita que quanto mais dados o paciente fornecer ao médico, mais completa será a análise. Cabe ao médico saber filtrar as informações, transformando-as em conhecimento “Hoje vejo como uma possibilidade de demonstrar meu conhecimento, passando credibilidade acerca do que é importante e útil. Acredito que essa prática, cada vez mais frequente, traga o paciente repleto de dados que, numa entrevista médica, podem ser transformados em importante informação”, opinou. A internet é um espaço virtual universal. Jornal Oftalmológico Jota Zero | Maio/Junho 2011 Oferece ao internauta a possibilidade de exprimir sua opinião da maneira como bem entender, e nesses moldes, fica difícil averiguar a veracidade da informação médica disponibilizada, o que pode ser prejudicial ao usuário leigo. Para Lottenberg, a internet é um espaço que nos permite exercer a arte do jornalismo sem qualquer censura, e que o próprio usuário tem a capacidade de selecionar e eliminar a informação ruim, cruzando os dados encontrados com diferentes fontes. “A censura está cada vez mais frequente por parte do consumidor, pois hoje ele questiona sobre a fonte e sua credibilidade. Sites maravilhosos nem sempre reproduzem ideias e propostas convincentes.”, concluiu. Para o presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, assim que a comunidade identifica um site com conteúdo ruim na rede, ela o destrói. “Escrevemos, mas se alguém o faz diferente de nós o leitor questiona e este questionamento espalha-se nesse mesmo espaço virtual, destruindo a falsa informação”, finalizou. Segundo Walace Chamon todas as ver­da­ des da medicina são passageiras e representam o conhecimento consolidado do momento. “Com certeza a “verdade absoluta” passa longe da internet, mas também está longe do conhecimento humano. Temos que ter postura humilde e orientar o paciente que, apesar da internet ter muitas informações corretas, o conhecimento reside em ponderar as informações e organizar um diagnóstico médico”, disse. A especialista Heloísa Russ ressalta o papel da internet como aliada. “Acredito na Internet como aliada, e não como formadora de opinião. Normalmente se pesquisa mais de um site antes de assimilar a informação”, reforçou. Com tanta informação disponível na rede e a facilidade de conseguir conteúdo médico, Heloísa Russ acredita que houve mudança na relação entre médicos e pacientes. “Creio que acabou com a posição quase ditatorial do médico em relação ao paciente, em que o médico tratava e o paciente obedecia.”, opinou. Walace Chamon não acredita que tenha mudado sua relação com os pacientes, mas, de uma maneira geral, acredita que a relação médico/paciente tornou-se mais transparente e franca. “Hoje não é mais possível para o médico privar o paciente de informações, Especial Dr. Google 33 como por exemplo, a existência de riscos cirúrgicos”, informou. A internet também é um grande centro de interação entre o prestador de serviços e seu cliente. Isso vale da mesma forma na relação entre médicos e pacientes. Pensando nisso, os oftalmologistas apontam alguns cuidados que o médico deve ter ao criar a sua página na internet. “O medico oftalmologista deve ter seu espaço na internet zelando pela qualidade da informação e não só pelas facilidades e belezas de sua disponibilização. Isto se chama conteúdo e este conteúdo deve ser de responsabilidade sua, não de outros e muito menos de não médicos. Afora isto, ter ciência de que aquilo é transparente e que a ética deve prevalecer antes de qualquer interesse pessoal por mais legítimo que este possa ser”, aconselha Lotenberg. Walace Chamon reforça também que é preciso ter cuidado com a propaganda enganosa e um compromisso ímpar com a saúde ocular da população. “O médico tem que estar atento ao ponto de vista legal, principalmente com a propaganda enganosa, pois ao citar que determinado procedimento é simples e sem riscos, ou atinge satisfação total, qualquer paciente poderá processá-lo baseado no Código de Defesa do Consumidor. Veja que este não é um processo por erro médico, que pressuporia imperícia, imprudência ou negligência. Do ponto de vista do compromisso com a saúde ocular da população, o médico oftalmologista deve sempre lembrar que as informações devem ter como objetivo a orientação ao paciente”, concluiu Wallace. Já Heloísa Russ pensa que o médico primeiramente deve procurar uma assessoria de imprensa para orientações iniciais. Precisa também tomar cuidado para evitar a autopromoção e a mercantilização do site. “Além de informações sobre a estrutura da clínica e equipe, o site deve ter informações sobre exames realizados e sobre as técnicas que julgar apropriadas. Devemos ter cuidado para informar sem o exagero tecnicista e procurando ser o mais real e atualizado possível. Não existe normas específicas que regulamentem o que pode ou não ser incluído na homepage, mas com bom senso e respeito à ética médica, pode-se construir uma página de qualidade”,disse. Heloisa acredita ser interessante que haja um canal de comunicação entre o médico e o paciente, visando sanar eventuais dúvidas, poupando tempo considerável de retornos telefônicos. Walace Chamon Assessor Especial da Comissão Científica do CBO O médico tem que estar atento ao ponto de vista legal, principalmente com a propaganda enganosa Números da internet no Brasil e a influência do Google 40,9 milhões acesso à banda larga 90,5% do mercado 6,4 milhões 16,7 bilhões número de conexões pela rede móvel de buscas na América Latina* 19,1 milhões acesso por celulares 6 bilhões de pesquisas no site feitas por brasileiros* * (somente em março de 2011) Os números veiculados a internet no Brasil cresceram de forma impressionante nos últimos anos. Segundo dados divulgados pela Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), o número de acessos à banda larga chegou aos 40,9 milhões em abril. Ainda segundo o balan­ç o, o Brasileiro elevou o número de conexões pela rede móvel, alcançando 6,4 milhões, e o acesso pelos celulares 3G de internet rápida chegou a 19,1 milhões. Um fator crucial desses números é a preferência de uma mesma página para realizar buscas: Google, líder isolado no setor de busca na internet, responsável por 9 entre 10 pesquisas realizadas na América Latina (90,5% do mercado). Segundo estudo realizado pela ComScore, líder mundial na medição do mundo digital e fonte de inteligência de marketing digital, divulgado em 17 de maio, o site norte-americano foi responsável por mais de 16,7 bilhões de buscas na América Latina, somente em março de 2011 e os brasileiros foram responsáveis por quase 6 bilhões de pesquisas no site. Jornal Oftalmológico Jota Zero | Maio/Junho 2011 Especial Dr. Google 35 Com a palavra o CFM “Uma dor de cabeça, por exemplo, pode se transformar num sintoma de tumor cerebral para aquele que acessou um sítio na internet. Ao invés de buscar diagnóstico no mundo virtual, as As palavras de Gerson Zafalon Martins, médico pneumologista, perito judicial e conselheiro do Conselho Federal de Medicina (CFM), evidenciam o cuidado que o usuário leigo deve ter ao buscar informações sobre sintomas na internet. Zafalon Martins lembra que existem muitos sítios não confiáveis e, por isto, a validação do conteúdo encontrado na internet deve ser discutida pessoalmente com o médico. “O paciente que busca informação na internet precisa ter o bom senso de selecioná-la em sítios confiáveis e se informar sobre o material obtido na rede com seu médico”, disse. O médico aconselha a busca de informação em sites de referência no assunto, como os das sociedades de especialidades médicas, como o do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), do Conselho Federal de Medicina, do Ministério da Saúde e de Universidades. Segundo Zafalon Martins, a internet tem o potencial para alterar a clássica relação médico-paciente e os especialistas em saúde devem estar preparados e atentos a isso. O paciente hoje já chega dotado de informações. “É comum o paciente trazer informações obtidas na internet, muitas vezes não confiáveis, e o médico deve ter o cuidado de ouvi-lo, examiná-lo e orientá-lo, desfazendo falsas impressões e mesmo diagnósticos já formulados”, ressaltou. Destaca ainda que um dos pilares éticos da Medicina é a relação médico-paciente; a conversa; o exame clínico que permitem o diagnóstico e a definição da terapêutica. O Código de Ética Médica, por meio de seus artigos informados abaixo, determina o que o médico não deve fazer ao abrir sua própria Home Page. (É vedado ao Médico)... Art. 111. Permitir que sua participação na divulgação de assuntos médicos, em qualquer meio de comunicação de massa, deixe de ter caráter exclusivamente de esclarecimento e educação da sociedade. Art. 112. Divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico. Art. 113. Divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente. Art. 114. Consultar, diagnosticar ou prescrever por qualquer meio de comunicação de massa. O CFM recomenda acessar o portal do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP) e procurar por “Manual de Princípios Éticos para os Sites de Medicina e Saúde”. O modelo pode ser encontrado acessando o link: http://www.cremesp.org.br/?site Acao=PublicacoesConteudoSumario&id=26 Em relação a informática e saúde, Zafalon Martins afirma que o CFM trabalha atualmente em assuntos relacionados à administração de informações médicas armazenadas no meio digital. Na era da internet, o Conselho se esforça para preservar a privacidade, a confidencialidade e a integridade da informação em saúde. “O CFM preconiza que informações médicas (prontuários e laudos, por exemplo), quando fornecidas por meio digital, devem possuir os controles de segurança preconizados para um Sistema de Registro Eletrônico de Saúde (S-RES), os quais, segundo a Resolução CFM Nº 1821, de 2007, são indicados no Manual de Certificação para Sistemas de Registro Eletrônico de Saúde, editado em convênio com a Sociedade Brasileira de Informática em Saúde (SBIS)”, disse. Tal teor é expresso no Artigo 3º da referida Resolução, pelo qual o CFM resolve autorizar o uso de sistemas informatizados para a guarda e manuseio de prontuários de pacientes e para a troca de informação identificada em saúde, eliminando a obrigatoriedade do registro em papel, desde que esses sistemas atendam integralmente aos requisitos do nível de garantia de segurança 2 (NGS2), estabelecidos no Manual de Certificação para S-RES. Foto: Márcio Arruda pessoas devem procurar um médico”. Gerson Zafalon Pneumologista, perito judicial e conselheiro do Conselho Federal de Medicina (CFM) O paciente que busca informação na internet precisa ter o bom senso de selecioná-la em sítios confiáveis e se informar sobre o material obtido na rede com seu médico Jornal Oftalmológico Jota Zero | Maio/Junho 2011