Medição Fenómenos

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CICLO DE ESTUDOS ESPECIAIS DE NEONATOLOGIA
MEDIÇÃO DE FENÓMENOS DE SAÚDE E DOENÇA
EM PERINATOLOGIA
Daniel Virella
Pediatra Neonatologista, Mestre em Epidemiologia
Sumário
1. Fundamentos epidemiológicos da medição de fenómenos de saúde e doença.
2. Principais indicadores de frequência de fenómenos de saúde e doença.
3. Problemas operacionais na medição de fenómenos de saúde e doença em
Perinatologia.
4. Alguns indicadores de morbilidade perinatal.
!
1. Fundamentos epidemiológicos da medição de fenómenos de saúde e
doença.
A Epidemiologia e a Demografia baseiam-se em três pilares conceptuais: população,
espaço e tempo. Ambas ciências estudam a evolução de populações, de grupos de
indivíduos e dos fenómenos que as afectam, ao longo do tempo e do espaço. Procuram
expressar de forma quantitativa a situação e a dinâmica das populações e indivíduos,
usando para tal instrumentos de medida, desenvolvidos ao longo de décadas.
Medição de Fenómenos de Saúde e Doença em Perinatologia
Ciclo de Estudos Especiais de Neonatologia - Daniel Virella - 2005
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Associando a ocorrência de um fenómeno a uma dada população e a um tempo
determinado, pretende-se não apenas conhecer o estado de saúde e doença num
determinado momento, mas também poder estimar a probabilidade, ou risco, da
ocorrência do fenómeno em estudo, por unidade de tempo.
Os dados referentes à saúde das populações, obtidas através de diferentes fontes, devem
poder ser utilizadas pelos profissionais do sector e, na medida do possível, ser acessíveis
a qualquer interessado. O seu uso é facilitado pela sua transformação em indicadores
de saúde, parâmetros que podem ser comparados ao longo do tempo e do espaço. A sua
fiabilidade depende da credibilidade das fontes de informação que forneceram os dados
e da correcção dos cálculos.
Indicador de saúde é uma variável, susceptível de medição directa, que procura
reflectir a saúde das pessoas numa comunidade.
Índice de saúde é uma indicação numérica do estado de saúde de uma população,
calculada com base em fórmulas específicas. Os componentes da fórmula e o seu
cálculo podem variar conforme os autores e as circunstâncias.
Os indicadores de saúde podem ser números absolutos, que correspondem à medição
bruta da frequência de um fenómeno de saúde (número de casos de SIDA registados
num ano, número de doentes com diabetes existentes num momento e lugar, número de
mortes por acidentes de trânsito num período, número de consultas duma especialidade
ou de internamentos por uma patologia num hospital, etc.). No entanto, mais
frequentemente são razões ou cocientes, aos quais chamamos genericamente taxas.
TAXAS vs. RAZÕES
TAXAS
RAZÕES
A
---------B
A
---------B
A é uma parte de B
A e B são independentes
A
B
A
B
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Na sua maioria, os indicadores demográficos são cocientes, que expressam relações
entre magnitudes. Nalguns casos, estes cocientes são proporções, geralmente chamadas
taxas, pois o numerador é constituído por indivíduos que são parte dum grupo maior
que constitui o denominador; outros indicadores são razões, pois numerador e
denominador são grupos independentes de indivíduos.
As taxas, ao contrário das razões, possuem dimensão, dada por unidades, dependentes
da magnitude quer do fenómeno retratado quer da população a que se referem.
A taxa é uma expressão da frequência com que um acontecimento ocorre numa
população. Os seus componentes são o numerador (os casos registados do
acontecimento), o denominador (a população na qual o acontecimento ocorre), o
tempo específico em que se verificou o acontecimento e, geralmente, um coeficiente de
multiplicação, sob a forma de uma potência de 10, que permite converter a taxa de uma
fracção ou um número decimal num número inteiro (de mais fácil compreensão e
manipulação):
taxa =
número de acontecimentos verificados
num tempo especificado
população média durante o mesmo período de tempo
x 10-n
A magnitude da potência de 10 depende da dimensão da população e da frequência do
fenómeno. Quanto mais frequente o fenómeno e menor a população, menor a potência a
usar (102=100 ⇒ %, ou 103=1000 ⇒ ‰) pois o fenómeno ocorre numa proporção
elevada da população. Fenómenos raros ou pouco frequentes, necessitarão de maiores
potências de 10 para serem transformados em números inteiros ou décimas
(105=100.000; 106=1.000.000). A potência de dez utilizada no índice funciona como
uma lente amplificadora dum sistema óptico, para melhor se poder visualizar um
fenómeno raro numa grande população. Fenómenos de maior dimensão, necessitam de
menor “ampliação” para ser vistos.
Para as taxas demográficas mais comummente utilizadas, no entanto, utilizam-se
habitualmente as mesmas potências, independentemente da dimensão do fenómeno em
cada comunidade concreta. Por exemplo, para as taxas de mortalidade referentes a
populações, utiliza-se geralmente a potência 105 (é um acontecimento geralmente
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referido a populações de cidades, regiões ou nações, com populações de centenas de
milhares a milhões de indivíduos).
A utilização de uma potência de dez positiva ou negativa depende apenas do símbolo
matemático utilizado na expressão do índice da potência. Se utilizarmos o sinal de
multiplicação (x), utilizaremos uma potência negativa; no caso de usar-se o sinal de
divisão (: ou /), uma potência positiva (pois estamos sempre a referir-nos à dimensão do
denominador do cociente, i.e. à população na qual surge o fenómeno medido).
O uso de taxas em vez de números absolutos é essencial para a comparação de
experiências entre populações em ocasiões diferentes, em diferentes lugares e entre
diferentes classes ou grupos populacionais.
Quando uma taxa é calculada para o total de casos do fenómeno (por exemplo, óbitos),
trata-se de uma taxa geral (neste caso, taxa geral de mortalidade).
Taxa geral =
todos os casos de um acontecimento genérico
x 10-n
dimensão da população em que surgem os acontecimentos
Quando uma taxa se refere apenas a determinados casos particulares do fenómeno,
trata-se de uma taxa específica (taxa de mortalidade por acidentes de viação; taxa de
mortalidade infantil), seja com respeito a um acontecimento determinado ou a um sector
da população:
Taxa
específica =
de uma
subpopulação
nº de casos de um determinado acontecimento
x 10-n
dimensão da subpopulação em que surgem os acontecimentos
Taxa
específica de =
um
acontecimento
nº de casos de um determinado acontecimento
x 10-n
dimensão da população em que surgem os acontecimentos
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2. Principais indicadores de frequência de fenómenos de saúde e
doença.
Quando estudamos um problema de saúde (geralmente uma doença ou condição), há
sempre duas questões prioritárias que necessitamos de quantificar: quantos casos
existem e quantos mais vão surgindo. Estes aspectos são importantes na prática. Se
pensamos comprar um aparelho de diagnóstico ou terapêutica ou montar uma unidade
de prestação de cuidados, por exemplo, é necessário ter um conhecimento preciso do
movimento que temos ou iremos ter, ou correremos o risco de fazer um investimento
desnecessário ou insuficiente.
O indicador que mede o número de casos de uma doença (ou condição) existentes numa
população num determinado momento é a prevalência. A proporção de indivíduos
doentes (ou com essa condição) num momento no total da população é a taxa de
prevalência:
taxa de prevalência =
número de casos existentes de
determinada doença
x 10-n
população em que surge a doença
A prevalência (e, consequentemente, a taxa de prevalência) é sempre relativa a um
momento temporal concreto, a um corte transversal no tempo. O conceito de
“momento” é muito lato, podendo ir de horas a dias ou um ano. É também um conceito
relativo, podendo referir-se ao tempo cronológico absoluto (do calendário civil ou do
relógio) ou ao tempo vital dos indivíduos nos quais se está a medir a frequência da
existência do fenómeno: momento do nascimento, na primeira infância, na
adolescência, no momento da morte, no momento da admissão ou alta de um hospital
ou da inscrição num serviço, etc.
As taxas de prevalência são determinadas através de estudos epidemiológicos
descritivos transversais, a forma mais adequada de fazer “o retrato” de uma situação.
Por outro lado, a medida do aparecimento de novos casos de doença ao longo dum
período de tempo é a incidência. A proporção de indivíduos do total da população que
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adoece num determinado período de tempo (ou que adquire determinada condição) é a
taxa de incidência:
taxa de incidência
número de novos casos de doença
=
x 10-n
população em que surge a doença
O fundamento deste indicador de frequência é haver, no início do período de tempo no
qual se estuda a situação, parte da população que não sofre a doença ou condição em
estudo, mas, ao longo desse período de tempo, eventualmente alguns desses elementos
poderão a passar a sofrer a doença (ou a apresentar a condição). Não interessam para
esta contabilidade aqueles indivíduos que já possuíam a condição antes de se iniciar a
avaliação, nem se os novos casos continuam ou não doentes no fim do período de
estudo.
No cálculo da incidência, o fenómeno de saúde não se estuda durante um momento, mas
sim durante um período de tempo. No entanto, a definição de “período de tempo”
pode também ser relativa ao tempo absoluto (de calendário) ou ao tempo vital dos
indivíduos estudados (durante o período neonatal, durante a adolescência, durante a
estadia num hospital ou aos cuidados de uma instituição).
As taxas de incidência são determinadas através de estudos epidemiológicos
descritivos longitudinais e prospectivos. São a forma de fazer “o filme” de uma
situação.
Quando trabalhamos com populações fechadas e com doenças que só se sofrem uma
vez e têm cura, devemos ainda ter em conta o número de indivíduos em risco. Se
pretendemos determinar incidências seriadas (várias determinações ao longo de um
período de tempo curto) de uma doença deste tipo, o denominador está sempre a
modificar-se (a diminuir), pois os indivíduos que já sofreram a doença já não podem
voltar a sofrê-la; genericamente fazem ainda parte da população, mas em realidade já
não são população em risco. Este aspecto é importante em populações pequenas e
fechadas, como uma turma de escola ou a população de um lar ou uma instituição de
doentes crónicos.
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Para cálculos em grandes populações abertas, como as correspondentes a cidades ou
países, estas questões raramente são de considerar.
Quando se estuda a história natural das doenças, descreve-se um período prépatogénico, durante o qual um indivíduo não sofre a doença em estudo, mas está
eventualmente sob o efeito sequencial ou cumulativo de um ou mais factores causais da
doença. Quanto mais tempo poder estar sujeito a esses factores, maior a probabilidade
de vir a iniciar o processo fisiopatológico conducente à doença. Este conceito está
ligado ao de risco de contrair uma doença.
Ao determinar a incidência de uma doença em pequenas populações fechadas ou em
que se suspeita uma relação entre a probabilidade de aparecimento da doença e a
intensidade da exposição ao factor, há que entrar em conta com o factor tempo de
exposição (aos factores causais ou de risco). É o caso, por exemplo, do tempo de
permanência em unidades de cuidados intensivos, do tempo de permanência de uma via
central ou de uma sonda de algaliação, do tempo de ventilação ou do tempo de
oxigenoterapia. Para considerar estas diferenças no cálculo de incidências, neste tipo de
populações deve-se incluir no denominador da fórmula de cálculo da incidência não
apenas o número de indivíduos que constituem a população, mas também o somatório
do tempo individual de exposição ao factor:
taxa de incidência
=
número de novos casos de doença
número de
elementos da
população em
risco de surgir a
doença
x
x 10-n
somatório do tempo de
exposição de cada
elemento da população
em risco de surgir a
doença
Cada indivíduo contribui para o denominador com o tempo (dias, anos) durante o qual
esteve exposto ao factor. A taxa de incidência tem assim como unidade “casos por
indivíduos em risco e tempo de exposição (dias, anos)”.
Em alguns casos não é tão importante entrar em conta com o número de indivíduos em
risco, mas sim com o somatório do número de exposições às quais se refere o somatório
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do tempo de exposição (número de catéteres centrais colocados, número de episódios de
ventilação ou de intervenções cirúrgicas):
taxa de incidência =
x 10-n
número de novos casos de doença
número de
exposições ao
factor de risco
x
somatório do tempo de
exposição de cada
elemento da população
em risco de surgir a
doença
A unidade da taxa de incidência assim calculada é “casos por episódios de exposição e
tempo (dias, anos)”.
As taxas de incidência e de prevalência são o fundamento de todos os outros indicadores
de saúde, que podem ser consideradas especificações destas medidas genéricas de
medição da frequência dos fenómenos de saúde.
Relação entre incidência e prevalência numa população aberta.
novos casos
(incidência)
Doentes
que entram
na
população
prevalência
doentes
que se curam
ou que falecem
Indivíduos
que saem da
população
POPULAÇÃO
Apesar de serem conceptual e operacionalmente muito diferentes, a incidência e a
prevalência estão intimamente relacionadas, pois o número de indivíduos doentes (ou
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com determinada condição) numa população depende do aparecimento de novos casos
(ou aquisição desse atributo) na população (não haveria casos se estes não
aparecessem...). A permanência dum indivíduo no grupo de doentes (numerador da
taxa de prevalência) depende do tempo que a doença durar, isto é, do tempo
decorrido entre o início da doença e o seu fim (cura ou morte). Para incidências iguais,
doenças mais longas terão maior prevalência do que as mais curtas.
Conceptualmente, pode-se considerar que a prevalência é produto (função) da
incidência e do tempo de duração da doença (embora este produto não seja real):
Prevalência = Incidência x Duração
Quando se estudam concretamente os efeitos de uma doença numa população, três
questões são geralmente levantadas:
(1) com que frequência os indivíduos dessa população sofrem a doença;
(2) com que frequência essa doença é causa de morte;
(3) qual a probabilidade de se morrer ao contrair- se a doença e
(4) com que frequência tem consequências sobreviver à doença.
Existem indicadores específicos que respondem a estas perguntas e que medem a
importância e gravidade de uma doença. A importância de uma doença pode ser dada
quer pela frequência com a qual a doença surge ou pelo número de doentes que existem
na população (consoante sejam doenças agudas ou crónicas), pela frequência com que
uma doença é causa de morte na população ou pela frequência de evolução fatal dos
casos de doença (ou, de uma forma mais genérica, pela frequência de evolução
desfavorável).
A taxa de morbilidade indica a proporção de indivíduos que sofrem uma dada doença,
numa dada população, num tempo determinado:
taxa de
morbilidade
=
número de casos de doença
x 10-n
população na qual surge a doença
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No caso de doença agudas (de curta duração), calcula-se geralmente como uma taxa de
incidência, sendo uma estimativa nessa população da probabilidade de vir a contrair a
doença. É possível ser útil a determinação da taxa de prevalência de doenças agudas,
como estimativa pontual da proporção da população afectada num determinado
momento (geralmente muito curto).
Para doenças de evolução tendente para a cronicidade, é útil calcular-se quer a taxa
de incidência (medindo-se a probabilidade de ocorrerem novos casos) quer a taxa de
prevalência, sendo uma estimativa da proporção da população que sofre a doença.
Ambas determinações são importantes para avaliação de eventuais recursos necessários
para diagnóstico e tratamento em cada população.
A taxa de mortalidade indica a proporção de indivíduos, numa dada população, que
morrem devido a uma determinada doença, num período de tempo determinado:
taxa de
mortalidade
=
número de óbitos por
determinada doença
x 10-n
população na qual surge a doença
É uma estimativa da probabilidade de vir a falecer devido a determinada doença numa
população. Genericamente, é sempre uma taxa de incidência, pois mede a probabilidade
de, ao longo de um período de tempo, uma população que não sofre a condição (pois
estão vivos) vir a padecê-la (i.e., morrer). Nunca pode ser encarada como uma
prevalência, pois apenas os vivos formam parte de uma população em qualquer
momento.
A taxa de letalidade indica a proporção de indivíduos que, sofrendo de determinada
doença (numa dada população e num tempo determinado), falecem devido a essa
doença:
taxa de
letalidade
=
número de óbitos por
determinada doença
número de pessoas que
padecem a doença
x 10-n
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É a taxa de mortalidade aplicada apenas aos indivíduos que sofrem uma determinada
doença (portanto também uma incidência). Estima, numa população, a probabilidade de
vir a falecer devido a uma doença, caso se venha a sofrê-la.
Para avaliar as repercussões eventuais de sobreviver a uma doença, avalia-se a
probabilidade (taxa) de ocorrências de sequelas ou a probabilidade (taxa) de evolução
para a cronicidade, determinando-se também indicadores relacionados, mais ou menos
objectivos, como grau de dependência, anos de vida activa perdidos, despesas médicas
relacionadas com o tratamento de doenças crónicas, etc.
3. Problemas operacionais na medição de fenómenos de saúde e
doença em Perinatologia.
A realidade da análise dos dados de saúde perinatal apresenta dificuldades na aplicação
destes conceitos operacionais, pensados para serem aplicados em contextos diferentes
ou gerais. Estas dificuldades prendem-se com a correcta utilização e associação
(conceptual e operacional) dos três pilares da Epidemiologia e da Demografia:
população, tempo e espaço. Veremos vários exemplos.
Nem sempre as taxas são verdadeiras proporções, mas apenas aproximações tão fiéis
quanto possível ao conceito real. De facto, em muitos casos, os indivíduos que
constituem os casos de numerador não são na sua totalidade parte da população global
referida no denominador; em outros, o denominador não corresponde exactamente à
população total à qual se refere o acontecimento, geralmente apenas à sua melhor
estimativa (em certos indicadores, apenas por tradição denominados taxas, nem mesmo
isso).
Para quantificar a capacidade de uma população se renovar à custa do nascimento de
novos indivíduos utiliza-se a taxa de natalidade. O seu cálculo é feito através da
fórmula:
número de nados-vivos
x 10-n
população total
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Entende-se por “nados-vivos” o resultado do parto de um feto vivo. Os “nados-mortos”
não contribuem para este cálculo (pois não aumentam a população).
Este indicador é uma verdadeira taxa, pois determina a proporção dos indivíduos de
uma população que correspondem a crianças nascidas nesse mesmo ano.
No entanto, o mesmo não se passa com outro indicador tão ou mais utilizado.
A taxa de mortalidade infantil reflecte a probabilidade de um recém-nascido morrer
antes de completar um ano de vida. O seu cálculo faz-se através de um artifício
demográfico, utilizando como população em risco (denominador) o número de nadosvivos que ocorreram no ano em referência e como casos (numerador) o número de
indivíduos que nesse ano faleceram antes de completar um ano de idade:
número de crianças falecidas antes de
completar um ano de vida
x 10-n
número de nados-vivos
Devido a este artifício, não se trata de uma “verdadeira” taxa, pois os indivíduos que
constituem o numerador não são, na sua totalidade, uma parte do denominador: parte
das crianças falecidas com menos de um ano de idade num determinado ano nasceram
no ano anterior, embora tendo sobrevivido até ao ano em análise; do mesmo modo,
parte das crianças nascidas ao longo do ano em análise poderão vir a falecer antes de
completar um ano de idade, embora tal apenas aconteça no ano seguinte, não constando,
por isso, do numerador. Em termos práticos, estes dois grupos de casos geralmente
equilibram-se, pelo que se pode considerar o cálculo obtido da forma descrita como uma
boa aproximação ao indicador pretendido.
Se geralmente é claro qual o tipo de medição de frequência que se requer para descrever
a frequência de um fenómeno de saúde (incidência, prevalência ou ambas), por vezes a
realidade é mais complexa. Quando não é operacionalmente possível determinar a
dimensão da população em risco ou identificar os casos de doença como casos novos ou
como indivíduos já previamente doentes, é necessário optar pelas aproximações
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possíveis ou por medidas de frequência menos padronizadas e abdicar das
denominações precisas (prevalência ou incidência) e falar simplesmente em “frequência
de”.
Algumas medidas de frequência de fenómenos importantes em perinatologia
apresentam problemas conceptuais e operacionais importantes, que dificultam ou
impossibilitam a obtenção de taxas correctas.
A determinação da frequência relativa de ocorrência de interrupções de gravidez
(uma taxa de incidência) é um exemplo paradigmático. Seria útil poder-se conhecer o
risco de uma gestação evoluir para o insucesso, quer em geral quer em situações
particulares. No entanto, esta taxa (e consequente probabilidade, i.e., risco) é geralmente
impossível de calcular. O denominador deveria ser constituído por todas as concepções
seguidas de implantação ocorridas numa população num determinado período de tempo;
este número é impossível de determinar (com excepção específica das gestações por
fertilização in vitro). O numerador deveria ser todas as interrupções de gestações
ocorridas numa população num determinado período de tempo, número que também
não é possível de determinar (com a excepção já referida).
Podem-se, no entanto, determinar com muito rigor taxas específicas de interrupção de
gestação, como por exemplo: em gestações por fertilização in vitro, em gestações que
atingiram o final do segundo trimestre, ou em gestantes que desenvolvem diabetes ou
hipertensão durante a gravidez ou que são submetidas a procedimentos concretos.
A medida da frequência de ocorrência de anomalias congénitas é outra questão. As
anomalias congénitas podem ocorrer em qualquer momento desde a fecundação, pelo
que todos os embriões, desde o início do seu desenvolvimento são a população na qual
podem ocorrer estes problemas, i.e., o denominador de uma eventual taxa. O numerador
seriam todos os produtos da fecundação nos quais surgem anomalias congénitas
(incidência). Ambos componentes da taxa são impossíveis de calcular, pelo que é
impossível determinar a incidência de anomalias congénitas. O único indicador de
frequência passível de determinar com algum rigor é a frequência de apresentação de
anomalias congénitas à nascença, i.e., a prevalência de anomalias congénitas no
nascimento. Obviamente, a cada vez maior capacidade técnica de detectar precocemente
anomalias congénitas major durante a gravidez permite oferecer a possibilidade de
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interromper a gestação em idades não viáveis, afectando a prevalência destas situações à
nascença.
Algumas questões são ainda mais difíceis de resolver, como, por exemplo a medida de
frequência da ocorrência de doença das membranas hialinas. Ao contrário das
anomalias congénitas, cuja história natural é relativamente clara (todas devem por
definição estar presentes à nascença), o mesmo não se passa com esta doença. Recémnascidos de extrema prematuridade nascem sem terem surfactante pulmonar suficiente
para uma ventilação eficaz, mas recém-nascidos menos prematuros ou de prematuridade
limiar nascem com surfactante suficiente mas consomem-no e não possuem capacidade
para substituí-lo ao ritmo necessário. Se no primeiro caso é claro que a causa da doença
(insuficiência de surfactante) se apresenta logo à nascença, no segundo caso tal não se
passa. No primeiro grupo de recém-nascidos pode-se calcular uma taxa de prevalência
(proporção de indivíduos que num momento determinado apresentam uma condição);
no segundo caso, pode-se calcular uma taxa de incidência (proporção de indivíduos que
desenvolvem uma condição ao longo de um período de tempo determinado). Como
resolver o problema de apresentar numa taxa apenas estes dois grupos? Não podemos
assumir que prevalência e incidência são a mesma coisa e sumá-las. A única solução é
abdicar da especificidade desses termos e optar pelo termo genérico: frequência da
ocorrência de doença das membranas hialinas.
A análise de riscos associados a intervenções ou patologias também apresenta
algumas exigências conceptuais, particularmente quando se assume que a magnitude do
risco é dependente da magnitude da exposição (tempo ou episódios). Nestes casos, o
cálculo de taxas de incidências (que fornecem probabilidades, i.e., riscos) devem ter em
linha de conta este aspecto: os denominadores não podem ser apenas os indivíduos
expostos ao factor, mas o produto do número destes indivíduos pelo tempo de exposição
e/ou pelo número de episódios de exposição.
A análise de risco entre grupos de indivíduos com factores de exposição de graduação
ou natureza diferente não deve limitar-se à simples análise estatística da diferença de
proporções (usando testes de Qui-quadrado ou de Fisher, por exemplo), deve ser feita
usando os indicadores epidemiológicos de comparação de risco: o Risco Relativo ou o
Odds Ratio, conforme a proveniência dos dados (o desenho do estudo) e a metodologia
de análise estatística (comparação simples, análise multivariada ou regressão logística).
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Em qualquer dos casos, a significância do incremento de risco encontrado deverá ser
dado pelo intervalo de confiança do indicador calculado (não pela significância
estatística p).
É de recordar que este mesmo raciocínio se aplica à análise do risco de sucesso de
intervenções terapêuticas ou preventivas (análises de eficácia e de efectividade).
Trabalhando
em
medicina
perinatal,
exemplos
como
estes
deparam-se-nos
frequentemente. Para resolver estas dificuldades é necessário reflectir sobre a
fisiopatologia e história natural da doença e sobre os conceitos epidemiológicos que
podemos usar, tendo frequentemente a humildade de assumir que não podemos, de
facto, calcular os indicadores que gostaríamos.
4. Alguns indicadores de morbilidade perinatal.
Definições de conceitos e indicadores epidemiológicos, no âmbito da saúde perinatal,
tal como utilizados nos textos da Direcção Geral de Saúde (podem ser encontrados no
seu website). Actualmente, alguns destes conceitos e definições estão ultrapassados, à
luz da evolução técnica da medicina perinatal, não correspondendo às necessidades de
tratamento correcto da informação necessária para analisar os resultados dos cuidados
de saúde perinatal.
Índice sintético de fecundidade - Número médio de crianças vivas nascidas por
mulher em idade fértil (dos 15 aos 49 anos de idade), admitindo que as mulheres
estariam submetidas às taxas de fecundidade observadas no momento. Valor resultante
da soma das taxas de fecundidade por idades, ano a ano ou grupos quinquenais, entre os
15 e os 49 anos, observadas num determinado período (habitualmente um ano civil).
Mortalidade materna - Óbitos de mulheres ocorridos durante a gravidez ou dentro de
um período de 42 dias após o seu termo, independentemente da sua duração ou
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localização, devidos a qualquer causa relacionada com ou agravada pela gravidez, ou
por medidas em relação a ela, mas não devido a causas acidentais ou incidentais.
Nado-vivo - O produto do nascimento vivo.
Nascimento vivo - É a expulsão ou extracção completa, relativamente ao corpo materno
e independentemente da duração da gravidez, do produto da fecundação que, após esta
separação, respire ou manifeste quaisquer outros sinais de vida, tais como pulsações do
coração ou do cordão umbilical ou contracção efectiva de qualquer músculo sujeito à
acção da vontade, quer o cordão umbilical tenha sido cortado, quer não, e quer a
placenta esteja ou não retida.
Óbito - Cessação irreversível das funções do tronco cerebral.
Parto - Completa expulsão ou extracção, do corpo materno, de um ou mais fetos, de 22
ou mais semanas de gestação, ou com 500 ou mais gramas de peso, independentemente
da existência ou não de vida e de ser espontâneo ou induzido.
Percentagem de partos sem assistência - Exprime o número de partos realizados sem
assistência de médico, e/ou enfermeira com especialidade em saúde materna e obstétrica
e/ou parteira, por cada 100 partos.
População média - População calculada pela média aritmética dos efectivos em dois
momentos de observação, habitualmente em dois finais de anos consecutivos.
Taxa bruta de mortalidade - Número de óbitos observado durante um determinado
período de tempo, normalmente um ano civil, referido à população média desse período
(habitualmente expressa em número de óbitos por 1000 habitantes).
Taxa bruta de natalidade - Número de nados vivos ocorrido durante um determinado
período de tempo, normalmente um ano civil, referido à população média desse período
(habitualmente expressa em número de nados vivos por 1000 habitantes).
Taxa de fecundidade geral - Número de nados vivos observado durante um
determinado período de tempo, normalmente um ano civil, referido ao efectivo médio
de mulheres em idade fértil (entre os 15 e os 49 anos) desse período (habitualmente
expressa em número de nados vivos por 1000 mulheres em idade fértil).
Taxa de mortalidade específica por causas de morte - Exprime o número de óbitos
devidos a determinada causa de morte por cada 100.000 habitantes.
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Taxa de mortalidade infantil - Número de óbitos de crianças com menos de 1 ano de
idade observado durante um determinado período de tempo, normalmente um ano civil,
referido ao número de nados vivos do mesmo período (habitualmente expressa em
número de óbitos de crianças com menos de 1 ano por 1000 nados vivos).
Taxa de mortalidade materna - Número de óbitos de mulheres devido a complicações
da gravidez, do parto e de puerpério (vide Mortalidade Materna), observado durante um
determinado período de tempo, normalmente um ano civil, referido ao número de nados
vivos ou nascimentos totais do mesmo período (habitualmente expressa em número de
óbitos de mulheres nestas condições, por 100.000 (10 5) nados vivos ou nascimentos
totais).
Taxa de mortalidade neonatal - Número de óbitos de crianças com menos de 28 dias
de idade observado durante um determinado período de tempo, normalmente um ano
civil, referido ao número de nados vivos do mesmo período (habitualmente expressa em
número de óbitos de crianças com menos de 28 dias de idade por 1000 (nados vivos).
Taxa de mortalidade perinatal - Número de óbitos fetais de 28 ou mais semanas de
gestação e óbitos de nados vivos com menos de 7 dias de idade observado durante um
determinado período de tempo, normalmente um ano civil, referido ao número de nados
vivos e fetos mortos de 28 ou mais semanas do mesmo período (habitualmente expressa
em número de óbitos fetais de 28 ou mais semanas e óbitos de nados vivos com menos
de 7 dias de idade por 1000 nados vivos e fetos mortos de 28 ou mais semanas).
Medição de Fenómenos de Saúde e Doença em Perinatologia
Ciclo de Estudos Especiais de Neonatologia - Daniel Virella - 2005
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