ILHA DO COQUEIRO-PIRAPORA-MG: UM LUGAR NO MUNDO E O MUNDO EM UM LUGAR MARIA DIONE DO NASCIMENTO OLIVEIRA Graduada em Licenciatura Plena em Geografia pela UNIMONTES [email protected]; KÊNIA RAYANE FONSECA DE CASTRO Graduada em Licenciatura Plena em Geografia-UNIMONTES Pós-graduanda em Meio Ambiente e Sustentabilidade-UNIMONTES [email protected]; DANIELLA SOUZA DE MENDONÇA Graduada em Licenciatura Plena em Geografia-UNIMONTES Pós-graduanda em Meio Ambiente e Sustentabilidade-UNIMONTES [email protected]; O homem é a medida de todas as coisas e não existe conhecimento objetivo sem a consideração desse pressuposto. (Gomes, 2000 p.310.) Resumo O presente artigo tem como objetivo analisar a relação de pertencimento desenvolvida pelo agricultor familiar Veríssimo Custódio de Matos com a Ilha do Coqueiro Pirapora-MG onde trabalha com a terra desde 1970. A metodologia utilizada consiste em revisão bibliográfica, entrevista com o agente pesquisado e campo em seu local de trabalho. A pesquisa foi estruturada em quatro eixos: abordagem da geografia humanística e a formação do conceito de lugar, a influência das secas no nordeste brasileiro no processo de migração, o processo de apropriação e exploração da terra na ilha do Coqueiro-Pirapora-MG e a relação de pertencimento do senhor Veríssimo com a ilha e o Rio São Francisco. A importância do agente pesquisado se dá pelo fato do mesmo ser objeto e sujeito de uma história tão comum a tantos sertanejos e nordestinos que partem de sua terra natal em busca de melhores condições de vida na região Sudeste. Palavras-chave: lugar, espaço de vivência, Ilha do Coqueiro. INTRODUÇÃO Num momento em que se busca uma maior valorização homem enquanto ser que se apropria e modifica o espaço em que vive, com suas particularidades, contradições e reproduções, estudar a construção do sentimento de pertencimento pelos indivíduos que habitam um determinado espaço geográfico torna-se de suma importância para compreender as transformações sociais e culturais ocorridas na contemporaneidade. O lugar está intimamente ligado à adaptação do indivíduo aos espaços em que habita ou que desenvolve algum tipo de atividade e reflete, muitas vezes, a história, os anseios e as escolhas daqueles que o constroem, está sempre permeado de sentimentos. O valor atribuído as lugares, não está relacionado à conquistas materiais ainda que estas possam influenciar na permanência dos indivíduos nos lugares. Nesse contexto o lugar representa o ponto de ligação entre os indivíduos, suas histórias e suas conquistas. As migrações ocorridas no território brasileiro sempre estiveram associadas a fatores econômicos. O ciclo do café e, posteriormente, o processo de industrialização, levou a região Sudeste tornar-se efetivamente o grande pólo de atração de migrantes, que saiam de sua região de origem em busca de empregos ou melhores salários. A falta de infraestrutura no meio rural, a miséria e a pobreza agravadas pela seca e pela concentração de terras nas mãos dos latifundiários fazem com que a grande parte população rural nordestina fosse atraída pelas perspectivas de conseguir um emprego assalariado nos grandes centros e a partir daí, uma possível melhora na qualidade de vida da família. Neste contexto histórico que o senhor Veríssimo Custódio de Matos, morador da ilha do Coqueiro embarca no vapor Benjamim Guimarães em Juazeiro (BA) em direção a Pirapora (MG) de onde pretendia seguir viagem para o estado de São Paulo na esperança de obter melhores condições de vida. A seca por qual passava sua região de origem e consequentemente a fome foram os motivos que impulsionaram a fuga do Sr. Veríssimo e sua família. Não segue até São Paulo, estabelece-se na cidade de Pirapora e ali constrói uma nova experiência de vida conseguindo com muito trabalho vencer as adversidades experimentadas em Juazeiro, terra natal, sem, contudo deixar de sentir-se intimamente ligado às suas raízes. A metodologia adotada para a realização desse trabalho constou de revisão bibliográfica pesquisa de campo e entrevista com o agente pesquisado A GEOGRAFIA HUMANÍSTICA E O CONCEITO DE LUGAR A geografia humanística surge na década de 1970 num movimento de oposição à linha positivista e quantitativa da geografia tradicional. As mudanças ocorridas na sociedade trazem à tona velhos questionamentos não respondidos até então, reforçando o apelo à reestruturação do pensar geográfico. Segundo Gomes (2001), há um consenso entre os pensadores da geografia humana quanto à insuficiência e inadequação do pensar geográfico corrente nessa época, ele aponta que havia uma visão equivocada quanto à geografia humanística atribuindo a esta a função de ciência reacionária sem vinculação com o processo de construção do desenvolvimento da sociedade. A nova corrente coloca o homem como o centro de suas preocupações. Passa a analisar os fenômenos não apenas sobre o ângulo natural ou físico, mas antes contextualizando e valorizando as interdependências do meio com as relações antrópicas. A geografia humanística está assentada na subjetividade, na intuição, nos sentimentos, na experiência, no simbolismo, e na contingência, privilegiando o singular e não o particular ou o universal e, ao invés da explicação, tem na compreensão a base para a inteligibilidade do mundo real (CORRÊA 2001, p. 30). Essa estruturação dos fundamentos da geografia humanista introduz nessa corrente a preocupação com o sentimento humano e sua relação com o espaço de vivência. As relações desenvolvidas pelo indivíduo ao longo de sua vivência com os lugares e seus elementos constituintes tornam-se objetos de estudo atribuindo ao conceito de lugar maior importância no contexto geográfico. Para Tuan 1983, o lugar aparece carregado de significados subjetivos àqueles que o habitam. Não é apenas o locus das reproduções humanas, traz consigo toda uma carga de sentimento que é ali desenvolvido. O individuo pertence ao lugar. O lugar contém a história de vida, sonhos, realizações e esperanças, se entrelaça com a própria história das pessoas não podendo em momento algum ser analisado em separado, sem a presença do humano. O lugar é produto das relações humanas, entre homem e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do vivido o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade, posto que é aí que o homem se reconhece porque é o lugar de vida. ...Cada sujeito se situa num espaço concreto e real onde se reconhece ou se perde, usufrui e modifica, posto que o lugar tem usos e sentidos em si (CARLOS, 2007, p.22). A construção do sentimento de pertencimento, contudo, não surge apenas com o simples convívio de indivíduo com os espaços habitados ou vivenciados, ela envolve uma teia de relações e experiências que à medida que se desenrolam atribuem valores e significados aos lugares e estes irão determinar que tipo de relação será construída pelos indivíduos. Sua produção, forma e desenvolvimento, são determinados pela cultura de seus ocupantes, porém, estes pode também, ser influenciados diretamente pelo lugar. Elementos como a paisagem, experiências vivenciadas o desenvolvimento socioeconômico entre outros podem influenciar na construção do sentimento de pertencimento como também na permanência ou não dos indivíduos no seu lugar de vivência. Nesse caso o indivíduo irá construir outras relações a fim de integrar-se ao novo ambiente e reconstruir ou recomeçar sua vida. Essa mudança, contudo, não significa que o indivíduo desvinculou-se do seu lugar de origem, ainda que haja nesse processo uma integração rápida e sem maiores conflitos emocionais. Muitas vezes as dificuldades que o indivíduo passa no lugar de origem obrigam-no a procurar novos meios de sobrevivência sendo necessário mudar-se para outra cidade, estado ou até mesmo outro país sem, contudo perder a identidade com o seu lugar de origem. Muitas pessoas buscam fixarem-se em lugares onde a paisagem tenha traços do seu antigo lugar para facilitar a atribuição de significados a esse novo espaço. Segundo Salgueiro (2001), a paisagem é um território visto e sentido, cada vez mais subjetivo e elaborado pela mente. Quando se manifesta mesclada com incidentes humanos e lembranças, a apreciação da paisagem é mais pessoal e duradoura, perdurando além do efêmero, surgindo como um envolvimento suave, inconsciente com o mundo físico, tais relações sociais engendram afeição ou desprezo, uma vez que os lugares e sentimentos são uma extensão da personalidade e caracterizam a identidade (FOESTCH ,2005 p. 4). O lugar emana a essência daqueles que o constrói, e terá um significado para cada um que o olhar. Não é estático nem móvel, simplesmente representa e desperta sentimentos diferentes em pessoas diferentes. A INFLUÊNCIA DAS SECAS DO NORDESTE BRASILEIRO NO PROCESSO DE MIGRAÇÃO O Nordeste é a região mais pobre do Brasil, com os piores indicadores socioeconômicos do país. Os baixos indicadores são mais graves nas áreas rurais e no sertão nordestino, que sofre longos períodos sem chuva, contudo, não se pode afirmar uma relação direta entre a pobreza e o clima semi-árido, dado que várias cidades bastante áridas possuem IDH maior que o de outras mais úmidas. Durante o Brasil Colônia - até meados do século XVII -, com a produção de açúcar, a região possuía a área mais próspera do Brasil. Com o fim da exploração da cana de açúcar a região entrou em decadência. Desde a época império de D. Pedro II e especialmente na segunda metade do século XX há um intenso processo de migração na região nordestina devido à enorme desigualdade de renda, a grande concentração fundiária e o problema da seca no Sertão Nordestino agravado pela chamada indústria da seca, que beneficia políticos e latifundiários. Nos anos de 1960,1970, 1980 essas migrações se intensificaram transformando a região sudeste no ponto preferido de quem saía em busca de uma melhor qualidade de vida, de fácil oportunidade de emprego,salários mais altos, entre outros. Na década de 1990, entretanto, devido às crises econômicas e à saturação dos mercados de várias grandes cidades, a oferta de empregos diminuiu fazendo com que a maioria dos nordestinos que haviam migrado, fugindo da miséria, e seus descendentes continuassem com estrutura de vida precária. Nos últimos anos, o movimento tradicional de emigração tem reduzido ou até se invertido na região Nordeste. A ILHA DO COQUEIRO E O SENHOR VERÍSSIMO: PRODUTO E PRODUTOR DO LUGAR A Ilha do Coqueiro, como outras muitas ilhas do rio São Francisco, é hoje habitada e explorada por vazanteiros que nela se estabeleceram transformando-a em seu lugar morada e trabalho. Não se tem informações precisas sobre o início da formação e apropriação das terras da ilha, mas, segundo moradores mais antigos na década de 1940 já havia posseiros trabalhando na mesma. O uso da terra se dá basicamente para o cultivo de frutíferas, leguminosas, verduras e cereais. São em sua maior parte culturas de ciclo rápido com colheitas entre 90 e 120 dias e em sua maioria para subsistência dos próprios moradores. A implantação de uma casa de farinha para o beneficiamento da mandioca produzida pelos moradores facilita, hoje, a produção e o comércio do produto segundo os moradores. O senhor Veríssimo Custódio de Matos chegou a Pirapora em dezembro de1958 vindo de Juazeiro-BA. Seu objetivo era chegar até o estado de São Paulo onde esperava encontrar trabalho e começar vida nova com a família, longe da situação de miséria que assolava sua região de origem. “Gostei de Pirapora assim que desci do vapor tinha muita fruta, muita água, vi que aqui era terra de fartura.”(SIC). Relata, em entrevista realizada no mercado municipal onde vende as hortaliças e leguminosas que produz na Ilha do Coqueiro. Indeciso quanto a sua ida para São Paulo, deixou a família na casa de um cunhado que já residia em Pirapora e foi a São Paulo, quando voltou estava decidido a ficar em Pirapora. “Se eu bebesse a água de outro rio eu não viveria tanto!” SIC. Diz ele risonho. Ele nos relata que passou muita dificuldade no início, mas logo arranjou emprego na Fazenda do Coqueiro e aos poucos foi se estruturando e melhorando sua vida e de sua família. Quando questionado a respeito das dificuldades que passou ele responde; “Esse tempo já passou, hoje eu sou muito feliz aqui se eu ficar remuendo essas lembranças vai ser muito ruim. Eu prefiro lembrar das coisas boas”. (SIC) O senhor Veríssimo comprou o seu terreno na ilha em 1970 e começou a trabalhar a terra para complementar a renda da família. Dois anos depois ele já estava vivendo apenas com o que produzia na ilha. “Criei todos meus filhos aqui e todos são pessoas de bem. Todos trabalham e me respeitam. Todo dias eles vem me tomar bemça e os que moram fora me liga todo sábado. A ilha troxe fartura pra mim.é por isso que eu amo a llha.O rio traz tristeza quando tem enchente,mas também traz alegria pois é ele que trás fartura pra gente”( SIC) , diz quando explicando o que a ilha significa para ele. A cada três anos o senhor Veríssimo vai à Juazeiro rever os familiares e o lugar onde nasceu. Ele faz questão de que os filhos conheçam a sua história para que sempre valorizem o que tem. Com sua linguagem simples de sertanejo nos fala da sua filosofia de vida sem nem mesmo saber o que é filosofia e quão profunda é sua reflexão: “Agente não pode esquecer de quem agente é não. Se agente esquece quem é, agente perde tudo. Minha terra de nascimento é aminha primeira mãe e quem é que esquece a mãe? Mesmo tendo passado dificuldade lá eu vou sempre amar minha terra. Pirapora é minha mãe adotiva devo a ela tudo que eu possuo hoje ela também faz parte da minha vida e hoje eu não saio mais daqui. Eu amo a ilha do Coqueiro, ... Quando eu não agüentar mais atravessar o rio quero que meus filhos me leve nen que seja nas costas, só pra eu poder ver minha plantação.” (SIC) Hoje com 84 anos o Sr. Veríssimo se orgulha da vida que construiu. Sente-se realizado e fala que se tivesse que voltar no tempo e escolher um lugar, escolheria Pirapora novamente. CONSIDERAÇÕES FINAIS O lugar de origem tem um papel importantíssimo na vida das pessoas. Porém nem sempre o seu lugar no mundo está ligado a esse vinculo de nascimento. As experiências vividas tiveram um papel fundamental na construção do sentimento de pertencimento do indivíduo pesquisado com o espaço em que habita na medida em que marcou positiva ou negativamente a sua vida. O tempo é outro fator que contribuiu para a formação desse sentimento proporcionando ao senhor Veríssimo a segurança e estabilidade que ele precisava para sustentar sua família. Nesse contexto, senhor Veríssimo desenvolveu com Pirapora e a Ilha do Coqueiro uma relação de reciprocidade e pertencimento transformando a Ilha do Coqueiro em seu lugar no mundo sem, contudo cortar os laços afetivos com o seu lugar de origem. REFERÊNCIAS CARLOS, A. F. A. O lugar no/do mundo. São Paulo. Labur Edições, 2007. CORRÊA, R. L. Espaço: um conceito chave da geografia. In: Geografia: conceitos e temas. 3° edição. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001. FOETSCH. A. A. Subsídios teórico-epistemológicos para um operacional estudo do lugar. Revista Espaço Acadêmico, ano V. n°55- dezembro de 2005. ISSN 15196186. Disponível em: <<http://www.espacoacademico.com.br/055/55geo_foetsch.htm>> Acesso: 15/06/2009. GOMES, P. C. C. Geografia e Modernidade. 2° edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. MORAES, A. C. R. Geografia pequena história crítica. 9° edição. São Paulo: Hucitec, 1990. MOREIRA, R. O que é Geografia. 5° edição. São Paulo: Brasiliense, 1985. SANTOS, M. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. 3° edição. São Paulo: Hucitec, 1986.