DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E TRANSPORTES João

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DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E TRANSPORTES
João Fortini Albano1
Luiz Afonso dos Santos Senna2
Departamento de Engenharia Civil e Programa de Pós-Graduação em Engenharia
de Produção da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
RESUMO
O presente artigo procura descrever de forma didática e sintética o que é desenvolvimento sustentável e os
meios necessários para sua obtenção, ressaltando a importância do mesmo como estratégia para a qualidade de
vida e o futuro da humanidade. Tenta estabelecer uma relação entre desenvolvimento sustentável e transportes
analisando, principalmente, os impactos sobre o meio ambiente e suas conseqüências. Arrola e discute uma
série de possibilidades técnicas e econômicas de avaliar monetariamente esses efeitos e conclui que a
ponderação das externalidades é um imperativo para atingir os nobres objetivos de bem-estar social cuja
responsabilidade é do conjunto de cidadãos, organizações e governos.
RESUMEN
En el presente artículo se busca describir de manera didáctica y sintética el significado de desarrollo auto
sostenible y los medios necesarios para obtenerlo, resaltando su importancia como estrategia para la calidad de
vida y el futuro de la Humanidad. Se tienta establecer uma relación entre desarrollo autosustenible y transportes
analisandose, principalmente, los impactos sobre el medio ambiente y sus consecuencias. Se cita y se discuten
una serie de posibilidades técnicas y económicas para evaluar monetariamente el efecto de los impactos y se
concluye que su implementación es un imperativo para el bienestar social y una cuestión de tiempo y de
responsabilidad de ciudadanos, organizaciones y gobiernos.
ABSTRACT
This paper aims at describing in a didactic and synthetic way the meaning of sustainable development and the
means to achieve it, emphasizing its importance as a strategy related to life quality and humanity future. A
relationship between sustainable development and transportation means is proposed, specially considering
impacts on environment as its consequences. Several technical and economic measures for evaluating the
monetary effect of those impacts are presented and discussed, concluding that their implementation is a
question of time, imperious for social welfare, and a responsibility of citizens, organizations and governments.
1
Praça Argentina, nº 9 sala 408, CEP 90.040-020, Porto Alegre, RS, Brasil. Fones: (051) 331.8507, (051)
316.3596, Fax: (051) 226.1171, e-mail: [email protected].
2 idem
1. INTRODUÇÃO
As pessoas do mundo, nas relações sociais e culturais, utilizam uma linguagem
característica. É bastante comum a ocorrência de palavras como: natural, global,
desenvolvimento, qualidade, saúde, segurança, ecologia, social, legislação, viagem, futuro,
recursos, frete, planejamento, poluição, veículo, bem-estar, etc. A comunicação entre
cidadãos, organizações e países, demonstra esta constatação. As preocupações e os interesses
também são comuns e oscilam pouco em torno dos grandes temas da atualidade.
Existe falta de esclarecimentos e pouca divulgação do que é e qual a verdadeira mensagem
do desenvolvimento sustentável. Pensa-se, efetivamente, que este assunto está vinculado
exclusivamente ao ambiente e que ele orienta a preservação e a melhoria das suas condições
com regras de sustentabilidade. Esta idéia encerra, na verdade, um desejo de bem aventurar a
aparição de uma “varinha mágica” que, depois de acionada, dará solução para a questão
ambiental, mantendo o estoque de recursos naturais e resolvendo, por exemplo, o problema
da poluição. Poucos são contra o desenvolvimento sustentável, uns por consciência
reacionária, outros por imaginarem uma ameaça a indisfarçáveis interesses financeiros e
econômicos. Por outro lado, muitos são a favor, mesmo porque se desenvolvimento é um
conjunto de metas desejáveis e objetivos da sociedade e tudo isso sustentável, ora, quem
poderia ser contra?
Por seu turno, o sistema de transportes desempenha uma importante função na atividade
econômica no mundo. Por exemplo, produção e o uso de infra-estrutura e de equipamentos
de transporte constitui uma parcela considerável do PIB (de 4 a 8%) nos países integrantes
da Organisation For Economic Co-Operation and Development e é responsável por 2 a 4%
dos empregos (OECD 1988). O consumo de transportes resolve uma série de problemas
importantes de pessoas, empresas e governos, porém provoca uma série de externalidades
(impactos) negativas, tais como: acidentes, insegurança, poluição do ar, poluição de rios e
mares, ruídos, consumo de energia, consumo de solo e outros recursos naturais para
execução de infra-estrutura, veículos e outros equipamentos e ainda introduz para as
comunidades o chamado custo social que é estimado em muitos países em torno de 5% do
PIB (OECD 1988). Uma criança certamente diria: transporte é bom! Um adulto
intelectualizado, iria ponderar: transporte é necessário, mas deve-se...
O início das preocupações mais agudas sobre ambiente, transportes e desenvolvimento
sustentável decorreram da crise do petróleo, mais notadamente no final da década de 70 e
início dos anos 80. Após 1979, os efeitos do consumo do estoque de energia provocaram
uma sensível redução da atividade econômica. Esta instabilidade levou a humanidade a
grandes debates e discussões sobre estes temas. Porém, as estratégias que se sucederam
relativas à conservação de energia não estavam inteiramente integradas com questões de
meio ambiente, pois não consideravam a nocividade da degradação ambiental e a escassez
dos recursos naturais. Esta situação, materializada através de vários problemas, como, por
exemplo, o prejuízo à saúde de pessoas e animais ocasionado por excesso de ruído oriundo
de veículos e aeronaves, geraram muitos movimentos de reação em nível mundial, através de
entidades governamentais e não-governamentais. Por estes motivos, o mundo tornou-se
“verde” a partir do final da década de 80. Em 1988 os eleitores da comunidade européia
consideravam os problemas ambientais como o segundo colocado no ranking das questões
mais importantes, acima da inflação e limitação de armas, perdendo somente para o
desemprego (Pearce et al. 1989). No Brasil, em maio de 1992, o Ministério dos Transportes
editou o documento Diretrizes Ambientais Prioritárias para o Setor de Transportes em
decorrência de um estudo realizado por convênio entre o GEIPOT e DNER que reconhece a
tendência mundial de compatibilizar a evolução do sistema de transportes com a necessidade
de manutenção da base de recursos naturais para a continuidade de utilização pelas gerações
futuras (Teixeira 1993).
2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: DESVENDANDO O MISTÉRIO
Preliminarmente, para um bom entendimento da essência de desenvolvimento sustentável é
preciso estabelecer que desenvolvimento é a palavra-chave. Desenvolvimento incorpora os
ideais pessoais e coletivos e as aspirações de crescimento de uma sociedade evoluída. Sob o
ponto de vista clássico e tradicional, desenvolvimento tem como meta básica o aumento da
renda per capita que caracteriza o chamado padrão de vida de uma comunidade. No período
pós crise do petróleo, conforme referido anteriormente, ocorreu uma metamorfose no
enfoque do conceito de crescimento econômico. Há agora, em todos os cantos do mundo,
uma forte ênfase para a melhoria da qualidade de vida que implica em uma boa saúde da
população, bom padrão de educação e um real bem-estar para toda a sociedade. É nesta luz
que surge o desenvolvimento sustentável.
Segundo Pearce et al. (1989), desenvolvimento sustentável significa CRIAR um sistema
social e econômico que viabilize a obtenção de todas as metas de um desenvolvimento mais
pleno, ou seja, além do aumento de renda, a melhoria da qualidade de vida e o bem-estar da
população. Por seu turno, Nijkamp (1994) explica que os pré-requisitos para
desenvolvimento sustentável são a disponibilidade de bens e serviços, assim como recursos
materiais e energéticos, diminuição do desperdício e um correto uso dos serviços oferecidos
pelo meio ambiente, para a produção econômica e o bem-estar do ser humano.
Há, entretanto, em quase tudo que é escrito sobre desenvolvimento sustentável, um traço
comum sobre os meios para atingir o desenvolvimento, considerado o sentido desta nova
visão:
i. conservação do ambiente - desenvolvimento sustentável necessita de uma cultura
ambientalista. A preservação do meio ambiente é vista cada vez com maior importância
como fator de contribuição para o crescimento da renda e também como parte do vasto
espectro dos objetivos do desenvolvimento com vistas a melhoria da qualidade de vida. O
ambiente não pode ser entendido como um peso a carregar, mas sim como uma fonte para
prover de meios o bem-estar humano. A realidade atual é outra. A produção de bens e
serviços utiliza, geralmente de forma indiscriminada e com desperdícios, os recursos
renováveis e não renováveis. Impõe-se, então, limitações na quantidade e qualidade dos
processos de consumo e produção para não diminuir os serviços oferecidos pela natureza
e a produção ambiental, aumentando-se a durabilidade do bem-estar. O desenvolvimento
é, ecologicamente sustentável, quando as melhorias de um contínuo bem-estar social não
são impedidas pela deterioração do meio ambiente;
ii. maior horizonte de tempo - desenvolvimento sustentável considera o planejamento de
interesses e políticas que vão desde o curto e médio prazo até, principalmente, o longo
prazo. Qual será o futuro herdado por nossas crianças? A questão é que as futuras
gerações devem ser compensadas pelas perdas ocasionadas por ações da atual geração. A
lógica para esta compreensão é muito simples: se uma próxima geração viver com menos
riqueza, então ela terá um futuro pior. Porém, desenvolvimento sustentável não é uma
panacéia. É necessária uma boa ação política conjunta;
iii. eqüidade - desenvolvimento sustentável reserva especial atenção aos menos favorecidos
da sociedade. Eqüidade também considerada no tempo, para as pessoas de hoje e de
amanhã.
Além da já citada definição de desenvolvimento sustentável, muitas outras constam na
literatura existente (Pearce et al. 1989 e 1991). Praticamente, todos os conceitos formulados
consideram as três características básicas para o desenvolvimento sustentável, quais sejam:
meio ambiente, futuro e eqüidade. As referências indicadas listam muitos conceitos, dentre
os quais, destaca-se por sua objetividade, o seguinte: desenvolvimento sustentável é definido
como a possibilidade de alcançar satisfação duradoura às necessidades humanas e, ao
mesmo tempo, aumentar a qualidade de vida. Por seu turno, Nijkamp (1994) formulou a
seguinte definição: em geral, desenvolvimento sustentável refere-se a disponibilidade, a
longo prazo, de meios adequados para a obtenção futura dos objetivos e metas préestabelecidas. Pode-se observar que todos os conceitos são dinâmicos e levam em
consideração o aumento das necessidades devidas ao crescimento da população mundial,
considerando todas as dimensões sociais, econômicas, ecológicas, geográficas e culturais.
Desenvolvimento sustentável está preliminarmente muito ligado e voltado para assuntos do
ambiente, porém ele deve ser interpretado e acolhido de forma mais geral em termos de
evolução conjunta de desenvolvimento industrial, social e econômico. É muito mais uma
teoria política, no seu amplo sentido, do que um assunto de economia.
Entender a mensagem, as definições e rumos propostos não é suficiente. É importante sentir
o desenvolvimento sustentável.
3. A RELAÇÃO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL X TRANSPORTES
Praticamente todos os sentidos e intenções do desenvolvimento sustentável aplicam-se
também a transportes. Transporte pode ser referenciado como a interseção da economia com
as questões do meio ambiente. Neste cruzamento e seus entornos há uma variada gama de
interesses e assuntos contraditórios. Se, de um lado, transporte é uma atividade meio,
indispensável ao funcionamento de uma economia especializada promovendo maior
integração entre indivíduos e nações com vistas ao bem-estar coletivo, por outro, o
transporte consome os estoques de recursos naturais e as reservas de energia. Por estes
motivos, os grandes benefícios oferecidos pelos transportes como o aumento da mobilidade e
suas conseqüentes comodidades pessoais e coletivas constituem um conflito com o
desenvolvimento de muitas economias e, principalmente, com a necessidade de uso
adequado do ambiente.
As intrincadas ligações entre os padrões de mobilidade e crescimento econômico podem ser
avaliadas na tabela 1, utilizada por Nijkamp (1994). O autor também faz referências à
elasticidade da mobilidade nos países da OECD: a cada aumento de 1,0% no PIB há um
incremento médio correspondente de 1,74% nos fretes rodoviários e 1,4% no número de
veículos de passeio. Nos países mais ricos, os percentuais de aumento na mobilidade são
ainda maiores.
Tabela 1: Relações Entre Crescimento dos Transportes e Crescimento Econômico nos Países
Europeus da OECD.
Tráfego de Variação
Fretes
Variação
Variação
Ano
Passageiros
Anual
(t.km)
Anual
PIB
Anual
(pass.km)
(%)
(%)
(%)
1970
100
100
100
1971
106,6
6,6
101,0
1,0
103,2
3,2
1972
112,1
5,1
105,4
4,4
107,7
4,3
1973
118,3
5,5
113,2
7,4
113,8
5,7
1974
117,0
-1,1
116,6
3,0
116,2
2,1
1975
121,7
4,0
108,9
-6,6
115,2
-0,8
1976
125,9
3,5
115,0
5,6
120,3
4,4
1977
130,5
3,7
118,4
3,0
123,6
2,7
1978
136,7
4,8
123,9
4,6
127,2
3,0
1979
138,4
1,2
133,2
7,6
131,8
3,6
1980
141,6
2,3
131,6
-1,3
133,8
1,6
1981
142,3
0,5
130,6
-0,7
134,2
0,3
1982
145,9
2,6
129,5
-0,9
135,5
0,9
1983
146,4
0,3
131,4
1,5
137,7
1,7
1984
150,3
2,7
134,8
2,6
141,2
2,5
1985
152,6
1,5
137,0
1,6
144,9
2,6
1986
159,2
4,3
141,4
3,2
148,8
2,7
1987
166,5
4,6
146,5
3,6
153,2
3,0
1988
174,5
4,8
157,2
7,3
159,9
3,8
1989
180,4
3,4
163,2
3,8
164,1
3,2
1990
185,2
2,7
163,6
0,3
168,6
2,8
1970 = 100
Fonte: (Nijkamp 1994)
A relação do transporte com o meio ambiente é sensivelmente mais desfavorável nos centros
urbanos e em alguns casos, como na Cidade do México, Los Angeles e São Paulo, pode-se
configurar uma situação de real prejuízo à saúde e degradadora da paisagem urbana. A tabela
2 mostra que o ponto em que, ao contrário de uma tendência decrescente na área industrial, o
setor de transportes tem sido um grande poluidor ao longo das duas últimas décadas.
Tabela 2: Emissões de CO2 nos Países da OECD entre 1973 e 1988 (em milhões de
toneladas)
Setor
1973
1978
1983
1988
Transportes
596
688
665
773
Indústria
1037
994
857
923
Outros
973
1034
973
1046
Total
2606
2715
2495
2742
Fonte: Internacional Energy Agence, OECD em Nijkamp (1994).
Os problemas de poluição do ar provocados por fontes de transportes não são ocasionados
somente pelo CO2 mas também por gases como CO, CFC, NOx, compostos voláteis
orgânicos (VOCs) e também partículas em suspensão decorrentes da queima do óleo diesel e
outros combustíveis. Existem ainda outros efeitos ocasionados pelos transportes:
incomodações provocadas pelo ruído e vibrações, deterioração da paisagem urbana e rural,
efeitos sobre o clima, acidificação do solo e da água, contaminação do solo, redução da
produtividade agrícola, mau cheiro, decréscimo da visibilidade, danos às florestas, acidentes
e congestionamentos. As maiores preocupações decorrentes dos impactos provocados pelo
setor de transportes estão, sem dúvida, nos prejuízos à saúde tais como: irritações nas vias
respiratórias, olhos e outros órgãos, intoxicação aguda de abrangência sistêmica, ação
cancerígena e mutante. Os impactos dos transportes também atuam adversamente nos
mecanismos de defesa do corpo provocando infeções persistentes. Os acidentes, nos últimos
anos, também têm constituído motivos de maiores cuidados e providências. Na tabela 3,
pode-se avaliar a relação entre número de veículos e acidentes em uma cidade de porte
médio como Porto Alegre, com 1.300.000 habitantes.
Tabela 3: Comparativo da Evolução de Acidentes de Trânsito no Primeiro Semestre dos
Anos
de 1986 a 1996 em Porto Alegre, Brasil
Anos
Nº de Acidentes
Variação (%)
Frota de
Variação (%)
Veículos
1986
10094
401780
1987
9409
-6,79
419929
4,52
1988
11254
19,61
437687
4,23
1989
12118
7,68
456177
4,22
1990
12886
6,34
474469
4,01
1991
13179
2,27
492193
3,74
1992
12070
-8,41
485202
-1,42
1993
13180
9,20
504643
4,01
1994
15216
15,45
529318
4,89
1995
15963
4,91
557768
5,37
1996
12090
-24,26
577000
3,45
Total = 19,77
Total = 43,61
Fonte: DETRAN-RS / SMT Porto Alegre / Equipe de Estatística (1996)
Os dados apresentados estão a demonstrar que a relação entre desenvolvimento sustentável e
transportes é carregada de conflitos. A produção de transportes interfere nos meios para a
implementação do desenvolvimento sustentável, basicamente na conservação do ambiente e
na projeção de um futuro com qualidade de vida. O meio ambiente é afetado por um largo
espectro de impactos com destaque à poluição ambiental e ao consumo desregrado dos
recursos naturais. O setor de transportes contribui com quase 30% dos gases que levam ao
efeito estufa (Martins e Santos, 1994). A consideração da futuridade fica ameaçada quando a
realidade indica que os esforços levados a efeito produzem poucos resultados animadores
para a solução das questões apresentadas. Os dados constantes na literatura existente estão a
indicar bons motivos para esta preocupação. Por exemplo, em muitos países, o tráfego viário
mais do que dobrou nas duas últimas décadas, sendo o crescimento do número de veículos
de passeio maior do que o do transporte coletivo e de carga (Nijkamp 1994). O rápido
aumento da população mundial também é outro elemento inquietante no que se refere aos
meios para a obtenção do desenvolvimento sustentável. Neste sentido, a questão da eqüidade
também fica prejudicada. Como promover qualidade de vida e bem-estar social se a
população cresce muito? De acordo com dados de Pearce et al. (1991), a população mundial
(em milhões de habitantes) passará dos 4.837 em 1985 para 6.122 em 2000, para 8.206 em
2025 e atingirá 10.185 no ano 2100.
Como enfrentar estas questões? Trata-se de um bom desafio para partidos políticos,
governos, comunidade técnica e todos cidadãos.
4. FONTES DE RECURSOS E PERSPECTIVAS FUTURAS
Um dos focos centrais do desenvolvimento sustentável e economia ambiental é a
necessidade de apropriar o valor dos serviços fornecidos pelo ambiente natural com vistas a
obtenção de recursos para aplicação no financiamento de conservação e monitoramento
ambiental, pesquisas, combate à poluição e tudo o que for necessário para o bem-estar social
com qualidade de vida.
A grande questão relativa à valoração dos recursos naturais é que muitos desses recursos
estão por aí, oferecidos livre e gratuitamente. Eles possuem preço-zero porque não foram
produzidos, sendo o seu valor real difícil de avaliar. Uma residência servida por ar puro ou
uma bela paisagem terá certamente um valor de mercado onde uma parcela poderá ser
destacada como decorrente do “bem natural”. Fazendas servidas por boas ocorrências de
chuvas, fontes de água pura, a diversidade biológica existente em uma floresta tropical, etc.
são situações típicas. Como estes, outros poucos exemplos poderiam indicar o valor de um
recurso natural através de ações comuns de compra e venda. A teoria da oferta e procura diz
que se um bem é oferecido a um preço-zero haverá uma maior quantidade demandada do que
se o preço fosse positivo. Se, por exemplo, considerarmos a camada de ozônio como um bem
natural de custo zero, é certo que não haverá nenhum incentivo para a sua proteção. A
primeira e grande missão do desenvolvimento sustentável é a criação de uma consciência
coletiva de que o valor da saúde, da qualidade de vida e das condições globais do ambiente
em geral devem ser consideradas quando se faz um balanço de benefícios e custos.
O fundamento importante desta questão é que os recursos naturais constituem uma função
econômica e possuem valor positivo que podem ser determinados. Aproveitar e consumir
esses recursos a preço-zero é colocar em sério risco a sua extinção.
As mais nobres intenções dos governos e, particularmente, dos produtores de transportes e
adeptos do desenvolvimento sustentável são a despoluição do ar, da água, a diminuição do
ruído e a proteção da flora e da fauna, entre outras. Mas, como agir e financiar esta
empreitada? O caminho sugerido por Pearce et al. (1989) segue princípios de economia. A
teoria do comportamento do consumidor e da demanda apregoa que o consumidor procura
alocar sua renda monetária limitada entre bens e serviços disponíveis de tal forma a
maximizar sua satisfação (Ferguson 1994). Se for aplicado este princípio econômico às
questões ambientais, então se poderá ter um discernimento a respeito da ordenação das
necessidades de melhorar o meio ambiente diante de critérios e objetivos sociais de aumento
da satisfação (ou do bem-estar) futuro de toda população. Esta adoção de objetivos sociais
usados como medida de ganhos e perdas tem sido utilizada em muitos países.
A questão então é a seguinte: como atribuir um valor monetário a preferências de recursos
naturais ou a sua escassez? Qual seria o valor real da necessidade de preservação do condor
da Califórnia ou do rinoceronte africano?
Na verdade, apesar das dificuldades, existem muitas situações em que se pode aplicar boas
técnicas para avaliar o custo da proteção ambiental baseadas no preço do prejuízo
ocasionado pelo efeito degradante. Estas estimativas podem ser realizadas através do
somatório de todas contribuições parciais que geram prejuízo ou estragos em termos
monetários, ou em termos dos custos necessários para mitigar o impacto negativo, como por
exemplo, a implantação de catalisadores nos veículos e barreiras laterais contra o ruído em
vias públicas. Os principais prejuízos afetam a saúde, materiais e bens, custos estéticos e
pessoais, por isto é necessário um conhecimento aprofundado e judicioso para avaliar os
custos de forma eficaz. A tabela 4 fornece valores de danos ocasionados pela poluição na
Alemanha, estimados por técnicas convenientes.
Tabela 4: Danos Provocados pela Poluição na República Federal da Alemanha entre 1983 e
1985
Tipo
Valor (bilhões de US$)
Poluição do Ar
Saúde(doenças
0,8 - 1,9
respiratórias)
Danos materiais
0,8
Agricultura
0,1
Diminuição da florestas
0,8 - 1,0
Turismo natural
1,0 - 1,8
Problemas florestais(fauna,
0,1 - 0,2
flora, etc.)
Desconforto, incomodações
15,7
Poluição da Água
Pesca
0,1
Danos à qualidade da água
2,9
Ruído
Nos locais de trabalho
1,1
Depreciação de residências
9,8
Outros
0,7
Fonte: (Pearce et al. 1989)
São muito utilizadas também técnicas hedônicas de avaliação, que procuram estimar valores
ambientais, que geralmente não tem preço de mercado, através da variação nos valores de
propriedades em decorrência de impactos ambientais. Por exemplo, pode-se identificar o
efeito no preço de uma propriedade devido a poluição por meio de uma regressão linear
múltipla. A maior dificuldade desta metodologia é a necessidade de dados relativos aos
níveis dos impactos ambientais.
Outra técnica muito interessante é a atribuição de valores monetários aos impactos
decorrentes, por exemplo, da ação do tráfego de veículos, através da avaliação da
preferência declarada dos usuários ou comunidade interessada (Mash et al. 1990). A técnica
mais utilizada baseia-se em simulações de mercado onde uma amostra da população
expressa sua avaliação monetária a respeito de hipotéticas alterações ambientais. O
entrevistado deve avaliar sua disposição em pagar um determinado valor monetário mínimo
para a prevenção, eliminação ou redução de um determinado impacto ambiental até um
padrão considerado satisfatório. As maiores críticas à esta metodologia argumentam que não
se pode esperar que os entrevistados tenham uma idéia razoável dos valores a atribuir por
falta de referenciais.
Outro modelo recentemente proposto (Balassiano et al. 1993) não sugere uma avaliação
direta de impactos mas considera que a medida do efeito da oferta de transportes na
qualidade de vida de uma comunidade pode ser compreendida como sendo o valor teórico
obtido a partir da soma de todas as externalidades positivas ou negativas, devidamente
ponderadas pelo número de pessoas atingidas e pelo grau relativo de importância ou
sensibilidade delas em relação a cada um dos impactos verificados. Os maiores
impedimentos na aplicação do modelo residem na identificação dos impactos gerados pelos
sistemas de transportes e no estabelecimento de bases comuns de determinação dos valores e
importância relativa de cada impacto.
n
QV =
∑a
x
.bx .Ix (1)
x=1
Onde:
QV é a contribuição do transporte na Qualidade de Vida
Ix é o impacto ambiental x. Pode + ou ax peso correspondente à importância atribuída ao impacto x
bx número de pessoas afetadas pelo impacto x
Ocorrem ainda muitas dificuldades para a perfeita determinação da avaliação dos impactos
ambientais provocados pelos transportes e demais indústrias. É muito evidente também a
tendência das comunidades internacionais em aprofundar as discussões sobre estes assuntos.
Estas metodologias de ponderação das externalidades deverão ter um rápido
aperfeiçoamento e divulgação dada a premência e à necessidade de utilização.
Conseqüentemente, as avaliações econômicas de projetos deverão adotar o seguinte modelo
para a análise final:
t=T
∑ ( B - C ± E ).(1 + r )
t
t
t
−t
>0
(2)
t=0
Onde:
Bt são os benefícios no tempo t
Ct os custos no tempo t
± Et são os benefícios e melhorias (+) ou os danos (-) ocasionados ao ambiente
r é a taxa interna de retorno prevista para o empreendimento.
É justo que os agentes e operadores paguem os custos ou medidas mitigadoras da poluição
provocada por transportes. “Quem polui deve pagar”, parece ser lógico. Os agentes,
seguramente, deverão ratear estes custos adicionais entre os consumidores. Isto parece ser
também justo. Impõe-se, então, à comunidade tecnológica, o desafio da criação de serviços e
produtos menos poluidores e biodegradáveis, como já ocorre em algumas situações.
Outras perspectivas futuras encontradas na literatura (Teixeira 1993) são as seguintes: a)
intensificação da pesquisa para o uso de combustíveis alternativos, sobretudo o gás natural,
pois este combustível, além de farto, é menos poluidor por conter menos carbono do que o
petróleo; b) medidas de gerenciamento da demanda referentes ao controle do padrão de
viagens, aumento das taxas de ocupação de veículos e aumento de uso do transporte
coletivo; c) tentativas, onde for possível, de introdução da cultura da bicicleta em
substituição à cultura do automóvel; d) mudanças na política sobre o uso do solo urbano
como alternativa para a redução do número de viagens; e) providências relativas a avanços
tecnológicos na fabricação de motores a combustão e no correto uso de veículos para
diminuir a poluição (Japão e os Estados Unidos conseguiram reduzir os índices na década de
80 em relação aos anos 70. OECD, 1988).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muitas dificuldades deverão advir para o aculturamento da população na assimilação do
desenvolvimento sustentável e para a geração de recursos para o uso de ferramentas
indispensáveis à sua implementação. Admitir que os recursos naturais constituem uma
função econômica com valor positivo já é um bom início. Ações políticas e estratégicas
devem ser adotadas para médio e longo prazo, caso contrário não se poderá evitar casos
como o rodízio de veículos em áreas urbanas de grandes cidades. Esta medida é necessária
para amenizar o efeito da poluição do ar na região. Certamente ninguém gosta da solução,
porém a população deverá atender a restrição, por compreensão ou por coerção. Por uma
simples questão de quase sobrevivência.
Desenvolvimento sustentável é qualidade de vida projetada para o futuro. Os recursos para a
sustentabilidade, em sua maioria, serão obtidos da ponderação do valor dos danos
ocasionados ao ambiente tendo em vista a necessidade de conservação do mesmo e a
exploração dos recursos naturais por futuras gerações. A situação presente é preocupante,
porém medidas judiciosas devem ser implementadas com a participação e a contribuição de
toda população no sentido do chamado bem-estar social. O bom senso e as circunstâncias do
futuro indicarão os melhores caminhos a seguir.
Transporte sustentável é um tema muito importante para futuros estudos e pesquisas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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