360 edIçÃO 02 • OUTUBRO de 2016 Paulo Saldiva afirma que os hospitais devem propor mudanças à sociedade A verdade sobre o câncer no Brasil Segurança do paciente: a solução está dentro dos serviços Engajamento dos gestores e equipes de saúde é fundamental para a redução dos eventos adversos EDITORIAL Golpe de quem? Desde 2013 o país vive dividido entre aqueles que são contra e os que são a favor da permanência no poder de um partido sabidamente corrupto. Assim que se reelegeu e assumiu seu segundo mandato, em 2015, Dilma Rousseff teve a chance de, quem sabe, corrigir os rumos da economia, apaziguar os ânimos no Congresso Nacional e seguir em frente. Os escândalos constantes da Lava Jato, no entanto, fomentaram a insatisfação da população. Somados aos sucessivos fracassos econômicos e à arrogância da presidente e de seu partido em não dialogar, o movimento cresceu, e culminou na queda do PT. Era o que queríamos. Não que seja a melhor saída de uma democracia derrubar seu presidente eleito. Acontece que as urnas não podem, nunca, ser salvo-conduto para crimes e ilegalidade. E são os próprios mecanismos da democracia, em sua Constituição, que nos permitem o impeachment. Acredito que a derrocada de Dilma tenha nascido antes mesmo de ela ser reeleita. Foi em 2013, quando as manifestações de rua que eclodiram no país fizeram sua popularidade despencar. Como resposta, simplista, o governo anunciou o Programa Mais Médicos. Lançado em 8 de julho de 2013, o projeto sempre teve como real objetivo financiar Cuba, aliada ideológica do governo brasileiro. O formato da importação de médicos de outros países foi alvo de duras críticas de associações representativas da categoria, sociedade civil, estudantes da área da saúde e inclusive do Ministério Público do Trabalho. Uma medida eleitoreira, que ajudou a propagar uma medicina de qualidade duvidosa. O aumento de impostos, no início de 2015, como IOF, PIS/Cofins e Cide, foram os sintomas do fim. Dilma já agonizava no poder, junto a um país com dez milhões de desempregados, déficit público histórico, anúncio de cortes no orçamento e crises. Antes de ser afastada, no primeiro semestre deste ano, Dilma e seus aliados propagaram a ideia de que um eventual governo de Michel Temer (PMDB) acabaria com os programas sociais – excelentes cabrestos das urnas. Esqueceram, entretanto, de anunciar com clareza o que já estavam fazendo: quedas reais nos investimentos sociais, inclusive naqueles que eram vitrine do PT, chegaram a 87%. Tudo isso fundamentados numa nova matriz econômica, cujos ideólogos foram Guido Mantega e Arnon Agostin, responsáveis pela propagação da miséria pelo país, a despeito do slogan "Brasil sem miséria". Em paralelo, a corrupção foi sistematizada por meio de um aparelhamento do Estado nunca visto em nossa história. O resultado disso tudo, já sabemos: um país em profunda recessão, zerado em investimentos de infraestrutura, com milhões de desempregados e muita desesperança. Saquearam o Brasil, de maneira arquitetada, fantasiados de bons moços. Este, sim, foi o verdadeiro golpe. Yussif Ali Mere Jr Presidente ÍNDICE 05 Representantes da saúde opinam e dão sugestões sobre a revista 06 Confira a agenda de cursos e eventos para outubro 07 Veja os principais acontecimentos do setor na seção de notas 08 Conheça a verdade sobre o câncer no Brasil 12 O médico e professor Paulo Saldiva em entrevista exclusiva 24 Desnutrição agrava saúde de pacientes hospitalizados 26 Novo Código de Processo Civil pode ajudar a resolver pendências na saúde 28 Resenha: as histórias de quem viveu os horrores de um hospital psiquiátrico até 1980 29 Nelson Alvarez fala sobre liderança em tempos de inovação CAPA 16 A cultura de segurança do paciente depende de equipes e gestores PAINEL DO LEITOR ONLINE Trabalho com qualidade A Federação Brasileira de Administradores Hospitalares (FBAH) parabeniza essa conceituada instituição, pelo lançamento do novo periódico FEHOESP 360. Desejando-lhes todo sucesso que possa ser alcançado, estendemos nossos cumprimentos à sua equipe que soube, com alto padrão de qualidade e profissionalismo, externar o trabalho feito com muita dedicação pela FEHOESP, IEPAS e SINDHOSP. Eliete Di Spirito, superintendente executiva, e Paulo Roberto Segatelli Camara, vice-presidente 360 em exercício na presidência da FBAH (São Paulo) Diversidade Recebi a revista 360, da FEHOESP, e agradeço o envio. Bem diversificada e de excelente nível. Parabéns! Paulo Frange, vereador e líder do PTB na Câmara Municipal de São Paulo Competência para inovar Agradecemos a objetividade com a qual o tema inclusão social foi tratado na primeira edição da revista 360, da FEHOESP. É assim que se deve falar sobre assuntos importantes como este. A Casa Cairbar trabalha esse conceito e vê-lo ganhando força em um veículo inovador como a 360 é motivo de grande satisfação. Parabenizamos toda equipe pelo trabalho e esperamos que haja continuidade do tema em futuras edições, com a mesma competência e clareza. Nelson Fernandes Júnior, diretor da Casa Cairbar Schutel (Araraquara-SP), via smartphone Confira na edição digital os conteúdos exclusivos da Revista FEHOESP 360 em seu smartphone, tablet ou computador Entrevista Leia conteúdo exclusivo da entrevista com o médico e professor Paulo Saldiva sobre a reconquista do espaço urbano e os impactos da poluição causados pelos veículos Legislação Ouça a opinião de juízes e advogados sobre o novo Código de Processo Civil e o estímulo à conciliação e mediação na área da saúde CURSOS & EVENTOS Estratégia para lidar com a rotatividade do profissional da área da saúde Projeto Lideranças s a p #ie 17 de outubro Das 9h às 17h Presidente Prudente 11 de outubro Das 9h às 13h Sorocaba Como lidar com conflitos de forma positiva 18 de outubro Das 9h às 17h São José do Rio Preto Captação de recursos para a área da saúde Menos é mais: como reduzir e aumentar a receita da sua instituição de saúde 25 de outubro Das 9h às 13h Mogi das Cruzes Formação e aperfeiçoamento das lideranças para processos de feedback e gestão de equipes 25 de outubro Das 9h às 17h Jundiaí 27 de outubro Das 9h às 13h Ribeirão Preto Terapia intravenosa e segurança do paciente Atendimento humanizado como um diferencial para o seu cliente 29 de outubro Das 9h às 17h Santos Administração de conflitos 20 de outubro Das 9h às 17h Santo André 18 de outubro Das 9h às 17h Suzano Motivação e resultados na prática 19 de outubro Das 9h às 17h São Paulo #AgendaCompleta www.iepas.org.br 06 *As datas podem estar sujeitas a alterações NOTAS Desafios e perspectivas para a saúde suplementar Em meio a um cenário crítico e desafiante, com os problemas econômicos refletindo na saúde suplementar, suprimindo negócios, investimentos e a capacidade de Drauzio Varella defendeu a mudança do modelo assistencial inclusão dos que desejam ter plano de saúde, lideranças e representantes do setor participaram do 21º Congresso Abramge e o 12º Congresso Sinog, nos dias 1º e 2 de setembro, em São Paulo. O presidente da FEHOESP e do SINDHOSP, Yussif Ali Mere Jr, o diretor das duas entidades, Luiz Fernando Ferrari Neto, o presidente e o gestor do IEPAS, respectivamente, José Carlos Barbério e Marcelo Gratão, participaram do evento. Os debatedores formaram um forte consenso de que algo precisa ser feito em prol do setor. Voltar a crescer é, para o jornalista e comentarista econômico do Jornal da Globo, Carlos Alberto Sardenberg, “a única maneira para recuperar o mercado”. O médico e apresentador dos quadros de saúde do Fantástico, da TV Globo, Drauzio Varella, afirmou que o sistema de saúde brasileiro é muito complexo e reforçou a necessidade de mudança do modelo de atenção à saúde. Criticou a Constituição Federal por estabelecer a saúde como um dever do Estado e não do cidadão, e que a população também deve ter sua parcela de esforço. Disse que os médicos estão sendo formados de maneira equivocada e chamou a atenção para o envelhecimento da população. Finalizou dizendo que quem tem plano de saúde não deveria utilizar os serviços do SUS. A segurança do paciente em tempos de crise Profissionais de saúde e de gestão da qualidade de todo o país reuniram-se entre os dias 1º a 3 de setembro, em São Paulo, no 2° Seminário Internacional de Segurança do Paciente e Acreditação em Saúde, promovido pela Organização Nacional de Acreditação (ONA), para debater como manter a melhoria dos serviços, construir a cultura de segurança e buscar inovação em tempos de crise. O evento contou com 30 palestrantes nacionais e internacionais, além da apresentação de casos de sucesso de instituições de saúde. A construção da cultura organizacional e da segurança, a qualidade dos serviços prestados, a importância da resiliência dos profissionais de saúde e as formas de se conquistar essa habilidade, a diferença entre experiência do paciente e sua satisfação, a inovação como peça fundamental em tempos de crise, diretrizes de como fazer a diferença dentro das organizações e os novos caminhos do cuidado ao falar sobre saúde digital foram destaques do seminário. Palestrantes internacionais apresentaram suas experiências à plateia 07 SUS A verdade sobre o câncer no Brasil Leis de primeiro mundo enfrentam lentidão, burocracias e ideologias para virarem, de fato, um benefício à população Por ALINE F oi com alarde que o governo federal anunciou, em 2013, a publicação da portaria nº 874. Ela garante que pacientes diagnosticados com câncer sejam atendidos em até 60 dias. Levando em conta que o câncer não espera, a lei foi considerada um avanço pela comunidade médica, pela sociedade civil organizada, pelos gestores do sistema de saúde. Era uma luta, inclusive, de associações de pacientes como a Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde de Mama, a Femama. Sua aplicação, no entanto, deixa a desejar. Segunda doença que mais mata no país, o câncer atingirá, entre 2016 e 2017, 600 mil pessoas. Seu alcance cresce ano a ano, muitos avanços já foram conquistados no que se refere a tratamentos, diagnósticos e acesso. Mas as melhorias esbar- 08 MOURA ram em burocracias, falta de informação, falta de dinheiro e, por que não, falta de vontade política. A Lei dos 60 dias, como ficou conhecida a portaria 874, ainda não é realidade para a maioria das pessoas. Uma análise superficial dos dados dá a impressão de que a maioria dos pacientes possui acesso a tratamentos dentro do limite de tempo estabelecido em lei. Segundo o Sistema de Informação de Câncer (Siscan), do Ministério da Saúde, 57% dos cânceres já são tratados em até 60 dias; 17% em até 90 dias e 22% em até 15 dias. O índice de subnotificação do Siscan, no entanto, é altíssimo. Quem conta é a médica oncologista Maira Caleffi, presidente da Femama. “Apenas 10% dos pacientes de câncer estão nas estatísticas do Siscan.” O próprio ministro da Saúde, Ricardo Barros, admite que há enormes Câncer de mama O Brasil registra incidências de câncer de mama de primeiro mundo, mas a mortalidade é de submundo. A afirmação é de Maira Caleffi. Segundo ela, os problemas começam já nas políticas de prevenção. “Pararam de fazer campanha de autoexame e o protocolo de mamografia do Ministério da Saúde precisa ser revisto”, defende. Dados do Hospital Perola Byington, referência em tratamento de câncer em mulheres no país, registram 35% dos casos de câncer de mama acontecendo na faixa etária entre 40 e 50 anos. As informações são dos últimos três anos e revelam que boa parte dos casos poderiam ser detectados mais precocemente se o ministério preconizasse a mamografia mais cedo. Para Rafael Kaliks, diretor científico do Instituto Oncoguia, é preciso, além disso, intensificar as campanhas. “Porque mesmo aos 50 anos, a aderência à mamografia é muito baixa.” Especialistas ainda acusam a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) de tratar as incorporações de medicamentos sob um “viés ideológico”. “Há 15 anos, estamos matando mulheres com câncer de mama metastático”, resume Kaliks. Ele se refere à não incorporação do medicamento anti-HER2 trastuzumabe para pacientes em estágio mais avançado da doença. Segundo Maira Caleffi, o Ministério da Saúde continua insistindo na tese de que não há evidência científica para aprovar a medicação para uso em pacientes com doença metastática de mama. A droga, no entanto, é aprovada no mundo todo, inclusive em países mais pobres do que o Brasil, e disponibilizada para pacientes de diversos perfis, apresentando a doença mais ou menos avançada. A portaria nº 1.008, de 30 de setembro de 2015, da Secretaria de Atenção à Saúde, que aprova as diretrizes diagnósticas e terapêuticas do carcinoma de mama, considera que o Divulgação dificuldades em obter informações dos Estados e municípios. “Temos apenas 832 municípios com protocolo eletrônico efetivamente implantado. Infelizmente, não há adesão das cidades à informatização.” Uma das medidas para minimizar este problema, segundo Barros, é vincular a destinação de recursos à devolução de informações. “Não podemos financiar um sistema que não presta contas.” Maira Caleffi, presidente da Femama 09 Divulgação SUS uso de trastuzumabe em pacientes com câncer de mama metastático, após analisado pela Conitec, com os dados disponíveis, são insuficientes para justificar a incorporação do medicamento para a poliquimioterapia ou monoterapia do carcinoma de mama avançado. "Por mais duas vezes, a Conitec analisou demandas apresentadas para a incorporação do trastuzumabe para tratamento do câncer de mama avançado, apontando fragilidades metodológicas dos relatórios apresentados e continuando a questionar sobre os locais das metástases dos casos incluídos nos estudos e os resultados obtidos por localização das metástases", informa o texto. Apesar dessa normativa, pelo menos quatro enunciados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendam o uso do trastuzumabe em casos metastáticos. As notas técnicas foram elaboradas a partir da realização de duas jornadas do Fórum da Saúde do CNJ. Um grupo de trabalho elaborou a recomendação nº 31, de 30 de março de 2010, aprovada pelo plenário do conselho, traçando diretrizes aos magistrados quanto às demandas judiciais que envolvem a assistência à saúde. Atualmente, no Sistema Único de Saúde (SUS), a sobrevida mediana esperada para os casos avançados de câncer de mama é de aproximadamente 22 meses. No cenário privado, 56 meses. Estima-se que 4.872 mulheres morreram no Brasil pelo fato dessa intervenção ter-lhes sido negada durante sete anos. “Existe um canyon entre o que o SUS e a saúde suplementar oferecem para a paciente com câncer de mama metastático”, avalia Maira. Rafael Kaliks aponta que esta negativa do SUS acaba por levar as pacientes à judicialização, o que é uma verdadeira “tragédia” do ponto de vista da sustentabilidade do sistema. “Mas é a única salvaguarda da população.” Ele critica ainda a precificação dos medicamentos. “Esta precificação vai quebrar também o sistema privado, temos que repensar o que está sendo cobrado pelas drogas. Porque muito embora o SUS não utilize o argumento do preço para negar acessos, sabemos que esta também é uma causa.” Questionado sobre o alto preço dos medicamentos, o laboratório Roche – responsável pela fabricação do Herceptin® (trastuzumabe) – posiciona-se, afirmando que os investimentos para o desenvolvimento de um produto inovador giram em torno de US$ 2,5 bilhões. “São mais de dez anos de pesquisa, entre a identificação de uma molécula e sua chegada ao mercado, considerando que em muitos casos podem ocorrer falhas, interrompendo o processo”, afirma, em nota. A empresa lembra ainda que o preço dos medicamentos no Brasil é público e definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). A Roche também reforça que está aberta ao diálogo e às negociações, e que tem o “compromisso de buscar alternativas para ampliar o acesso dos pacientes brasileiros, seja no setor público ou privado, aos tratamentos que mais necessitam e que podem impactar no tempo e na sua qualidade de vida”. Rafael Kaliks, diretor científico do Instituto Oncoguia 10 Parceria que não saiu do papel Uma parceria de 2013, cujos investimentos somam R$ 537 milhões, dão conta de que 80 aceleradores lineares – para tratamento de radioterapia - estariam à disposição da população. Um acordo com a empresa Varian Medical System previa, além dos equipamentos, a transferência de tecnologia em cinco anos. O projeto, no entanto, praticamente não saiu do papel. A promessa era de que os equipamentos atendessem a 63 municípios, localizados em 22 Estados e no Distrito Federal, ampliando a oferta no SUS em 25%. Dos 80 aceleradores lineares, nenhum está em funcionamento no país, segundo o médico Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). “Não dá para olhar com orgulho para este projeto, mas com vergonha”, afirma. A pedra fundamental da fábrica que seria construída no Brasil, pela Varian, foi lançada apenas este ano, em março, na cidade de Jundiaí. A previsão é que seja entregue no fim de 2017. Hoje, 40% das pessoas que precisam fazer radioterapia, pelo SUS, não conseguem. O próprio ministro, Ricardo Barros, admite: “Há falta de supervisão do governo federal nas comissões bipartites para distribuição mais igualitárias dos serviços”. Dinheiro malgasto O gasto do Ministério da Saúde com tratamentos contra câncer cresceu 66% nos últimos cinco anos, saltando de R$ 2,1 bilhões em 2010 para R$ 3,5 bilhões em 2015. Também cresceu, no período analisado, o número de pacientes com câncer atendidos no SUS. Nos últimos cinco anos, o volume de doentes em tratamento na rede pública passou de 292 mil para 393 mil. Os números são reflexos do aumento de casos de câncer no país nos últimos anos e do lançamento de novas terapias e medicamentos de alto custo contra a doença. Eles indicam um desafio para os gestores do sistema: com o envelhecimento da população, a tendência é que os casos da doença cresçam ainda mais e exijam um investimento maior nas áreas de prevenção, detecção e tratamento. Considerados um dos melhores no tratamento do câncer no país, o Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC) é um hospital especializado de nível terciário de atendimento. Possui 180 leitos, incluindo os de cuidados paliativos, dez salas no centro cirúrgico, setores de quimioterapia, radiologia e radioterapia (incluindo três aceleradores lineares). Embora privada, a instituição destina 70% de seus atendimentos a pacientes do SUS, mas tem de fazer malabarismos para cobrir as contas. “Estamos no nível terciário de atendimento, que possui um custo alto. De todos os nossos pacientes, 75% são mulheres, e metade delas são portadoras de doenças da mama. Nosso grande problema hoje é conseguir contrarreferenciar os pacientes, isto é, fazer com que ele volte à Unidade Básica de Saúde (UBS) após seu tratamento”, afirma Marcelo Calil, presidente do IBCC. Segundo ele, a cada dez pacientes que chegavam por lá, apenas um ficava no serviço. Isso há cinco anos. Hoje, a cada dez, nove ficam. “A rede não se prepara para receber de volta e isso onera o sistema, já que somos um hospital de nível terciário, que não deveria fazer atendimento primário.” Para Gustavo Fernandes, presidente da SBOC, embora os números de investimentos e de atendimentos tenham aumentado, quimioterapias oferecidas pelo SUS são ultrapassadas. Como a que é aplicada a pacientes com melanoma metastático. “Esses doentes podem ter sobrevida longa hoje em dia. Mas a quimioterapia oferecida pelo SUS não deveria ser utilizada e não apresenta os resultados que teríamos com tratamentos mais avançados”, diz. Este problema, infelizmente, cai no colo do médico. “É um problema que não deveria estar no consultório. O médico pode ajudar no combate ao desperdício, mas não pode se responsabilizar por prescrever tratamentos ultrapassados. Isso fere a ética médica”, posiciona-se. 11 ENTREVISTA Hospital tem autoridade para propor mudanças na sociedade Para Paulo Saldiva, estabelecimentos de saúde serão cada vez mais decisivos na prevenção de problemas que afetam a qualidade de vida Por eleni O s estabelecimentos de saúde têm autoridade para propor políticas públicas capazes de contribuir com toda a sociedade e, por consequência, com a qualidade de vida das pessoas. Esta é a opinião de Paulo Saldiva, médico 12 patologista formado em medicina pela Universidade de São Paulo (USP), em 1977, professor titular da Faculdade de Medicina da USP desde 1996, integrante do Comitê de Qualidade do Ar da Organização Mundial da Saúde (OMS) trindade e diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA). Segundo ele, um dos maiores especialistas no mundo em doenças causadas pela poluição, isso se deve à capacidade de diálogo que a saúde tem com saúde mental é outro problema, já que as chances de ter esquizofrenia, distúrbio bipolar, ansiedade, depressão e câncer aumentam conforme o tamanho da cidade e todas as suas dinâmicas de estresse. outros segmentos da sociedade e pelo fato de o cuidado com o ser humano ser a vocação do segmento. “As empresas de saúde podem construir narrativas mostrando que mudanças na cidade têm impacto direto na vida das pessoas”, afirma. Nesta entrevista à Revista FEHOESP 360, o professor defende que a saúde se envolva cada vez mais com as questões externas, causadoras das doenças que lotam os hospitais. Confira: Revista FEHOESP 360: Realizando estudos há mais de 30 anos sobre o impacto da poluição na saúde, quais as principais mudanças na cidade e no Estado de São Paulo nesse período? Houve avanços? Paulo Saldiva: O saldo é positivo. A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) tem dados históricos de poluição desde os anos 1980, e analisando as tendências ao longo do tempo, viu-se que a cidade foi mudando de vocação com a migração de muitas indústrias para outros municípios e pelo avanço dos serviços na capital. Esse processo fez com que as pessoas tivessem que se deslocar muito mais por meio de um sistema de transporte que não acompanhou esse ritmo, além do aumento do número de automóveis. Hoje o transporte responde por 90% da poluição no Estado. A poluição do ar estacionou num patamar melhor do que era na década de 1980, mas ainda está aproximadamente duas vezes e meia maior do que os padrões recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O Estado de São Paulo também teve melhoras na queda de poluição, mas, como há indústrias atraídas por isenção fiscal, algumas cidades do Vale do Paraíba e do centro do Estado têm níveis iguais ou maiores do que os da capital. 360: Como a população sente os danos causados pela poluição na sua saúde? PS: São várias as implicações. As óbvias são os acidentes de trânsito, que têm implicação brutal para a saúde, para a Previdência Social e para a vida das famílias. Há também a redução de horas de sono, pois, além de ter que levantar mais cedo para fazer deslocamentos, ainda há o ruído urbano dominado pelo tráfego: ele dificulta o aprofundamento do sono e inibe a secreção de hormônios importantes que influenciam no controle da pressão arterial e no controle da respiração. A 360: Os estabelecimentos de saúde, de maneira geral, já estão atentos à questão ambiental gerenciando suas emissões de poluentes, implantando programas de sustentabilidade, de economia de recursos naturais e também sendo rigorosos com sua cadeia fornecedora. Há algo mais que eles podem fazer para contribuir nesta questão? PS: Essas medidas qualquer empresa pode fazer. Hospital tem de ir além. Vou dar um exemplo: o corredor de ônibus Francisco Morato/Consolação, na capital paulista, produz mais de uma dezena de indivíduos com incapacidade produtiva por mês, entre amputados, paraplégicos e tetraplégicos – a maioria jovem, devido aos constantes acidentes que acontecem na região. O Hospital das Clínicas (HC) recebe esses casos mais graves. Por conta disso, discutiu-se, na Faculdade de Medicina, a necessidade do aumento de vagas de residentes de ortopedia, trauma e neurocirurgia no HC. Isso é importante, mas seria a mesma coisa que, frente ao tabagismo, aumentássemos o número de vagas de cirurgia torácica e de oncologia e não tratássemos a causa do problema. Nesse contexto, os estabelecimentos de saúde têm uma posição privilegiada para conversar com as pessoas e deixar claro para elas os benefícios imediatos e não conhecidos das práticas sustentáveis, como usar mais o transporte coletivo que, além do benefício geral – ajudar a reduzir as emissões –, colabora para diminuir o sedentarismo. Todo indivíduo que anda de transporte coletivo em São Paulo caminha sem perceber de três a quatro quilômetros, o 13 ENTREVISTA que ajuda a perder peso e ganhar saúde, com menor risco para o diabetes, doença cardiovascular, osteoporose e tumor de cólon. O hospital e demais estabelecimentos podem construir narrativas sobre o tema da mesma forma que já apostam em instalações mais verdes e bonitas. Eles sabem que quando investem nessas mudanças positivas trazem benefícios, pois os indivíduos expostos a parques e manifestações artísticas têm os genes que codificam prote- ínas pró-inflamatórias reprimidos e os que codificam proteínas anti-inflamatórias estimulados. Se forem reduzidas as emissões de gases de efeito estufa, a saúde melhora e se aprimoram as condições de vida para todos" 14 360: Saúde e qualidade de vida também dependem de aspectos externos como infraestrutura, saneamento básico, segurança e educação, entre outros. Qual o panorama do Brasil nesse aspecto? PS: O Brasil ainda tem menos de 30% de esgoto tratado e, por uma questão de cultura, para nós as doenças ambientais são fruto de vetores como insetos e ratos. Sim, há questões estruturais envolvidas e é preciso aprimorar. Conforme se avança em direção às áreas mais afastadas da cidade, é possível ver casas sem janelas e sem banheiro. A “solução” adotada pelas pessoas é jogar sacos plásticos com resíduos no córrego do lado da moradia, como se fazia na Idade Média, acumulando sujeira ao lado da moradia. Isso tem implicações sérias na saúde pública. Por isso, trabalhar com outras áreas é fundamental. Com a Secretaria de Obras, que cuida da infraestrutura de esgoto. Com a de Transportes, para as pessoas terem melhor estrutura de deslocamento. E também com a de Segurança Pública, para ser a interlocutora em locais onde o crime organizado atua e para facilitar o funcionamento dos postos de saúde, pois em muitas regiões há profissionais que são ameaçados. A educação é mais uma vertente na orientação sexual e nos temas de prevenção em saúde. 360: A Eco 92 foi um marco no comprometimento das nações de todo o mundo com a questão ambiental. Desde então, o tema ganhou corpo na agenda dos governos e da sociedade. O mais recente documento de comprometimento mundial para limitar mudanças climáticas – com metas para parar o aumento da temperatura no mundo – é o Acordo de Paris, firmado em 22 de abril deste ano. Como a população pode sentir os benefícios desses pactos internacionais em suas vidas? PS: Um ano antes do Acordo de Paris, houve uma reunião de preparação sobre o documento, da qual eu participei, em que a OMS decidiu dar destaque para o tema da saúde. A partir do que foi discutido nesse encontro, é possível entender como essa questão se traduz para a população. Na ocasião, falou-se dos benefícios imediatos para a saúde das políticas sustentáveis, levando em conta os dois principais tipos de poluentes: por gases, que têm tempo de permanência por décadas na atmosfera; e os locais, produzidos pela sujeira (partículas de óxido de nitrogênio e óxido de enxofre) que lesam localmente. A OMS mostra que a poluição por partículas foi responsável no planeta por 7,5 milhões de mortes – mais que malária e diarreia somadas. A OMS, então, começou a explicar que, se essas emissões forem reduzidas com mudanças de hábitos, daqui a 80 anos começarão a cair os gases de efeito estufa e o primeiro ser vivo beneficiado será o urso polar. Mas isso não é algo que faz as pessoas aderirem, porque elas não serão beneficiadas diretamente. O setor da saúde propôs uma outra abordagem de como os benefícios chegam nos indivíduos: se forem re- duzidas as emissões de gases de efeito estufa, reduz-se, ao mesmo tempo, os poluentes de efeito local e a saúde melhora, aprimoram-se as condições de vida para o seu filho, as pessoas que você gosta e seus parentes mais velhos. Isso toca no coração das pessoas. cidades, pois é dentro delas que consumimos e onde emitimos gases de efeito estufa. Deve ainda atuar nas questões mais objetivas do dia a dia, como, por exemplo, no número de fraturas causadas por quedas em calçadas malfeitas. A saúde pode ter protagonismo e exigir melhorias do poder público. 360: O número de idosos no Brasil triplicará até 2050, segundo a OMS. O que precisa ser feito para melhorar o atendimento a essa população em um mundo que evolui tão rápido e com tantas questões ambientais pendentes? O Brasil já está preparado para lidar com essas demandas? PS: O processo de envelhecimento está sendo visto como uma questão de contas públicas. Também há a preocupação de como vamos preparar geriatras, enfermarias, estruturas hospitalares e de atendimento domiciliar para esse público, quando o ideal seria levar o foco para construir pavimentos melhores, mais parques e espaços de convivência, tudo isso como política de saúde. Nós temos que pensar em que tipo de cidade vamos viver e como vamos nos locomover. Como vamos preparar as metrópoles para pessoas que perderam seus laços, que saíram de seus empregos e, pela própria longevidade, foram perdendo pessoas e se isolando. A saúde tem autoridade e a capilaridade necessária, além de um nível de articulação extraordinário para incentivar e participar de políticas públicas desse tipo. Fazendo um paralelo com o trabalho do pediatra – quando ele investiga os hábitos do paciente –, é preciso ver a cidade como um todo e não apenas do hospital para dentro ou da casa do paciente para dentro, mas o que está no caminho entre esses dois lugares: a cidade e o que ela representa na vida de todos. A saúde tem a capilaridade necessária, além de um nível de articulação extraordinário para incentivar políticas públicas" 360: Os estabelecimentos que fazem parte da cadeia da saúde devem ter um papel cada vez mais decisivo na questão da sustentabilidade? PS: A saúde foi o último setor a entrar na questão, mas teve um papel fundamental. Porque, por mais que se defenda o desenvolvimento das nações, não é possível argumentar contra a sobrevivência do ser humano, principalmente em países que emitem menos gases poluentes. Ainda estamos discutindo se o que vale mais é o desenvolvimento econômico ou se é a qualidade de vida e bem-estar, por isso é tão importante deixar de procurar a felicidade em adquirir coisas, produtos que alimentam todo esse ciclo. Acredito que a saúde vai ter um papel mais preponderante nesse cenário. Ela tem que assumir o papel da saúde ampla, dialogando com todas as áreas para gerar uma nova política de cuidados dentro das 15 Por uma nova cultura de segurança do paciente Redução de incidentes nos serviços depende de equipes e gestores Por RICARDO F alar na importância da segurança do paciente na área da saúde não é novidade. A busca pela qualidade assistencial, por meio da diminuição dos chamados eventos adversos, é hoje uma exigência indiscutível. Evento adverso é todo incidente que resulta em dano não intencional, decorrente da assistência e que não tem, necessariamente, relação com a doença de base do paciente. BALEGO Embora não sejam novos, os números sobre o assunto continuam sendo alarmantes. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), um em cada dez pacientes que recebem cuidados hospitalares sofre algum tipo de evento adverso, sendo que boa parte deles poderia ser evitada. Dados do Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), publicados em 2014, indicam que as complicações pós-ope- 17 CAPA ratórias atingem até 25% dos pacientes. Desses, ao menos a metade poderia ser prevenida. A incidência de infecção hospitalar associada ao cuidado em saúde gira em torno de 7% de todas as internações nos países desenvolvidos, enquanto em países subdesenvolvidos este percentual chega a 10%. Na maioria desses casos, medidas simples e de baixo custo, como a correta lavagem das mãos, poderiam reduzir consideravelmente estes números. Para enfrentar o problema, o Brasil criou, em 2013, o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), que estabeleceu métodos e protocolos com o intuito de tentar diminuir o número de incidentes, contando para isso com o envolvimento dos profissionais e serviços de saúde. “Podemos dizer hoje que a segurança do paciente entrou na agenda dos serviços de saúde. Até então, de uma maneira geral, era algo que apenas os hospitais que estavam ou já eram acreditados se ocupavam”, afirma o médico e pesquisador Victor Grabois, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz). A instituição liderou, junto com o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a criação e implementação da iniciativa em todo o país, oficializada por meio da portaria MS nº 529/2013, que tinha o “objetivo de contribuir para a qualificação do cuidado em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional.” Coube à Anvisa orientar os serviços sobre 18 como operacionalizar as medidas, a partir da resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 36/2013. Passados mais de três anos da criação do programa – que ocorreu em abril de 2013 –, resta saber qual tem sido a efetividade dessas ações e como os serviços de saúde têm se posicionado a respeito do tema. “A participação dos prestadores de serviços no setor sempre foi muito importante nesta questão, pois são responsáveis por viabilizar as melhores práticas, aplicar os protocolos e promover a integração das equipes no intuito de se reduzir os possíveis danos aos pacientes durante a assistência”, afirma o médico Yussif Ali Mere Jr, presidente da FEHOESP. Mobilização mundial A criação do PNSP teve o intuito não só de se qualificar os estabelecimentos de saúde no país, mas, também, de atender a um compromisso firmado globalmente. Desde 2004, o Brasil faz parte da Aliança Mundial para a Segurança do Paciente, criada pela OMS. “Quando falamos de segurança do paciente, são mundialmente crescentes as iniciativas para sua promoção e qualidade na assistência. O alerta para esta condição começou há mais de dez anos, com a elaboração de um relatório divulgado pelo Institute of Medicine dos Estados Unidos”, explica Renata Pietro, conselheira do Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren -SP). A especialista refere-se ao estudo “Errar é humano: construindo um sistema de saúde mais seguro”, que analisou 30.121 internações e identificou iatrogenias em 3,7% delas. “Com base nestes resultados, estimou-se que os danos haviam problema pode estar na formação dos profissionais. “A gente está formando muito médico, mas de má qualidade”, diz. Além de apontar o excesso de escolas médicas no país, ele indica que o formato de avaliação dos cursos de medicina também contribui para este cenário. “Em torno de 90% dos estudantes de medicina se formam, enquanto apenas 50% dos estudantes de engenharia terminam o segundo ano”, compara. Com ênfase na qualificação dos profissionais, Guarischi propõe a utilização na saúde do modelo de segurança adotado pela aviação, chamado de Gerenciamento de Recursos Humanos, ou Crew Resource Management (CRM). É uma ferramenta de prevenção de acidentes que vem sendo aplicada em forma de treinamento e com foco mais em processos humanos e menos em questões técnicas. “Na aviação alguns acham que o computador substitui o homem, como na medicina a gente acha que respiradores, programas de informática e prescrição eletrônica vão substituir a atividade humana. Não vão substituir, isso é um equívoco”, afirma. Neste contexto, o trabalho conjunto das equipes multidisciplinares também é essencial, como lembra Renata Pietro, do Coren-SP. “O modelo hoje é de diferentes profissionais de saúde trabalhando com conhecimentos, habilidades e atitudes distintas em prol de uma assistência cada vez mais segura. Para o sucesso, a equipe precisa trabalhar seus canais de comunicação contribuído para a ocorrência de 180 mil mortes, tornando-se mundialmente urgente intervenções focadas na segurança em saúde.” No caso brasileiro, a política criada em 2013 também contou com ampla participação de diversas entidades e organizações da saúde, por meio do Comitê de Implementação do Programa Nacional de Segurança do Paciente (CIPNSP). “Havia todo um trabalho que a Anvisa já fazia há alguns anos, também um trabalho de pesquisa e divulgação científica que a Fiocruz já realizava, mas se a gente olhar do ponto de vista dos serviços de saúde, este era um assunto muito ausente”, justifica Victor Grabois, da Fiocruz. “Com o lançamento do programa, podemos dizer que o tema entrou na agenda dos mais de 6 mil hospitais do Brasil e de toda a área de atenção primária. Temos um balanço muito importante nesse sentido”, ressaltou. Na linha de frente Olhando para dentro do setor prestador de serviços em saúde, que nada mais é do que o responsável por colocar em prática todas as normas de segurança, é possível encontrar vários fatores que limitam a efetividade das ações para diminuição dos eventos adversos. Segundo o médico Alfredo Guarischi, membro da Câmara Técnica de Segurança do Paciente do Conselho Federal de Medicina (CFM), a origem do Virginia Damas - Ensp/Fiocruz Comunicação Coren-SP Renata Pietro, conselheira do Coren-SP Victor Grabois, pesquisador da Ensp/Fiocruz 19 CAPA efetivos, geridos por protocolos assistenciais e com equipe treinada”. Trabalhar a falta de sinergia entre as equipes também é essencial para o sucesso das ações, de acordo com Alfredo Guarischi. “Se têm médicos, enfermeiros, nutricionistas e equipes bem treinadas, mas quem presta o serviço não sabe trabalhar em conjunto.” Contribui para esse quadro, na sua opinião, a alta rotatividade dos profissionais nos estabelecimentos. “Nos hospitais, os times não se mantêm por muito tempo. A troca de profissionais de saúde, principalmente de técnicos, é muito alta.” Sobre o impacto na segurança a partir das condições de trabalho na enfermagem, Pietro afirma que o aumento de apenas um paciente para cada profissional cuidar eleva em 28% as chances de eventos adversos e amplia em 7% o risco de morte para cada doente. “Eleva ainda em 23% o risco de burnout para os profissionais e a insatisfação no trabalho, favorecendo maiores taxas de infecção, lesão por pressão, erros de medicações e a mortalidade”, destaca. 20 A enfermeira também lembra que este impacto pode ter um alcance ainda maior. “Se formos olhar para a assistência à saúde nos hospitais brasileiros, acredita-se que os erros e suas consequências sejam ainda maiores, pois a equipe atua em um cenário de precariedade, com dimensionamento inadequado, carga horária excessiva e ainda são afetados pela má remuneração, condições que somadas ampliam e favorecem as falhas e a insegurança na assistência prestada.” Importância dos núcleos Uma das exigências do PNSP, instituída pela RDC 36 da Anvisa, é a criação de núcleos de segurança do paciente (NSP) em todos os estabelecimentos de saúde ou redes de atendimento em atenção primária, que vão ser responsáveis pela operacionalização das normas de segurança dentro dos serviços. “Olhando para as diferentes diretrizes do PNSP, um ponto importante foi a criação dos núcleos de segurança do paciente. A ideia é elaborar o plano de segurança, as prioridades e fa- zer uma avaliação adequada dos riscos e perigos existentes”, pontua o pesquisador Victor Grabois. No entanto, segundo dados divulgados em dezembro de 2015 pela Anvisa, até 2014 eram 784 núcleos cadastrados em todo o país, número considerado ainda pequeno. “Os NSP têm um conjunto muito importante de atribuições. Se ele sequer existe, a gente pode afirmar que há um impacto na própria implementação de um protocolo. O outro lado é que esses núcleos precisam que as pessoas tenham uma carga horária dedicada a isso, que tenham acesso à direção”, lembra Grabois. Mesmo nos NSP que já existem, não é raro serem formados pelas mesmas pessoas que atuam em comissões como Gerência de Riscos ou Controle de Infecção Hospitalar. Ou seja, não basta apenas ter o núcleo instalado, “ele precisa de apoio, ser formalizado e de fato funcionar”. “O problema é que vem uma legislação e diz que tem que implantar o núcleo de segurança do paciente em 90 dias. Aí fica um núcleo que só existe para a Anvisa e o Ministério da Saúde ver e que não tem razão de ser dentro da organização, que entende estar cumprindo apenas uma legislação e ponto. Não vê o motivo dele existir e qual é seu papel real”, pondera Maria Carolina Moreno, superintendente da Organização Nacional de Acreditação (ONA). Outra importante atribuição dos NSP nos serviços é fornecer dados à Anvisa a respeito de eventos adversos, por meio de notificações. Em 2014, por exemplo, foram 8.435 incidentes registrados, e, até aquele ano, 225 dos 784 núcleos existentes haviam notificado a agência reguladora pelo menos uma vez. A partir desses números, vem sendo possível estabelecer situações como maior incidência de eventos com a população a partir dos 56 anos – o que pode ser relacionado diretamente com maior cuidado aos idosos. Quanto ao tipo de incidente, lideram os que têm a ver com tratamento propriamente dito, seguidos pelos relacionados a diagnóstico. Mas a questão da notificação, embora considerada um importante avanço, também apresenta problemas na forma como é feita hoje. Isso porque os núcleos, muitas vezes, preocupam-se mais com a comunicação externa dos casos e pouco utilizam os mesmos dados como aprendi- Maria Carolina Moreno, superintendente da ONA 21 CAPA zado, a fim de se evitar novos eventos. “O que a gente critica é essa ênfase na notificação externa”, confirma Grabois. Além disso, existe alguma dificuldade quanto ao formato da própria ferramenta de notificação. O Sistema de Notificações em Vigilância Sanitária – Notivisa, da Anvisa, ainda é muito voltado para registro de informações relacionadas a produtos e não processos, como ocorre com os eventos adversos. Uma nova cultura Conhecida a importância das ações em prol da segurança dos pacientes na saúde, por meio da prevenção e redução de eventos adversos, é fundamental o papel dos gestores dos serviços. “Os estudos mostram que 62% das iniciativas falham devido à falta de compromisso da liderança”, lembra Renata Pietro, do Coren-SP. A criação e o bom funcionamento dos núcleos de segurança, assim como a capacitação e integração das equipes profissionais, acabam sendo desafios que devem ser encarados pelas administrações. “O grande problema hoje não é só o pessoal da ponta. Está também na gestão. Se a gente não tem a tradição de investigar pequenos 22 problemas e passa a investigar só os grandes, a resposta do sistema é arrumar um culpado e punir este. Mas, com isso, eu não redesenho o sistema”, destaca Alfredo Guarischi. O médico Victor Grabois também ressalta o envolvimento das direções para se fomentar essa cultura dentro das organizações. “A mudança não ocorre se a liderança não estiver engajada, próxima de onde o cuidado acontece. Elas precisam colocar essa agenda como uma prioridade, devem se preocupar em criar capacidades nos profissionais, no sentido de reconhecer os riscos e de como implementar protocolos, dando um enfoque não punitivo, mas de aprendizagem.” Neste processo, é preciso reconhecer que o erro é uma possibilidade e que isso pode ser trabalhado. “Cultura de segurança é trabalhar com a identificação das falhas de maneira não punitiva, onde devemos aprender com os erros, criando a estratégia de um modelo focado na análise da raiz do problema, ou seja, não interessa quem falhou, esse profissional não deve ser punido. Precisamos entender onde ele falhou e por que ocorreu o erro”, afirma Pietro. “Tem muitos gestores que ainda fazem a pergunta errada: quem fez? Ao invés de perguntarem: o que aconteceu?”, completa Grabois. Segurança pressupõe criar também uma cultura de colaboração, não só entre as equipes internas, mas entre as instituições. “Os hospitais trocam experiências hoje muito mais pelo viés jurídico, para evitar a judicialização, do que para transformar isso em treinamento e capacitação”, pontua Guarischi. Portanto, investir em segurança do paciente exige planejamento e comprometimento por parte das equipes de saúde e lideranças dos serviços. “A quebra de paradigmas é uma longa jornada e leva anos para que ocorra, por isso, paciência, perseverança, compromisso e engajamento devem ser as metas de todos”, recomenda Renata Pietro. “Precisamos discutir isso, a nossa responsabilidade como profissional de saúde é terminativa”, finaliza Alfredo Guarischi. (Colaborou Eleni Trindade) O erro como aprendizado Segundo os especialistas, a incidência de eventos adversos seria menor se os serviços de saúde e seus gestores encarassem as falhas como indicativos de que melhorias são necessárias. “É muito importante que se olhe para isso como uma oportunidade de prevenção, de aprendizagem e tentar entender o que deu errado. É preciso olhar para tudo na instituição que pode ter contribuído para aquilo”, afirma Victor Grabois, da Ensp/Fiocruz. Além disso, um evento em si é apenas o desfecho de uma série de fatores anteriores que culminaram no erro propriamente dito. “Não existe acidente com causa única, não existe acidente sem precedente. Quem decide erra e quem não decide já errou. O profissional não erra porque quer, mas porque foi contaminado pelo cansaço, está mal treinado ou a ordem não ficou muito clara. É uma bola de neve”, ressalta o médico Alfredo Guarischi. No fim, isso deve servir como aprendizado para uma mudança de cultura nas instituições. “Para se trabalhar com segurança, o primeiro requisito é aprender a reconhecer as falhas do seu trabalho, os gaps que existem. Precisa mudar a maneira de olhar, entender que toda organização erra e que existem maneiras de corrigir”, conclui Maria Carolina Moreno, da ONA. Segurança pelos olhos do paciente Uma ideia ainda nova no Brasil, o conceito de qualidade com base na experiência do paciente começa a ganhar espaço dentro dos serviços de saúde. Amparada por casos de sucesso em estabelecimentos nos Estados Unidos, como a Cleveland Clinic, sua aplicação pressupõe passos como o envolvimento de lideranças, definição de métricas e criação de uma cultura organizacional que contemple o paciente como elemento fundamental. “Cada vez mais esse assunto é foco para o profissional de saúde, e deve ser direcionado para o cuidado do paciente e não da doença”, explica Kelly Cristina Rodrigues, especialista em Marketing na Saúde. Para isso, o envolvimento das equipes é fundamental, já que devem atuar de forma coesa e satisfeita. Isso vai gerar, no fim, um atendimento de qualidade e com maior segurança. “Não falamos somente da experiência na questão da satisfação, mas, sim, de uma forma global. Tudo isso está ligado à questão da segurança assistencial”, destaca Rodrigues. 23 GESTÃO Desnutrição agrava saúde de pacientes hospitalizados Falta de profissionais e despreparo de equipes prolongam a internação e prejudicam o doente Por Rebeca E m fevereiro deste ano, o Brasil foi destacado como um dos países mais bem-sucedidos no combate à desnutrição e à pobreza. O país conseguiu atingir a meta proposta pela Organização das Nações Unidas (ONU): diminuir pela metade o número de desnutridos até 2015. Se por um lado é motivo de orgulho, por outro é alarmante. A desnutrição pode chegar a 60% dos pacientes que dão entrada em hospitais da América Latina. É o que 24 Salgado afirma uma revisão de estudos lançada no último mês na revista especializada "Clinical Nutrition". A revisão incluiu 66 pesquisas de 12 países. Ao todo, foram considerados 29.474 pacientes. Segundo o Estudo de Nutrição na América Latina (Elan) 2016, somente no Brasil, 46% dos pacientes hospitalizados possuem desnutrição. Para quem está enfermo, um processo de desnutrição pode ter consequências nada agradáveis. A tendência é que esses pacientes fiquem maior tempo internados, podendo desenvolver infecções hospitalares em maior escala. Nesses casos, também a cicatrização de feridas cirúrgicas se torna mais difícil, aumentando ainda mais o tempo de internação, o risco e a taxa de mortalidade. “Há um despreparo das equipes médicas e também há falta de profissionais dedicados à nutrição clínica. Na saúde privada poucos são os hospitais que contam com uma equipe multidisciplinar com foco no paciente desnutrido. Já na saúde pública isso nem existe”, alerta Valéria Rosenfeld, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBPNE). Desde a criação da lei 8.234, de 1991, que regulamenta a profissão de nutricionista, e da resolução do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) nº 200/1998, os hospitais passaram a ser obrigados a ter em seu corpo clínico a nutrição clínica, com equipes multidisciplinares de terapia nutricional, como rege a portaria nº 272 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No papel, tudo funciona, mas pouco foi colocado em prática. O Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (Ibranutri) – estudo promovido e realizado pela SBNPE – avaliou 4 mil pacientes internados na rede pública hospitalar de Estados brasileiros e do Distrito Federal em 1996. Na época, a prevalência da desnutrição nos doentes foi de 48,1%. Vinte anos depois, o estudo do Elan trouxe números que chamam a atenção: o percentual de pacientes com desnutrição evoluiu para 68% entre o quinto e o 15º dia de internação, e 83% após o 15º dia. A pesquisa revela também que o custo médio diário de atendimento é 61% maior em pacientes desnutridos quando comparados com os bem nutridos (R$ 684 contra R$ 414). Em casos que evoluem para infecções, o custo de medicamentos e exames adicionais aumentam 309% em relação aos gastos com os pacientes saudáveis. Segundo Rosenfeld, a cada R$ 1 investido na nutrição do paciente, R$ 4 seriam poupados em gastos hospitalares. “Oferecer aporte nutricional correto aos internos em tempo prolongado é uma preocupação restrita a poucos hospitais, que já têm ma- turidade para lidar com a segurança do paciente”, afirma Maria Carolina Moreno, superintendente da Organização Nacional de Acreditação (ONA). “A desnutrição impacta no resultado assistencial, no tempo de internação e na qualidade de vida do paciente a médio e a longo prazo. Temos que trabalhar muito essa questão no Brasil.” Para Silvia Piovacari, nutricionista e coordenadora de Nutrição Clínica do Hospital Israelita Albert Einstein, é fundamental o acompanhamento nutricional após a admissão do paciente. “Com caráter proativo, tem-se que acompanhar os pacientes vulneráveis, desenvolver e implantar protocolos que garantam o adequado subsídio nutricional.” Exames de ultrassonografia também devem realizados para se acompanhar a performance assistencial do paciente. Em países do Reino Unido, Estados Unidos e Holanda, a triagem nutricional realizada na admissão hospitalar é obrigatória, sendo, em muitos casos, requerimento para acreditação de qualidade. Diagnóstico Apesar da alta prevalência e consequências clínicas adversas da desnutrição relacionados com a doença, a consciência médica e intervenção no Brasil é extremamente baixa. Menos de um em cinco pacientes desnutridos tem o diagnóstico de desnutrição codificado em seu registro médico e menos de um em cada dez pacientes desnutridos receberam terapia nutricional. Entre os potenciais fatores para a desnutrição destacam-se a falta de sensibilização e intervenção terapêutica apropriada, ausência de educação formal nutricional, falta de políticas de triagem formais e as circunstâncias de reembolso de operadoras de planos de saúde desfavoráveis. Existem diferentes formas de verificar um quadro de desnutrição. Se a pessoa perdeu peso sem querer ou se mudou a forma como se alimenta. O Ministério da Saúde lançou este ano um Manual de Terapia Nutricional. O documento recomenda que "pacientes admitidos na unidade de internação hospitalar recebam a atenção da equipe responsável pela nutrição". A terapia nutricional inclui: triagem, avaliação dos pacientes em risco, cálculo das necessidades nutricionais, indicação de terapia e monitoramento. 25 LEGISLAÇÃO Resolução de conflitos tem muito a crescer Novo CPC estimula a conciliação, que ainda é pouco usada para resolver pendências na saúde O novo Código de Processo Civil (CPC) - lei nº 13.105/2015 -, que entrou em vigor em março deste ano, pode contribuir para reduzir o número de processos judiciais. O motivo é que, entre suas atualizações, chama atenção o estímulo à resolução consensual de conflitos com a conciliação, a mediação e a arbitragem. Essa mudança no código segue tendências internacionais e é oportuna por causa do crescimento da judicialização no país, uma vez que as discórdias e pedidos na Justiça geram um volume enorme de gastos para o setor da saúde. De acordo com a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), o total dispendido em 2013 com processos judiciais foi de R$ 558 milhões e passou para R$ 1,2 bilhão em 2015. Já o Estado de São Paulo teve custo similar em 2015 (R$ 1,2 bilhão), ao cumprir cerca de 18 mil decisões judiciais no período, de acordo com dados 26 da Secretaria Estadual de Saúde. “Podemos tentar eliminar a judicialização com a sensibilização dos gestores e das partes a respeito dos seus direitos. Há experiências bem-sucedidas de conciliação e mediação nas áreas de telefonia, de bancos e habitação popular”, afirma Ricardo Pereira Júnior, juiz e coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da capital. Essa quantidade elevada de processos impossibilita o diálogo entre os envolvidos, daí a importância de formas de resolução que busquem o entendimento. A conciliação e mediação já são um pouco mais conhecidas em parte graças à resolução nº125/2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que “dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”. São gratuitas na maioria dos casos, como nos Cejuscs, em que são oferecidos ambientes neutros para que as partes se entendam. Na conciliação, o conciliador faz propostas; na mediação, o mediador conduz a conversa para que os envolvidos cheguem a um acordo. “As partes podem construir uma decisão ‘sob medida’ para o caso delas. O índice de sucesso é de 70% dos casos”, afirma o juiz. Vantagens da arbitragem Na arbitragem, em que a solução da desavença é buscada de maneira privada com a intervenção de árbitros especialistas escolhidos pelas partes, o destaque é o sigilo do processo. “Decisões judiciais que vêm a público podem impactar a imagem dos planos de saúde e dos hospitais. Ao fazer um acordo por meio da arbitragem, o caso não pode ser divulgado”, destaca o advogado Flavio Pereira Lima, sócio do escritório Mattos Filho. “No nosso escritório, 100% dos contratos de compras de empresa, inclusive do ramo médico-hospitalar, por exemplo, são feitos escolhendo a arbitragem como foro. É uma área que ainda tem muito a crescer no Brasil.” Mesmo com essas vantagens, a arbitragem ainda é pouco usada na saúde. Além da preferência cultural pelos tribunais, caracterizada por uma disputa e a busca por um “culpado” e um “inocente”, o custo é um empecilho. Mas, de acordo com Roberto Pasqualin, presidente do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima), embora os preços variem de acordo com tabelas de cada Câmara de Arbitragem e conforme o percentual sobre o valor da disputa, há vantagens na modalidade. "Há estudos acadêmicos que demonstram que o valor da arbitragem compensa em comparação com o Judiciário porque há o benefício do tempo menor para a solução dos conflitos com redução de juros, provisões contábeis e retomada de novos negócios entre as partes envolvidas.” (Por Eleni Trindade) NATs darão respaldo técnico a juízes Para facilitar o trabalho dos juízes, diante do crescimento da judicialização na saúde, o CNJ deu efetividade, no dia 30 de julho de 2016, à atualização da resolução nº 125/2010 que, entre outras atribuições, cria comitês estaduais de saúde para auxiliar os tribunais na criação dos Núcleos de Apoio Técnico ao Judiciário (NATs). Em São Paulo, o NAT já está em atuação há um ano, mas segundo o juiz Ricardo Pereira Júnior, coordenador do NAT, o núcleo ainda será aprimorado. “O escopo de fornecimento de parecer de urgência não foi alcançado por falta de peritos médicos”, afirma. De acordo com o juiz, não foram estabelecidas as parcerias necessárias para trazer profissionais para dar pareceres nos processos e, por esse motivo, os juízes acabaram mandando poucos processos para o NAT. A ideia, agora, é procurar entidades públicas independentes para colaborar nas mudanças necessárias. “Com o novo Código de Processo Civil, as audiências de conciliação se tornarão e o NAT passará a realizar as conciliações de todo o setor de saúde”, acredita Pereira Jr. Durval Andrade, advogado do SINDHOSP, explica que essas mudanças serão positivas para o setor. “No caso de São Paulo, o núcleo está muito focado nas operadoras e usuários, mas tem estrutura para contar com vários representantes de saúde e empresas do setor”, explica. “A participação desses profissionais é importante para auxiliar os juízes na tomada de decisão para que ela ocorra de forma mais justa.” 27 RESENHA Horrores al-estar, incômodo, tristeza. Essas são apenas algumas das sensações ao descobrir que carregamos em nossa recente história algo tão desumano e que acontecia até ontem em nosso próprio quintal. Quem conta isso é a jornalista Daniela Arbex, com seu livro Holocausto Brasileiro, que narra a história do Hospital Colônia, localizado em Barbacena-MG. Considerado o maior hospício do Brasil, pelo menos 60 mil pessoas morreram entre seus muros de 1930 a 1980, contando sempre com a conivência do Estado brasileiro. A estimativa é que, de todos os lá internados – a maioria à força –, cerca de 70% sequer sofria de doença mental. Eram em grande parte desafetos, mendigos, negros, homossexuais, pobres, alcoolistas e até tímidos, todos trancafiados pelos interesses mais absurdos e banais, baseados muitas vezes na teoria eugenista, que sustentava a ideia de “limpeza social”. Do Colônia nasceu a expressão “trem de doido”, criada pelo escritor Guimarães Rosa e que foi incorporada ao vocabulário popular mineiro. Um trem trazia, diretamente para o hospício, pessoas abarrotadas em vagões de carga, que vinham de diversos lugares para serem internadas. Não por acaso, a autora fez a analogia com os judeus que eram levados para os campos de concentração nazistas em Auschwitz, na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial. Por meio das histórias de ex-pacientes e funcionários, Arbex narra como homens, mulheres e crianças eram sistematicamente desprovidos de qualquer dignidade, violentados, sem roupas, dormindo em camas feitas de capim no chão frio e com o esgoto aberto a seus pés – que muitas vezes servia para matar a sede. Os maus-tratos e torturas eram práticas corriqueiras no hospício. Em um dos muitos casos, mulheres grávidas passavam sobre o corpo suas próprias fezes, como forma de proteger seus filhos dos abusos. Mas isso só funcionava até o nascimento, quando os bebês eram arrancados de seus braços e doados. Nos períodos de maior lotação, as mortes chegavam a 16 por dia. Eram vítimas de doenças, frio, fome e também dos eletrochoques, tão fortes e constantes que chegavam a sobrecarregar a rede do município. Isso criou, ainda, um 28 mercado clandestino de venda de corpos para faculdades de medicina, já que centenas deles abasteceram 17 escolas no país entre 1969 e 1980. Em 1979, o italiano Franco Basaglia, pioneiro na luta antimanicomial, ficou tão chocado ao ver aquelas cenas que convocou uma coletiva de imprensa. “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como esta”, disse. Este fato foi um marco, já que deu voz a grupos que há tempos não concordavam com a situação manicomial do país, contribuindo para o início do processo de desospitalização. “Apesar de Minas ter produzido a maior tragédia da loucura no país, por meio do Hospital Colônia, o Estado acolheu as primeiras manifestações em favor da reforma psiquiátrica”, destacou a jornalista, cujo trabalho foi reconhecido com um Prêmio Jabuti em 2014 e como melhor livro-reportagem pela Associação Paulista dos Críticos de Artes (APCA), em 2013. “O fato é que a história do Colônia é a nossa história. Ela representa a vergonha da omissão coletiva que faz mais e mais vítimas no Brasil.” (Por Ricardo Balego) Holocausto Brasileiro Daniela Arbex Geração Editorial 272 págs. R$ 44,90 Divulgação - Geração Editorial M do nosso holocausto ARTIGO Liderança em tempos de inovação e ousadia Por Nelson P Alvarez ara ser um líder de sucesso não basta ter bons conhecimentos técnicos, trajetória profissional vitoriosa, ser um ótimo executor de tarefas ou gerar valor para o acionista. O ato de liderar é o grande desafio do gestor e a maior preocupação das organizações. É necessário desenvolver competências específicas para comandar uma equipe. O setor da saúde, que nos últimos tempos vem sofrendo grande transformação com fusões, aquisições, novos serviços e onde a diversidade de atividades envolve pessoas de formação, origem, gênero e carreira diferentes, possui clientes que estão em busca de serviços diferenciados no momento da escolha de prestador. O preparo das equipes de trabalho, que atuam na retaguarda ou em contato direto com o cliente, precisa estar alinhado nas questões pessoais e empresariais. O papel do líder é fundamental na orquestração harmoniosa desta equipe. Do líder é exigido um novo leque de valores e competências, seja na formação com bons conhecimentos administrativos e habilidades focadas na gestão, seja na forma e condução do dia a dia das organizações - contato com todos os stakeholders. Ser líder vai muito além de possuir o perfil ideal. Necessita estar preparado e em constante evolução e aprendizado. Liderança é um estado de consciência. Algumas dicas para se tornar um líder de sucesso: 1 -Ter tempo para os liderados: tempo para ouvi-los, saber sobre necessidades, sua vida, dificuldades e conquistas. Procure apoiá-los no que estiver ao seu alcance. 2 - Acompanhe os resultados: deixe a equipe trabalhar sem direcionar ações. Conduza sem autoridade influenciando e motivando-os. 3 - Não compare as pessoas: cada um tem características e habilidades diferentes, procure explorar de forma positiva as características individuais, construa pontes, remova barreiras, apoiando-os na busca de soluções sustentáveis. 4 - Valorize os acertos: são importantes e funcionam como fator de motivação para mostrar à equipe que você reconhece as contribuições. Isto contribui para a melhor produtividade. 5 - Seja coach: leve a equipe a patamares de autonomia e maturidade superiores, agindo com excelência. Seja inspirador. 6 - Lidere pelo exemplo: surpreenda-os fazendo a coisa certa. Não exija deles aquilo que você não faz. O exemplo é a melhor maneira de inspirar e motivar as pessoas. 7 - Cuide da comunicação: dê informações com clareza. Cuidado com declarações dúbias, vagas e conflitantes. 8 - Crie sua marca: a imagem do líder está relacionada ao conjunto de princípios e valores nas ações do dia a dia. 9 - Seja responsável: engaje a equipe quanto à responsabilidade social da empresa, seus objetivos e melhores práticas. Aqui há uma grande oportunidade para a área de Recursos Humanos, que pode ser o elo entre a gestão e o dia a dia da organização – sendo facilitadora, indicando e conduzindo programas voltados às práticas de mercado. Recursos Humanos têm o papel de ajudar a construir a empresa de amanhã com as pessoas de hoje. * Nelson Alvarez é consultor em Gestão Empresarial e Recursos Humanos e coordenador da Comissão de RH do SINDHOSP 29 CHARGE A Revista FEHOESP 360 é uma publicação da FEHOESP, SINDHOSP, SINDHOSPRU, SINDJUNDIAÍ, SINDMOGIDASCRUZES, SINDRIBEIRÃO, SINDSUZANO e IEPAS Tiragem: 15.500 exemplares Periodicidade: mensal Correspondência: Rua 24 de Maio, 208, 9º andar - Diretoria FEHOESP Camargo Diretores Suplentes - André Junqueira Santos Pessoa, Hugo Alexandre Zanchetta Buani, Danilo Ther Vieira das Neves, Armando De Domenico Junior, Luiza Watanabe Dal Ben, Jorge Eid Filho e Michel Toufik Awad 2º Vice-Presidente - Roberto Muranaga Conselheiros Fiscais Efetivos - Antonio 3º Vice-Presidente - Flávio Isaias Rodrigues Carlos de Carvalho, Ricardo Nascimento Teixeira Mendes e João Paulo Bampa da Silveira Presidente - Yussif Ali Mere Junior 1º Vice-Presidente - Marcelo Soares de República - São Paulo - SP - 01041-000 [email protected] 1º Diretor Secretário - Rodrigo de Freitas Coordenadora de Comunicação 2º Diretor Secretário - Paulo Fernando Aline Moura Moraes Nicolau Editora responsável 1º Diretor Tesoureiro - Luiz Fernando Fer- Fabiane de Sá (MTB 27806) rari Neto Redação 2º Diretor Tesoureiro - José Carlos Barbério Eleni Trindade, Rebeca Salgado e Ricardo Balego Projeto gráfico/diagramação - Thiago Alexandre Fotografia - Leandro Godoi Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da revista. Nóbrega Conselheiros Fiscais Suplentes - Maria Helena Cerávolo Lemos e Fernando Henriques Pinto Junior Delegado Representante junto à CNS efetivo - Yussif Ali Mere Junior Delegado Representante junto à CNS suplente - Marcelo Soares de Camargo