Segurança do paciente: a solução está dentro dos serviços

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360
edIçÃO 02 • OUTUBRO de 2016
Paulo Saldiva afirma que os hospitais
devem propor mudanças à sociedade
A verdade sobre o câncer no Brasil
Segurança do paciente:
a solução está
dentro dos serviços
Engajamento dos gestores e
equipes de saúde é fundamental
para a redução dos eventos adversos
EDITORIAL
Golpe de quem?
Desde 2013 o país vive dividido entre aqueles que são contra
e os que são a favor da permanência no poder de um partido sabidamente corrupto. Assim que se reelegeu e assumiu seu segundo mandato, em 2015, Dilma Rousseff teve a
chance de, quem sabe, corrigir os rumos da economia, apaziguar os ânimos no Congresso Nacional e seguir em frente.
Os escândalos constantes da Lava Jato, no entanto, fomentaram a insatisfação da população. Somados aos sucessivos
fracassos econômicos e à arrogância da presidente e de seu
partido em não dialogar, o movimento cresceu, e culminou
na queda do PT.
Era o que queríamos. Não que seja a melhor saída de uma
democracia derrubar seu presidente eleito. Acontece que as
urnas não podem, nunca, ser salvo-conduto para crimes e
ilegalidade. E são os próprios mecanismos da democracia,
em sua Constituição, que nos permitem o impeachment.
Acredito que a derrocada de Dilma tenha nascido antes
mesmo de ela ser reeleita. Foi em 2013, quando as manifestações de rua que eclodiram no país fizeram sua popularidade despencar. Como resposta, simplista, o governo
anunciou o Programa Mais Médicos. Lançado em 8 de julho
de 2013, o projeto sempre teve como real objetivo financiar
Cuba, aliada ideológica do governo brasileiro. O formato da
importação de médicos de outros países foi alvo de duras
críticas de associações representativas da categoria, sociedade civil, estudantes da área da saúde e inclusive do Ministério Público do Trabalho. Uma medida eleitoreira, que
ajudou a propagar uma medicina de qualidade duvidosa.
O aumento de impostos, no início de 2015, como IOF,
PIS/Cofins e Cide, foram os sintomas do fim. Dilma já agonizava no poder, junto a um país com dez milhões de desempregados, déficit público histórico, anúncio de cortes no
orçamento e crises.
Antes de ser afastada, no primeiro semestre deste ano,
Dilma e seus aliados propagaram a ideia de que um eventual governo de Michel Temer (PMDB) acabaria com os programas sociais – excelentes cabrestos das urnas. Esqueceram, entretanto, de anunciar com clareza o que já estavam
fazendo: quedas reais nos investimentos sociais, inclusive
naqueles que eram vitrine do PT, chegaram a 87%. Tudo isso
fundamentados numa nova matriz econômica, cujos ideólogos foram Guido Mantega e Arnon Agostin, responsáveis
pela propagação da miséria pelo país, a despeito do slogan
"Brasil sem miséria".
Em paralelo, a corrupção foi sistematizada por meio de
um aparelhamento do Estado nunca visto em nossa história. O resultado disso tudo, já sabemos: um país em profunda recessão, zerado em investimentos de infraestrutura,
com milhões de desempregados e muita desesperança.
Saquearam o Brasil, de maneira arquitetada, fantasiados
de bons moços. Este, sim, foi o verdadeiro golpe.
Yussif Ali Mere Jr
Presidente
ÍNDICE
05
Representantes da saúde opinam e
dão sugestões sobre a revista
06
Confira a agenda de cursos e eventos
para outubro
07
Veja os principais acontecimentos
do setor na seção de notas
08
Conheça a verdade sobre o
câncer no Brasil
12
O médico e professor Paulo Saldiva
em entrevista exclusiva
24
Desnutrição agrava saúde de
pacientes hospitalizados
26
Novo Código de Processo Civil
pode ajudar a resolver pendências
na saúde
28
Resenha: as histórias de quem
viveu os horrores de um
hospital psiquiátrico até 1980
29
Nelson Alvarez fala sobre liderança
em tempos de inovação
CAPA 16
A cultura de segurança do
paciente depende
de equipes e gestores
PAINEL DO LEITOR
ONLINE
Trabalho com
qualidade
A Federação Brasileira de Administradores Hospitalares
(FBAH) parabeniza essa conceituada instituição, pelo lançamento do novo periódico FEHOESP 360. Desejando-lhes
todo sucesso que possa ser alcançado, estendemos nossos
cumprimentos à sua equipe que soube, com alto padrão de
qualidade e profissionalismo, externar o trabalho feito com
muita dedicação pela FEHOESP, IEPAS e SINDHOSP.
Eliete Di Spirito, superintendente executiva, e Paulo
Roberto Segatelli Camara, vice-presidente
360
em exercício na presidência da FBAH (São Paulo)
Diversidade
Recebi a revista 360, da FEHOESP, e agradeço o envio. Bem
diversificada e de excelente nível. Parabéns!
Paulo Frange, vereador e líder do PTB
na Câmara Municipal de São Paulo
Competência
para inovar
Agradecemos a objetividade com a qual o tema inclusão
social foi tratado na primeira edição da revista 360, da
FEHOESP. É assim que se deve falar sobre assuntos importantes como este. A Casa Cairbar trabalha esse conceito e
vê-lo ganhando força em um veículo inovador como a 360
é motivo de grande satisfação. Parabenizamos toda equipe
pelo trabalho e esperamos que haja continuidade do tema
em futuras edições, com a mesma competência e clareza.
Nelson Fernandes Júnior, diretor da Casa
Cairbar Schutel (Araraquara-SP), via smartphone
Confira na edição digital os
conteúdos exclusivos da
Revista FEHOESP 360
em seu smartphone,
tablet ou computador
Entrevista
Leia conteúdo exclusivo da
entrevista com o médico
e professor Paulo Saldiva
sobre a reconquista do
espaço urbano e os impactos
da poluição causados
pelos veículos
Legislação
Ouça a opinião de juízes
e advogados sobre o novo
Código de Processo Civil e
o estímulo à conciliação
e mediação na área da saúde
CURSOS & EVENTOS
Estratégia para lidar
com a rotatividade do
profissional da
área da saúde
Projeto Lideranças
s
a
p
#ie
17 de outubro
Das 9h às 17h
Presidente Prudente
11 de outubro
Das 9h às 13h
Sorocaba
Como lidar com conflitos
de forma positiva
18 de outubro
Das 9h às 17h
São José do Rio Preto
Captação de recursos
para a área da saúde
Menos é mais: como
reduzir e aumentar
a receita da sua
instituição de saúde
25 de outubro
Das 9h às 13h
Mogi das Cruzes
Formação e aperfeiçoamento das lideranças
para processos de feedback
e gestão de equipes
25 de outubro
Das 9h às 17h
Jundiaí
27 de outubro
Das 9h às 13h
Ribeirão Preto
Terapia intravenosa
e segurança do paciente
Atendimento
humanizado como um
diferencial para o seu cliente
29 de outubro
Das 9h às 17h
Santos
Administração de
conflitos
20 de outubro
Das 9h às 17h
Santo André
18 de outubro
Das 9h às 17h
Suzano
Motivação e resultados
na prática
19 de outubro
Das 9h às 17h
São Paulo
#AgendaCompleta
www.iepas.org.br
06
*As datas podem estar sujeitas a alterações
NOTAS
Desafios e perspectivas para a saúde suplementar
Em meio a um cenário crítico e desafiante, com os problemas econômicos refletindo na saúde suplementar, suprimindo negócios, investimentos e a capacidade de
Drauzio Varella defendeu a
mudança do modelo assistencial
inclusão dos que desejam ter plano de saúde, lideranças
e representantes do setor participaram do 21º Congresso
Abramge e o 12º Congresso Sinog, nos dias 1º e 2 de setembro, em São Paulo.
O presidente da FEHOESP e do SINDHOSP, Yussif Ali
Mere Jr, o diretor das duas entidades, Luiz Fernando Ferrari Neto, o presidente e o gestor do IEPAS, respectivamente, José Carlos Barbério e Marcelo Gratão, participaram do evento.
Os debatedores formaram um forte consenso
de que algo precisa ser feito em prol do setor.
Voltar a crescer é, para o jornalista e comentarista econômico do Jornal da Globo, Carlos
Alberto Sardenberg, “a única maneira para recuperar o mercado”.
O médico e apresentador dos quadros de
saúde do Fantástico, da TV Globo, Drauzio Varella, afirmou que o sistema de saúde brasileiro
é muito complexo e reforçou a necessidade de
mudança do modelo de atenção à saúde. Criticou a Constituição Federal por estabelecer a saúde
como um dever do Estado e não do cidadão, e que a
população também deve ter sua parcela de esforço. Disse
que os médicos estão sendo formados de maneira equivocada e chamou a atenção para o envelhecimento da população. Finalizou dizendo que quem tem plano de saúde
não deveria utilizar os serviços do SUS.
A segurança do paciente em tempos de crise
Profissionais de saúde e de gestão da qualidade de todo o
país reuniram-se entre os dias 1º a 3 de setembro, em São
Paulo, no 2° Seminário Internacional de Segurança do Paciente e Acreditação em Saúde, promovido pela Organização Nacional de Acreditação (ONA), para debater como
manter a melhoria dos serviços, construir a cultura de segurança e buscar inovação em tempos de crise. O evento contou com 30 palestrantes nacionais e internacionais, além da
apresentação de casos de sucesso de instituições de saúde.
A construção da cultura organizacional e da segurança, a
qualidade dos serviços prestados, a importância da resiliência dos profissionais de saúde e as formas de se conquistar
essa habilidade, a diferença entre experiência do paciente
e sua satisfação, a inovação como peça fundamental em
tempos de crise, diretrizes de como fazer a diferença dentro
das organizações e os novos caminhos do cuidado ao falar
sobre saúde digital foram destaques do seminário.
Palestrantes internacionais apresentaram
suas experiências à plateia
07
SUS
A verdade sobre o
câncer
no Brasil
Leis de primeiro mundo enfrentam lentidão, burocracias e
ideologias para virarem, de fato, um benefício à população
Por ALINE
F
oi com alarde que o governo federal anunciou,
em 2013, a publicação da portaria nº 874. Ela garante que pacientes diagnosticados com câncer
sejam atendidos em até 60 dias. Levando em
conta que o câncer não espera, a lei foi considerada um avanço pela comunidade médica, pela
sociedade civil organizada, pelos gestores do sistema de saúde. Era uma luta, inclusive, de associações de pacientes como a Federação Brasileira
de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde de
Mama, a Femama.
Sua aplicação, no entanto, deixa a desejar. Segunda doença que mais mata no país, o câncer
atingirá, entre 2016 e 2017, 600 mil pessoas. Seu
alcance cresce ano a ano, muitos avanços já foram conquistados no que se refere a tratamentos,
diagnósticos e acesso. Mas as melhorias esbar-
08
MOURA
ram em burocracias, falta de informação, falta de
dinheiro e, por que não, falta de vontade política.
A Lei dos 60 dias, como ficou conhecida a portaria 874, ainda não é realidade para a maioria
das pessoas. Uma análise superficial dos dados
dá a impressão de que a maioria dos pacientes
possui acesso a tratamentos dentro do limite de
tempo estabelecido em lei. Segundo o Sistema
de Informação de Câncer (Siscan), do Ministério
da Saúde, 57% dos cânceres já são tratados em
até 60 dias; 17% em até 90 dias e 22% em até
15 dias. O índice de subnotificação do Siscan,
no entanto, é altíssimo. Quem conta é a médica
oncologista Maira Caleffi, presidente da Femama. “Apenas 10% dos pacientes de câncer estão
nas estatísticas do Siscan.” O próprio ministro da
Saúde, Ricardo Barros, admite que há enormes
Câncer de mama
O Brasil registra incidências de câncer de mama
de primeiro mundo, mas a mortalidade é de submundo. A afirmação é de Maira Caleffi. Segundo
ela, os problemas começam já nas políticas de
prevenção. “Pararam de fazer campanha de autoexame e o protocolo de mamografia do Ministério
da Saúde precisa ser revisto”, defende.
Dados do Hospital Perola Byington, referência
em tratamento de câncer em mulheres no país,
registram 35% dos casos de câncer de mama
acontecendo na faixa etária entre 40 e 50
anos. As informações são dos últimos
três anos e revelam que boa parte
dos casos poderiam ser detectados mais precocemente se o ministério preconizasse a mamografia mais cedo. Para Rafael
Kaliks, diretor científico do
Instituto Oncoguia, é preciso, além disso, intensificar
as campanhas. “Porque
mesmo aos 50 anos, a aderência à mamografia é muito baixa.”
Especialistas ainda acusam a Comissão Nacional
de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) de tratar
as incorporações de medicamentos sob um “viés ideológico”.
“Há 15 anos, estamos matando
mulheres com câncer de mama metastático”, resume Kaliks. Ele se refere
à não incorporação do medicamento anti-HER2 trastuzumabe para pacientes em estágio mais avançado da doença. Segundo Maira
Caleffi, o Ministério da Saúde continua insistindo
na tese de que não há evidência científica para
aprovar a medicação para uso em pacientes com
doença metastática de mama.
A droga, no entanto, é aprovada no
mundo todo, inclusive em países mais
pobres do que o Brasil, e disponibilizada para pacientes de diversos
perfis, apresentando a doença
mais ou menos avançada. A
portaria nº 1.008, de 30 de
setembro de 2015, da Secretaria de Atenção à Saúde, que
aprova as diretrizes diagnósticas e terapêuticas do carcinoma de mama, considera que o
Divulgação
dificuldades em obter informações dos Estados e
municípios. “Temos apenas 832 municípios com
protocolo eletrônico efetivamente implantado.
Infelizmente, não há adesão das cidades à informatização.” Uma das medidas para minimizar
este problema, segundo Barros, é vincular a destinação de recursos à devolução de informações.
“Não podemos financiar um sistema que não
presta contas.”
Maira Caleffi, presidente da Femama
09
Divulgação
SUS
uso de trastuzumabe em pacientes com câncer
de mama metastático, após analisado pela Conitec, com os dados disponíveis, são insuficientes
para justificar a incorporação do medicamento
para a poliquimioterapia ou monoterapia do carcinoma de mama avançado.
"Por mais duas vezes, a Conitec analisou
demandas apresentadas para a incorporação
do trastuzumabe para tratamento do câncer
de mama avançado, apontando fragilidades
metodológicas dos relatórios apresentados e
continuando a questionar sobre os locais das
metástases dos casos incluídos nos estudos e os
resultados obtidos por localização das metástases", informa o texto.
Apesar dessa normativa, pelo menos quatro
enunciados do Conselho Nacional de Justiça
(CNJ) recomendam o uso do trastuzumabe em
casos metastáticos. As notas técnicas foram elaboradas a partir da realização de duas jornadas
do Fórum da Saúde do CNJ. Um grupo de trabalho elaborou a recomendação nº 31, de 30
de março de 2010, aprovada pelo plenário do
conselho, traçando diretrizes aos magistrados
quanto às demandas judiciais que envolvem a
assistência à saúde.
Atualmente, no Sistema Único de Saúde
(SUS), a sobrevida mediana esperada para os
casos avançados de câncer de mama é de
aproximadamente 22 meses. No cenário
privado, 56 meses. Estima-se que
4.872 mulheres morreram no Brasil pelo fato dessa intervenção
ter-lhes sido negada durante
sete anos. “Existe um canyon entre o que o SUS
e a saúde suplementar oferecem para a paciente
com câncer de mama metastático”, avalia Maira.
Rafael Kaliks aponta que esta negativa do SUS
acaba por levar as pacientes à judicialização,
o que é uma verdadeira “tragédia” do ponto de
vista da sustentabilidade do sistema. “Mas é a
única salvaguarda da população.” Ele critica ainda a precificação dos medicamentos. “Esta precificação vai quebrar também o sistema privado,
temos que repensar o que está sendo cobrado
pelas drogas. Porque muito embora o SUS não
utilize o argumento do preço para negar acessos,
sabemos que esta também é uma causa.”
Questionado sobre o alto preço dos medicamentos, o laboratório Roche – responsável pela
fabricação do Herceptin® (trastuzumabe) – posiciona-se, afirmando que os investimentos para o
desenvolvimento de um produto inovador giram
em torno de US$ 2,5 bilhões. “São mais de dez anos
de pesquisa, entre a identificação de uma molécula e sua chegada ao mercado, considerando que
em muitos casos podem ocorrer falhas, interrompendo o processo”, afirma, em nota. A empresa
lembra ainda que o preço dos medicamentos no
Brasil é público e definido pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED).
A Roche também reforça que está aberta ao diálogo e às negociações, e que tem o “compromisso de buscar alternativas para ampliar o acesso
dos pacientes brasileiros, seja no setor público ou
privado, aos tratamentos que mais necessitam e
que podem impactar no tempo e na sua qualidade de vida”.
Rafael Kaliks, diretor científico do Instituto Oncoguia
10
Parceria que não
saiu do papel
Uma parceria de 2013, cujos investimentos somam R$ 537 milhões, dão conta de que 80 aceleradores lineares – para tratamento de radioterapia - estariam à disposição da população. Um
acordo com a empresa Varian Medical System
previa, além dos equipamentos, a transferência
de tecnologia em cinco anos. O projeto, no entanto, praticamente não saiu do papel.
A promessa era de que os equipamentos
atendessem a 63 municípios, localizados em 22
Estados e no Distrito Federal, ampliando a oferta
no SUS em 25%. Dos 80 aceleradores lineares, nenhum está em funcionamento no país, segundo o
médico Gustavo Fernandes, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC). “Não
dá para olhar com orgulho para este projeto, mas
com vergonha”, afirma. A pedra fundamental da
fábrica que seria construída no Brasil, pela Varian, foi lançada apenas este ano, em março, na
cidade de Jundiaí. A previsão é que seja entregue
no fim de 2017.
Hoje, 40% das pessoas que precisam fazer radioterapia, pelo SUS, não conseguem. O próprio
ministro, Ricardo Barros, admite: “Há falta de supervisão do governo federal nas comissões bipartites para distribuição mais igualitárias dos serviços”.
Dinheiro malgasto
O gasto do Ministério da Saúde com tratamentos contra câncer cresceu 66% nos últimos cinco
anos, saltando de R$ 2,1 bilhões em 2010 para R$
3,5 bilhões em 2015. Também cresceu, no período analisado, o número de pacientes com câncer
atendidos no SUS. Nos últimos cinco anos, o volume de doentes em tratamento na rede pública
passou de 292 mil para 393 mil.
Os números são reflexos do aumento de casos
de câncer no país nos últimos anos e do lançamento de novas terapias e medicamentos de alto
custo contra a doença. Eles indicam um desafio
para os gestores do sistema: com o envelhecimento da população, a tendência é que os casos
da doença cresçam ainda mais e exijam um investimento maior nas áreas de prevenção, detecção e tratamento.
Considerados um dos melhores no tratamento
do câncer no país, o Instituto Brasileiro de Controle do Câncer (IBCC) é um hospital especializado de nível terciário de atendimento. Possui 180
leitos, incluindo os de cuidados paliativos, dez
salas no centro cirúrgico, setores de quimioterapia, radiologia e radioterapia (incluindo três aceleradores lineares). Embora privada, a instituição
destina 70% de seus atendimentos a pacientes
do SUS, mas tem de fazer malabarismos para cobrir as contas.
“Estamos no nível terciário de atendimento,
que possui um custo alto. De todos os nossos
pacientes, 75% são mulheres, e metade delas são
portadoras de doenças da mama. Nosso grande
problema hoje é conseguir contrarreferenciar os
pacientes, isto é, fazer com que ele volte à Unidade Básica de Saúde (UBS) após seu tratamento”,
afirma Marcelo Calil, presidente do IBCC. Segundo ele, a cada dez pacientes que chegavam por lá,
apenas um ficava no serviço. Isso há cinco anos.
Hoje, a cada dez, nove ficam. “A rede não se prepara para receber de volta e isso onera o sistema,
já que somos um hospital de nível terciário, que
não deveria fazer atendimento primário.”
Para Gustavo Fernandes, presidente da SBOC,
embora os números de investimentos e de atendimentos tenham aumentado, quimioterapias
oferecidas pelo SUS são ultrapassadas. Como a
que é aplicada a pacientes com melanoma metastático. “Esses doentes podem ter sobrevida
longa hoje em dia. Mas a quimioterapia oferecida
pelo SUS não deveria ser utilizada e não apresenta os resultados que teríamos com tratamentos
mais avançados”, diz.
Este problema, infelizmente, cai no colo do
médico. “É um problema que não deveria estar
no consultório. O médico pode ajudar no combate ao desperdício, mas não pode se responsabilizar por prescrever tratamentos ultrapassados.
Isso fere a ética médica”, posiciona-se.
11
ENTREVISTA
Hospital tem autoridade
para propor mudanças na
sociedade
Para Paulo Saldiva, estabelecimentos de saúde serão
cada vez mais decisivos na prevenção de problemas
que afetam a qualidade de vida
Por eleni
O
s estabelecimentos de saúde têm
autoridade para propor políticas públicas capazes de contribuir com toda
a sociedade e, por consequência, com
a qualidade de vida das pessoas. Esta
é a opinião de Paulo Saldiva, médico
12
patologista formado em medicina pela
Universidade de São Paulo (USP), em
1977, professor titular da Faculdade de
Medicina da USP desde 1996, integrante do Comitê de Qualidade do Ar da
Organização Mundial da Saúde (OMS)
trindade
e diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP (IEA).
Segundo ele, um dos maiores especialistas no mundo em doenças causadas pela poluição, isso se deve à capacidade de diálogo que a saúde tem com
saúde mental é outro problema, já que
as chances de ter esquizofrenia, distúrbio bipolar, ansiedade, depressão
e câncer aumentam conforme o tamanho da cidade e todas as suas dinâmicas de estresse.
outros segmentos da sociedade e pelo
fato de o cuidado com o ser humano ser
a vocação do segmento. “As empresas
de saúde podem construir narrativas
mostrando que mudanças na cidade
têm impacto direto na vida das pessoas”, afirma. Nesta entrevista à Revista
FEHOESP 360, o professor defende
que a saúde se envolva cada vez mais
com as questões externas, causadoras
das doenças que lotam os hospitais.
Confira:
Revista FEHOESP 360: Realizando
estudos há mais de 30 anos sobre o
impacto da poluição na saúde, quais
as principais mudanças na cidade e
no Estado de São Paulo nesse período?
Houve avanços?
Paulo Saldiva: O saldo é positivo. A
Companhia Ambiental do Estado de
São Paulo (Cetesb) tem dados históricos de poluição desde os anos 1980,
e analisando as tendências ao longo
do tempo, viu-se que a cidade foi mudando de vocação com a migração de
muitas indústrias para outros municípios e pelo avanço dos serviços na
capital. Esse processo fez com que as
pessoas tivessem que se deslocar muito mais por meio de um sistema de
transporte que não acompanhou esse
ritmo, além do aumento do número de
automóveis. Hoje o transporte responde por 90% da poluição no Estado. A
poluição do ar estacionou num patamar melhor do que era na década de
1980, mas ainda está aproximadamente duas vezes e meia maior do que os
padrões recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O Estado
de São Paulo também teve melhoras
na queda de poluição, mas, como há
indústrias atraídas por isenção fiscal,
algumas cidades do Vale do Paraíba e
do centro do Estado têm níveis iguais
ou maiores do que os da capital.
360: Como a população sente os danos
causados pela poluição na sua saúde?
PS: São várias as implicações. As óbvias são os acidentes de trânsito, que
têm implicação brutal para a saúde,
para a Previdência Social e para a vida
das famílias. Há também a redução de
horas de sono, pois, além de ter que
levantar mais cedo para fazer deslocamentos, ainda há o ruído urbano
dominado pelo tráfego: ele dificulta o
aprofundamento do sono e inibe a secreção de hormônios importantes que
influenciam no controle da pressão
arterial e no controle da respiração. A
360: Os estabelecimentos de saúde, de
maneira geral, já estão atentos à questão ambiental gerenciando suas emissões de poluentes, implantando programas de sustentabilidade, de economia
de recursos naturais e também sendo
rigorosos com sua cadeia fornecedora.
Há algo mais que eles podem fazer para
contribuir nesta questão?
PS: Essas medidas qualquer empresa
pode fazer. Hospital tem de ir além.
Vou dar um exemplo: o corredor de
ônibus Francisco Morato/Consolação,
na capital paulista, produz mais de
uma dezena de indivíduos com incapacidade produtiva por mês, entre
amputados, paraplégicos e tetraplégicos – a maioria jovem, devido aos
constantes acidentes que acontecem
na região. O Hospital das Clínicas (HC)
recebe esses casos mais graves. Por
conta disso, discutiu-se, na Faculdade
de Medicina, a necessidade do aumento de vagas de residentes de ortopedia, trauma e neurocirurgia no HC. Isso
é importante, mas seria a mesma coisa
que, frente ao tabagismo, aumentássemos o número de vagas de cirurgia
torácica e de oncologia e não tratássemos a causa do problema. Nesse
contexto, os estabelecimentos de saúde têm uma posição privilegiada para
conversar com as pessoas e deixar
claro para elas os benefícios imediatos
e não conhecidos das práticas sustentáveis, como usar mais o transporte
coletivo que, além do benefício geral –
ajudar a reduzir as emissões –, colabora para diminuir o sedentarismo. Todo
indivíduo que anda de transporte coletivo em São Paulo caminha sem perceber de três a quatro quilômetros, o
13
ENTREVISTA
que ajuda a perder peso e ganhar saúde, com menor risco para o diabetes,
doença cardiovascular, osteoporose e
tumor de cólon.
O hospital e demais estabelecimentos podem construir narrativas
sobre o tema da mesma forma que
já apostam em instalações mais
verdes e bonitas. Eles sabem que
quando investem nessas mudanças positivas trazem benefícios,
pois os indivíduos expostos a parques e manifestações artísticas
têm os genes que codificam prote-
ínas pró-inflamatórias reprimidos e os
que codificam proteínas anti-inflamatórias estimulados.
Se forem reduzidas
as emissões de gases
de efeito estufa,
a saúde melhora e
se aprimoram as
condições de vida
para todos"
14
360: Saúde e qualidade de vida também dependem de aspectos externos
como infraestrutura, saneamento básico, segurança e educação, entre
outros. Qual o panorama do Brasil
nesse aspecto?
PS: O Brasil ainda tem menos de
30% de esgoto tratado e, por uma
questão de cultura, para nós as
doenças ambientais são fruto de
vetores como insetos e ratos. Sim,
há questões estruturais envolvidas
e é preciso aprimorar. Conforme se
avança em direção às áreas mais
afastadas da cidade, é possível ver
casas sem janelas e sem banheiro.
A “solução” adotada pelas pessoas
é jogar sacos plásticos com resíduos no córrego do lado da moradia,
como se fazia na Idade Média, acumulando sujeira ao lado da moradia. Isso tem implicações sérias na
saúde pública. Por isso, trabalhar com
outras áreas é fundamental. Com a Secretaria de Obras, que cuida da infraestrutura de esgoto. Com a de Transportes, para as pessoas terem melhor
estrutura de deslocamento. E também
com a de Segurança Pública, para ser
a interlocutora em locais onde o crime
organizado atua e para facilitar o funcionamento dos postos de saúde, pois
em muitas regiões há profissionais que
são ameaçados. A educação é mais
uma vertente na orientação sexual e
nos temas de prevenção em saúde.
360: A Eco 92 foi um marco no comprometimento das nações de todo o mundo com a questão ambiental. Desde
então, o tema ganhou corpo na agenda dos governos e da sociedade. O
mais recente documento de comprometimento mundial para limitar
mudanças climáticas – com metas
para parar o aumento da temperatura no mundo – é o Acordo de Paris,
firmado em 22 de abril deste ano.
Como a população pode sentir os
benefícios desses pactos internacionais em suas vidas?
PS: Um ano antes do Acordo de
Paris, houve uma reunião de preparação sobre o documento, da qual
eu participei, em que a OMS decidiu dar destaque para o tema da
saúde. A partir do que foi discutido
nesse encontro, é possível entender
como essa questão se traduz para
a população. Na ocasião, falou-se
dos benefícios imediatos para a saúde
das políticas sustentáveis, levando em
conta os dois principais tipos de poluentes: por gases, que têm tempo de
permanência por décadas na atmosfera; e os locais, produzidos pela sujeira
(partículas de óxido de nitrogênio e
óxido de enxofre) que lesam localmente. A OMS mostra que a poluição por
partículas foi responsável no planeta
por 7,5 milhões de mortes – mais que
malária e diarreia somadas. A OMS, então, começou a explicar que, se essas
emissões forem reduzidas com mudanças de hábitos, daqui a 80 anos começarão a cair os gases de efeito estufa
e o primeiro ser vivo beneficiado será o
urso polar. Mas isso não é algo que faz
as pessoas aderirem, porque elas não
serão beneficiadas diretamente.
O setor da saúde propôs uma outra abordagem de como os benefícios
chegam nos indivíduos: se forem re-
duzidas as emissões de gases de efeito estufa, reduz-se, ao mesmo tempo,
os poluentes de efeito local e a saúde
melhora, aprimoram-se as condições
de vida para o seu filho, as pessoas que
você gosta e seus parentes mais velhos. Isso toca no coração das pessoas.
cidades, pois é dentro delas que consumimos e onde emitimos gases de efeito
estufa. Deve ainda atuar nas questões
mais objetivas do dia a dia, como, por
exemplo, no número de fraturas causadas por quedas em calçadas malfeitas.
A saúde pode ter protagonismo e exigir
melhorias do poder público.
360: O número de idosos no Brasil
triplicará até 2050, segundo a OMS.
O que precisa ser feito para melhorar o atendimento a essa população em um mundo que evolui tão
rápido e com tantas questões ambientais pendentes? O Brasil já está
preparado para lidar com essas demandas?
PS: O processo de envelhecimento
está sendo visto como uma questão de contas públicas. Também
há a preocupação de como vamos
preparar geriatras, enfermarias,
estruturas hospitalares e de atendimento domiciliar para esse público, quando o ideal seria levar o
foco para construir pavimentos melhores, mais parques e espaços de convivência, tudo isso como política de saúde. Nós temos que pensar em que tipo
de cidade vamos viver e como vamos
nos locomover. Como vamos preparar
as metrópoles para pessoas que perderam seus laços, que saíram de seus
empregos e, pela própria longevidade,
foram perdendo pessoas e se isolando.
A saúde tem autoridade e a capilaridade necessária, além de um nível de
articulação extraordinário para incentivar e participar de políticas públicas
desse tipo. Fazendo um paralelo com
o trabalho do pediatra – quando ele
investiga os hábitos do paciente –, é
preciso ver a cidade como um todo e
não apenas do hospital para dentro ou
da casa do paciente para dentro, mas
o que está no caminho entre esses dois
lugares: a cidade e o que ela representa na vida de todos.
A saúde tem a
capilaridade
necessária, além de
um nível de articulação
extraordinário
para incentivar
políticas públicas"
360: Os estabelecimentos que fazem
parte da cadeia da saúde devem ter um
papel cada vez mais decisivo na questão da sustentabilidade?
PS: A saúde foi o último setor a entrar
na questão, mas teve um papel fundamental. Porque, por mais que se defenda o desenvolvimento das nações, não
é possível argumentar contra a sobrevivência do ser humano, principalmente
em países que emitem menos gases
poluentes. Ainda estamos discutindo
se o que vale mais é o desenvolvimento
econômico ou se é a qualidade de vida
e bem-estar, por isso é tão importante
deixar de procurar a felicidade em adquirir coisas, produtos que alimentam
todo esse ciclo. Acredito que a saúde
vai ter um papel mais preponderante
nesse cenário. Ela tem que assumir
o papel da saúde ampla, dialogando
com todas as áreas para gerar uma
nova política de cuidados dentro das
15
Por uma nova cultura de
segurança
do paciente
Redução de incidentes
nos serviços depende de equipes e gestores
Por RICARDO
F
alar na importância da segurança do paciente na
área da saúde não é novidade. A busca pela qualidade assistencial, por meio da diminuição dos
chamados eventos adversos, é hoje uma exigência indiscutível. Evento adverso é todo incidente
que resulta em dano não intencional, decorrente
da assistência e que não tem, necessariamente,
relação com a doença de base do paciente.
BALEGO
Embora não sejam novos, os números sobre o
assunto continuam sendo alarmantes. Segundo
a Organização Mundial de Saúde (OMS), um em
cada dez pacientes que recebem cuidados hospitalares sofre algum tipo de evento adverso, sendo
que boa parte deles poderia ser evitada. Dados do
Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), publicados
em 2014, indicam que as complicações pós-ope-
17
CAPA
ratórias atingem até 25% dos pacientes. Desses,
ao menos a metade poderia ser prevenida.
A incidência de infecção hospitalar associada
ao cuidado em saúde gira em torno de 7% de
todas as internações nos países desenvolvidos,
enquanto em países subdesenvolvidos este percentual chega a 10%. Na maioria desses casos,
medidas simples e de baixo custo, como a correta
lavagem das mãos, poderiam reduzir consideravelmente estes números.
Para enfrentar o problema, o Brasil criou, em
2013, o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), que estabeleceu métodos e protocolos com o intuito de tentar diminuir o número
de incidentes, contando para isso com o envolvimento dos profissionais e serviços de saúde.
“Podemos dizer hoje que a segurança do paciente entrou na agenda dos serviços de saúde. Até
então, de uma maneira geral, era algo que apenas
os hospitais que estavam ou já eram acreditados
se ocupavam”, afirma o médico e pesquisador
Victor Grabois, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Ensp/Fiocruz).
A instituição liderou, junto com o Ministério da
Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária
(Anvisa), a criação e implementação da iniciativa
em todo o país, oficializada por meio da portaria
MS nº 529/2013, que tinha o “objetivo de contribuir para a qualificação do cuidado em todos os
estabelecimentos de saúde do território nacional.” Coube à Anvisa orientar os serviços sobre
18
como operacionalizar as medidas, a partir da resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 36/2013.
Passados mais de três anos da criação do programa – que ocorreu em abril de 2013 –, resta
saber qual tem sido a efetividade dessas ações e
como os serviços de saúde têm se posicionado a
respeito do tema. “A participação dos prestadores
de serviços no setor sempre foi muito importante
nesta questão, pois são responsáveis por viabilizar as melhores práticas, aplicar os protocolos
e promover a integração das equipes no intuito
de se reduzir os possíveis danos aos pacientes
durante a assistência”, afirma o médico Yussif Ali
Mere Jr, presidente da FEHOESP.
Mobilização mundial
A criação do PNSP teve o intuito não só de se
qualificar os estabelecimentos de saúde no país,
mas, também, de atender a um compromisso firmado globalmente. Desde 2004, o Brasil faz parte
da Aliança Mundial para a Segurança do Paciente,
criada pela OMS.
“Quando falamos de segurança do paciente,
são mundialmente crescentes as iniciativas para
sua promoção e qualidade na assistência. O alerta para esta condição começou há mais de dez
anos, com a elaboração de um relatório divulgado pelo Institute of Medicine dos Estados Unidos”,
explica Renata Pietro, conselheira do Conselho
Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren
-SP). A especialista refere-se ao estudo “Errar é
humano: construindo um sistema de saúde mais
seguro”, que analisou 30.121 internações e identificou iatrogenias em 3,7% delas. “Com base nestes resultados, estimou-se que os danos haviam
problema pode estar na formação dos profissionais. “A gente está formando muito médico, mas
de má qualidade”, diz. Além de apontar o excesso de escolas médicas no país, ele indica que o
formato de avaliação dos cursos de medicina
também contribui para este cenário. “Em torno
de 90% dos estudantes de medicina se formam,
enquanto apenas 50% dos estudantes de engenharia terminam o segundo ano”, compara.
Com ênfase na qualificação dos profissionais,
Guarischi propõe a utilização na saúde do modelo de segurança adotado pela aviação, chamado
de Gerenciamento de Recursos Humanos, ou
Crew Resource Management (CRM). É uma ferramenta de prevenção de acidentes que vem sendo aplicada em forma de treinamento e com foco
mais em processos humanos e menos em questões técnicas. “Na aviação alguns acham que o
computador substitui o homem, como na medicina a gente acha que respiradores, programas de
informática e prescrição eletrônica vão substituir
a atividade humana. Não vão substituir, isso é um
equívoco”, afirma.
Neste contexto, o trabalho conjunto das
equipes multidisciplinares também é essencial,
como lembra Renata Pietro, do Coren-SP. “O modelo hoje é de diferentes profissionais de saúde
trabalhando com conhecimentos, habilidades
e atitudes distintas em prol de uma assistência
cada vez mais segura. Para o sucesso, a equipe
precisa trabalhar seus canais de comunicação
contribuído para a ocorrência de 180 mil mortes,
tornando-se mundialmente urgente intervenções
focadas na segurança em saúde.”
No caso brasileiro, a política criada em 2013
também contou com ampla participação de diversas entidades e organizações da saúde, por
meio do Comitê de Implementação do Programa
Nacional de Segurança do Paciente (CIPNSP).
“Havia todo um trabalho que a Anvisa já fazia
há alguns anos, também um trabalho de pesquisa e divulgação científica que a Fiocruz já realizava, mas se a gente olhar do ponto de vista dos
serviços de saúde, este era um assunto muito ausente”, justifica Victor Grabois, da Fiocruz. “Com o
lançamento do programa, podemos dizer que o
tema entrou na agenda dos mais de 6 mil hospitais do Brasil e de toda a área de atenção primária. Temos um balanço muito importante nesse
sentido”, ressaltou.
Na linha de frente
Olhando para dentro do setor prestador de serviços em saúde, que nada mais é do que o responsável por colocar em prática todas as normas de
segurança, é possível encontrar vários fatores que
limitam a efetividade das ações para diminuição
dos eventos adversos.
Segundo o médico Alfredo Guarischi, membro
da Câmara Técnica de Segurança do Paciente do
Conselho Federal de Medicina (CFM), a origem do
Virginia Damas - Ensp/Fiocruz
Comunicação Coren-SP
Renata Pietro, conselheira do Coren-SP
Victor Grabois, pesquisador da Ensp/Fiocruz
19
CAPA
efetivos, geridos por protocolos assistenciais e
com equipe treinada”.
Trabalhar a falta de sinergia entre as equipes
também é essencial para o sucesso das ações, de
acordo com Alfredo Guarischi. “Se têm médicos,
enfermeiros, nutricionistas e equipes bem treinadas, mas quem presta o serviço não sabe trabalhar em conjunto.” Contribui para esse quadro, na
sua opinião, a alta rotatividade dos profissionais
nos estabelecimentos. “Nos hospitais, os times
não se mantêm por muito tempo. A troca de profissionais de saúde, principalmente de técnicos,
é muito alta.”
Sobre o impacto na segurança a partir das condições de trabalho na enfermagem, Pietro afirma
que o aumento de apenas um paciente para cada
profissional cuidar eleva em 28% as chances de
eventos adversos e amplia em 7% o risco de morte para cada doente. “Eleva ainda em 23% o risco
de burnout para os profissionais e a insatisfação
no trabalho, favorecendo maiores taxas de infecção, lesão por pressão, erros de medicações e a
mortalidade”, destaca.
20
A enfermeira também lembra que este impacto pode ter um alcance ainda maior. “Se formos
olhar para a assistência à saúde nos hospitais
brasileiros, acredita-se que os erros e suas consequências sejam ainda maiores, pois a equipe atua
em um cenário de precariedade, com dimensionamento inadequado, carga horária excessiva e
ainda são afetados pela má remuneração, condições que somadas ampliam e favorecem as falhas e a insegurança na assistência prestada.”
Importância dos núcleos
Uma das exigências do PNSP, instituída pela RDC
36 da Anvisa, é a criação de núcleos de segurança
do paciente (NSP) em todos os estabelecimentos
de saúde ou redes de atendimento em atenção
primária, que vão ser responsáveis pela operacionalização das normas de segurança dentro dos
serviços. “Olhando para as diferentes diretrizes
do PNSP, um ponto importante foi a criação dos
núcleos de segurança do paciente. A ideia é elaborar o plano de segurança, as prioridades e fa-
zer uma avaliação adequada dos riscos e perigos
existentes”, pontua o pesquisador Victor Grabois.
No entanto, segundo dados divulgados em
dezembro de 2015 pela Anvisa, até 2014 eram
784 núcleos cadastrados em todo o país, número considerado ainda pequeno. “Os NSP têm um
conjunto muito importante de atribuições. Se ele
sequer existe, a gente pode afirmar que há um impacto na própria implementação de um protocolo. O outro lado é que esses núcleos precisam que
as pessoas tenham uma carga horária dedicada a
isso, que tenham acesso à direção”, lembra Grabois. Mesmo nos NSP que já existem, não é raro
serem formados pelas mesmas pessoas que
atuam em comissões como Gerência de Riscos
ou Controle de Infecção Hospitalar. Ou seja, não
basta apenas ter o núcleo instalado, “ele precisa
de apoio, ser formalizado e de fato funcionar”.
“O problema é que vem uma legislação e
diz que tem que implantar o núcleo de
segurança do paciente em 90 dias.
Aí fica um núcleo que só existe
para a Anvisa e o Ministério da
Saúde ver e que não tem razão de ser dentro da
organização, que entende estar cumprindo apenas uma legislação e ponto. Não vê o motivo dele
existir e qual é seu papel real”, pondera Maria Carolina Moreno, superintendente da Organização
Nacional de Acreditação (ONA).
Outra importante atribuição dos NSP nos
serviços é fornecer dados à Anvisa a respeito de
eventos adversos, por meio de notificações. Em
2014, por exemplo, foram 8.435 incidentes registrados, e, até aquele ano, 225 dos 784 núcleos
existentes haviam notificado a agência reguladora pelo menos uma vez.
A partir desses números, vem sendo possível estabelecer situações como maior incidência de eventos com a população a partir dos 56 anos – o que
pode ser relacionado diretamente com maior cuidado aos idosos. Quanto ao tipo de incidente, lideram os que têm a ver com tratamento propriamente
dito, seguidos pelos relacionados a diagnóstico.
Mas a questão da notificação, embora considerada um importante avanço, também apresenta problemas na forma como é feita hoje. Isso
porque os núcleos, muitas vezes, preocupam-se
mais com a comunicação externa dos casos e
pouco utilizam os mesmos dados como aprendi-
Maria Carolina Moreno, superintendente da ONA
21
CAPA
zado, a fim de se evitar novos eventos. “O que a
gente critica é essa ênfase na notificação externa”,
confirma Grabois.
Além disso, existe alguma dificuldade quanto
ao formato da própria ferramenta de notificação.
O Sistema de Notificações em Vigilância Sanitária – Notivisa, da Anvisa, ainda é muito voltado para registro de informações relacionadas a
produtos e não processos, como ocorre com os
eventos adversos.
Uma nova cultura
Conhecida a importância das ações em prol da
segurança dos pacientes na saúde, por meio da
prevenção e redução de eventos adversos, é fundamental o papel dos gestores dos serviços. “Os
estudos mostram que 62% das iniciativas falham
devido à falta de compromisso da liderança”,
lembra Renata Pietro, do Coren-SP.
A criação e o bom funcionamento dos núcleos
de segurança, assim como a capacitação e integração das equipes profissionais, acabam sendo
desafios que devem ser encarados pelas administrações. “O grande problema hoje não é só o
pessoal da ponta. Está também na gestão. Se a
gente não tem a tradição de investigar pequenos
22
problemas e passa a investigar só os grandes, a
resposta do sistema é arrumar um culpado e punir este. Mas, com isso, eu não redesenho o sistema”, destaca Alfredo Guarischi.
O médico Victor Grabois também ressalta o
envolvimento das direções para se fomentar essa
cultura dentro das organizações. “A mudança
não ocorre se a liderança não estiver engajada,
próxima de onde o cuidado acontece. Elas precisam colocar essa agenda como uma prioridade,
devem se preocupar em criar capacidades nos
profissionais, no sentido de reconhecer os riscos
e de como implementar protocolos, dando um
enfoque não punitivo, mas de aprendizagem.”
Neste processo, é preciso reconhecer que o
erro é uma possibilidade e que isso pode ser trabalhado. “Cultura de segurança é trabalhar com a
identificação das falhas de maneira não punitiva,
onde devemos aprender com os erros, criando a
estratégia de um modelo focado na análise da
raiz do problema, ou seja, não interessa quem
falhou, esse profissional não deve ser punido.
Precisamos entender onde ele falhou e por que
ocorreu o erro”, afirma Pietro. “Tem muitos gestores que ainda fazem a pergunta errada: quem
fez? Ao invés de perguntarem: o que aconteceu?”,
completa Grabois.
Segurança pressupõe criar também uma
cultura de colaboração, não só entre as equipes internas, mas entre as instituições. “Os
hospitais trocam experiências hoje muito mais
pelo viés jurídico, para evitar a judicialização,
do que para transformar isso em treinamento
e capacitação”, pontua Guarischi.
Portanto, investir em segurança do paciente exige planejamento e comprometimento
por parte das equipes de saúde e lideranças
dos serviços. “A quebra de paradigmas é uma
longa jornada e leva anos para que ocorra, por
isso, paciência, perseverança, compromisso
e engajamento devem ser as metas de
todos”, recomenda Renata Pietro.
“Precisamos discutir isso, a nossa responsabilidade como
profissional de saúde
é terminativa”, finaliza Alfredo Guarischi. (Colaborou
Eleni Trindade)
O erro como
aprendizado
Segundo os especialistas, a incidência de eventos
adversos seria menor se os serviços de saúde e
seus gestores encarassem as falhas como indicativos de que melhorias são necessárias.
“É muito importante que se olhe para isso
como uma oportunidade de prevenção, de
aprendizagem e tentar entender o que deu errado. É preciso olhar para tudo na instituição que
pode ter contribuído para aquilo”, afirma Victor
Grabois, da Ensp/Fiocruz.
Além disso, um evento em si é apenas o desfecho de uma série de fatores anteriores que culminaram no erro propriamente dito. “Não existe
acidente com causa única, não existe acidente
sem precedente. Quem decide erra e quem não
decide já errou. O profissional não erra porque
quer, mas porque foi contaminado pelo cansaço,
está mal treinado ou a ordem não ficou muito
clara. É uma bola de neve”, ressalta o médico Alfredo Guarischi.
No fim, isso deve servir como aprendizado
para uma mudança de cultura nas instituições.
“Para se trabalhar com segurança, o primeiro requisito é aprender a reconhecer as falhas do seu
trabalho, os gaps que existem. Precisa mudar a
maneira de olhar, entender que toda organização
erra e que existem maneiras de corrigir”, conclui
Maria Carolina Moreno, da ONA.
Segurança pelos
olhos do paciente
Uma ideia ainda nova no Brasil, o conceito de qualidade com base na experiência do paciente começa a ganhar espaço dentro dos serviços de saúde.
Amparada por casos de sucesso em estabelecimentos nos Estados Unidos, como a Cleveland
Clinic, sua aplicação pressupõe passos como o
envolvimento de lideranças, definição de métricas e criação de uma cultura organizacional que
contemple o paciente como elemento fundamental. “Cada vez mais esse assunto é foco para
o profissional de saúde, e deve ser direcionado
para o cuidado do paciente e não da doença”,
explica Kelly Cristina Rodrigues, especialista em
Marketing na Saúde.
Para isso, o envolvimento das equipes é fundamental, já que devem atuar de forma coesa e
satisfeita. Isso vai gerar, no fim, um atendimento
de qualidade e com maior segurança.
“Não falamos somente da experiência na
questão da satisfação, mas, sim, de uma forma
global. Tudo isso está ligado à questão da segurança assistencial”, destaca Rodrigues.
23
GESTÃO
Desnutrição agrava saúde de
pacientes hospitalizados
Falta de profissionais e despreparo de equipes
prolongam a internação e prejudicam o doente
Por Rebeca
E
m fevereiro deste ano, o Brasil foi destacado como um dos países mais bem-sucedidos no
combate à desnutrição e à pobreza. O país conseguiu atingir a meta proposta pela Organização
das Nações Unidas (ONU): diminuir pela metade o
número de desnutridos até 2015. Se por um lado
é motivo de orgulho, por outro é alarmante. A desnutrição pode chegar a 60% dos pacientes que dão
entrada em hospitais da América Latina. É o que
24
Salgado
afirma uma revisão de estudos lançada no último
mês na revista especializada "Clinical Nutrition".
A revisão incluiu 66 pesquisas de 12 países.
Ao todo, foram considerados 29.474 pacientes.
Segundo o Estudo de Nutrição na América Latina
(Elan) 2016, somente no Brasil, 46% dos pacientes
hospitalizados possuem desnutrição.
Para quem está enfermo, um processo de
desnutrição pode ter consequências nada
agradáveis. A tendência é que esses pacientes fiquem maior tempo internados, podendo
desenvolver infecções hospitalares em maior
escala. Nesses casos, também a cicatrização
de feridas cirúrgicas se torna mais difícil, aumentando ainda mais o tempo de internação,
o risco e a taxa de mortalidade.
“Há um despreparo das equipes médicas e
também há falta de profissionais dedicados à
nutrição clínica. Na saúde privada poucos são
os hospitais que contam com uma equipe multidisciplinar com foco no paciente desnutrido. Já
na saúde pública isso nem existe”, alerta Valéria
Rosenfeld, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral (SBPNE).
Desde a criação da lei 8.234, de 1991, que
regulamenta a profissão de nutricionista, e da
resolução do Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) nº 200/1998, os hospitais passaram a
ser obrigados a ter em seu corpo clínico a nutrição clínica, com equipes multidisciplinares
de terapia nutricional, como rege a portaria nº
272 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
No papel, tudo funciona, mas pouco foi colocado em prática. O Inquérito Brasileiro de Avaliação Nutricional Hospitalar (Ibranutri) – estudo
promovido e realizado pela SBNPE – avaliou 4
mil pacientes internados na rede pública hospitalar de Estados brasileiros e do Distrito Federal
em 1996. Na época, a prevalência da desnutrição nos doentes foi de 48,1%. Vinte anos depois,
o estudo do Elan trouxe números que chamam
a atenção: o percentual de pacientes com desnutrição evoluiu para 68% entre o quinto e o 15º
dia de internação, e 83% após o 15º dia.
A pesquisa revela também que o custo médio
diário de atendimento é 61% maior em pacientes desnutridos quando comparados com os
bem nutridos (R$ 684 contra R$ 414). Em casos
que evoluem para infecções, o custo de medicamentos e exames adicionais aumentam 309%
em relação aos gastos com os pacientes saudáveis. Segundo Rosenfeld, a cada R$ 1 investido
na nutrição do paciente, R$ 4 seriam poupados
em gastos hospitalares.
“Oferecer aporte nutricional correto aos internos em tempo prolongado é uma preocupação restrita a poucos hospitais, que já têm ma-
turidade para lidar com a segurança do paciente”,
afirma Maria Carolina Moreno, superintendente
da Organização Nacional de Acreditação (ONA).
“A desnutrição impacta no resultado assistencial,
no tempo de internação e na qualidade de vida
do paciente a médio e a longo prazo. Temos que
trabalhar muito essa questão no Brasil.”
Para Silvia Piovacari, nutricionista e coordenadora de Nutrição Clínica do Hospital Israelita
Albert Einstein, é fundamental o acompanhamento nutricional após a admissão do paciente.
“Com caráter proativo, tem-se que acompanhar
os pacientes vulneráveis, desenvolver e implantar
protocolos que garantam o adequado subsídio
nutricional.” Exames de ultrassonografia também
devem realizados para se acompanhar a performance assistencial do paciente.
Em países do Reino Unido, Estados Unidos e
Holanda, a triagem nutricional realizada na admissão hospitalar é obrigatória, sendo, em muitos casos, requerimento para acreditação de qualidade.
Diagnóstico
Apesar da alta prevalência e consequências clínicas adversas da desnutrição relacionados com
a doença, a consciência médica e intervenção no
Brasil é extremamente baixa. Menos de um em
cinco pacientes desnutridos tem o diagnóstico de
desnutrição codificado em seu registro médico e
menos de um em cada dez pacientes desnutridos
receberam terapia nutricional.
Entre os potenciais fatores para a desnutrição
destacam-se a falta de sensibilização e intervenção terapêutica apropriada, ausência de educação formal nutricional, falta de políticas de triagem formais e as circunstâncias de reembolso de
operadoras de planos de saúde desfavoráveis.
Existem diferentes formas de verificar um quadro de desnutrição. Se a pessoa perdeu peso sem
querer ou se mudou a forma como se alimenta.
O Ministério da Saúde lançou este ano um
Manual de Terapia Nutricional. O documento recomenda que "pacientes admitidos na unidade
de internação hospitalar recebam a atenção da
equipe responsável pela nutrição".
A terapia nutricional inclui: triagem, avaliação
dos pacientes em risco, cálculo das necessidades
nutricionais, indicação de terapia e monitoramento.
25
LEGISLAÇÃO
Resolução de conflitos
tem muito a crescer
Novo CPC estimula a conciliação, que ainda é
pouco usada para resolver pendências na saúde
O
novo Código de Processo Civil (CPC) - lei
nº 13.105/2015 -, que entrou em vigor em março
deste ano, pode contribuir para reduzir o número
de processos judiciais. O motivo é que, entre suas
atualizações, chama atenção o estímulo à resolução consensual de conflitos com a conciliação,
a mediação e a arbitragem. Essa mudança no
código segue tendências internacionais e é oportuna por causa do crescimento da judicialização
no país, uma vez que as discórdias e pedidos na
Justiça geram um volume enorme de gastos para
o setor da saúde.
De acordo com a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), o total dispendido em
2013 com processos judiciais foi de R$ 558 milhões e passou para R$ 1,2 bilhão em 2015. Já o
Estado de São Paulo teve custo similar em 2015
(R$ 1,2 bilhão), ao cumprir cerca de 18 mil decisões judiciais no período, de acordo com dados
26
da Secretaria Estadual de Saúde. “Podemos tentar
eliminar a judicialização com a sensibilização dos
gestores e das partes a respeito dos seus direitos.
Há experiências bem-sucedidas de conciliação e
mediação nas áreas de telefonia, de bancos e habitação popular”, afirma Ricardo Pereira Júnior,
juiz e coordenador do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da capital.
Essa quantidade elevada de processos impossibilita o diálogo entre os envolvidos, daí a importância de formas de resolução que busquem
o entendimento. A conciliação e mediação já são
um pouco mais conhecidas em parte graças à
resolução nº125/2010, do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), que “dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos
conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”. São gratuitas na maioria dos casos, como
nos Cejuscs, em que são oferecidos ambientes
neutros para que as partes se entendam. Na
conciliação, o conciliador faz propostas; na mediação, o mediador conduz a conversa para que
os envolvidos cheguem a um acordo. “As partes
podem construir uma decisão ‘sob medida’ para
o caso delas. O índice de sucesso é de 70% dos
casos”, afirma o juiz.
Vantagens da arbitragem
Na arbitragem, em que a solução da desavença é
buscada de maneira privada com a intervenção
de árbitros especialistas escolhidos pelas partes,
o destaque é o sigilo do processo. “Decisões judiciais que vêm a público podem impactar a imagem dos planos de saúde e dos hospitais. Ao fazer
um acordo por meio da arbitragem, o caso não
pode ser divulgado”, destaca o advogado Flavio
Pereira Lima, sócio do escritório Mattos Filho. “No
nosso escritório, 100% dos contratos de compras
de empresa, inclusive do ramo médico-hospitalar, por exemplo, são feitos escolhendo a arbitragem como foro. É uma área que ainda tem muito
a crescer no Brasil.”
Mesmo com essas vantagens, a arbitragem
ainda é pouco usada na saúde. Além da preferência cultural pelos tribunais, caracterizada por uma
disputa e a busca por um “culpado” e um “inocente”, o custo é um empecilho. Mas, de acordo
com Roberto Pasqualin, presidente do Conselho
Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima), embora os preços variem de acordo com tabelas de cada Câmara de Arbitragem e
conforme o percentual sobre o valor da disputa,
há vantagens na modalidade. "Há estudos acadêmicos que demonstram que o valor da arbitragem
compensa em comparação com o Judiciário porque há o benefício do tempo menor para a solução dos conflitos com redução de juros, provisões
contábeis e retomada de novos negócios entre as
partes envolvidas.” (Por Eleni Trindade)
NATs darão respaldo
técnico a juízes
Para facilitar o trabalho dos juízes, diante
do crescimento da judicialização na saúde, o CNJ deu efetividade, no dia 30 de
julho de 2016, à atualização da resolução
nº 125/2010 que, entre outras atribuições,
cria comitês estaduais de saúde para auxiliar os tribunais na criação dos Núcleos de
Apoio Técnico ao Judiciário (NATs).
Em São Paulo, o NAT já está em atuação há um ano, mas segundo o juiz Ricardo Pereira Júnior, coordenador do
NAT, o núcleo ainda será aprimorado. “O
escopo de fornecimento de parecer de
urgência não foi alcançado por falta de
peritos médicos”, afirma. De acordo com
o juiz, não foram estabelecidas as parcerias necessárias para trazer profissionais
para dar pareceres nos processos e, por
esse motivo, os juízes acabaram mandando poucos processos para o NAT. A ideia,
agora, é procurar entidades públicas independentes para colaborar nas mudanças necessárias. “Com o novo Código de
Processo Civil, as audiências de conciliação se tornarão e o NAT passará a realizar
as conciliações de todo o setor de saúde”,
acredita Pereira Jr.
Durval Andrade, advogado do SINDHOSP,
explica que essas mudanças serão positivas para o setor. “No caso de São Paulo, o
núcleo está muito focado nas operadoras
e usuários, mas tem estrutura para contar
com vários representantes de saúde e empresas do setor”, explica. “A participação
desses profissionais é importante para
auxiliar os juízes na tomada de decisão
para que ela ocorra de forma mais justa.”
27
RESENHA
Horrores
al-estar, incômodo, tristeza. Essas são apenas algumas das sensações ao descobrir que carregamos em nossa
recente história algo tão desumano e que acontecia até ontem em nosso próprio quintal.
Quem conta isso é a jornalista Daniela Arbex, com seu
livro Holocausto Brasileiro, que narra a história do Hospital
Colônia, localizado em Barbacena-MG. Considerado o maior
hospício do Brasil, pelo menos 60 mil pessoas morreram entre seus muros de 1930 a 1980, contando sempre com a conivência do Estado brasileiro.
A estimativa é que, de todos os lá internados – a maioria à força –, cerca de 70% sequer sofria de doença mental.
Eram em grande parte desafetos, mendigos, negros, homossexuais, pobres, alcoolistas e até tímidos, todos trancafiados pelos interesses mais absurdos e banais, baseados
muitas vezes na teoria eugenista, que sustentava a ideia de
“limpeza social”.
Do Colônia nasceu a expressão “trem de doido”, criada pelo escritor Guimarães Rosa e que foi incorporada ao
vocabulário popular mineiro. Um trem trazia, diretamente
para o hospício, pessoas abarrotadas em vagões de carga,
que vinham de diversos lugares para serem internadas. Não
por acaso, a autora fez a analogia com os judeus que eram
levados para os campos de concentração nazistas em Auschwitz, na Polônia, durante a Segunda Guerra Mundial.
Por meio das histórias de ex-pacientes e funcionários, Arbex narra como homens, mulheres e crianças eram sistematicamente desprovidos de qualquer dignidade, violentados,
sem roupas, dormindo em camas feitas de capim no chão
frio e com o esgoto aberto a seus pés – que muitas vezes
servia para matar a sede.
Os maus-tratos e torturas eram práticas corriqueiras no
hospício. Em um dos muitos casos, mulheres grávidas passavam sobre o corpo suas próprias fezes, como forma de
proteger seus filhos dos abusos. Mas isso só funcionava até
o nascimento, quando os bebês eram arrancados de seus
braços e doados.
Nos períodos de maior lotação, as mortes chegavam a
16 por dia. Eram vítimas de doenças, frio, fome e também
dos eletrochoques, tão fortes e constantes que chegavam
a sobrecarregar a rede do município. Isso criou, ainda, um
28
mercado clandestino de venda de corpos para faculdades
de medicina, já que centenas deles abasteceram 17 escolas
no país entre 1969 e 1980.
Em 1979, o italiano Franco Basaglia, pioneiro na luta antimanicomial, ficou tão chocado ao ver aquelas cenas que
convocou uma coletiva de imprensa. “Estive hoje num campo de concentração nazista. Em lugar nenhum do mundo,
presenciei uma tragédia como esta”, disse.
Este fato foi um marco, já que deu voz a grupos que há
tempos não concordavam com a situação manicomial do
país, contribuindo para o início do processo de desospitalização. “Apesar de Minas ter produzido a maior tragédia da
loucura no país, por meio do Hospital Colônia, o Estado acolheu as primeiras manifestações em favor da reforma psiquiátrica”, destacou a jornalista, cujo trabalho foi reconhecido
com um Prêmio Jabuti em 2014 e como melhor livro-reportagem pela Associação Paulista dos Críticos de Artes (APCA),
em 2013. “O fato é que a história do Colônia é a nossa história. Ela representa a vergonha da omissão coletiva que faz
mais e mais vítimas no Brasil.” (Por Ricardo Balego)
Holocausto Brasileiro
Daniela Arbex
Geração Editorial
272 págs.
R$ 44,90
Divulgação - Geração Editorial
M
do nosso holocausto
ARTIGO
Liderança
em tempos de inovação e ousadia
Por Nelson
P
Alvarez
ara ser um líder de sucesso não basta ter bons conhecimentos técnicos, trajetória profissional vitoriosa, ser um
ótimo executor de tarefas ou gerar valor para o acionista.
O ato de liderar é o grande desafio do gestor e a maior
preocupação das organizações. É necessário desenvolver
competências específicas para comandar uma equipe.
O setor da saúde, que nos últimos tempos vem sofrendo
grande transformação com fusões, aquisições, novos serviços e onde a diversidade de atividades envolve pessoas de
formação, origem, gênero e carreira diferentes, possui clientes que estão em busca de serviços diferenciados no momento da escolha de prestador.
O preparo das equipes de trabalho, que atuam na retaguarda ou em contato direto com o cliente, precisa estar alinhado nas questões pessoais e empresariais. O papel do líder
é fundamental na orquestração harmoniosa desta equipe.
Do líder é exigido um novo leque de valores e competências, seja na formação com bons conhecimentos administrativos e habilidades focadas na gestão, seja na forma
e condução do dia a dia das organizações - contato com
todos os stakeholders.
Ser líder vai muito além de possuir o perfil ideal. Necessita estar preparado e em constante evolução e aprendizado.
Liderança é um estado de consciência.
Algumas dicas para se tornar um líder de sucesso:
1 -Ter tempo para os liderados: tempo para ouvi-los, saber
sobre necessidades, sua vida, dificuldades e conquistas.
Procure apoiá-los no que estiver ao seu alcance.
2 - Acompanhe os resultados: deixe a equipe trabalhar sem
direcionar ações. Conduza sem autoridade influenciando e
motivando-os.
3 - Não compare as pessoas: cada um tem características e
habilidades diferentes, procure explorar de forma positiva
as características individuais, construa pontes, remova barreiras, apoiando-os na busca de soluções sustentáveis.
4 - Valorize os acertos: são importantes e funcionam como fator de motivação para mostrar à equipe que você reconhece
as contribuições. Isto contribui para a melhor produtividade.
5 - Seja coach: leve a equipe a patamares de autonomia e maturidade superiores, agindo com excelência. Seja inspirador.
6 - Lidere pelo exemplo: surpreenda-os fazendo a coisa certa. Não exija deles aquilo que você não faz. O exemplo é a
melhor maneira de inspirar e motivar as pessoas.
7 - Cuide da comunicação: dê informações com clareza. Cuidado com declarações dúbias, vagas e conflitantes.
8 - Crie sua marca: a imagem do líder está relacionada ao
conjunto de princípios e valores nas ações do dia a dia.
9 - Seja responsável: engaje a equipe quanto à responsabilidade social da empresa, seus objetivos e melhores práticas.
Aqui há uma grande oportunidade para a área de Recursos Humanos, que pode ser o elo entre a gestão e o dia a dia
da organização – sendo facilitadora, indicando e conduzindo programas voltados às práticas de mercado.
Recursos Humanos têm o papel de ajudar a construir a
empresa de amanhã com as pessoas de hoje.
* Nelson Alvarez é consultor em Gestão Empresarial e Recursos
Humanos e coordenador da Comissão de RH do SINDHOSP
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CHARGE
A Revista FEHOESP 360 é uma
publicação da FEHOESP, SINDHOSP,
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Tiragem: 15.500 exemplares
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