Águas urbanas: da degradação à renaturalização Ingrid Herzog Holz Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGAU-UFES), Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: Introdução: a atual degradação dos cursos d’água em meio urbano demonstra a situação extrema em que chegou o conflito entre expansão urbana e preservação do meio ambiente, com a urbanização cada vez mais rápida e sem planejamento, sem as condições de infra-estrutura necessárias ao assentamento de toda população, ocasionando desastres e degradação ambiental. Por outro lado, provando que é possível recuperar as águas urbanas, surgem cada vez mais iniciativas de recuperação e valorização de rios e córregos em diversas cidades no mundo. A importância dessa pesquisa consiste em alertar para a necessidade e possibilidade de se recuperar a qualidade ecológica e paisagística das águas urbanas, para a construção de cidades mais saudáveis e sustentáveis. Objetivo: a pesquisa objetiva estudar as soluções que estão sendo adotadas para a recuperação das águas urbanas em algumas cidades do mundo, visando avaliar a possibilidade de aplicação na cidade de Vitória-ES. Método/Abordagens: a metodologia adotada foi estruturada a partir das seguintes etapas: I. revisão bibliográfica sobre a problemática atual dos cursos d’água em meio urbano e as possíveis soluções para a preservação desses recursos naturais; II. Seleção e análise de situações - internacionais e nacionais - de projetos de regeneração de cursos d’água urbanos; III. Seleção de um local, de acordo com características e potencialidades, para a elaboração de um ensaio de uma proposta de intervenção alicerçada no conceito dos casos estudados. Resultados: constatou-se a possibilidade de recuperação dos cursos d’água em meio urbano, bem como da aplicação na cidade de Vitória-ES de algumas medidas já adotadas mundialmente, ainda que em menor escala. Contribuições/Originalidade: as principais contribuições são o questionamento das soluções tradicionais, que têm se mostrado cada vez mais ineficientes, e a busca de alternativas mais adequadas ao tratamento das águas urbanas, que sejam eficazes e possam contribuir para cidades mais sustentáveis. Palavras-chave: Águas urbanas, Recuperação ambiental, Sustentabilidade. Abstract: Introduction: the current degradation of waterways in urban settings show the esxtreme situation that brought the conflict between urban expansion and environmental preservation, with increasingly rapid and unplanned urbanization, without the infrastructure conditions necessary to the settlement of the entire population, causing disasters and environmental degradation. Moreover, proving that it is possible to recover the urban waters, are increasingly emerging initiatives for recovery and appreciation of rivers and streams in several cities in the world. The research importance is to alert to the necessity and possibility to recover the ecological and landscaping quality of urban waters, to the construction of healthier and sustainable cities. Purpose: to study the solutions that are being taken for the recovery of urban water in some cities of the world focusing to evaluate the possibility of application in the city of Vitória - ES. Method/Aproaches: The methodology adopted was structured from the following steps: I. literature review on the current problems of the watercourses in urban areas and possible solutions for the preservation of these natural resources; II. Selection and analysis of situations - both international and national - of regeneration projects in urban watercourses, III. Selecting a location in accordance with features and potencialities for the development of a test of a proposal of intervention based on the concept of the studied cases. Results: It was noticed the possibility of recovery of the watercourses in urban areas and the application in the city of Vitoria-ES of some steps already adopted worldwide, even if in a smaller scale. Contributions/Originality: the main contributions are the questioning of traditional solutions, which have proved increasingly inefficient, and the search for alternatives more suitable to the treatment of urban waters, which are effective and could contribute to more sustainable cities. Key-words: Urban water; Environmental recovery; Sustainability. 1. INTRODUÇÃO O crescimento descontrolado das cidades vem causando problemas de ordem social, econômica, política e, principalmente, ambiental. A especulação imobiliária, as desigualdades sociais e a falta de planejamento favorecem a expansão da malha urbana sobre áreas de interesse de preservação, como fundos de vales, margens de cursos d’água e florestas. Essas áreas, que apresentam alto grau de fragilidade, depois de ocupadas acabam, quase sempre, por desaparecer da paisagem urbana. O que resta muitas vezes são apenas fragmentos isolados e poluídos, que não cumprem mais suas funções naturais enquanto “habitat” para flora e fauna. As águas em meio urbano são áreas especialmente frágeis, que vêm sendo poluídas, canalizadas, aterradas, sem se levar em consideração seu potencial paisagístico e de uso público. VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 A história de formação de várias cidades está intimamente ligada à presença da água e isto se deve desde às necessidades básicas do homem, como abastecimento e higiene, até às funções de transporte, recreação, comércio e à valorização de aspectos cenográficos. Porém, a potencialidade que as águas, assim como todo o ambiente natural, tem de contribuir para uma forma urbana diferenciada, dotada de importância ecológica – podem servir como corredores para o deslocamento da fauna, por exemplo – e simbólica, tem sido desconsiderada no planejamento de muitas cidades, transformando cursos d’água em ambientes urbanos em canais naturais de esgoto e destino de lixo. A urbanização tem efeitos diretos sobre as águas, fazendo com que geralmente sejam vistas como fonte de problemas, quando poderiam ser fatores de valorização do espaço urbano. Isto faz com que elas se tornem indesejáveis pela sociedade e pelo governo, e então são canalizadas, cobertas e frequentemente eliminadas da paisagem, agravando problemas de inundações e comprometendo todo o ecossistema que depende delas. As águas em meio urbano são, portanto, geralmente transformadas em canais artificializados, de cor e cheiro desagradáveis e, num círculo vicioso, são cada vez mais mal vistas pela população, que cada vez menos se preocupa em recuperá-las. 1.1. Importância da presença da água nas cidades Muitos núcleos urbanos brasileiros surgiram a partir de rios – grandes, médios, pequenos, ou ainda pequenos cursos d’água. “Os rios tinham muito a oferecer, além de água: controle do território, alimentos, possibilidade de circulação de pessoas e bens, energia hidráulica, lazer, entre tantos outros. E desta forma as paisagens fluviais foram paulatinamente se transformando também em paisagens urbanas” (COSTA, 2006, p.10). A importância do contato – visual e físico – com as águas nas cidades vai muito além da necessidade de abastecimento. A presença dos cursos d’água urbanos proporciona melhoria nas condições ambientais e na qualidade de vida da população, principalmente devido ao potencial de lazer e à qualidade da paisagem. Um percurso na cidade feito à beira d’água é bem mais agradável do que entre massas completamente edificadas. Além disso, as águas urbanas têm estreita relação com a identidade do local em que estão inseridas e com a história da população que delas tira seu sustento ou as utiliza de alguma outra forma. Sobre os benefícios da presença das águas em meio urbano, Costa (2006, p.10) diz que os “rios são importantes corredores biológicos que permitem a presença e circulação da flora e fauna no interior das cidades” e podem se tornar “espaços livres públicos de grande valor social, propiciando oportunidades de convívio coletivo e lazer que atendem aos mais diversos interesses”. As áreas naturais em meio urbano podem contribuir para o conforto ambiental atenuando a densidade das massas edificadas e interferindo no microclima local, inspiram ações de educação ambiental e proporcionam áreas de recreação e lazer, colaborando para a saúde pública através da oportunidade da prática de atividades físicas, além de proporcionar a redução do estresse da vida urbana, pela oferta de espaços para contemplação da paisagem. 1.2. Panorama das águas urbanas na atualidade Muitas vezes os rios em ambientes urbanos ainda são considerados como problemas e obstáculos ao desenvolvimento das cidades, principalmente quando ocorrem enchentes e alagamentos, e seus atributos cênicos e ecológicos raramente são considerados como elementos de valorização da paisagem urbana. Em muitas cidades os cursos d’água têm sido utilizados como estruturas de saneamento e drenagem, desta forma, as águas urbanas geralmente são paisagens degradadas, poluídas e sem tratamento. Os cursos d’água têm seus leitos alterados, retificados, canalizados, aterrados, tratados como fundos de lotes ou como avenida-canal, perdendo seu valor cenográfico e simbólico, e algumas vezes até desaparecendo da paisagem. A adoção de medidas como estas, além de não resolverem os problemas de inundações, causam a morte de rios e corpos d’água, já que não os consideram enquanto sistemas biológicos. De acordo com Britto e Silva (2006), as obras de engenharia hidráulica geralmente priorizam a coleta de esgoto, desconsiderando o tratamento, tornando os rios receptáculos de esgoto não tratado, desconsiderando as conseqüências para o meio ambiente e a qualidade de vida da população. Pellegrino (et al, 2006) acrescenta que a retificação e canalização do rio com muros de concreto fazem com que a relação entre rio e as margens inundáveis seja interrompida, aumentando a vazão de água e conseqüentemente contribuindo para a ocorrência de enchentes à jusante. As cidades com áreas densamente construídas, e em conseqüência, com o solo em grande parte impermeabilizado, se transformam numa espécie de escudo à prova d’água, em que as águas das chuvas, impedidas de penetrar no solo, escoam pela superfície cada vez em maior velocidade e quantidade, causando enchentes, alagamentos, e desmoronamentos de encostas, como ocorre frequentemente em várias cidades brasileiras. VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 Conforme Porath (2004), o processo de urbanização que acontece de forma descontrolada, sem o planejamento adequado, provoca alterações no ciclo hidrológico natural, tais como aumento da precipitação; diminuição da evapotranspiração devido à redução da vegetação; diminuição da infiltração da água, e consequentemente aumento da quantidade de líquido escoado, devido à impermeabilização e compactação do solo; consumo de água superficial e subterrânea; mudanças no nível do lençol freático, podendo ocorrer redução ou esgotamento do mesmo; maior erosão do solo e conseqüente aumento do processo de assoreamento dos corpos superficiais de água; aumento da ocorrência de enchentes; e poluição de águas superficiais e subterrâneas. Os rios ainda a céu aberto sofrem com o conflito entre a preservação ambiental e a ocupação irregular, já que as faixas marginais de proteção são constantemente invadidas por habitações informais e até mesmo condomínios. A relação entre pobreza e risco ambiental é recorrente, levando à ocupação das faixas marginais de proteção das águas. Estas áreas são de alta vulnerabilidade sócio-ambiental, pois somam-se pobreza, precárias condições de saneamento e exposição a riscos ambientais (BRITTO e SILVA, 2006). Ainda segundo Britto e Silva (2006, p.17), “a poluição dos rios e os riscos freqüentes de enchentes fizeram com que grande parte das áreas ribeirinhas fosse considerada espaço desvalorizado, desprezado pelos processos formais de urbanização, transformando-se em paisagem residual, sujeita a ocupações irregulares”. Por isso é necessário que as ações de proteção ao meio ambiente sejam acompanhadas de políticas de provisão de habitação, ou essa população que não tem onde se instalar continuará ocupando essas áreas, que além de serem ambientalmente frágeis também representam riscos à vida dos habitantes. Mas a ocupação das áreas de preservação não é exclusividade das classes pobres, visto que a prática da edificação e parcelamento do solo em áreas de interesse ambiental por parte das classes de alta e média renda acontece por todo o país (RIBAS, 2004, p.3). A poluição das águas, tanto as superficiais como as subterrâneas (lençóis freáticos), é um grave problema causado pela urbanização sem planejamento. As principais fontes de poluição das águas em meio urbano são: o lançamento de esgoto sanitário e industrial sem tratamento, através das galerias de águas pluviais que carregam a sujeira acumulada para os cursos d’água; a água de escoamento superficial, que além de poluir também causa assoreamento pelo depósito de sedimentos; o lançamento direto de resíduos sólidos – lixo doméstico e objetos descartados; e o lançamento de agrotóxicos e outros produtos químicos; provocando a redução drástica, ou até mesmo a extinção, das formas de vida – flora e fauna – que dependem das águas para subsistência. Ao invés de elemento de contemplação e lazer, amenidade ambiental que valoriza a paisagem e o espaço de vida cotidiana, os rios, segundo Britto e Silva (2006), passam a ser ameaças à segurança e integridade física dos habitantes ribeirinhos, que temem as enchentes, enfrentam o mau-cheiro e o contato com as águas poluídas. Esta realidade pode ser revertida através de técnicas de recuperação ambiental que já vem sendo adotadas em diversas partes do mundo, como Estados Unidos, Canadá e Coréia do Sul, e também no Brasil, que tem no Rio Piracicaba, São Paulo, um projeto pioneiro no país. 2. OBJETIVO O objetivo desta pesquisa é estudar as soluções que estão sendo adotadas para a recuperação das águas urbanas em algumas cidades do mundo, visando avaliar a possibilidade de aplicação na cidade de Vitória, Espírito Santo. 3. METODOLOGIA Para o alcance dos objetivos, a metodologia adotada foi estruturada a partir das seguintes etapas: I. Revisão bibliográfica sobre a problemática atual dos cursos d’água em meio urbano, bem como das possíveis soluções para a preservação desses recursos naturais; II. Seleção e análise de situações - internacionais e nacionais - de projetos de regeneração de cursos d’água urbanos; III. Seleção de um local, de acordo com características e potencialidades, para a elaboração de um ensaio de uma proposta de intervenção alicerçada no conceito dos casos estudados. 4. RESULTADOS 4.1. Soluções para a preservação Dentro das discussões sobre planejamento urbano sabe-se que para a preservação de qualquer espaço público, seja ele dotado de recursos naturais ou não, a apropriação por parte da população é de vital importância. Segundo Costa (2006), um dos maiores fatores de preservação é a visibilidade: quanto mais se esconde a água, mais fácil aterrar e poluir. VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 A criação de áreas de preservação isoladas não tem se mostrado eficiente, já que, na falta de acompanhamento e de políticas complementares (de conscientização, de provisão de habitação, de infra-estrutura básica, econômicas, etc), elas nem sempre são respeitadas em seu território. O acesso e o uso controlado reforçam uma relação de identidade da sociedade com o bem natural, e, através do conhecimento, aumentam as possibilidades de valorização e preservação do local. Assim, a conscientização da população para os valores sociais e ambientais dos recursos hídricos é fator primordial para que se recupere a qualidade das águas, através do resgate da identidade do lugar, o que pode ser efetivado se esses recursos forem acessíveis a sociedade. O habitante da cidade deve adquirir uma visão holística acerca das águas, e a consciência da importância dos rios, lagos e lagoas enquanto referência histórica para a cidade, como marco da paisagem urbana e importante componente do ecossistema, ou mesmo para abastecimento de um dos principais elementos necessários à vida. De acordo com Costa (2006, p.11), “visibilidade e acesso público aos rios urbanos e suas margens, além de conectividade com os demais corpos d’água que compõem a rede hidrográfica, são critérios de desenho importantes para valorizar sua dimensão ambiental e cultural”. A autora diz ainda que “o rio traz o sentido de uma maleabilidade primordial no desenho da paisagem. Esta maleabilidade deve encontrar uma correspondência no desenho da paisagem urbana”. Britto e Silva (2006, p.31) acrescentam que “a criação de áreas de lazer e parques lineares nas áreas de várzea ao longo das margens liberadas, com tratamento paisagístico e implantação de equipamentos seria um passo importante para impedir a invasão da área por novas habitações”. A valorização das margens, através da configuração de espaços que promovam o convívio social, e o sentimento de pertencimento por parte da sociedade são instrumentos importantes para a proteção dos recursos hídricos. 4.2. Estudos de casos 4.2.1. Renaturalização do Rio Cheonggyecheon, Seul, Coréia do Sul De acordo com Petrescu (2007), há 50 anos o Rio Cheonggycheon era um canal de caráter rural onde as pessoas lavavam roupas, porém, com o crescimento da cidade, o antigo canal se transformou praticamente em um esgoto a céu aberto, que logo foi edificado em sua totalidade, dando lugar a uma importante artéria urbana, que logo recebeu uma segunda via de alta velocidade elevada de seis pistas. Em 1999, a prefeitura iniciou o projeto para demolir a autopista, recuperar o rio e criar um parque de margem com 400 hectares, de 8 km de comprimento e 80 metros de largura, dando passagem novamente ao leito natural do rio com suas águas devidamente tratadas e purificadas. Em novembro de 2006, foi inaugurada a primeira parte das obras e parte dos resultados são águas limpas e purificadas, novas áreas verdes e um espaço público importante para a cidade, com diversas instalações (PETRESCU, 2007). Figura 01: Antes da implantação do projeto, viaduto cobrindo o rio. Fonte: Petrescu (2007). Figura 02: Rio recuperado. Fonte: Petrescu (2007). 4.2.2. Plano de Recuperação do Rio Don, Toronto, Canadá O processo de recuperação do Rio Don teve início na década de 1990, com a pressão da sociedade civil e de organizações não-governamentais, com objetivo de se recuperar a qualidade ambiental do rio, e, posteriormente, de toda a bacia hidrográfica. Apesar do alto nível de urbanização e degradação, o rio mantinha sua importância para a cidade e ainda abrigava algumas espécies de fauna (GORSKI, 2010). Alguns objetivos do plano eram proteger o patrimônio ambiental existente, regenerando o que estivesse degradado, estabelecer a diversidade ecológica do rio, promover sua integração ao tecido urbano, requalificar o patrimônio VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 histórico e cultural, bem como assumir a responsabilidade pelo rio. Para tanto foram propostas as seguintes intervenções: recriação do delta do rio; recuperação das características físicas do canal do rio; criação de banhados, lagoas e prados para auxiliar na melhoria da qualidade da água e no controle de inundações; reflorestamento das matas ciliares; acessibilidade aos projetos realizados nas margens; promoção de atividades recreativas e uso da orla; desenvolvimento de atividades educativas (GORSKI, 2010). 4.2.3. Plano de Recuperação do Rio Los Angeles, EUA O plano de recuperação do Rio Los Angeles teve início em 2002, com o rio poluído, canalizado e desarticulado do tecido urbano, estando atualmente em fase de implantação. O objetivo principal do plano é resgatar a função ecológica do rio e sua identidade em relação à cidade (GORSKI, 2010). Algumas das diretrizes propostas foram: valorizar as várzeas, recuperando a vegetação; restabelecer as funções ecológicas e hidrológicas; melhorar a qualidade da água; possibilitar o acesso público; conectar as vizinhanças ao rio, criando “bairros verdes”; tornar o rio um foco de atividades para a comunidade; promover qualidade de vida; aumentar a oferta de emprego, comércio e moradia; requalificar áreas subutilizadas e comunidades carentes; etc (GORSKI, 2010). O plano foi concebido para implementação em etapas, visando a viabilidade financeira e minimização de impactos. Primeiramente deu-se a inserção da vegetação nas margens do canal, seguida da despoluição das águas e estabelecimento de áreas de atração da população (GORSKI, 2010). 4.2.4. Projeto Beira-Rio, Piracicaba, São Paulo O programa de recuperação do Rio Piracicaba teve início em 2001, desenvolvido e implementado pela Prefeitura Municipal de Piracicaba, com intensa participação da sociedade civil, considerado um exemplo pioneiro de recuperação de rio urbano no Brasil (GORSKI, 2010). Os principais objetivos do plano são: recuperar a qualidade da água, preservar as várzeas, reestruturar o tecido urbano, incentivar a navegação, conservar a paisagem e conectar o cidadão ao rio. Assim, foram definidas propostas como: coleta seletiva e reciclagem de resíduos; saneamento; ampliação da drenagem superficial pela filtração; criação de Áreas de Proteção Ambiental; melhoria da mobilidade e acessibilidade; implantação de circuitos turísticos; multiplicação de áreas públicas; requalificação das ruas lindeiras; remoção de palafitas; apropriação da margem pelos cidadãos; construção de deques-mirantes e passarelas; implantação de trilha junto ao rio; entre outras (GORSKI, 2010). Figura 03: Acesso à margem do Rio Piracicaba depois da intervenção. Fonte: Gorski (2010). 4.3. Ensaio Seguindo as tendências de recuperação e renaturalização de rios urbanos constatadas nos casos nacionais e internacionais exemplificados, foi escolhida a Avenida Leitão da Silva, pela sua característica de avenida-canal, para ensaio de proposta de intervenção em âmbito local, buscando demonstrar a possibilidade de se recuperar o córrego degradado ao longo da via. 4.3.1. Análise A Avenida Leitão da Silva é uma importante via no contexto urbano de Vitória, ao longo da qual passa um curso d’água fortemente urbanizado, poluído e canalizado em leito de concreto. Todo o esgoto da região é diretamente lançado no canal, que exala forte odor desagradável. A avenida pode ser dividida em três trechos (figura 01): no VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 primeiro, mais ao norte – entre a Rua Dona Maria Rosa e a Rua José Farias, não há a presença do canal, já que este é proveniente do Canal da Passagem, passando pela Rua José Farias (coberto pela via), alcançando a Avenida Leitão da Silva, no lugar deste há um canteiro central; o segundo trecho – entre a Rua José Farias e a Avenida Rio Branco – é caracterizado como avenida-canal, com o canal descoberto; e no terceiro trecho, mais ao sul, o canal é coberto por canteiro central, desaparecendo por completo da paisagem. Figura 04: Avenida Leitão da Silva. Fonte: mosaico elaborado a partir de Google Earth (2010). Atualmente, grande parte da Avenida Leitão da Silva, entre a Rua Dona Maria Rosa e a Rua Constante Sodré (trechos 01 e 02 na figura 01), apresenta duas faixas de rolagem em cada sentido de tráfego, cada pista totalizando 6,50m de largura, calçadas de aproximadamente 4,0m de largura de cada lado, e a área central destinada ao canal ou canteiro com 5,0m de largura em média (figura 02). Neste trecho, excluindo-se a subestação de energia, foi constatada a existência de uma faixa de área privada (interna aos lotes) livre de edificações ou subutilizada (afastamento frontal, estacionamentos, galpões ou edificações de pequeno porte, etc) no sentido UFES – Centro, onde se considerou a possibilidade de desapropriação para deslocamento da pista de tráfego, cedendo espaço ao canal (figura 03). A largura dessa faixa varia entre 3 e 5 metros nas áreas livres ou edificações de pequeno porte, e é maior no terreno do campo de futebol (assinalado pelo número 7 na figura 02). Figura 05: Trecho da Avenida Leitão da Silva próximo da Rua José Farias – situação atual. Figura 06: Em vermelho faixa passível de desapropriação. Fonte: mosaico elaborado a partir de Google Earth (2010). VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 A partir do encontro com a Rua Constante Sodré, a largura do canal e das calçadas diminui e a pista ganha mais uma faixa de rolagem em cada sentido, conforme pode ser visto na figura 04. Neste trecho não há mais a faixa interna aos lotes passível de desapropriação. Figura 07: Trecho da Avenida Leitão da Silva próximo da Rua Constante Sodré – situação atual. 4.3.2. Proposta A intenção da proposta é renaturalizar o canal, recuperando suas águas e restabelecendo as características físicoambientais das margens, proporcionando o acesso da população ao mesmo. Para isso o córrego deve ser descoberto, o leito de concreto desfeito, e a vegetação ciliar originária reconstituída, restabelecendo, desta forma, a relação entre a água e as margens, o que é muito importante do ponto de vista ecológico. No primeiro trecho da Avenida Leitão da Silva (apresentado na figura 03), propõe-se a desapropriação de uma faixa de 3,0 metros de largura para deslocar a via, que permanecerá com duas faixas de rolagem, liberando mais espaço para a renaturalização das margens do córrego. Na Rua José Farias o córrego deverá ser descoberto, para isso a via deverá ser deslocada levemente para o Norte, permanecendo com duas faixas em sentido único e vagas de estacionamento de um lado. Propõe-se ainda a desapropriação de uma faixa de dez metros de largura de um terreno vazio atualmente utilizado como estacionamento para a construção de uma praça, criando um espaço de permanência e lazer voltado para o córrego renaturalizado, no intuito de valorizar o ambiente reestruturado. As figuras 05 e 06a-f a seguir apresentam a proposta de forma esquemática. VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 Figura 08: Proposta para o trecho Avenida Leitão da Silva / Rua José Farias. Figura 09: Vista geral da proposta. Figura 10: Vista geral da proposta. Figura 11: Vista do córrego renaturalizado. Figura 12: Córrego acessível. No trecho seguinte da Avenida Leitão da Silva, a partir do encontro com a Rua Constante Sodré (trecho 03 na figura 01 e figura 04), não há mais a possibilidade de desapropriação, visto que as edificações não apresentam VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 afastamentos em relação à via, e cada pista passa a apresentar uma terceira faixa de rolagem. A proposta então é eliminar esta terceira faixa, permanecendo, assim, toda a extensão da avenida com duas faixas de rolagem em cada sentido de tráfego, liberando, dessa forma, uma faixa de orla maior para o córrego (figura 07). Figura 13: Proposta para o trecho Avenida Leitão da Silva próximo da Rua Constante Sodré. Em toda a orla são propostos passeios, com deques e passarelas sobre o córrego, para caminhadas e contemplação, proporcionando maior contato dos habitantes da cidade com as águas do canal, totalmente descoberto, excetuandose apenas os cruzamentos. Desta forma, o córrego, as margens e o entorno conformarão uma espécie de parque linear, ainda que em pequena escala. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS As águas nas cidades devem ser tratadas de forma a favorecer a saúde da população, tanto biológica quanto mental. A apropriação é fator primordial para isso, e para que ela aconteça é necessário que se tenha acesso às águas, para que se desenvolva uma relação de identidade entre o local e os seus habitantes. Esse acesso deve ser controlado, e o uso destes lugares deve ser adequado, para a proteção dos recursos naturais. É necessário também que as cidades tenham planos de desenvolvimento urbano que equilibrem crescimento e qualidade paisagística, assegurando a preservação do meio ambiente, a valorização da paisagem natural e o uso dos recursos naturais de forma racional e justa. É indiscutível a urgência de se recuperar as águas urbanas, pois elas têm influência direta na qualidade de vida, não apenas porque os reservatórios e cursos d'água utilizados como mananciais recebem grandes contribuições de rios e córregos que cruzam as cidades, mas também pela melhoria dos espaços públicos e da paisagem e pela proteção de ecossistemas que dependem das águas. O que se procurou demonstrar neste artigo foi a possibilidade de recuperação dos cursos d’água em meio urbano, o que já vem acontecendo em diversas cidades do mundo; e a proposta apresentada tem caráter demonstrativo, com o intuito de alertar para o tratamento dessas questões na cidade de Vitória. VI Encontro Nacional e IV Encontro Latino-americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis - Vitória – ES BRASIL - 7 a 9 de setembro de 2011 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRITTO, Ana Lúcia; SILVA, Victor Andrade Carneiro da. Viver às margens dos rios: uma análise da situação dos moradores da Favela Parque Unidos de Acari. In: COSTA, Lucia Maria Sá Antunes (org). Rios e Paisagens Urbanas em Cidades Brasileiras. Rio de Janeiro: Viana e Mosley Editora, 2006. 192p. COSTA, Lucia Maria Sá Antunes (org). Rios e Paisagens Urbanas em Cidades Brasileiras. Rio de Janeiro: Viana e Mosley Editora, 2006. GORSKI, Maria Cecília Barbieri. Rios e cidades: ruptura e reconciliação. São Paulo: Editora Senac, 2010. PELLEGRINO, Paulo Renato Mesquita; GUEDES, Paula Pinto; PIRILLO, Fernanda Cunha; FERNANDES, Sávio Almeida. A paisagem da borda: uma estratégia para a condução das águas, da biodiversidade e das pessoas. In COSTA, Lucia Maria Sá Antunes (org). Rios e Paisagens Urbanas em Cidades Brasileiras. 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