PRODUÇÃO MUSICAL Tag-me! Qual é a primeira coisa que alguém te pergunta quando você fala que é músico e tem uma banda? Normalmente, é algo referente ao estilo musical adotado, se é uma banda de rock, MPB, música eletrônica e por aí vai. Em seguida, invariavelmente, vem uma perguntinha safada: “Parece com o quê?” Pois é. Eu mesmo – que sou produtor musical – também acabo perguntando isso aos artistas que me procuram para trabalhar Ticiano Paludo é produtor musical, publicitário, músico, compositor e sound designer. Leciona Áudio Publicitário e Atendimento na FAMECOS - Faculdade de Comunicação Social (PUC/RS) - e Arranjo e Produção Musical Nível III no IGAP - Instituto Gaúcho de Áudio Profissional. http://www.pontowav.com.br/hotsite/ 56 www.backstage.com.br V ocê já deve estar começando a se dar conta sobre o que quero falar: me refiro a um mal necessário, os rótulos! Cada vez mais parece que temos uma necessidade quase inconsciente de rotular tudo: as coisas, as pessoas, as canções, os álbuns, bebida, comida, o que mais você quiser (e puder) imaginar, tudo é passível de rótulo, inclusive eu e você. Alguns artistas (normalmente os desprovidos de talento) acaba descobrindo que as novidades já foram exploradas bem antes (às vezes, há décadas). Só para dar um exemplo, quando falei sobre o Mashup aqui na Backstage (edição de fevereiro/2008), comentei que ele é uma técnica interessante, uma vez que podemos utilizar fragmentos antagônicos para compor uma nova faixa. Porém, esta técnica de recorte e colagem é antiga, traço facilmente percebido no final dos anos 60 (com Sgt. Peppers dos Beatles) ou, vol- Alguns artistas (normalmente os desprovidos de talento) adoram dizer que é impossível rotular o som que fazem. A minha experiência mostra que quando ouço essa frase, lá vem bomba, isto é, um trabalho fraco, enfadonho e pretensioso adoram dizer que é impossível rotular o som que fazem. A minha experiência mostra que quando ouço essa frase, lá vem bomba, isto é, um trabalho fraco, enfadonho e pretensioso. Lógico, todo mundo quer ser original, ser único, ser especial. No entanto, não podemos nos esquecer de que vivemos em uma era na qual a criatividade enfrenta grandes desafios. Dentre o variado cardápio musical à nossa disposição, talvez a música eletrônica ainda seja a saída mais eficiente, uma certa luz para um caminho relativamente inovador. No entanto, quem pesquisa tando mais na linha do tempo, na música concreta do século passado. É importante lembrarmos que somos seres históricos. A nossa bagagem musical é construída ao longo do tempo. Essa carga genética musical nos acompanha, é tolice negar. Assim como fisicamente somos o que comemos, na música somos um reflexo do que ouvimos (mesmo o que se escuta de maneira involuntária, isto é, zapeando pelo rádio e pela TV, caminhando na rua, etc). Vivemos a (e na) era da cibercultura. E lá estão elas, as tags (ou rótulos). Quando buscamos informações no a PRODUÇÃO MUSICAL Google, procuramos por um vídeo no You Tube, pesquisamos dados sobre a discografia de um artista, desejamos localizar um cantor de blues californiano no MySpace, todas essas atividades envolvem a utilização de rótulos. Nesse sentido, os rótulos desempenham um papel importante enquanto ferramentas de auxílio à compreensão/localização (física ou virtual) e como catalisadores de nossas buscas. Através deles, organizamos as informações e, conseqüentemente, isso facilita o acesso a elas. Já é possível encontrar, inclusive, tags em revistas impressas. Existe uma revista excelente driblar a dificuldade criativa que enfrentamos hoje possui uma sonoridade rica, composta de elementos diversos, uma verdadeira salada multicultural. Nesse momento, começam a aparecer os problemas. Se o cara mistura rock indie, folk e tropicalismo, qual seria a etiqueta mais adequada? Como sintetizar isso? Lembro-me de um ‘causo’ interessante (e hilário) que me contaram sobre o Natiruts (excepcional grupo de reggae brasileiro); isto aconteceu aqui em Porto Alegre: você deve se lembrar de que a banda chamava-se, antigamente, Nativos. Como a gran- A maioria dos artistas que consegue driblar a dificuldade criativa que enfrentamos hoje possui uma sonoridade rica. Nesse momento, começam a aparecer os problemas. Se o cara mistura rock indie, folk e tropicalismo, qual seria a etiqueta mais adequada? de rock – em Porto Alegre – que se chama Noize. Ela freqüentemente utiliza tags em suas matérias. Aconselho a darem uma espiada nela (as edições estão disponíveis para acesso gratuito em formato PDF – link ao final dessa coluna). Funciona assim: quando você entra em uma grande loja de discos – como a Livraria Cultura, por exemplo –, se quer encontrar um álbum dos Stones, logicamente vai procurar em “Artistas/Bandas Internacionais”. O problema das tags, no meu entendimento, é quando elas engessam o trabalho musical, quando se tornam restritivas, delimitadoras ou até territoriais em demasia. A maioria dos artistas que consegue 58 www.backstage.com.br de maioria dos vendedores que trabalha em lojas de discos não entende quase nada sobre música (o que é uma incoerência, mas ok, estamos no Brasil, e aqui é possível ver coisas desse tipo), acontecia de colocarem os álbuns desta banda na seção de música regionalista aqui no sul. O que ocorria, então? O pobre ouvinte chegava à loja, ia direto para a seção de reggae e não achava o álbum (pois ele estava no setor regional!). Quando me refiro a engessar o trabalho, penso naqueles casos em que o artista – por uma questão muitas vezes imposta pelo mercado – acaba sendo obrigado a abraçar um estilo musical principal e, no final, esta escolha não representa adequadamente PRODUÇÃO MUSICAL pluralidade estética de sua obra. Ser comparado (ou se comparar) principalmente a artistas do mainstream não é crime algum. Isso, na verdade, ajuda o ouvinte a se localizar mentalmente (ele faz uma projeção mentalmusical baseada nesses referenciais adquiridos historicamente, quer seja pela sua própria história, ou pela história da humanidade). Claro que a música deve falar por si. No entanto, por mais que os rótulos me incomodem, eles têm, sim, o seu devido valor funcional. Estou produzindo o álbum de uma banda ótima (sou suspeito para falar das minhas crias, mas realmente é um dos trabalhos mais inventivos que produzi nos últimos tempos) chamada O Fio. Eles fazem uma mistura musical realmente abrangente. Lá no início do processo, quando fomos conversar sobre como rotularíamos o seu som, a banda sugeriu uma solução que achei bem adequada: quando nos perguntarem qual é o estilo musical Claro que a música deve falar por si. No entanto, por mais que os rótulos me incomodem, eles têm, sim, o seu devido valor funcional adotado, vamos dizer que é fusion. Fusion seria uma mistura complexa, envolvendo diversos elementos e es- colas musicais. Este posicionamento tem-se mostrado eficiente e funcionado muito bem. Ainda falando sobre o trabalho do Fio, às vezes somos obrigados (eu e a banda) a escolher rótulos não tão adequados, pois a opção fusion não se encontra disponível. É o caso, dando um exemplo prático, do que aconteceu quando colocamos algumas faixas à venda em Londres no portal Juno. Lá, a única classificação que se aproximava “de leve” do som era, acredite, rock indie. O Fio ainda acabou emplacando uma faixa em um projeto especial para o qual fomos convidados pelo querido pessoal da gravadora Lua Music, e qual o rótulo que receberam lá (e estamos falando do mesmo trabalho, ou seja, ainda do Fio)? LEB, isto é Lounge Eletrônico Brasileiro. www.backstage.com.br 59 PRODUÇÃO MUSICAL UMA HOMENAGEM TARDIA Não escrevi antes sobre o assunto que abordarei resumidamente agora, pois não queria interromper as colunas seriadas que comecei na edição de março deste ano e que concluí na edição passada, analisando 50 fonogramas interessantes. Refiro-me a uma perda irreparável que tivemos no meio musical em 2008. Seria necessário bem mais do que uma coluna para falar sobre um cara especial, para homenagear Wander Taffo. Há alguns anos, estive em São Paulo conhecendo sua escola. Não conseguimos nos encontrar naquela ocasião. Alguns dias antes de sua morte, fiz contato com o objetivo de entrevistá-lo para minha dissertação de mestrado. Por obras do acaso e do destino, quase me cai nas mãos a sua última entrevista. Infelizmente, ele não teve tempo para responder. Morreu poucos dias depois da minha solicitação. Sabemos que a morte faz parte da vida. De qualquer modo, isso não diminui a tristeza que sentimos quando alguém talentoso se vai. Taffo foi corajoso. Conseguiu lançar álbuns de hard-rock cantando em português no Brasil. Contribuiu muito para a formação e aperfeiçoamento da profissão de músico em nosso país através de sua escola. Sua humildade era diretamente proporcional ao seu talento. Só me resta aplaudir de pé a sua carreira e dizer que a música que ele compôs nunca será esquecida por muitas pessoas. Eu sou uma delas! e-mail para esta coluna: [email protected] 60 www.backstage.com.br Finalizando, reflito e descubro que tenho um sentimento antagônico: ao mesmo tempo em que acho útil r o t u l a r, e m d e t e r m i n a d o s m o mentos os rótulos (ou essa co brança e necessidade quase orgânica do mercado em rotular tudo e todos) acabam sendo uma pedra no sapato, dificultando a nossa jornada. Até o trabalho de produção pode ser vitimado por isso. Já produzi de reggae a rock. No entanto, sou conhecido, principalmente, como um produtor vanguardista e produtor de emusic (esse é o rótulo ao qual fui confinado pela mídia, hehehe, e olhe que toquei heavy metal por quase uma década, lá no início da minha carreira; mas o brasileiro tem memória curta). Qual a conseqüência disso? Algumas vezes, não fui chamado para certos trabalhos, pois o cliente desconhecia a totalidade das minhas produções (minha história musical) e pré-julgou que eu não saberia conduzir bem a proposta – que era mais “comportada” – já que sou “um cara de vanguarda”! Até gosto do “MEU” rótulo. Só não gosto quando ele engessa o meu caminho. E não custa lembrar: independente de qualquer coisa, a música – de um modo geral – está dividida em apenas duas facetas: música boa e música ruim. É subjetivo, mas é assim que a vejo. E qual o rótulo para um cara que pensa assim? Ah, já chega, não é? rs... Abraços e até a próxima coluna. Para saber mais Revista Noize: www.noize.com.br O Fio: www.myspace.com/ofio