1.0 RESISTÊNCIA DOS MATERIAIS X - INTRODUÇÃO 1.1 – OBJETIVOS E MÉTODOS DA RESISTÊNCIA DOS MATERIAIS A Resistência dos Materiais é o ramo da Mecânica dos Corpos Deformáveis que se propõe, basicamente, a selecionar os materiais de construção e estabelecer as proporções e as dimensões dos elementos para uma estrutura ou máquina, a fim de capacitá-las a cumprir suas finalidades, com segurança, confiabilidade, durabilidade e em condições econômicas. A capacidade de um elemento, em uma estrutura ou máquina, de resistir à ruína é chamada de resistência do elemento e constitui o problema principal para a análise nesta disciplina. A limitação das deformações, em muitos casos, se torna necessária para atender a requisitos de confiabilidade (deformações exageradas podem ser confundidas com falta de segurança) ou precisão (caso de máquinas operatrizes ou ferramentas). A capacidade de um elemento reagir às deformações é chamada de rigidez do elemento. Muitas vezes, apesar de os elementos estruturais satisfazerem aos requisitos de resistência e de rigidez sob a ação das cargas, a estrutura, como um todo, não é capaz de manter o estado de equilíbrio, por instabilidade. A estabilidade das estruturas é outro problema a ser analisado. Estados perigosos provocados por descontinuidades na geometria dos elementos (concentração de tensões), por cargas alternativas (ressonância e fadiga do material) e por cargas dinâmicas (choque mecânico) serão também estudados. A escolha dos materiais, das proporções e das dimensões dos elementos de construção deve ser feita baseada em critérios de otimização, visando, invariavelmente, a custos mínimos, menores pesos (fundamental na indústria aeronáutica), facilidade de fabricação, de montagem, manutenção e reparo. Na solução de seus problemas básicos, a Resistência dos Materiais estabelece modelos matemáticos simplificados (esquemas de cálculo) para descrever a complexa realidade física, permitindo uma fácil resolução dos problemas, obtendo-se resultados aproximados que, posteriormente, são corrigidos através de coeficientes que levam em conta as simplificações feitas. Esses coeficientes de correção (coeficientes de segurança) são estabelecidos experimentalmente e muitas vezes arbitrados por Normas Técnicas ou em função da habilidade e experiência do projetista. A solução de problemas mais complexos, para os quais os esquemas simplificados da Resistência dos Materiais não se enquadram, é em geral tratada pela Teoria da Elasticidade (outro ramo da Mecânica dos Corpos Deformáveis que se propõe a solucionar os mesmos problemas da Resistência dos Materiais, porém através da utilização de métodos matemáticos mais complexos, mas de maior abrangência). 1.2 – HIPÓTESES SIMPLIFICADORAS Em sua maioria, as construções e as máquinas são muito complicadas quanto às características dos materiais, a forma e geometria dos elementos estruturais, tipos de carregamento, vinculação etc. e, a menos que sejam estabelecidas hipóteses e esquemas de cálculo simplificadores, a análise dos problemas seria impraticável. A validade de tais hipóteses é constatada experimentalmente. a) Quanto aos materiais: Os materiais serão supostos contínuos (ausência de imperfeições, bolhas etc) homogêneos (iguais propriedades em todos os seus pontos), e isótropos (iguais propriedades em todas as direções). Essas hipóteses nos permitem aplicar as técnicas elementares do cálculo infinitesimal para a solução matemática dos problemas. Deve-se ter cautela, entretanto, quanto à sua aplicação para certos materiais de construção (como o concreto ou a madeira), ou materiais de estrutura cristalina (como o granito) cujas características heterogêneas e anisotrópicas nos levariam a resultados apenas aproximados. Outra suposição freqüentemente utilizada é de que os materiais são perfeitamente elásticos (sofrendo deformações cuja extensão é proporcional aos esforços a que estão submetidos, retornando às dimensões originais quando cessam esses esforços). b) Quando à geometria dos elementos estruturais: Os elementos estruturais serão reduzidos aos seguintes modelos simplificados (Fig. 1.2.1): BLOCOS – corpos cujas três dimensões principais são da mesma ordem de grandeza (a ~b ~c); FOLHAS – corpos que têm uma das dimensões (denominada espessura) muito menor (*) que as outras duas (e << a ~b); BARRAS – corpos que têm uma das dimensões (denominada comprimento) muito maior (*) que as outras duas (c >> a ~b). (*) da ordem de 10 vezes ou mais. A Resistência dos Materiais Elementar propõe métodos para resolução de problemas envolvendo elementos estruturais do tipo de barras. Estudos mais avançados dão conta da solução de alguns problemas relativos às folhas. O estudo dos blocos não é tratado pela Resistência dos Materiais, devendo-se recorrer aos métodos da Teoria da Elasticidade. 2 b BLOCOS a c e CASCAS b a FOLHAS CHAPAS PLACAS PLACAS ARCOS BARRAS BARRAS BARRAS RETAS VIGAS PERFIS DELGADOS L Fig. 1.2.1 – Classificação dos elementos estruturais quanto a sua geometria. c) Quanto ao carregamento: Os esforços que atuam nas estruturas serão representados através dos seguintes modelos simplificados (Fig. 1.2.2): Forças distribuídas – em volumes (como a ação gravitacional, como as forças de inércia nos corpos acelerados), em superfícies (como a ação de esforços sobre placas, a ação da pressão de fluidos, p = dF/dA) e em linha (como a ação ao longo de vigas, q = dF/dx); 3 Forças Concentradas – ações localizadas em áreas de pequena extensão quando comparadas com as dimensões do corpo. É fácil perceber que tal conceito (uma força concentrada em um ponto) é uma abstração já que, para uma área de contato praticamente nula, uma força finita provocaria uma pressão ilimitada, o que nenhum material seria capaz de suportar sem se romper. q(x) W P (c) (a) (b) F (d) Fig. 1.2.2 – Tipos de Carregamento: forças distribuídas (a) em volumes, (b) em superfícies, (c) em linha; (d) forças concentradas. d) Quanto aos vínculos Os vínculos são dispositivos mecânicos que impedem certos movimentos da estrutura ou máquina, através de esforços reativos cujos tipos são estudados nos cursos de Mecânica dos Corpos Rígidos. Para o caso particular e muito comum de esforços coplanares, os vínculos são classificados em três categorias (Fig. 1.2.3) Apoio móvel - capaz de impedir o movimento do ponto vinculado do corpo numa direção pré-determinada; 4 Apoio fixo – capaz de impedir qualquer movimento do ponto vinculado do corpo em todas as direções; Engastamento – capaz de impedir qualquer movimento do ponto vinculado do corpo e o movimento de rotação do corpo em relação a esse ponto. APOIO MOVEL SÍMBOLO Biela ou conectora Pino deslizante rodete R APOIO FIXO SÍMBOLO Rx Ry rótula E N G A S T A M E N T O SÍMBOLO Rx Mz Ry Fig. 1.2.3 – Tipos de vínculos e reações de apoio e) Inexistência de esforços iniciais – Nos processos de conformação e tratamento térmico dos materiais (fundição, usinagem, laminação, forjamento, embutimento, têmpera, etc) surgem esforços localizados cuja presença não será considerada em nossos estudos. Suporemos que não existem esforços iniciais no corpo antes de seu carregamento. Quando existirem fortes razões para que tais esforços precisem ser considerados, eles serão determinados experimentalmente. 5 f) Princípio de Saint’Venant – Uma hipótese simplificadora que é sustentada pela observação experimental é a estabelecida por Saint’Venant, indicando que em pontos suficientemente afastados das regiões de aplicação dos esforços, os efeitos internos se manifestam independentemente da forma de distribuição daqueles esforços. Este princípio permite o cálculo dos esforços no interior dos corpos utilizando a resultante dos esforços atuantes, como uma força concentrada equivalente, hipótese válida apenas para pontos afastados em relação ao local onde os esforços são distribuídos, de uma distância d superior a 1,5 a 2,0 vezes a maior dimensão b da distribuição da carga. b d q esforços internos q.b d + b/2 Fig. 1.2.4 – Princípio de Saint’Venant. g) Princípio da Superposição dos Efeitos Os efeitos de um sistema de várias forças agindo em um corpo (ações internas ou deformações) será igual à soma dos efeitos parciais produzidos nesse corpo quando cada esforço é aplicado isoladamente, independentemente da ordem de aplicação. Este princípio, largamente utilizado na Mecânica dos Corpos Rígidos, pode ser estendido aos corpos deformáveis desde que: 1º) os deslocamentos dos pontos de aplicação das forças sejam pequenos quando comparados com as dimensões da estrutura (manutenção da geometria inicial); 2º) os deslocamentos devidos às deformações da estrutura variem linearmente com os esforços (proporcionalidade esforço-deformação). Na Fig. 1.2.5 são apresentados dois exemplos sendo um (a) onde o princípio da superposição pode ser aplicado e outro (b), onde não pode ser aplicado. 6 (a) P1 (b) P1 P2 P2 P3 = P1 + P2 P3=P1+P2 F1 F2 F3 F1 + F2 F3 = F1 + F2 Fig. 1.2.5 – Princípio da Superposição dos Efeitos 1.3 - ESFORÇOS Os esforços que atuam sobre um sistema material ou parte de uma estrutura podem ser classificados segundo o quadro: Permanentes ATIVOS EXTERNOS Acidentais REATIVOS Força Normal Força Cortante ESFORÇOS SECCIONAIS Momento Fletor Momento Torsor INTERNOS Tensão Normal LOCAIS Tensão Tangencial a) Esforços Externos – são os que atuam no sistema material em análise (por contato ou ação à distância) oriundos da ação de outro sistema (o peso próprio, a 7 ação do vento, esforços vinculares, são exemplos de esforços externos). Os esforços ativos serão classificados de permanentes quando atuam constantemente sobre a estrutura (como seu peso próprio) e acidentais quando atuam de forma transitória (o efeito do vento nas construções, carga de partida das máquinas, etc.). Esses esforços são em geral conhecidos a priori (através das Normas Técnicas, requisitos para o projeto, etc). No projeto de novas estruturas o peso próprio é inicialmente desconhecido já que as dimensões das partes não estão ainda estabelecidas. O peso próprio é levado em conta nesses casos a partir de um peso estimado e utilizando-se um método de cálculo iterativo, rapidamente convergente. Os esforços produzidos pelos vínculos, também externos, são denominados de esforços reativos, ou reações dos apoios, sendo determinados pelas equações da Estática que regem o equilíbrio das forças sobre um corpo em repouso que, no caso de carregamentos coplanares, se reduzem a: F x = 0F y = 0M z = 0 Quando o número de reações vinculares desconhecidas iguala o número de equações da Estática utilizáveis, a estrutura é dita isostática (ou estaticamente determinada). Caso o número de reações seja superior ao número de equações disponíveis, estaremos diante de uma estrutura hiperestática. A determinação dos esforços reativos nessas estruturas estaticamente indeterminadas será feito utilizando-se equações suplementares que caracterizem a compatibilidade de deformações e que serão estudadas no presente curso. Como exemplo, a Fig. 1.3.1 apresenta um esquema da estrutura isostática de um guindaste onde se pode reconhecer que o peso de 20 toneladas como um esforço externo ativo permanente, a carga de 10 tf como um esforço externo ativo transitório. A ponte móvel se apóia no mancal superior B (apoio fixo) e se encosta em A (apoio móvel) na pista circular fixa à torre. A determinação das reações nesse apoios, feita através das equações da Estática, nos permite obter: A = 10,0 tf (); B x = 10,0 tf (); B y = 30,0 tf (); B = 31,6 tf (71,6º ) 8 2m 8m B 20 tf 6m A Pista circular rodetes 10 tf Bx By 20tf A 10tf Fig. 1.3.1 – Estrutura isostática da Ponte Móvel de um Guindaste (AMRJ). 9