Papel e Valor do Ensino da Geografia sua Pesquisa e de

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TRANSCRIÇõES
Si
Papel e Valor do Ensino da Geografia e de
sua Pesquisa
Pierre MOllbeig
um defeito comum a longas ge}a extremamente penosa de sua infânrações de professôres arvorarem-se em
~ia. Seu nome evoca listas indigestas
advogados intransigentes das disciplile nomes de lugares ou dados numérinas por êles ensinadas. O pedante que
~os, lições atrozes que somente os .mese crê um profeta e que não passa, tallOS inteligentes e 9S mais obstinados de 1OSS0S condiscípulos chegavam a recivez, dum vendedor de tapêtes, afirma
,ar razoàvelmente. Os espíritos brilhancom grandiloqüência nada existir de
mais belo, mais nobre e mais útil do qu, . ;es, ao contrário, mostravam-'s e rebela sua própria ciência. Será necessário~" leso E ficamos satisfeitas quando nosacrescentar mais uma figura ao baila30S filhos recebem uma nota má porlue não souber am de cor a lista das esdo dos mestres de dança ou de filosofia
ações da Central do Brasil entre Rio e
do "Bourgeois Gentilhomme"? Não, sem
jãQi Paulo, ou as altitudes exatas dos
dúvida, pois os geógrafos não reclavulcões andinos; a fraqueza em geógra, mam um lugar de e'x ceção ou de vã superioridade quando procuram tornar
,ia é uma espécie de teste de inteligênmais -c onhecida a geografia moderna.
~ia!
• Verificam simplesmente a diferença que
Portanto, na melhor das hipóteses,
separa a geografia tal como é ensina't geografia é tida como ' a irmã inteleda freqüentemente, da que êle deseja~tual do turismo. Na pior das hipóteria que fôsse. Admiram-se desta situa3es, a geografia é uma tortura gratuição, cujas causas procuram. Ser-se-ia
;a imposta às crianças e pergunta-se
~ tentado a tornar mai,s conhecido o que
~omo sêres sensatos puderam tornaré a ciência geográfica em meados do
3e geógrafos! Se são corretos êsses dois
século XX, a explicar sua atuação e seu ' nodos de ver, é clarôque a geografia
valor no ensino" a contribuição que po~ inútil, quando não perigosa; é um abderá trazer a pesquisa geográfica à co;urdo ensiná-la, mais ain,da praticá-la,
letividade.
~ torna-se urgente fechar também os
:lepartamentos de geografia das FaculConcordamos todos que se a maior dades de Filosofia e instituições como o
~onselho Nacional de Geografia.
parte do público culto fem uma idéia
mais ou menos exata do que é a biolo-gia, a geologia, a economia ou a socioA menos que consigamos ' mostrar
logia, o mesmo público não acompanha que a geografia contribui para' o enri" o progresso das ciências geográficas, quecimento das mentes jovens e a sua
quando não ignora sua existência. Pa- formação. A menos também que possara uns a geografia é confundida com mo provar a sua utilidade num mundo
narrativas de viajantes; um geógrafo onde tôda e qualquer ciência é também
.é um explorador; das viagens contos a- uma técnica, onde tôda pesquisa leva a
gradáveis de ouvir-se, sobretudo se tem dar um instrumento útil à coletividade.
a habilidade de ilustrá-Ials de belas i- É mister,portanto, procurar qual o vamagens. Para outros, talvez os mais lor da geografia no ensino e como mo.
numerosos, a geografia é uma lembran- derno instrumento de trabalho.
É
,
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Comecemos por determinar a posição exata da geogr.afia moderna dIante
do lugar quase exclusivo que atualmente se dá à memória no ensino. Geógrafo algum deixará de condenar esta pseudo geografia. Todavia, convém lembrar
, que a verdadeira pedagogia n~o deixa
de recorrer às funções da memória. Estas só 's e desenvolvem na medida em
que passaram por um treino inteligente, no que a memória não se distingue
de qualquer outra atividade psicológico ou física. Também não se trata de
oposição sistemàtica a qualquer ensino
de memória, mas de oposição radical ao
ensino exclusivo de memória e qu~' 'pretende mobiliá-la com um trabalho in-util. Nada se pode aprender sem esfôrço de memól'ia e sem a aquisição de
uma nomenclatura por mínimos que se- ·.i
jam. O exercício de matemática pressupõe o conhecimento de certas fórmulas
e, nesta aprendizagem, memória e inteligência foram ambas treinadas e desen,
volvidas. O conhecimento da literatura
exige que o aluno retenha não somente
nomes de I autores e de obras, mas dados cronológicos sem os quais seria total a confusão. Da me~ma forma que
não se podem ter conhecimentos históricos sem o conhecimento de sólida bagagem de datas e de fatos, não se poderia ser bom conhecimento geográfico sem uma base de nomenclatura. Seria apenas um ponto de partida, m3iS indispensável. Por fim, conservando-nos
nas preocupações utilitárias, não esqueçamos que a vida corrente requer decada um de nós êsse conhecimento mínimo de nomenclatura geográfica, que é,
para a cinêcia geográfica o que a
tábua da multiplicação e para a
m a tem á t i c a .: nomes de cidades,
de rios, de montanhas, de produtos na. cionais e estrangeiros, aquisições de
nossa memória infantil de tal modo integrada em nós mesmos, que já nem
nos lembramos de quando as adquirimos.
Por consequencià, um bom ensino
ie geografia, como qualquer outro ensino, não pode deixar de recorrer ' à mü- -: ,
mória. E necessário reduzir sem mêdo
'1 massa de nomes insípidos e de pornenores sem valor; é necessário, 80n:et udo, reduzí-Ia a proporções mais
iusL3is. Impõe-se uma escolha ao pro~essor, a quem cabe a difícil tarefa de
~xercitar a memória com inteligência.
De imediato ergue-se diante de nós o
1roblema do, preparo do professor de
5'e ografia, ao qU3il teremos de voltar.
Mas, mesmo reconhecendo até que ponto a maior parte ~os professores de geografia foi pouco ou mal preparada
para o seu trabalho, ainda causa espécie que educadores', e mesmo simplesmente homens normais dotados de bom
3enso, se mostrem tão obstinados em
,ransformar a geografia em in:strumen- ,'
to de tortura para ,c rianças. Qual a fon,e desse êrro fundamental que faz con"undir ensino da geografia com ensino,.,
nemorizado?
Há o desconhecimento total da geografia e a convkção de hoa fé, mas
errônea, que um nome, um dado, são
"fatos geográficos" e que, a partir dêles se éIabora a ciência geográfica. Ora, a geografia: nã;o é uma ciência de fatos isolados simples, passíveis de serem
conhecidos por si e ~m si. Neste mesmo '
êrr o incorrem os que acreditam ensinar
uma história científica porque ensinam
"fatos" históricos, acontecimentos e datas. Para melhor me tornar compreendido permitam-me usar a palavra irôruca dum historiador da Idade Média, Marc Bloch, que, tom'andocomo exemplo a queda dum grande ministério';
da III República Francesa, o ministério
Jules l!'erry, parte para a pesquisa do
fato histórico preciso, concernente a ês-",
te evento político .
Qual ô fato e a que momento se
passou? Surgem tôdas as possibilidades:
o momento em que o presidente da Câmara de Deputados pmclama a resul-
.
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/
tado do escrutínio fatal? O momento
exato (pois um historiador "científico"
\ deve fazer empenho em ser exato) no
;qual um deputado, desconhecido, seja
dito de passagem, depositou na urna o
voto que fêz pender para um lado o prato da balança parlamentar? Não seria
preferível fazer referência à visita constitucional que o presidente do Conselho
em minoria, fêz' ao presidente da República para entregar-lhe a demissão ou
mais precisamente, e ainda mais científkamente, no minuto em que o chefe
de Estado 'a ceitou a renúncia do seu ministro? Pode-se ainda exitar e, desejan- .
do-se precisão histórica e jurídica ~.c?<
mesmo tempo poder-se-ia admitiJ:
que, históricamente, a queda do
gabinete Ferry se situa no momento em que saiu das rotativas o ná
mero do, jornal oficial da República
. Francesa, no qual estava impresso o texto oficial da demissão.
Desculpem-me esta digres's ão pouco séria pelo terreno dos historiadores.
Mas a lição que Marc Bloch dela tirava
era clara: o fato histórico não se reduz
a uína simples data; · o verdadeiro historiador· não se esgotará numa investigação, de aspecto policial, nas aparências do -fato, ,p ois sabe que o inte.. rêsse histórico não r~side nas minúcias
cronológicas mas na seqüência comple~
xa das causas ·e das conseqüências da
quéda do ministério Ferry. O bom professor da hi's tória procurará tornar compreensível esta ' seqüência complexa
constituida por múltiplos e pequenos
fatos cronológicos, cuja reunião: nãe
constitui um fato histórico. Esta é diferente da cronologia.
I
•
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Transfira-se o exemplo do historildor para o campo da geografia e chera-se às mesmas conclusões. Ê êrro conum e persistente pretender tomar ·e
:TIsinar fatos geográficos isolados e a,omiados. Não é a aWtude das Agulhas
'Jegras que é um fato geográfico, mas
) conjunto do maciço, constituido por
;3rtas categorias de rochas, situado em
ieterminado conjunto orog'ráfico, sub'1etido a certas condições . climáticas.
lue determinam certa distribuição . de
\ egetação, originando ,c ertos modos de"
)2upação do solo pelo homem e tornado
fossíveis certos produtos. Se se quiser
Jm exemplo de geografia humana pode. 1OS encontrar na estação D. Pedro II
~ 3. Central do Brasil. A estação, em sí,
L?,O é um fato geográfico, mas o movim~p.to de trens, dos viàjantes, das mercadorias, súa proveniência, seu destino,
s~-lo-ão
também as conseqüências da
presença dessa estação na paisagem do
bairro da capital onde ela se encontra,
o movimento da circulação urbana e seu
l'Ítmo cotidiano e sazonário, uma certa
localização dos ramos de comércio ligados à estação da estrada de ferro,
etc. Dizer-se que 'a s Agulhas Negras
têm X metros de altitude ou que a estação D. Pedro TI está situada em tal
rua do Rio de Janeiro"não satisfará o
geógrafo, er,nbora sejam duas afirmativas indispensáveis, mas que são apenas
a sombra enganadora do fato geográfico. O geógrafo procurará o conjunto
dos fenômenos como os enumerados acima, de maneira rápida, os laços que
os unem e fazem dêle um todo vivo"
(Continua no próximo número)
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