Coleção CONPEDI/UNICURITIBA Vol. 8 Organizadores Prof. Dr. Orides Mezzaroba Prof. Dr. Raymundo Juliano Rego Feitosa Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira Profª. Drª. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr Coordenadores Profª. Drª. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr Prof. Dr. Everton das Neves Gonçalves Prof. Dr. Frederico da Costa Carvalho Neto DIREITO DO CONSUMIDOR 2014 2014 Curitiba Curitiba Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE D597 Nossos Contatos São Paulo Rua José Bonifácio, n. 209, cj. 603, Centro, São Paulo – SP CEP: 01.003-001 Acesse: www. editoraclassica.com.br Redes Sociais Facebook: http://www.facebook.com/EditoraClassica Twittter: https://twitter.com/EditoraClassica Direito do consumidor Coleção Conpedi/Unicuritiba. Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo uliano Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira / Viviane Coêlho Séllos-Knoerr. Coordenadores : Everton das Neves Gonçalves / Frederico da Costa Carvalho Neto / Viviane Coêlho Séllos-Knoerr. Título independente - Curitiba - PR . : vol.8 - 1ª ed. Clássica Editora, 2014. 531p. : ISBN 978-85-99651-96-4 1. Defesa do consumidor - Legislação. I. Título. CDD 342.5 EDITORA CLÁSSICA Conselho Editorial Allessandra Neves Ferreira Alexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros Vita José Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete Pozzoli Leonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão Equipe Editorial Editora Responsável: Verônica Gottgtroy Capa: Editora Clássica Luiz Eduardo Gunther Luisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBA Centro Universitário Curitiba / Curitiba – PR MEMBROS DA DIRETORIA Vladmir Oliveira da Silveira Presidente Cesar Augusto de Castro Fiuza Vice-Presidente Aires José Rover Secretário Executivo Gina Vidal Marcílio Pompeu Secretário-Adjunto Conselho Fiscal Valesca Borges Raizer Moschen Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa João Marcelo Assafim Antonio Carlos Diniz Murta (suplente) Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente) Representante Discente Ilton Norberto Robl Filho (titular) Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente) Colaboradores Elisangela Pruencio Graduanda em Administração - Faculdade Decisão Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Graduada em Administração - UFSC Rafaela Goulart de Andrade Graduanda em Ciências da Computação – UFSC Diagramador Marcus Souza Rodrigues Sumário APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................ 15 A APLICAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA BOA-FÉ AO SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL (Andreia Fernanda de Souza Martins) .................................................................................... 21 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 22 CONCEPÇÕES DO CONCEITO DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .................................................... 23 A APLICAÇÃO DA BOA-FÉ AO SUPERENDIVIDAMENTO ......................................................................... 27 O SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL ................................................................................................... 33 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................. 36 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 37 A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO COMO FORMA DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA E AUMENTO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO (Karina Ferreira Soares de Albuquerque) ............................................................................................................................................. 39 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 41 IMPORTÂNCIA DO PETRÓLEO NA ATUALIDADE .................................................................................... 42 RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO: CONCEITO, ORIGEM E NATUREZA ......... 42 RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO E DESENVOLVIMENTO: UMA REAL NECESSIDADE ........................................................................................................................................... 45 RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO: CERTEZA DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA. UTOPIA OU REALIDADE? .......................................................................................................................... 46 RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO: EDUCAÇÃO PARA CONSUMO E MEIO AMBIENTE ................................................................................................................................................ 50 RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO E AUMENTO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO: UMA ATITUDE EQUILIBRADA? ............................................................................................ 51 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 53 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 54 A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR ANTE A PUBLICIDADE NO MEIO DIGITAL (MAGALHÃES, Thyago Alexander de Paiva e HAAS, Adriane) ......................................................................................................... 56 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 57 DESENVOLVIMENTO ................................................................................................................................. 58 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................................... 71 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 73 A PUBLICIDADE COMO INFLUÊNCIA NEGATIVA PARA A SOCIEDADE CONSUMERISTA E A IMPORTÂNCIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO (Karina Pereira Benhossi e Zulmar Fachin) ................................................................................................ 75 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 76 A ATUAL SOCIEDADE CONSUMERISTA E A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR ............................ 77 A PUBLICIDADE COMO MEIO PERSUASIVO-NEGATIVO NO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR 82 A IMPORTÂNCIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO ................................................................................................................................................ 92 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................................... 98 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 99 A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO PELOS DANOS CAUSADOS AO CONSUMIDOR PELO CADASTRO INDEVIDO (Luis Miguel Barudi De Matos e Marcos Vinicius Affornalli) ...................................................................................................................................... 103 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 104 RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA INSERÇÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ................ 105 DO SISTEMA DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E SUA RESPONSABILIZAÇÃO PELO CADASTRO INDEVIDO DE CONSUMIDORES ................................................................................................................................. 119 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................................... 123 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 125 A RESSIGNIFICAÇÃO DA “VIDA A CRÉDITO” DE BAUMAN NO TRABALHO DE ADOLESCENTES QUE IDENTIFICAM NO TRABALHO INFANTIL UMA ILUSÃO DE DESENVOLVIMENTO (Acácia Gardênia Santos Lelis e Fábia Carvalho Figueiredo) .................................................................................................. 128 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 130 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO ....................................................................................................... 131 A BUSCA PELO DESENVOLVIMENTO ATRAVÉS DO TRABALHO INFANTIL ............................................ 133 A “VIDA A CRÉDITO” SEGUNDO BAUMAN ............................................................................................. 135 A CONDIÇÃO DE “VIDA ATIVA” DOS ADOLESCENTES TRABALHADORES ............................................ 137 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................. 139 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 142 A TUTELA DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS DE LEASING FINANCEIRO SEGUNDO A VISÃO DOS TRIBUNAIS (Simone Bento e Pilar Alonso López Cid) ...................................................................... 144 DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL NA MODALIDADE FINANCEIRA ........................... 145 O LEASING FINANCEIRO COMO RELAÇÃO DE CONSUMO ..................................................................... 145 A TUTELA DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ........................... 148 AS QUESTÕES ATINENTES À COBRANÇA ANTECIPADA DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO .............. 150 OS JUROS REMUNERATÓRIOS SUPERIORES A 12% AO ANO ................................................................. 155 POSSIBILIDADE DE PURGAÇÃO DA MORA PELO ARRENDATÁRIO NOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO MERCANTIL ................................................................................................................................. 157 A COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA CUMULADA COM OUTROS ENCARGOS MORATÓRIOS OU REMUNERATÓRIOS .................................................................................................................... 159 TARIFA DE ABERTURA DE CADASTRO (TAC), EMISSÃO DE CARNÊ (TEC) E OUTROS SERVIÇOS DE TERCEIROS ................................................................................................................................................ 161 CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 166 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................... 168 ANOTAÇÕES SOBRE A ALEGADA EXISTÊNCIA DE UMA “INDÚSTRIA DO DANO MORAL” E OS EFEITOS DAS INDENIZAÇÕES CONSUMERISTAS NO AMBIENTE EMPRESARIAL (Marcelo de Souza Sampaio e Viviane Coêlho de Séllos Knoerr) .............................................................................................. 170 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 172 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A SOCIEDADE DE RISCO E A RESPONSABILIDADE CIVIL NO AMBIENTE JURÍDICO CONTEMPORÂNEO .............................................................................................. 173 ANOTAÇÕES SOBRE A ALEGADA EXISTÊNCIA DE UMA “INDÚSTRIA DO DANO MORAL” E OS EFEITOS DAS INDENIZAÇÕES CONSUMERISTAS NO AMBIENTE EMPRESARIAL ................................................ 180 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 186 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 187 CONTRATO DE SEGURO DOS DANOS CAUSADOS PELO ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL ADQUIRIDO NA PLANTA E UMA NOVA POSTURA EMPRESARIAL (Adalberto Simão Filho e Beatriz Spineli) ................... 190 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 191 FORMA DO CONTRATO DE SEGURO ....................................................................................................... 198 RECUSA DA SEGURADORA EM REALIZAR O SEGURO ............................................................................ 201 FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO DE AQUISIÇÃO DE IMÓVEL NA PLANTA .......................................... 203 UMA NOVA POSTURA EMPRESARIAL APRESENTADA COMO PROVÁVEL SOLUÇÃO À PROBLEMÁTICA APRESENTADA ........................................................................................................................................... 205 O CONTRATO DE SEGURO COMO INSTRUMENTO DE REDUÇÃO DOS DANOS CAUSADOS PELO ATRASO NA ENTREGA DO EMPREENDIMENTO IMOBILIÁRIO ............................................................... 208 CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 209 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 211 CONTRATOS DE CONSUMO COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA SOCIAL E OS CRITÉRIOS PARA JUSTIFICAR A REVISÃO CONTRATUAL (Stephanie Aniz Ogliari Candal) ................................................ 218 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 219 O CONTRATO COMO FERRAMENTA DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS .................................................... 220 BREVE INCURSÃO HISTÓRICA ACERCA DA MASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS ................................... 221 O VIÉS SOCIAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR E SEUS DESAFIOS ....................................................... 224 A REVISÃO DO CONTRATO COMO VIA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL ........................................... 227 CRITÉRIOS PAR AUFERIÇÃO DA ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR ................................. 231 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................. 233 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 235 DA APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA RELAÇÃO ENTRE SHOPPING CENTERS (EMPREENDEDORES E LOJISTAS) E FREQUENTADORES (Danielle Hammerschmidt e Denise Hammerschmidt) ....................................................................................................................................... 237 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 237 APONTAMENTOS ACERCA DOS SHOPPING CENTERS ........................................................................... 238 DA RELAÇÃO DE CONSUMO .................................................................................................................... 241 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................................... 256 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 257 DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO: A (IN)EFICIÊNCIA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL NA TUTELA COLETIVA (Ariane Langner e Jaqueline Lucca Santos) ............................................................... 267 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 268 A EVOLUÇÃO DA TUTELA PROCESSUAL COLETIVA DO DIREITO DO CONSUMIDOR NO BRASIL ....... 269 A INFLUÊNCIA RACIONALISTA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E SUA INEFICIÊNCIA NA TUTELA DE NOVOS DIREITOS ..................................................................................................................................... 273 O DIREITO PROCESSUAL CIVIL E A TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR ................. 275 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 279 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 280 DIREITO DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES DE TURISMO: DOUTRINA E JURISPERUDÊNCIA (José Washington Nascimento de Souza) ............................................................................................................ 283 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 284 ANÁLISE CONSTITUCIONAL .................................................................................................................... 286 CONCEITOS ............................................................................................................................................... 287 RESPONSABILIDADE CIVIL ....................................................................................................................... 291 PRÁTICAS INACEITÁVEIS .......................................................................................................................... 292 CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 301 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 302 GLOBALIZAÇÃO, COMÉRCIO ELETRÔNICO E HIPERCONSUMO: IMPACTOS SOBRE O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (Daniele Maria Tabosa Machado e Maria Cristina Santiago Moura de Moura) 303 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 304 ALGUMAS PONDERAÇÕES SOBRE GLOBALIZAÇÃO E A SOCIEDADE ATUAL ......................................... 304 UM POUCO MAIS DE REFLEXÃO SOBRE A POLÍTICA DO HIPERCONSUMO ........................................ 308 ANÁLISE DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO BRASIL ................................................................................ 310 CONSIDERAÇÕES SOBRE O CRESCIMENTO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO BRASIL ....................... 311 REALIDADE DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO BRASIL ........................................................................... 313 O IMPACTO DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NA ECONOMIA .................................................................... 314 REFLEXÕES SOBRE OS IMPACTOS DO COMÉRCIO ELETRÔNICO NO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO 315 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................................................... 316 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 317 ILEGALIDADE AO ACESSO À INFORMAÇÃO NOS BANCOS DE DADOS DOS CONSUMIDORES PERMITIDO PELO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O DIREITO À PRIVACIDADE GARANTIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (Joubran Kalil Najjar) ............................................................................ 319 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 321 OS BANCOS DE DADOS E CADASTROS DE CONSUMIDORES ................................................................ 322 DAS PRÁTICAS ABUSIVAS ......................................................................................................................... 324 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ............................................. 326 INEXISTÊNCIA DE CRITÉRIO PARA O FORNECIMENTO E ABERTURA PARA O CRÉDITO ...................... 327 AMPLITUDES DA NORMA ......................................................................................................................... 328 CONSUMIDORES INADIMPLENTES ......................................................................................................... 329 O PRAZO DO ARTIGO 43, DOS PARÁGRAFOS 1° E 5º É PRESCRICIONAL OU DECADENCIAL? ............. 351 DA REPARAÇÃO DO DANO CAUSADO POR INFORMAÇÕES NOS BANCOS DE DADOS ....................... 332 LEI 4.595 DE 1964 QUE TRATA SOBRE A POLÍTICA E AS INSTITUIÇÕES MONETÁRIAS, BANCÁRIAS E CREDITÍCIAS, CRIANDO O CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL ....................................................... 333 LEI 9.507 DE 1997 QUE REGULA O DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO E DISCIPLINA O RITO PROCESSUAL DO “HABEAS DATA” ........................................................................................................... 334 CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 336 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................... 339 NEOCONSTITUCIONALISMO, NEOPROCESSUALISMO, CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A CRISE DO JUDICIÁRIO (MARCELO YUKIO MISAKA) .................................................................................. 341 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 342 NEOCONSTITUCIONALISMO ................................................................................................................... 343 NEOPROCESSUALISMO ............................................................................................................................ 344 PROCESSO E DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................................................................................ 345 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS PROCESSUAIS ...................................................................................... 348 TUTELA DO CONSUMIDOR ...................................................................................................................... 356 NEOPROCESSUALISMO E CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR ...................................................... 359 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................. 363 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 364 O CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO E O TRATAMENTO NOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS (Pedro Paulo Vieira da Silva Junior) ....................................................................................................................... 367 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 368 O CONSUMIDOR E A SUA LATENTE VULNERABILIDADE ........................................................................ 368 O SUPERENDIVIDAMENTO E O CONSUMIDOR ...................................................................................... 371 O CONSUMIDOR SUPERENDIVIDADO E OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ........................................... 374 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................. 378 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 380 O DIREITO DO CONSUMIDOR COMO GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL NA CONCEPÇÃO DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA (Daniela Ferreira Dias Batista) ........................................................................... 382 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 383 A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR ............................................................................. 384 CONCEITOS DE CONSUMIDOR E DE FORNECEDOR ............................................................................... 386 PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR .......................................................................... 390 O CONSUMO COMO GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL ................................................................ 392 O DIREITO DO CONSUMIDOR E A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA ................................................................... 396 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 399 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 401 O ILÍCITO CONSUMERISTA E A POSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DO DANO MORAL NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE (Pasqualino Lamorte e Leonardo Sanches Ferreira) ..................... 404 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 405 APONTAMENTOS SOBRE O CONTRATUALISMO CONTEMPORÂNEO ................................................... 405 POLÍTICA NACIONAL, DIREITOS BÁSICOS E OS CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR .................................................................................................................................... 408 DANO MORAL E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE À LUZ DO CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE PATRIMÔNIO ............................................................................................................................................ 415 O ILÍCITO CONSUMERISTA E O DANO MORAL NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE .................. 417 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................... 424 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 425 POR UMA INTERPRETAÇÃO TÓPICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR (Ana Caroline Noronha Gonçalves Okazaki e Anderson de Azevedo) ............................................................................... 427 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 428 O DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E A INTERPRETAÇÃO .......................................................... 430 DA TÉCNICA TÓPICA DE INTERPRETAÇÃO ............................................................................................. 437 A RELAÇÃO DE CONSUMO E A HERMENÊUTICA TÓPICA DO DIREITO DO CONSUMIDOR COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO .......................................... 443 CONCLUSÃO ............................................................................................................................................. 449 REFERÊNCIAS ........................................................................................................................................... 450 RESPONSABILIDADE CIVIL DO FORNECEDOR EM CONTRATOS DE TRANSPORTE TERRESTRE À LUZ DA TEORIA DA QUALIDADE (Leonardo José Peixoto Leal e Mônica Mota Tassigny) ....................... 453 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................... 454 RELAÇÃO DE CONSUMO .......................................................................................................................... 455 TEORIA DA QUALIDADE ........................................................................................................................... 458 RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CONTRATOS DE TRANSPORTE ............................................................ 461 RESPONSABILIDADE DAS CONCESSIONÁRIAS NOS CASOS DE ASSALTOS, ACIDENTES E ATRASOS .... 467 CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 471 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 473 RESPONSABILIDADE CONSUMEIRISTA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PELA QUALIDADE DA UNIDADE HABITACIONAL ADQUIRIDA PELO CONSUMIDOR NO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA (Christine Keler de Lima Mendes) ....................................................................................... 476 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 477 DA PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR COMO POLÍTICA ECONÔMICA ....................................................... 478 DIREITO À MORADIA: DIREITO SOCIAL QUE SE IMPLEMENTA POR RELAÇÃO DE CONSUMO ........... 480 RESPONSABILIDADE CONSUMEIRISTA DO OPERADOR FINANCEIRO PELA QUALIDADE DA UNIDADE HABITACIONAL ADQUIRIDA PELO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA ........................................ 484 CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 488 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 488 SITES DE BUSCA E A MANIPULAÇÃO NA VONTADE DO CONSUMIDOR (Luiz Bruno Lisbôa de Bragança Ferro e Antônio Carlos Efing) ....................................................................................................... 492 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 493 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA INTERNET ..................................................................................................... 493 AUTONOMIA PRIVADA DO CONSUMIDOR E A LEGISLAÇÃO REGULAMENTADORA ........................... 497 OS SITES DE BUSCA E O CONSUMO NO BRASIL ..................................................................................... 502 CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 505 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 508 VULNERABILIDADE PSÍQUICA E O DISCURSO MIDIÁTICO ENTRE O CONSUMO E O CONSUMISMO (Diego Bastos Braga e Vitor Hugo do Amaral Ferreira) .............................................................................. 511 INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................ 512 PSICOLOGIA DO CONSUMO: A TRANSFORMAÇÃO DAS PESSOAS EM MERCADORIAS ...................... 513 O DISCURSO MIDIÁTICO-PUBLICITÁRIO E OS REFLEXOS NO CONSUMO ............................................ 516 CONSUMO(MISMO) E A VULNERABILIDADE PSÍQUICA ........................................................................ 521 CONCLUSÃO .............................................................................................................................................. 528 REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................ 529 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Caríssimo(a) Associado(a), Apresento o livro do Grupo de Trabalho Direito do Consumidor, do XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI), realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º de junho de 2013. O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito, nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas. Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos, tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos. Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2) aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiramnos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores 12 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido mais difícil. Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto para eventos. O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de 2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que inserirem seus dados. Futuramente, o INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –, mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da segunda versão, disponível em 2014. Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05, além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07. 13 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras parcerias e editais para a área do Direito. Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro. Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais. Curitiba, inverno de 2013. Vladmir Oliveira da Silveira Presidente do CONPEDI 14 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Apresentação Uma vez mais o Encontro Nacional do CONPEDI, em sua XXII edição, realizado no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA, congregou diversos pensadores e críticos do Direito, conglomerando ideias, e apresentando inovadoras reflexões acerca dos problemas que se apresentam na atual conjuntura da sociedade. O Grupo de Trabalho relacionado ao Direito do Consumidor trouxe novas ideias, reunindo estudiosos de diversos estados da federação e permitindo o estabelecimento de intercâmbios e parcerias entre pesquisadores e a consequente aproximação de programas, como apenas o CONPEDI tem condições de promover. As apresentações ocorridas neste encontro foram divididas em sete partes, agora publicadas sob a forma de capítulos, os quais temos a honra de apresentar. No capítulo destinado à análise das relações de consumo e dos contratos, Simone Bento e Pilar Alonso López Cid em seu artigo apresentam as principais abusividades apontadas pela sociedade consumidora nos contratos de arrendamento mercantil e o atual posicionamento adotado pela jurisprudência pátria. Dedicando-se ao estudo do contrato de seguro e a análise de sua aplicação como meio de amenizar o desconforto causado pelo atraso na entrega da unidade adquirida na planta, Adalberto Simão Filho e Beatriz Spineli utilizam-se para tanto, ao conceituar e apresentar os elementos constitutivos do instrumento contratual, verificando o contrato de seguro típico e abordando uma nova postura empresarial mais justa e social. A autora Stephanie Aniz Ogliari Candal explora em seu artigo como a revisão do contrato de consumo se consolida como ferramenta de efetiva modificação da realidade social, garantindo ao equilíbrio da ordem econômica, e a coercitividade da Lei; da mesma forma que busca colaborar para o esclarecimento da revisão contratual como caminho à execução da nova ordem jurídica, voltada ao respeito ao ser humano, bem como buscar formas de facilitar ao 15 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor operador do direito o reconhecimento da necessidade de revisão do contrato de consumo concretamente. Abordando o ilícito consumerista e a efetiva possibilidade da aplicação do deferimento judicial do pedido de dano moral, na violação dos direitos do consumidor nos contratos de adesão de prestação de serviços de saúde, Pasqualino Lamorte e Leonardo Sanches Ferreira analisam julgados do Superior Tribunal de Justiça que apreciam o tema proposto para desenvolver o artigo. No capítulo destinado ao estudo do consumidor, as mídias eletrônicas e a publicidade, os autores, Thyago Alexander de Paiva Magalhães e Adriane Haas ao tratar da proteção do consumidor ante a publicidade no meio digital, buscaram apresentar e discutir o impacto da publicidade na sociedade de consumo atual, demonstrando, para tanto, a abrangência desta no meio eletrônico, assim como a dificuldade em se garantir que estas obedeçam às diretrizes que asseguram a defesa dos direitos dos consumidores, tendo em vista a complexidade de relacionar a publicidade ao fornecedor que a veicula no meio eletrônico. F om o PíPuÕ o “A puNÕ icidade como infÕ uênciM negMPivM parM M sociedade consumerisPMe a importância da eficácia horizontal dos direitos fundamenPMis nMs reÕ Mções de consumo”, Karina Pereira Benhossi e Zulmar Fachin objetivaram refletir acerca das relações consumeristas advindas da pósmodernidade e a predominante cultura do consumo que prevalece na sociedade contemporânea. Em seu artigo, as autoras Daniele Maria Tabosa Machado e Maria Cristina Santiago Moura de Moura evidenciam que um dos efeitos da globalização consubstancia-se na adoção de um padrão de consumo exacerbado, ressaltam o papel do avanço tecnológico, propõem uma reflexão sobre o crescimento dessa modalidade comercial, bem como os impactos no desenvolvimento econômico. Trabalhando o direito do consumidor, delimitando-se ao reconhecimento da vulnerabilidade como fator de tutela jurídica específica, Diego Bastos Braga e Vitor Hugo do 16 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Amaral Ferreira utiliza-se do método de abordagem dedutivo, consubstanciado ao procedimento monográfico e bibliográfico. Neste cenário, aborda-se a psicologia do consumo, o discurso midiático publicitário e consequentemente o consumo(mismo) decorrente da vulnerabilidade psíquica. Ao autores Luiz Bruno Lisbôa de Bragança Ferro e Antônio Carlos Efing tratam em seu artigo de desenvolver uma análise dos sites de busca da internet e sua influência na autonomia privada do consumidor, apreciando seu modo de funcionamento, bem como sua possível prejudicialidade aos direitos consumeristas. No capítulo sobre o consumidor e o comércio, apresentando a importância dos royalties do petróleo como forma de distribuição de renda e aumento das relações de consumo, a autora Karina Ferreira Soares de Albuquerque utilizou-se de pesquisa bibliográfica e o métod o dedutivo para poder elaborar seu artigo. Apresentando a condição social de crianças e de adolescentes que buscam no trabalho infantil acesso a bens de consumo, numa ilusão de que esse significa desenvolvimento, Acácia Gardênia Santos Lelis e Fábia Carvalho Figueiredo analisam o consumo inconsciente, fomentador de um grande mal social que é o trabalho infantil, e que acarreta danos a crianças e a jovens trabalhadores. Estudando a relação que se estabelece entre frequentadores e shopping center, Danielle Hammerschmidt e Denise Hammerschmidt buscam estabelecer uma possível relação de consumo entre as partes. Inicialmente teceram-se comentários a respeito destes empreendimentos para melhor compreender sua realidade, após foram elucidados os conceitos de relação de consumo, consumidor e fornecedor, aplicando-os ao caso específico em comento. Trazendo com conclusão a existência da relação consumerista não somente entre os frequentadores e lojistas, mas também entre frequentadores e empreendedores de shopping centers. O autor José Washington Nascimento de Souza buscou tratar em seu artigo sobre o turismo e o turista, como tema especial inserto nas relações de consumo, tendo em vista a 17 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor imporPânciM dessM MPividade, considerMda M “indúsPriM sem cOMminé” e imporPMnPe fMPor de desenvolvimento regional, tanto por movimentar as economias locais, quanto pela forte tendência à chegada de divisas. Em capítulo específico sobre os órgãos de proteção ao crédito, o estudo de Luis Miguel Barudi de Matos e Marcos Vinicius Affornalli tem por objetivo demonstrar a possibilidade de responsabilização solidária dos órgãos de proteção ao crédito pelos danos causados aos consumidores pela incorreta inclusão desses nos cadastros de inadimplentes, com base no Código de Defesa do Consumidor, tendo por fundamento a existência de uma cadeia de fornecimento e nexo de imputação. Em “HÕ egMÕ idade Mo Mcesso à informMção nos bancos de dados dos consumidores permitido pelo código de defesa do consumidor e o direito à privacidade garantida pela F onsPiPuição FederMÕ ”, JoubrMn KMÕ iÕNMÓÓMr buscou escÕ Mrecer os Mbusos de direiPo, onde o consumidor se torna cada vez mais vulnerável numa sociedade de consumo como a nossa e “bomNM rdeMdo” por informMções surgidas MPrMvés da uPiÕ izMção de PecnologiMs, no cMmpo das comunicações. Capítulo sobre o consumidor e o superendividamento, a autora Andreia Fernanda de Souza Martins procurou demonstrar em seu artigo a realidade da dignidade da pessoa humana e da boa-fé ao superendividamento brasileiro diante do microssistema consumerista instaurado através da Lei n. 8078/90, Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor e da Constituição Federal de 1988 que reproduz em seu texto normativo vários dispositivos que tratam da dignidade humana, tão almejada pelos cidadãos. A situação jurídica do consumidor superendividado torna-se tema atual e latente, sobretudo após a promulgação da CRFB/88. Com efeito, diversas alternativas têm sido criadas para buscar solucionar os problemas enfrentados pelo indivíduo superendividado, inclusive no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis. Pedro Paulo Vieira da Silva Junior analisa os modelos de resoluções de controvérsias atinentes ao consumidor superendividado praticados no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, além de revisão literária sobre o assunto, objetivando a 18 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor elaboração e estudo de uma proposta que contemple as peculiaridades do consumidor fluminense. Sobre a responsabilidade civil na relação de consumo, em capítulo específico, o trabalho de Leonardo José Peixoto Leal e Mônica Mota Tassigny analisa e tece considerações críticas ao sistema de Responsabilidade Civil quando se refere aos contratos de transporte terrestre de passageiros, a luz da teoria da Qualidade. Ressaltou-se os problemas mais comuns relativos a esse serviço, tais como a questão de atrasos, acidentes e assaltos. Já o trabalho de Christine Keler de Lima Mendes aborda em seu artigo a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao operador financeiro Caixa Econômica Federal não apenas no bojo da relação de financiamento bancário, mas pela qualidade das unidades habitacionais integrantes do Programa Minha Casa Minha Vida, por se tratar de contrato de financiamento imobiliário especial. Marcelo de Souza Sampaio e Viviane Coêlho de Séllos Knoerr analisam a alegada exisPênciM de umM “indúsPriM do dano morMÕ ” e os efeiPos das indenizMções consumerisPMs no ambiente empresarial. Diante do desenvolvimento experimentado tanto pelos sujeitos de direito, quanto pelas figuras jurídicas na contemporaneidade, surgem novas demandas legislativas e hermenêuticas cujas aplicações devem seguir um viés funcionalizado a despeito de sua mera leitura literal. O capítulo sobre a defesa do consumidor em juízo traz diversas contribuições, permitindo a efetivação dos direitos do consumidor. Como o objetivo de verificar a (in)eficiência do Direito Processual Civil na tutela dos direitos coletivos, em especial no que se refere aos direitos do consumidor, as autoras Ariane Langner e Jaqueline Lucca Santos adotam uma postura fenomenológica-hermenêutica e o método de abordagem monográfico para cumprir o proposto. No PexPo “NeoconsPiPucionMÕ ismo, NeoprocessuMÕ ismo, F ódigo de Gefesa do F onsumidor e M crise do Óudiciário”, MMrceÕ o Kukio MisMka revisMr os conceiPos modernos como o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo, bem como aborda a temática dos 19 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor princípios constitucionais processuais, demonstrando suas totais sintonias com institutos jurídico-processuais da Lei 8.078/90 (Código de defesa do consumidor), e sugere que a aplicação daqueles institutos jurídicos-processuais não só contribuiriam à melhora qualitativa das decisões judiciais como também amenizariam a propalada crise do Poder Judiciário. Analisando o direito fundamental do consumidor como garantia do mínimo existencial, dentro da concepção da justiça distributiva, a autora Daniela Ferreira Dias Batista também discute alguns dos graves problemas sociais causados pelo consumo desequilibrado; pois o devido reconhecimento do direito do consumidor como garantia do mínimo existencial do ser humano e a efetivação das normas de consumo poderiam trazer a realidade social e econômica da sociedade mais próxima da concepção de justiça distributiva. No MrPigo “Por umM inPerprePMção PópicM das normMs de proteção Mo consumidor” de Ana Caroline Noronha Gonçalves Okazaki e Anderson de Azevedo, buscou-se analisar e compreender as normas de defesa do consumidor bem como a efetivação de seus direitos, a partir da hermenêutica. O fomento das discussões a partir da apresentação de cada um dos trabalhos ora editados permite o contínuo debruçar dos pesquisadores na área consumerista, visando ainda o incentivo a demais membros da comunidade acadêmica à submissão de trabalhos aos vindouros encontros e congressos do CONPEDI. É com muita satisfação que apresento esta obra. É garantida rica leitura e reflexão a todos. Coordenadores do Grupo de Trabalho Professora Doutora Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA Professor Doutor Everton das Neves Gonçalves – UFSC Professor Doutor Frederico da Costa Carvalho Neto – PUC SP / UNINOVE 20 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A APLICAÇÃO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA BOA-FÉ AO SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL THE APPLICATION OF GOOD FAITH HUMAN DIGNITY TO SUPER INDEBTEDNESS IN BRAZIL Andreia Fernanda de Souza Martins1 RESUMO O presente estudo tem como escopo fundamental demonstrar a realidade da dignidade da pessoa humana e da boa-fé ao superendividamento brasileiro diante do microssistema consumerista instaurado através da Lei n. 8078/90, Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor e da Constituição Federal de 1988 que reproduz em seu texto normativo vários dispositivos que tratam da dignidade humana, tão almejada pelos cidadãos. Nesse sentido, observando-se a experiência constitucional dos direitos fundamentais com base na proteção da dignidade da pessoa humana. Estuda-se também sobre a urgência de uma regulamentação específica para esse consumidor que se encontra superendividado, do controle de pleitear as cláusulas abusivas de créditos e a importância da apreciação econômica do direito neste processo. Assim, a função social serve como fonte de referência para adquirir uma política de proteção ao consumidor, contudo, tornando-se dependente de forma que a presença de vícios ou inadequações na utilização do crédito irá se refletir diretamente na realidade do mercado. Logo, na sociedade superendividada a proteção do consumidor passa a exercer um valor social. Do mesmo modo, o princípio da boa-fé deverá adequar como direção para estabelecer parâmetros de conduta para as financeiras, que ficam comprometidos com os deveres que resultam de amparo desse princípio, exclusivos aqueles relativos à informação e cooperação. Diante desta definição, o superendividamento não pode ser visto de fato como inadimplência obrigacional, mas sim, como a impossibilidade de uma pessoa prover as suas necessidades básicas postas através do crédito ao consumo. Por fim, sob a ótica constitucional, tendo como marco teórico a dignidade da pessoa humana, que, por sua vez, compreende-se necessária formação de um tratamento legislativo especial ao consumidor superendividado, possibilitando a valorização da justiça social a pessoa humana. Palavras-chave: Dignidade da Pessoa Humana; Boa-Fé; Superendividamento. ABSTRACT This study has as an essential scope the reality of human being dignity and good faith to the Brazilian indebtedness before micro consumerist introduced by Law n. 8078/90, the Brazilian Protection and Consumer Protection code - CDC and the Federal Constitution of 1988, which reproduces in its normative text, several regulatory provisions dealing with human dignity, so desired by citizens. In this way, it had been observed the constitutional experience of fundamental rights based on the human dignity protection. It also considered the urgency of 1 Mestranda do Curso de Mestrado em Direito da Universidade de Marília - UNIMAR, Marília - Brasil 21 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor specific regulations for that consumer who is super indebted, claiming control of credit abusive clause and the economic importance of law in the process. Thereby, the social function serves as a reference source to purchase a policy of consumer protection, however, it have become so dependent on the presence of addictions or inadequacies in the use of credit will directly reflect the reality of the market. Soon, in a super indebted society, the consumer’s protection prosecutes a social value. Similarly, the principle of good faith should be suitable as direction to establish conduct parameters for financial, that are committed to the obligations that results from the support of this principle, exclusively, those related to information and cooperation. With this definition, the super indebtedness could not be seen, in fact, as a obligatory default, but as the inability of a person to provide their basic needs, offered by consumer credit. Finally, assigning a constitutional perspective, taking as theoretical point, the dignity of the human person, which, in its own way, is understood the necessary formation of a special legislative treatment to super indebted consumer, enabling the appreciation of social justice to the human person. Keywords: Human Dignity; Good Faith; Super Indebtedness. 1. INTRODUÇÃO O objetivo primordial do texto é fazer uma análise a cultura do consumo que atinge os consumidores de todas as classes sociais e de todas as idades. O fornecimento do crédito para a aquisição dos produtos ou serviços quando realizado em desacordo com o Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor proporciona o endividamento. Os reflexos da concessão de crédito de forma fácil e ilimitada começaram a aparecer perante o Judiciário, ao longo dos anos, na forma de pedidos de revisão de contratos com fundamento no "superendividamento" dos consumidores. O fenômeno se instalou a partir da oferta abundante do crédito fácil no país. Empréstimos consignados, empréstimos pessoais, cartões de crédito, crédito direto ao consumidor e outros tipos que formam uma extensa e variada gama de modelos contratuais que podem ser utilizados por pessoas físicas para tomar dinheiro emprestado aos bancos e financeiras. O resultado é que os indivíduos não usam o crédito de forma consciente e chegam ao superendividamento. O superendividamento do consumidor faz parte do rol de rupturas no organismo social, sendo claro que irregularidades como a alimentação, a saúde o desemprego, o desabrigo, a violência, dentre outras, chamam muito mais atenção, até mesmo por terem um maior potencial ofensivo dentro da sociedade moderna. Todavia, tal omissão afeta diretamente a dignidade do cidadão - consumidor que se vê em diversas vezes sem condições de prover suas necessidades mais básicas como os elementos supracitados. 22 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Isso nos remete à noção para uma inversão na prioridade política, social e econômica que o superendividado brasileiro ainda não possui amparo jurídico consolidado a própria expressão "superendividamento", pois ainda é vista com preconceitos e forma de se eximir do pagamento de dívidas. Não obstante, o Código Brasileiro de Proteção e Defesa do Consumidor é uma lei múltipla que pode e deve ser usada para enfrentar tais questões, em face do seu artigo 7º que reconhece o microssistema consumerista como um sistema aberto que estimula o diálogo das fontes. Nessa esteira, identificado o contexto de nosso tema, podemos revelar que nossa preocupação gravita em torno do consumidor que não tem culpa exclusiva na origem de sua dívida, ou seja, o consumidor de boa-fé. Portanto, levando-se em consideração apenas o consumidor de boa-fé, podemos dizer que existem duas espécies de consumidores superendividados: a) aquele que contrai dívidas de forma passiva, ou seja, que é apenas vítima de sua real necessidade; b) aquele que contrai dívida de forma ativa cedendo às tentações impostas pelo mercado. No entanto a ideia principal desta pesquisa tem como objetivo geral compreender o superendividamento como consequência de fatores econômico, social e jurídico, advertindose que apenas os superendividados passivos de boa-fé merecem a proteção do Estado. O método de investigação usado na pesquisa foi do tipo bibliográfico, procurando explicar e entender o assunto em tratamento através da consulta de obras que abordem direta ou indiretamente o tema a ser exposto e através da análise do Código de Defesa do Consumidor. 2. CONCEPÇÕES DO CONCEITO DE DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA A Constituição Federal de 1988 avançou significativamente rumo à normatividade do princípio quando transformou a dignidade da pessoa humana em valor supremo da ordem jurídica, declarando-o em seu art. 1º, inciso III, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana; Isso nos remete à noção para uma inversão na prioridade política, social econômica e jurídica, até então existente do Estado Brasileiro Constitucionalmente idealizado. Todavia, na 23 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Constituição Federal de 1988 o Estado passa a ter o dever jurídico mediante políticas públicas positivas, ou seja; garantir ao cidadão as condições materiais mínimas para uma existência digna. Nas palavras de Sarlet (2002, p. 50), define dignidade da pessoa humana como sendo: Dignidade é qualidade intrínseca da pessoa humana, sendo irrenunciável e inalienável, [...] a dignidade pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo ser criada, concedida ou retirada, já que reconhecida e atribuída a cada ser humano como algo que lhe é inerente. Neste patamar, convém destacar que a consagração da dignidade da pessoa humana nos leva à visão do ser humano como base principal do universo jurídico. 2.1 A Dignidade da Pessoa Humana: Princípio Constitucional Fundamental Importa, neste momento, a expressão "dignidade da pessoa humana" para defender direitos humanos fundamentais. Vale ressaltar que ele foi expressamente positivado pelo constituinte de 1988 numa fórmula principiológica. Neste ponto, trata-se, de princípio constitucional que tem a pretensão de plena normatividade. Ademais, todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos, assim o princípio da dignidade da pessoa humana abriga um conjunto de valores, à defesa dos direitos individuais do ser humano. São eles direitos, liberdades e garantias (art. 5º); direitos sociais (art. 6º) interesses que diz respeito aos trabalhadores e à vida humana (art 7º), direitos de participação política (art. 14). Dessa forma, cabendo ao Estado confirmar a sua efetivação. Pode-se dizer que, o ser humano somente poderá desenvolver-se plenamente em um ambiente comprometido com as modificações sociais em que se possa verificar a aproximação entre Estado e sociedade, para que o Direito se adapta aos interesses e às necessidades do povo. Nesse passo, os direitos e garantias fundamentais traduzem na ordem constitucional e jurídica, proteção à vida, à liberdade e a igualdade. Sendo assim, os princípios da justiça baseiam-se na dignidade da pessoa humana. No discurso de Moraes (2004, p. 129). A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente 24 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. Constata-se que para vencer as desigualdades sociais requer ações afirmativas do governo e da sociedade. Com isso, valorizar e propiciar os direitos fundamentais de todos, para garantir uma total participação do individuo na vida, na sociedade e nas políticas sociais. Assim, nos princípios jurídicos fundamentais, por exemplo, aqueles que estruturam o Estado Democrático de Direito, encontram-se fundamentos para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo constitucional e infra-constitucional. Diante dessas assertivas, concluímos que apesar dos fundamentos garantidores da estrutura do Estado Democrático de Direito, ele se encontra comovido, devido às desigualdades socioeconômicas e culturais na sociedade. O exercício e aplicabilidade dos direitos e garantias fundamentais é o substrato necessário e fundamental para diminuir esses desníveis de desigualdade, que conseqüentemente desmoralizam o Estado Democrático de Direito. 2.2 A Dignidade da Pessoa Humana: Como Fundamento Social ao Superendividamento Nesse contexto, o superendividamento acarreta um risco à manutenção do mínimo existencial da vida humana, sendo de extrema necessidade a proteção do superendividado de boa-fé, através da efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, contemplado em nossa carta magna como verdadeiro intermediário do estado democrático de direito que deverá direcionar, sobretudo, a realização da justiça social. Portanto, a proteção do superendividado requer, criação pelo Estado de políticas públicas voltadas para prevenção e orientação ao consumo de crédito de forma responsável e consciente, com medidas rigorosas à concessão do crédito de forma visível e a necessidade de legislação específica de tratamento do assunto, ou seja, atuação do Estado. O Estado assume a posição de responsabilização no âmbito patrimonial intervindo nas relações contratuais em busca da efetividade da justiça social, no qual, significa uma intensa mudança no âmbito do relacionamento entre direito público e direito privado, Nas palavras do Sarmento (2004, p. 71): Ocorre que, paralelamente a esta mudança, foi também se desencadeando outro processo, vinculado à emergência do Estado Social, consistente na redefinição dos papéis da Constituição: se, no Estado Liberal ela se cingia a organizar o Estado e a garantir direitos individuais, dentro do novo paradigma ela passa também a consagrar direitos sociais e econômicos e a 25 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor apontar caminhos, metas e objetivos, a serem perseguidos pelo Poder Público no afã de transformar a sociedade. De acordo com Tepedino (2001, p. 70), um sistema híbrido, em que o Estado não figura apenas nas relações pautadas pelo direito público, mas passa a atuar nas relações que antes eram esfera apenas do direito privado. Ainda no discurso do mencionado autor (2001, p. 73): A interpretação do direito público e do direito privado caracteriza a sociedade contemporânea, significando uma alteração profunda nas relações entre o cidadão e o Estado. O dirigismo contratual antes aludido, bem como as instâncias de controle social instituídas em uma sociedade cada vez mais participativo, altera o comportamento do Estado em relação ao cidadão, redefinindo os espaços do público e do privado, a tudo isso devendo se acrescentar a natureza híbrida dos novos temas e institutos vindos a lume com a sociedade tecnológica. Tendo em vista, as novas solicitações sociais, resultado da explosão tecnológica e ação da economia ou da produção em grande escala que culminam com o superendividamento, que obriga do Estado uma nova postura regulada na intervenção como forma de garantir o efetivo cumprimento dos novos paradigmas do Estado Social. Partindo daí, uma profunda coerência entre o direito civil e o direito constitucional, o que motiva um novo regulamento norteado por novas regras e fundamentos. De modo exclusivo, à posição do Estado no momento da concretização dos novos meios civis-constitucionais, principalmente o da dignidade da pessoa humana, este deverá conduzir-se pela necessidade de garantir os direitos do consumidor superendividado e, segundo já citado logo acima, atuar para garantir políticas públicas de prevenção, coibição a práticas abusivas e formação de legislação específica. A princípio diversos doutrinadores, protegem, mediante a publicação de estudos consolidados principalmente na obra "Direitos do Consumidor Endividado", a publicação de lei específica de tratamento sobre o assunto. Conforme relata Marques (2008, p. 21): Cabe-nos aqui, por fim, como organizadores deste livro, agradecer a todos que tornaram possíveis estas pesquisas e colaboraram de forma tão atenta e comprometida como o sucesso desta difícil empreitada de fornecer ao Ministério da Justiça e aos operadores do direito idéias sobre a melhor forma de prevenir e tratar, em lei especial, este nocivo "efeito colateral" novo na sociedade de consumo mais consolidado no Brasil que é o Superendividamento. 26 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Nesta linha de raciocínio, é importante evidenciar os ensinamentos de Costa (2002, p. 267), que destaca dos estudos acerca do superendividamento no país, ao defender a faculdade de retratação e prazo especial de reflexão nos contratos: A faculdade de retratação não ofende a força obrigatória das convenções porque integra o processo de formação do contrato de crédito. Ela se coloca em um momento em que o contrato não foi firmado. [...] A faculdade de retratação não desfaz um contrato já formado, ela suspende a conclusão definitiva dele: haveria então formação sucessiva do contrato, o consentimento tomando corpo é medida do escoamento do prazo de exercício da retratação. Por conseguinte o ilustre doutrinador Giancoli (2008, p. 162), defende o superendividamento do consumidor como suposição de revisão dos contratos de crédito, nos seguintes termos: Com efeito, a ação revisional por aplicação do superendividamento pode ser encarada como mecanismo jurisdicional apto a tratar as dividas do consumidor de maneira a evitar sua ruína completa e, se possível, restabelecer uma situação de consumo sustentável. Logo, a cooperação é proceder de modo leal e confiável nos melhores padrões comportamentais fixados pela boa-fé. No entanto, não complicar e sim colaborar com a parte de modo a prover a melhor eficácia do negócio jurídico e garantir o equilíbrio contratual, devendo, assim, a renegociação ser fixada como uma das alternativas de tratamento ao fenômeno do superendividamento e proteção do consumidor que se encontre nesta circunstância. Por fim, o superendividamento à luz do princípio da dignidade da pessoa humana seja através da atuação do legislador, criação de políticas públicas de prevenção e repressão e da intervenção do Estado, é dar existência ao paradigma maior do estado democrático de direito brasileiro, que visa à pessoa como o foco do ordenamento. 3. A APLICAÇÃO DA BOA-FÉ AO SUPERENDIVIDAMENTO No ano de 1990, com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor, a boa-fé objetiva ganhou amparo legal, passando a ser adequadamente abordada pela doutrina e jurisprudência, no qual, cita o artigo 4º, III, que menciona a boa-fé como princípio geral das relações de consumo e no artigo 51, IV, como vetor interpretativo dos contratos, determinando a nulidade das cláusulas contrárias aos seus preceitos éticos. Sendo assim, não 27 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor resta dúvida que no microssistema consumerista instaurado através da Lei n. 8078/90, a boafé é princípio e cláusula geral. Leia-se, então, o artigo 4º, caput e inciso III, e no artigo 51, IV: “Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170 da constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”. “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boafé ou a equidade”. É de notar inicialmente que o princípio da boa-fé, por expressa definição da Lei n. 8.078/90, certifica a garantia pelos outros princípios mencionados no artigo 170 da Constituição Federal. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [...]. Ao discorrer do superendividamento, sob a análise da boa-fé objetiva e subjetiva do consumidor, sustenta a verdadeira norma de conduta que exige das partes os valores de honestidade, franqueza, lealdade e cooperação, na fase contratual e nos momentos que antecedem e sucedem o vínculo, para que haja um equilíbrio nas relações de consumo. Neste instante, a boa-fé objetiva será avaliada a partir do comportamento que leva o consumidor ao superendividamento e a sua condição econômica antes e após a caracterização desta circunstância à frente de examinar os motivos que leva a se superendividar. Ainda assim, apreciar o nível de desconhecimento e de modificação relacionado ao consumo. A esse respeito, beneficia-se a boa-fé subjetiva, como preceitua o autor Cordeiro (2007, p.516) com seus ensinamentos, “um estado de ignorância desculpável” do individuo, que, “tendo cumprido com os deveres de cuidado impostos pelo caso, ignora determinadas eventualidades”. 28 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Deste modo, como esclarece o autor supracitado, a boa-fé subjetiva se refere à ignorância de um individuo acerca de um fato modificador, posto isto, é a falsa esperança acerca de uma ocorrência pela qual o operador do direito confia na sua autenticidade porque não reconhece a real situação. Nesse intuito, a boa-fé pode ser localizada em diversos preceitos do Código Civil, como por exemplo no art.1.561, nos arts. 1.201 e 1.202, e no art. 897. Conseqüentemente, Nunes (2009, p.605), conceitua boa-fé objetiva como: A boa-fé objetiva, que é a que está presente no CDC, pode ser definida, grosso modo, como uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, como pretendem alguns, mas o equilíbrio das posições contratuais, uma vez que, dentro do complexo de direitos e deveres das partes, em matéria de consumo, como regra, há um desequilíbrio de forças. Entretanto, para chegar a um equilíbrio real, somente com a análise global do contrato, de uma cláusula em relação às demais, pois o que pode ser abusivo ou exagerado para um não o será para outro. No entanto, quando se refere à boa-fé objetiva, destacam-se os deveres de lealdade e cooperação, que consistem na atuação mútua dos contratantes, a fim de manter o respeito e o equilíbrio contratual entre as partes e evitar o superendividamento. Principalmente em contratos de longa duração, que visa garantir e cuidar durante toda a realização do contrato. Tendo em vista, como fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana. Destacam-se a doutrina três espécies desempenhadas pela boa-fé objetiva nas relações obrigacionais: a primeira delas é a de condutor interpretativo das relações e contratos, de modo que a melhor interpretação será aquela firmada na boa fé. Isto é, a colocação hermenêutica interpretativa da relação contratual, na qual a boa-fé representa a função de preencher todas as lacunas possivelmente existentes nos contratos. Na sequência é a atividade limitadora do exercício dos direitos subjetivos, diminuindo a liberdade de atuação das partes contratuais com o intuito de se evitar o abuso. Por fim, a terceira espécie é a formação dos chamados deveres de conduta anexos aos contratos, que são autônomos e independentes da necessidade dos contratantes. Enfim, pode ressaltar os deveres de esclarecimento ou informação, presentes desde o período pré-contratual até o pós-contratual, que obrigam as partes a prestarem esclarecimentos mútuos sobre todo ponto de vista da relação contratual. No entanto, uma das divisões dos deveres de esclarecimento são os deveres de conselho, que se relacionam à personalização da informação sobre o produto ou serviço mais apropriado ao consumidor. Porém, estes deveres têm especial importância nos contratos de crédito por basearem-se na 29 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor confiança necessária que o consumidor deposita no profissional que detém o conhecimento da atividade. Sendo assim, eles serão mais bem esclarecidos no próximo item que aborda a responsabilização do fornecedor de boa-fé. 3.1 A Boa-Fé do Fornecedor de Crédito A informação é um princípio básico e dos mais importantes, orientador de todas as relações de consumo. O desrespeito a esse princípio é um dos grandes responsáveis pela inadimplência dos consumidores que não são informados do conteúdo e deveres do contrato e acabam adquirindo obrigações que não correspondem ao esperado ou adquirindo produtos ou serviços que não desejam. A informação é de extrema relevância para que o consumidor exerça o seu direito de escolha de forma consciente e correta. O dever de clareza da informação prestada pelo fornecedor que deve sempre adotar informações verdadeiras, objetivas e precisas ao consumidor. A transparência exige nitidez, precisão, sinceridade na informação prestada ao consumidor. Ela tem que ser adequada e suficiente para que o consumidor a compreenda. O inciso III do art. 6º do CDC diz que é um direito básico do consumidor “a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”. De acordo com art. 31 do CDC determina que: A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores. Os princípios da transparência e da informação estão ilustrados no caput do art. 4º do CDC e no seu inciso IV, Na devida ordem: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo atendidos os seguintes princípios: IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; 30 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Neste contexto, é de máxima importância que o consumidor, antes de contratar qualquer serviço de crédito, tenha conhecimento de seus futuros deveres e obrigações, para que possa manifestar de forma livre e consciente a sua vontade, sem o perigo de ser surpreendido posteriormente com determinada disposição contratual sobre a qual não tinha conhecimento. Vale enfatizar que nos contratos bancários, computados os de financiamento, cartão de crédito e empréstimo pessoal, a boa-fé objetiva se instrumentaliza nos deveres impostos ao fornecedor de informar e cooperar com a parte contratual, prevenindo o superendividamento do consumidor. Posto isto, o fornecedor está obrigado a informar, de modo claro, objetivo, verdadeiro ao consumidor os termos do ajuste a ser celebrado. Deste modo, não basta apenas disponibilizar a informação, é preciso que o consumidor efetivamente entenda o que está sendo informado. Apenas dessa maneira o consumidor realizará o contrato de forma consciente, diminuindo, os riscos de danos e de insucesso de expectativas. Embora seja de extrema importância o cumprimento das regras nas ofertas e nos contratos de crédito como forma de prevenir o superendividamento, as instituições financeiras vem constantemente desobedecendo a esse dever de informação, logo, absolvendo do consumidor a possibilidade de pensar sobre as reais condições do negócio. Na prática é muito comum a oferta de crédito sem as características que estabelece o art. 31 e sem as informações necessárias que fixa o art. 52 do CDC. Mas, infelizmente, na grande maioria das vezes, os contratos de crédito ao consumo continuam a ser realizados sem a observação desses preceitos da informação e da transparência, possuindo cláusulas mal redigidas e obscuras, dificultando a compreensão pelo consumidor das reais responsabilidades e obrigações vindas do contrato. 3.2 A Boa-Fé do Consumidor O Código de Defesa do Consumidor cita a boa-fé como princípio geral das relações de consumo (art. 4º, inciso III). A boa-fé do consumidor é a real e verdadeira norma de conduta que exige das partes os valores de honestidade, franqueza, lealdade e cooperação, para que haja um equilíbrio nas relações de consumo. Ademais, a boa-fé é a condição essencial para a caracterização do superendividamento, que é entendido como a impossibilidade do consumidor, pessoa física, e de boa-fé, de pagar todas suas dívidas atuais e futuras de consumo. Sendo assim, no 31 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor sobreendividamento, a boa-fé não é vista apenas como um princípio, mas como uma condição comportamental do consumidor. Analisam-se os consumidores de boa-fé superendividados que, aprisionados por um gancho de endividamentos, agravaram sua situação para pagar as dívidas antigas. Entretanto, foram declarados de má-fé aqueles que, deliberadamente, tomaram vários empréstimos que representavam uma carga nitidamente superior à totalidade de sua renda ou aquele que já em estado de insolvência notória, tomaram empréstimos para efetuar novos gastos de consumo. No entanto, o consumidor brasileiro que esta superendividado fica impossibilitado de, mesmo com boa-fé, quitar as suas dívidas retirar o seu nome no rol dos maus pagadores, que são chamados de bancos de dados de proteção ao crédito, ficando sem acesso ao crédito e ao consumo. Conseqüentemente acaba comprometendo seu relacionamento familiar, de trabalho e, em alguns casos, sua própria saúde. Desta maneira, o registro em tais cadastros impossibilita ao consumidor o exercício de qualquer atividade que submete análise de crédito. Por sua vez, resta prejudicado o exercício de atividades rotineiras da vida moderna, uma vez que muitas famílias utilizam o crédito como parte indispensável de gestão do orçamento familiar se endividando para pagar despesas de sustento diária da sua casa. Conceitua Lopes (2006, p. 6): Não são poucos os que se endividam para pagar despesas corriqueiras, despesas de manutenção diária ou despesas com serviços indispensáveis que já não são providos pelo Estado ou que nunca o foram adequadamente. Parte do endividamento que preocupa deriva, sobretudo, do aumento de recursos necessários para prover a subsistência. O crédito pessoal, adiantado sob a forma de cartão de crédito ou de cheque especial, crédito sem garantias reais, portanto, constitui substancial parcela do crédito ao consumo. Ora, é preciso que se observe a situação do consumidor devido ao superendividamento, como um princípio de extrema importância de toda a legislação brasileira, que é o principio da dignidade pessoa humano (artigo 1º, III, CF/88 e o artigo 4º do CDC), que condiz com as suas necessidades básicas para a sua sobrevivência. Porém é preciso também, que o oferecimento de crédito pelas instituições financeiras deve ser feito de forma responsável e clara para desestimular o superendividamento dos consumidores. Associado a estes aspectos soma-se o fato de que muitas instituições financeiras utiliza-se de abusividade na cobrança de dívidas submetendo o consumidor a humilhação, posto que, tal prática seja ilegal expressamente pelo CDC: Conforme segue: 32 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável. Entretanto, a cobrança indevida fere o direito econômico e moral do consumidor. Assim, o consumidor de boa-fé necessita de crédito, sendo que, à manutenção das condições de sustentabilidade de sua família, em virtude do superendividamento, afeta a capacidade de manutenção e equilíbrio da vida familiar, não somente do ponto de vista de efetivação e continuidade do consumo, logo, em virtude de todos os prejuízos morais, sociais, decorrentes da situação de exageros no consumo, gerando o endividamento. Por fim, a impossibilidade de responsabilizar-se com pagamento tanto das dívidas quanto das despesas do dia-a-dia o consumidor e todo meio familiar são submetidos à situação de aflição e angústia tendo afetada a dignidade de toda família. Desta forma, vale demonstrar que o superendividamento é muito mais do que uma questão meramente econômica, do ponto de vista social e jurídica, porém retrata a ofensa a dignidade da pessoa humana. 4. O SUPERENDIVIDAMENTO NO BRASIL A Constituição Federal de 1988 atribuiu como apoio que informa toda uma estrutura jurídica brasileira ao incremento do bem estar do cidadão, a partir de garantias das condições mínimas da sua própria dignidade, que incorpora, além da proteção dos direitos fundamentais, condições materiais e espirituais básicas de existência. A dignidade do ser humano brilha como valor supremo do ordenamento jurídico brasileiro, tendo assim, o princípio da dignidade da pessoa humana como o mais relevante do nosso sistema jurídico, devendo por isso condicionar a interpretação e aplicação de todo o direito positivo, tanto público como privado. Desta maneira, o objetivo maior de proteção e defesa do consumidor na possibilidade de superendividamento é a sua própria dignidade, pois os efeitos decorrentes dessa condição, já abordados, são incompatíveis com a dignidade da pessoa humana. Pois, o crédito permite a satisfação de necessidades primárias para a maioria da população brasileira, salientando que 33 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor na relação obrigacional de crédito existem importantes elementos da vida humana que, se desprezados, podem ameaçar a própria dignidade da pessoa. O superendividamento, não pode ser visto como um simples momento de inadimplência obrigacional, e sim como o estado de impossibilidade do indivíduo suprir suas necessidades básicas que são concretizados por meio do crédito ao consumo. Sobre esse prisma, é indispensável que se inicie compartilhando os precisos ensinamentos que dispõe a autora Marques (2004, p. 1053) que adverte que o "direito brasileiro está sendo chamado a dar uma resposta justa e eficaz a esta realidade complexa", como se vê adiante: O tema da cobrança de dívidas e da inexecução está intimamente ligado ao tema do superendividamento. O superendividamento define-se, justamente, pela impossibilidade do devedor - pessoa física, leigo e de boa - fé, pagar suas dívidas de consumo e a necessidade do Direito prever algum tipo de saída, parcelamento ou prazos de graça, fruto do dever de cooperação e lealdade para evitar a "morte civil" deste falido - leigo ou falido - civil. Destarte, o direito brasileiro está sendo chamado a dar uma resposta justa e eficaz a este caso, principalmente se definirmos superendividamento de pobreza em nosso País. O crescimento do acesso ao crédito, que se nota nos últimos anos, como por exemplo, os novos milhões de clientes bancários, com duradoura privatização dos serviços essenciais e públicos, agora alcançável a todos, com qualquer orçamento, mas dentro das severas regras do mercado, a publicidade agressiva referente o crédito popular, a nova força dos meios de comunicação e a tendência de abuso inadvertido do crédito facilitado e ilimitado no período e nos valores, até também com descontos em folha de aposentados, que pode levar o consumidor e sua família a uma situação de superendividamento. Como enfatiza a doutrinadora, que deve ser dada uma oportunidade para aqueles que de boa - fé, mesmo tendo contraído muitas dívidas, tenha o direito de renegociá-las com todos os seus credores, sendo elaborado um plano de pagamento como ocorre na lei francesa e em outros países, para que depois esse consumidor possa voltar ao mercado de consumo consciente e disciplinado financeiramente para administrar, com responsabilidade as suas finanças. Os consumidores - vitimas tornaram-se o foco diante da extrema facilidade do crédito em desrespeito as regras do direito do consumidor com base na proteção à informação, presume-se então para a liberdade de escolha que é da dignidade do consumidor. Contudo, a questão não se resume, por nenhuma hipótese, o fato de acontecimentos imprevisíveis, muito mais voltada no exercício da obrigação de informação prévia e adequada 34 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor a verdadeira compreensão do consumidor, ou seja, o hipossuficiente pode-se declinar aos olhos dos fornecedores que há tempos infiltram na sociedade alguns agentes que atuam no mercado de consumo e que, por isso, contribuem para a criação do superendividamento. Por exemplo, o cartão de crédito, posto que por muitas vezes as empresas fornecedoras do produto já iniciam o contato com o consumidor de forma extremamente abusiva, pois enviam o cartão sem a solicitação do mesmo, conforme o artigo 39, III, do CDC. Vale dizer que o parágrafo único do artigo supracitado considera de forma grátis os produtos enviados ao consumidor sem a sua solicitação, o que o desobriga do pagamento de cobranças acerca do produto, mas não dos valores das compras efetuadas com este, no caso de compra com o cartão de crédito, o consumidor terá que pagar o produto, mas não precisará pagar eventual anuidade do cartão. Deste modo, são também como exemplos o cheque especial que é uma forma de financiamento, ambos oferecidos por instituições financeiras, normalmente, contendo juros abusivos, ferindo também o CDC, posto isto, o artigo 39, V. A publicidade também é um dos itens de superendividamento, considerando que hoje vivemos em meio a propagandas motivadas pelos fornecedores de produtos e serviços postos em circulação, o que nos traz como consequência uma sociedade cada vez mais consumista e, a carência do sentido do que é realmente necessário. Os artigos 36 e 37 do CDC regulam as disposições sobre a publicidade nas relações de consumo. Não é difícil pensar que todo esse arranjo conduz o consumidor a ser iludido pelos fornecedores que, com sofisticadas técnicas de propaganda, possa assegurar a necessidade real e criar uma necessidade irreal aos consumidores. Diante desta definição, o superendividamento não pode ser visto de fato como um descumprimento de um contrato, mas sim, como a impossibilidade de uma pessoa prover as suas necessidades rotineiras, como alimentos, luz, água, aluguel, vestuário, que são colocadas através do crédito ao consumo. Nesse aspecto, está no anseio de demonstrar que não há que se deixar ao relento o consumidor superendividado, portanto, hoje nosso ordenamento jurídico tem seu apoio central no inciso III do artigo 1º da CF/88, que nos traz expresso o princípio da dignidade da pessoa humana, fonte de uma nova filosofia jurídica. Muito mais voltada para a relação humana do que para o patrimonial. É nesse sentido que a aplicação da CF/88 se faz necessária, no qual alimenta todo um novo sistema de máxima preservação social, o que fica visível também a proteção à integridade individual de todos. Evidentemente, no direito comparado, a lei francesa ao consumidor visa garantir o uso racional e refletido do crédito e criar uma noção geral do endividamento, assim como visa garantir a lealdade nas relações de consumo, através de medidas como: a exigência de 35 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor contrato escrito e o seu fornecimento ao consumidor, prazo de reflexão e de arrependimento, regulamentação específica da publicidade. Criaram-se ainda comissões de superendividamento, com natureza administrativa, que têm a finalidade de conciliar o superendividado com o conjunto dos seus credores. Finalizando, no direito brasileiro ainda não existe uma regulamentação específica acerca da proteção ao consumidor superendividado, a doutrina pátria busca nos ordenamentos jurídicos soluções para a prevenção e tratamento deste caso, despontando a solução francesa como a mais aceita no Brasil. Notavelmente, o estudo comparado deve ser realizado, mas nenhuma solução estrangeira poderá funcionar adequadamente, sendo que é necessário considerar a estrutura da sociedade, do mercado e das instituições brasileiras. CONCLUSÃO Por todo o estudo apresentado, conclui-se que o superendividamento não é e nem pode ser entendido como proteção da inadimplência, ao contrário, reconhecer e enfrentar esta realidade é providência fundamental a reposicionar a discussão e trazer os fornecedores de crédito à sua responsabilidade de fornecer adequada clareza à informação ao consumidor, garantindo-lhe o real direito à liberdade de escolha e preservando a sua dignidade. Diante dessas assertivas, o acesso ao crédito tem repercussões tanto positivas e negativas, sendo o fenômeno do superendividamento do consumidor nas sociedades modernas capitalistas, a indispensável concretização do aspecto negativo do consumo excessivo ao crédito. No Brasil, o crédito passa a ser oferecido de forma irrestrita, rápida, ostensiva e fácil. Consumir a crédito, seja por meio de cartões de crédito, cheque-especial, crédito consignado, empréstimos e dentre outras informações relevantes de financiamento, passa a ser o espírito comum no país consolidando a cultura do endividamento. Neste entendimento, garantir e proteger a esse grande grupo da população esses bens e direitos é dever do Estado, que deve zelar pela ordem jurídica, pelo um Estado Democrático de direito, baseando-se no principio da dignidade da pessoa humana. Por esse motivo, desenvolveu-se, nesta pesquisa, a partir de estudo sobre o perfil do superendividado brasileiro, formas de tratamento encontradas na doutrina e na legislação, com a evidência de que a situação de superendividamento leva a perda da dignidade e ameaça a manutenção do mínimo existencial e, como tal, merece tratamento e proteção especial. 36 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Neste diapasão, este trabalho defendeu que a abusividade, seja no âmbito da publicidade agressiva e enganosa ou mediante o excesso de cobrança de juros pelas instituições financeiras, é fato social institucionalizado no Brasil, constituindo um dos enormes motivadores do fenômeno do superendividamento no país. REFERÊNCIAS CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 2007. COSTA, Geraldo de Faria Martins da. Superendividamento: a proteção do consumidor de crédito em direito comparado brasileiro e francês. 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No entanto, não adianta a mera repartição de receitas públicas; são indispensáveis políticas públicas de conscientização das pessoas nas áreas envolvidas, notadamente no que se refere à distribuição de renda e riqueza, a fim de que esses recursos não se tornem a origem de uma ciranda de consumo desenfreada, onde o cidadão é levado a consumir, sem pensar no dia de amanhã, sob a ótica de uma suposta verdadeira felicidade e, quando não consegue pagar esse débito, vem a contrair mais e mais empréstimos, numa roda viva interminável, que faz do devedor e, ao mesmo tempo consumidor, um verdadeiro escravo à disposição de um sistema que aliena no qual, quem não pode consumir, estará à beira da mais completa marginalização. Palavras-chave: Consumo. Desenvolvimento. Renda. Royalties do Petróleo. ABSTRACT This study highlights the importance of oil royalties as a form of income distribution and increased consumer relations. Given the resources in the area called the pre-salt layer, states and municipalities, producers or not, waged a war that led to the new legislative Act Oil Royalties, guaranteeing a greater share of resources to areas not produce this mineral. The research was literature and the method, deductive. However, no use a simple allocation of 1 Mestranda em Direito Econômico e Sócio-ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR), Especialista em Teoria do Estado e Direito Público pela Universidade Tiradentes (UNIT/SE), Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC/SC), Graduada em Direito pela Universidade Federal de Sergipe (UFS/SE), Professora Assistente da Universidade Tiradentes (UNIT/SE), Advogada (OAB/SE) – Brasil, e-mail: [email protected] 39 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor public revenue, public policies are essential awareness of people in the areas involved, particularly with regard to distribution of income and wealth, so that these resources do not become the source of a sieve unbridled consumption, where the citizen is taken to consume without thinking about tomorrow, from the perspective of a supposed true happiness, and when you cannot pay this debt, has to borrow more and more loans, an endless treadmill, which does the debtor and at the same time consumer, a veritable slave to the provision of a system that alienates where, who cannot consume, more will be on the verge of complete marginalization. Keywords: Consumption. Development. Income. Oil Royalties. SUMÁRIO 1 Introdução – 02; 2 Importância do Petróleo na Atualidade – 04; 3 Recursos Provenientes de Royalties do Petróleo: Conceito, Origem e Natureza – 04; 4 Recursos Provenientes de Royalties do Petróleo e Desenvolvimento: Uma Real Necessidade – 07; 5 Recursos Provenientes de Royalties do Petróleo: Certeza de Distribuição de Renda. Utopia ou Realidade? – 08; 6 Recursos Provenientes de Royalties do Petróleo: Educação para Consumo e Meio Ambiente – 12; 7 Recursos Provenientes de Royalties do Petróleo e Aumento das Relações de Consumo: Uma Atitude Equilibrada? – 13; 8 Considerações Finais – 15; Referências - 16 SUMMARY 1 Introduction - 02, 2 Importance of Oil in Current Events - 04; 3 Features Coming from Oil Royalties: Meaning, Origin and Nature - 04; 4 Features Coming from Oil Royalties and Development: A Real Need - 07; Coming from 5 Resources Oil Royalties: Certainty of Income Distribution. Utopia or Reality? - 08; 6 Features Coming from Oil Royalties: Consumer Education and Environment - 12; 7 Features Coming from Oil Royalties and Increase in Consumer Relations: A Balanced Attitude? - 13, 8 Final - 15; References - 16 1. INTRODUÇÃO 40 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O petróleo é fonte de energia sem a qual a maior parte dos países, na atualidade, não teria chegado a tamanhos níveis de desenvolvimento, razão pela qual se tornou motivo de cobiça e, em casos extremos e desenfreados, a busca incessante pelo mineral gerou guerras sem nenhum sentido, as quais levaram ao extermínio milhares de pessoas inocentes. No Brasil, não foi diferente, já que sua importância é fundamental para o desenvolvimento econômico do país. No entanto, não adianta só ter recursos; ou seja, os royalties provenientes do petróleo; é necessária a correta distribuição de renda e riqueza a todas as pessoas, de qualquer maneira, relacionadas, bem como uma política de educação para o consumo consciente, verificando-se a sustentabilidade, palavra-chave para a manutenção da raça humana. Na atualidade, face ao aumento da produção, que gera excedente e do aumento de recursos nos “cinturões de desenvolvimento petrolíferos”, pessoas são induzidas todos os dias a comprar desenfreadamente, onde a propaganda as faz acreditar que esses bens podem significar felicidade. E se não possuem dinheiro para comprar agora, utilizam-se do crédito, que lhes é ofertado, de maneira vasta, sob a premissa de que não é necessário esperar para amanhã, se é possível hoje realizar os seus desejos. De uma maneira simples, a premissa é compre e usufrua hoje e pague somente amanhã, sem saber se o amanhã terá a necessária solvabilidade. No entanto, esse crédito necessita ser satisfeito, ou seja, deve ser pago. Mas também são apresentados a cada dia novos desejos, que precisam, segundo a ótica do crédito, ser satisfeitos, ou seja, não podem nem precisam esperar. Então a ciranda começa, isto é, são novos créditos concedidos, para saldar os primeiros e satisfazer novos desejos, que nunca se acabam, tornando as pessoas cada vez mais dependentes de um sistema opressor, onde a finalidade é oferecer-lhes crédito para consumir até a mais perfeita exaustão financeira, levando-as a uma espécie de escravidão ou, também, a um vício de crédito e mercado de consumo, onde é mais importante o “ter” e não o “ser”, mostrando uma inversão de valores cada vez mais presente nos dias atuais. É importante o desenvolvimento de uma cultura de consumo inteligente e consciente desde a mais tenra infância, sob pena do sistema continuar se reproduzindo, onde um dos beneficiários também é o Estado, através dos impostos que recaem sobre esses créditos, além da sociedade em peso ser transformada num universo de devedores, sem qualquer possibilidade de ascensão, já que os recursos provenientes dos royalties do petróleo, se não 41 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor bem empregados e distribuídos, além de não gerar o verdadeiro desenvolvimento econômico, podem ser fonte de exclusão social. 2. IMPORTÂNCIA DO PETRÓLEO NA ATUALIDADE O petróleo, nos dias atuais, é a principal fonte de energia do planeta, sendo conhecido como “ouro negro”, tamanha sua relevância e importância no mercado econômico mundial. A sociedade de hoje depende do petróleo para movimentar suas economias, cada vez mais dependentes desse minério, que as influencia nitidamente. Em nome da busca incessante pelo petróleo, guerras foram travadas, sob as mais variadas e descabidas desculpas, sempre infundadas, onde milhares de pessoas foram dizimadas, com o verdadeiro intuito de apoderar-se de suas jazidas e, assim, tentar estar menos vulnerável ao seu poder de influência. Dentre tantos conflitos, cabe destacar a trágica guerra Iraque - Estados Unidos, inicialmente deflagrada pelos Estados Unidos, face ao atentado das torres gêmeas, em Nova Iorque, no dia 11 de setembro de 2001, que levou à morte, sem qualquer oportunidade de defesa, um número expressivo de pessoas inocentes. Diante de tais fatos, os Estados Unidos, sob a alegação de proteger a população americana e dar uma resposta pelo acontecido aos países que abrigam terroristas no mundo árabe, invadiu o Iraque; no entanto, mais parece que a verdadeira razão, o pano de fundo, por detrás de tais argumentos, é a apropriação das reservas de petróleo iraquianas, uma das três maiores do mundo, as quais, face à má administração e problemas políticos internos, não apresentavam produção em larga escala, a fim de abastecer os mercados, cada vez mais ávidos por esse mineral, a fim de impulsionar seu crescimento econômico e, assim aumentar sua fonte de influência no mercado mundial. 3. RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO: CONCEITO, ORIGEM E NATUREZA Face à descoberta de grandes reservas petrolíferas na camada denominada pré-sal, Estados e Municípios brasileiros, com o nítido interesse de aumentar suas receitas, através de 42 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor maiores valores oriundos do repasse proveniente da exploração do petróleo, sob a alegação de que, segundo o artigo 20, incisos I, V, VI e IX e parágrafo primeiro da Constituição Federal, por se tratarem de bens pertencentes à União, os recursos provenientes da exploração dessas riquezas deveriam ser distribuídos de forma mais equânime entre todos os entes da Federação, fato esse que gerou recentes e importantes mudanças legislativas, referentes ao assunto, notadamente a Lei 12.734 de 30 de novembro de 2012, que ficou conhecida como a nova Lei de Royalties. Interesses políticos e econômicos de ambas as partes, uns para manter os valores que recebem; outros interessados em receber quantias mais vultosas, questionam as novas regras impostas pela nova legislação de royalties do petróleo. Preliminarmente, é importante destacar a definição de royalties: “É uma palavra de origem inglesa que se refere a uma importância cobrada pelo proprietário de uma patente de produto, processo de produção, marca, entre outros, ou pelo autor de uma obra, para permitir seu uso ou comercialização2”. De acordo com Carlos Vogt: A origem da palavra royalty é bastante antiga e é derivada da palavra inglesa royal que significa o que pertence ou é relativo ao rei, podendo ser usada também para se referir à realeza ou à nobreza. Seu plural é royalties. Na antiguidade, os royalties eram os valores que os agricultores, artesãos, pescadores, etc. pagavam ao rei ou ao nobre, proprietário da terra ou do bem, como compensação pelo direito de extrair deles os recursos naturais de suas terras, a exemplo de madeira, água, recursos minerais ou outros recursos naturais, incluindo, muitas vezes, a caça e pesca, ou ainda, pelo uso de bens de propriedade do rei, como pontes ou moinhos 3. Sábias as palavras de Sandra Silva e Jorge Oliveira, como abaixo se pode ver: No caso do petróleo, os royalties são cobrados das concessionárias que exploram a matériaprima, de acordo com sua quantidade. O valor arrecadado fica com o poder público. Por isso mesmo, eles têm natureza indenizatória e não tributária, pois se trata de uma participação ROYALTY. Glossário do Senado. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/77253917/162/>. Acesso em 18 ago. 2012. 3 VOGT, Carlos. Royalties de petróleo: recursos para a sustentabilidade ou instrumento de barganha política? In: PETRÓLEO. Disponível em: < http://www.comciencia.br > Acesso em 18 ago. 2012. 2 43 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor financeira pelos problemas gerados na exploração destes tipos de recursos energéticos e minerais4. Ainda segundo os autores supracitados, a natureza dos royalties é indenizatória, já que a participação financeira dos Estados, Municípios e Distrito Federal, conforme previsto no art. 20, § 1º da Constituição Federal de 1988 é: [...] um direito subjetivo da unidade federada. Trata-se de receita originária que lhe é confiada diretamente pela Constituição”, conforme manifestou o Min. Gilmar Mendes, no seu voto no MS nº. 24.312-1/DF, no Plenário do Supremo Tribunal Federal e na Segunda Turma, no Ag.Reg. no AI 453.025-1-DF5. Diante de tais fatos, é indispensável destacar o voto do Ministro Sepúlveda Pertence no RE 228.800-5/DF transcrito pelos autores acima, o qual demonstra a natureza indenizatória dos royalties: Com efeito, a exploração de recursos minerais e de potenciais de energia elétrica é atividade potencialmente geradora de um sem número de problemas para os entes públicos, especialmente para os municípios onde se situam as minas e as represas. Problemas ambientais – como a remoção da cobertura vegetal do solo, poluição, inundação de extensas áreas, comprometimento da paisagem e que tais-, sócios e econômicos, advindos do crescimento da população e da demanda por serviços públicos. Além disso, a concessão de uma lavra e a implantação de uma represa inviabilizaria o desenvolvimento de atividades produtivas na superfície, privando Estados e Municípios das vantagens delas decorrentes. Pois bem. Dos recursos despendidos com esses e outros efeitos da exploração é que devem ser compensadas as pessoas referidas no dispositivo 6. Nos termos da Lei 4320/64, a compensação financeira é uma receita corrente, de natureza patrimonial, em relação aos órgãos da União e, nos termos da referida lei, todo ingresso de dinheiro aos cofres públicos é denominado receita pública. Segundo Harada Revista da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. SILVA, Sandra Maria do Couto e; OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de. Dos royalties do petróleo: o princípio federativo e a competência dos estados para editarem leis sobre sua cobrança e fiscalização. Nº 63, p. 2. Disponível em: <http://www.rj.gov.br/c/document_library/get_file?uuid=9eed8ac7-6fd3-4bfb-8f58-8697dabd74d3& groupId =132971>. Acesso em 18 ago. 2012. 5 MS nº. 24.312-1/DF, no Plenário do Supremo Tribunal Federal e na Segunda Turma, no Ag.Reg. no AI 453.025-1-DF 6 Art. 20, parágrafo 1º da Constituição Federal. 4 44 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor “Assim é possível, por meio do critério de exclusão, classificar a compensação financeira percebida pelos Estados, DF e Municípios como outras receitas correntes”7. § 1º - São Receitas Correntes as receitas tributária, de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial, de serviços e outras e, ainda, as provenientes de recursos financeiros recebidos de outras pessoas de direito público ou privado, quando destinadas a atender despesas classificáveis em Despesas Correntes 8. Pelo exposto, pode-se ver que royalties não são tributos devidos pela exploração de bens da União. Royalties são compensações financeiras decorrentes da exploração desses bens sendo, mais precisamente, receita corrente, de natureza patrimonial, referente aos órgãos da União. 4. RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO E DESENVOLVIMENTO: UMA REAL NECESSIDADE Na atualidade, os recursos provenientes de royalties do petróleo são generosos, todavia, não são eternos. Sendo um mineral, poderá algum dia ter suas jazidas esgotadas. É necessário o comprometimento da população, a fim de que todos possam verificar a sua aplicabilidade, a fim de gerar o verdadeiro desenvolvimento regional. Não adianta ter recursos em quantidade, se esses mesmos recursos não forem aplicados para a que seja alcançado o meio ambiente ecologicamente equilibrado, já que, sem ele, nenhum ser humano poderá sobreviver condignamente, sendo necessários preparar as atuais e futuras gerações para o fim da era petrolífera, encontrando outras formas de desenvolvimento, a fim de não venham a viver em sua dependência. Nas palavras de Francisco Carrera: Desvincular a sustentabilidade dos atuais entraves enfrentados pelas municipalidades não é tarefa aconselhável, mas alguns países em desenvolvimento ainda não avistam a sustentabilidade como uma solução para os seus problemas de desenvolvimento. Fatores sociais importantes como pobreza, qualidade de vida, 7 8 HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 21. Ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.60. Artigo 11, parágrafo 1º da Lei 4320/64. 45 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor desnutrição, fome, dentre outros, não podem ser olvidados por estes países, e a política urbana há de conviver lado a lado com esses fatores. A Declaração de Hannover, de Presidentes de Câmara de Municípios Europeus na Viragem do século XXI, consagra como um de seus compromissos: “a implementação da Agenda XXI Local”, que também constitui poderoso elemento a integrar os processos de implantação da Cidade Sustentável. Nesta mesma Declaração, os dirigentes das municipalidades européias desenvolveram princípios e valores para a sustentabilidade em nível local, destacando especificamente que: “Estamos unidos pela responsabilidade de garantir no bem-estar das gerações presentes e futuras. Assim sendo, trabalhamos para proporcionar maior justiça e equidade social, reduzir a pobreza e exclusão social e melhorar a saúde e o ambiente em geral9”. Pelo exposto, sustentabilidade é, talvez, a viga mestra para a redução das desigualdades sociais, pois aí haveria diminuição da pobreza, o que acarretaria melhores condições de vida e saúde, tão importantes para o alcance do tão sonhado desenvolvimento regional. 5. RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO: CERTEZA DE DISTRIBUIÇÃO DE RENDA. UTOPIA OU REALIDADE? É salutar destacar a importância do artigo 3º da Constituição Federal, que traz os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, os quais devem ser observados por todos os gestores e ordenadores públicos de despesas: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 9 CARRERA, Francisco. Cidade sustentável; utopia ou realidade? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.3. 46 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Pelo exposto, um dos principais objetivos do Estado Democrático de Direito é erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, o que geraria o desenvolvimento nacional. Diante das inovações trazidas pela nova Lei de Royalties do Petróleo, Estados e Municípios não produtores passarão a receber, no tocante aos novos contratos realizados, mais recursos. No entanto, não se pode dizer que mais recursos para o Estado ou o Município, seja ele produtor ou não, levam a melhor distribuição de renda. Para que esse objetivo seja alcançado, será necessária a correta aplicabilidade dos recursos provenientes de royalties do petróleo, cada vez mais abundantes, face às descobertas da área que ficou denominada pré-sal, o que poderá gerar um maior e mais acelerado desenvolvimento econômico, atendendo ao disposto na Lei Maior e catapultando o Brasil, mais rapidamente à categoria de país desenvolvido, saindo da eterna categoria de “país do futuro”. É importante destacar as palavras de Humberto Theodoro Júnior: O Estado democrático de direito, em seus moldes atuais, evita participar diretamente da produção e circulação de riquezas, valorizando, o trabalho e a iniciativa privados. É, com efeito, na livre iniciativa que a Constituição apóia o projeto de desenvolvimento econômico que interessa a toda a sociedade. Não é, contudo, a livre iniciativa, o único valor ponderável na ordem econômica constitucional. O desenvolvimento econômico deve ocorrer vinculadamente ao desenvolvimento social. Um e outro são aspectos de um único desígnio, que, por sua vez, não se desliga dos deveres éticos reclamados pelo princípio mais amplo da dignidade humana, que jamais poderá ser sacrificado por qualquer iniciativa, seja em nome do econômico, seja em nome do social10. Assim sendo, royalties do petróleo podem representar valiosa fonte de recursos que podem ser aplicados no real desenvolvimento econômico, social e ambiental, diminuindo as desigualdades econômicas entre as pessoas, gerando distribuição de renda. Cabe ressaltar que, na atual legislação, é proibida a sua utilização em pagamento de dívidas e de pessoal, o que reforça o seu caráter de fonte de recursos que, se bem aplicados, poderão ser um alicerce poderoso ao desenvolvimento de um país. É importante destacar a reportagem da revista VEJA, edição 2283 – ano 45 – nº 34, de 22 de agosto de 2012, intitulada Aonde foi a Riqueza do Petróleo? 10 THEODORO JUNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p.33. 47 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O AVESSO DO PROGRESSO: Canal que corta a favela de Nova Holanda, uma das que mais cresceram em Macaé: base de operações da Petrobras, a cidade atraiu empresas, universidades e hotéis de luxo, mas, sem nenhum planejamento para a nova era que veio para o pré-sal, assiste ao galopante aumento dos índices de criminalidade e favelização11. É importante destacar que um número infindável de pessoas, atraídas pelas supostas benesses de uma dita era de desenvolvimento econômico rápido e em larga escala, abandonam suas cidades, até mesmo famílias, em busca de um futuro melhor, com melhor condição econômica e possibilidade de ascensão social, sendo indispensável o planejamento estratégico. Mais uma vez, é importante ressaltar a reportagem da revista VEJA retrocitada: SOBRA DINHEIRO, FALTA SAÚDE: Campeão brasileiro em arrecadação de royalties, Campos dos Goytacazes, (...) é um exemplo de município que retrocedeu nos principais indicadores. Desde 2000, a situação de saúde ali despencou 1000 posições no ranking nacional. O neurocirurgião Eraldo Ribeiro Filho trabalha no maior hospital da cidade, onde se acumulam mazelas: há carência de leitos, chove na sala dos médicos e falta até material para a assepsia de pacientes. Cirurgias de emergência, só para quem espera mais de um mês na fila. “Ninguém viu a cor do dinheiro dos royalties por aqui”, lamenta o neurocirurgião12. Não se pode esquecer que outro grande fator impeditivo da distribuição de renda é a corrupção, tão arraigada em nosso país, que impede uma melhor distribuição de renda e riqueza, como se pode ver, mais uma vez, através da retrocitada reportagem da revista Veja: Outra das cidades na rota do pré-sal, Presidente Kennedy, no Espírito Santo, tornou-se palco tão escancarado dos desmandos com o dinheiro público que, em abril, a Polícia Federal prendeu o prefeito, seis secretários e quatro vereadores por contratações irregulares e fraude em licitações. Essa turma não demonstrava nenhuma cerimônia com as verbas oficiais: pagava conta de farmácia dos moradores, dava aos produtores rurais ração à vontade e bancava uma frota de tratores que prestava serviço às fazendas. Nomeado interventor, o expromotor Lourival Nascimento se assustou ao chegar ao município de 10 000 habitantes e encontrar as ruas de terra batida e tantas crianças fora da escola. Ele alerta: “Sem educação, o dinheiro do petróleo certamente escorrerá pelo ralo”. (grifo nosso).13 11 VEJA, edição 2283 – ano 45 – nº 34, de 22 de agosto de 2012, intitulada Aonde foi a Riqueza do Petróleo, p. 109. VEJA, edição 2283 – ano 45 – nº 34, de 22 de agosto de 2012, intitulada Aonde foi a Riqueza do Petróleo, p. 111. 13 VEJA, edição 2283 – ano 45 – nº 34, de 22 de agosto de 2012, intitulada Aonde foi a Riqueza do Petróleo, p. 111. 12 48 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Para que um país seja chamado de desenvolvido, torna-se indispensável o desenvolvimento social, através de condições de melhores de distribuição de renda, capazes de garantir ao cidadão uma vida honesta e digna, situação que deve se perpetuar, também, para o alcance das futuras gerações. É importante citar as palavras de Antônio Augusto Cançado Trindade: De que vale o direito à vida sem o provimento de condições mínimas de uma existência digna, se não de sobrevivência (alimentação, moradia, vestuário)? De que vale o direito à liberdade de locomoção sem o direito à moradia adequada? De que vale o direito à liberdade de expressão sem o acesso à instrução e educação básica? De que valem os direitos políticos sem o direito ao trabalho? De que vale o direito ao trabalho sem um salário justo, capaz de atender às necessidades humanas básicas? De que vale o direito à liberdade de associação sem o direito à saúde? De que vale o direito à igualdade perante a lei sem as garantias do devido processo legal? E os exemplos se multiplicam. Daí a importância da visão holística ou integral dos direitos humanos, tomados todos conjuntamente. Todos experimentamos a indivisibilidade dos direitos humanos no quotidiano de nossas vidas. Todos os direitos humanos para todos, é este o único caminho seguro para a atuação lúcida no campo da proteção dos direitos humanos. Voltar as atenções igualmente aos direitos econômicos, sociais e culturais, face à diversificação das fontes de violações dos direitos humanos, é o que recomenda a concepção, de aceitação universal em nossos dias, da inter-relação ou indivisibilidade de todos os direitos humanos14. É deveras importante destacar as palavras de Amartya Sen, citado por Laffayette Josué Petter: O crescimento econômico não é um fim em si mesmo. Ele tem de estar relacionado, sobretudo, com a melhoria de qualidade de vida das pessoas e com as liberdades que elas podem desfrutar. (...) expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando este mundo15 (2008, p. 88). Pelo exposto, é inquestionável que políticas públicas voltadas a investimentos na área de infraestrutura, bem como planejamento estratégico e combate à corrupção, com política de melhorias à 14 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado, em palestra na IV Conferência Nacional de Direitos Humanos. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/conferencias/dh/br/iiconferencia.html. Acesso em: 18 de dezembro de 2012. 15 PETTER, Lafayete Josué. Princípios constitucionais da ordem econômica: o significado e o alcance do art. 170 da Constituição Federal. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: revista dos Tribunais, 2008, p.88. 49 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor empregabilidade e profissionalização, notadamente nas áreas envolvidas, inclusive quanto às pessoas que chegam às áreas beneficiadas através de recursos provenientes de royalties do petróleo, gerando a distribuição de renda e riquezas, incrementando o consumo, diminuindo as desigualdades econômicas e sociais, voltadas ao real desenvolvimento humano. 6. RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO: EDUCAÇÃO PARA CONSUMO E MEIO AMBIENTE De gestão a gestão, houve diversas oportunidades para que o Brasil implementasse um sistema educativo que o permitisse enfrentar os desafios da modernidade social e política. Recursos existem, pois os contribuintes são pesadamente tributados, num país que, apesar de valores tão volumosos, não consegue satisfazer as necessidades mínimas básicas, como saúde, educação, segurança, transporte público, habitação e meio-ambiente sustentável. No entanto, até o presente instante, há uma preocupação governamental excessiva com índices, sem realmente verificar se o conteúdo do aprendizado entre os alunos é capaz de criar cidadãos críticos e conscientes, capazes de refletir perante os anseios da sociedade de consumo, cada vez mais ávida por adquirir bens, sejam eles necessários ou não. Nas palavras de Antônio Carlos Efing: Na medida em que o consumo consciente passa a ser exercido, o consumidor, além de efetivar seus direitos outorgados constitucionalmente, ainda melhora a qualidade dos produtos ou serviços ofertados no mercado. Assim, vários consumidores conscientes do impacto para o seu consumo e o meio ambiente (e logicamente para sua vida e para a vida das futuras gerações) irão escolher fornecedores que possuam responsabilidade socioambiental, o que é necessário para se atingir o almejado pelo art. 170 da Constituição Federal para a Ordem Econômica.O consumidor só poderá tornar-se agente capaz de interagir com o mercado de consumo a ponto de influenciar somente a manutenção de empresas sociambientalemente corretas, se for corretamente informado e educado. A conscientização crítica do consumidor demanda informações e sua educação para a adoção dos valores socioambientais tais como norteadores de suas decisões. Para isso, a atuação do Estado é necessária na medida de sua responsabilidade por tais atos (educação e informação). Além do Estado, a sociedade também é responsável pela propagação das práticas de consumo consciente, visto que a própria preservação do Planeta depende desta nova conduta. O consumo consciente tem efeitos imediatos na economia e no meio ambiente, como também surte consequências para as futuras gerações, de modo que se preserva o ambiente em que se vive para se ter qualidade de vida presente e a manutenção desta a longo prazo, saneando-se também o próprio mercado16. 16 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo. Curitiba: Juruá, 2012, p.126127. 50 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Os recursos provenientes de royalties do petróleo são uma fonte que, se bem aplicada, poderão ser uma solução para a falta de vontade política, gerando o atendimento das necessidades educacionais da população brasileira, cada vez mais carente de informação de qualidade, que os façam questionar o sistema de consumo, onde a política do “ter” tornou-se mais importante que a política do “ser”. Nas palavras de José de Souza Martins: As políticas econômicas atuais, no Brasil, e em outros países, que seguem o que está sendo chamado de modelo neoliberal, implicam a proposital inclusão precária e instável, marginal. Não são, propriamente, políticas de exclusão. São políticas de inclusão das pessoas nos processos econômicos, da produção e na circulação de bens e serviços, estritamente em termos daquilo que é racionalmente conveniente e necessário a mais eficiente (e barata) reprodução do capital. E, também, ao funcionamento da ordem política, em favor dos que dominam. Esse é um meio que claramente atenua a conflitividade social, de classe, politicamente perigosa para as classes dominantes.O homem deixa de ser o destinatário direto do desenvolvimento, arrancado do centro da história, para dar lugar à coisa, ao capital, o novo destinatário fundamental da vida. Isso torna os problemas daí decorrentes complicados e confusos em face de outros modelos de ver o mundo. Sobretudo porque os agentes, voluntários e involuntários, dessas políticas, podem oferecer e estão oferecendo suas próprias alternativas às vítimas do atual processo de desenvolvimento, que são as alternativas da coisificação e da adaptação excludente, da alegria pré-fabricada e manipulada 17. Logo se pode ver que o ser humano tornou-se uma parte do círculo de consumo, fruto do jogo de poder dos grandes detentores do poder econômico, ávidos por um mercado que absorva, sem questionar, seus excedentes de produção. 7. RECURSOS PROVENIENTES DE ROYALTIES DO PETRÓLEO E AUMENTO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO: UMA ATITUDE EQUILIBRADA? O sistema reinante, na atualidade, é o capitalista, onde a filosofia dominante se ampara numa premissa pouco coerente, ou seja, compre agora e pague depois, isto é, no mundo do crédito. Na atualidade, bancos e instituições financeiras oferecem as mais variadas taxas de crédito, para que as pessoas possam adquirir bens, resolvendo uma possível infinidade de desejos e problemas, nem sempre tão reais. Em suma, a sociedade foi transformada numa sociedade de consumo, que se alimenta de desejos de consumo, cada vez mais desenfreados e irracionais, onde a filosofia do negócio 17 MARTINS, José de Souza. Exclusão social e a nova desigualdade. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2003. 51 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor ampara-se na premissa de que as necessidades nunca sejam satisfeitas, incitando o exército de consumidores e, ao mesmo tempo, devedores, a contrair, cada vez mais, novos e maiores empréstimos, para consumir seus novos sonhos, que não podem nem devem esperar para serem satisfeitos. Caso não consigam pagá-los, porque têm que ser pagos, serão contraídos novos empréstimos, numa ciranda que, assim, nunca irá acabar, levando o consumidor a um regime de dependência e, talvez, espécie de escravidão. Diante de tais fatos, pode-se dizer que os bancos e instituições financeiras não desejam que a dívida seja paga; muito pelo contrário, o que desejam é que o cliente continue com débito, pois através dele encontram sua principal fonte de lucros, por meio dos terríveis juros e, o que é ainda pior, de forma constante e, quase sempre, crescente. Mesmo com empréstimos e mais empréstimos, os bancos e instituições financeiras continuam tendo lucros, no mínimo, invejáveis. Para eles, é muito mais interessante ter pessoas dependentes, ou seja, consumidores desenfreados e cada vez mais devedores, escravos do sistema, pois fazer mais dívidas é o único meio de salvação de dívidas anteriormente contraídas, evitando, como isso, possíveis processos, inclusive de natureza judicial, para satisfação do crédito. Em suma, crédito gera dependência que, diante ditas circunstâncias, fica praticamente impossível de sair. E onde fica o papel do Estado no mundo do consumo? Ora, se os devedores não têm condições de pagar os juros e a dívida aos bancos, vez que a ordem é consumir, sem se preocupar com o depois, à procura da tão efêmera felicidade em adquirir bens, nem sempre duráveis, os consumidores ainda ficam mais sacrificados, através dos impostos que são obrigados a pagar, decorrentes desse endividamento. Na situação atual, o estado é capitalista, garantindo a disponibilidade contínua de crédito, bem como o conjunto de devedores vorazes por obtê-lo, mesmo que para isso custe uma infinidade de juros, onde as pessoas tornaram-se clientes e devedores. Nesse sistema, a pobreza e a miserabilidade são consideradas um crime, sem perdão ou condições de ressocialização, para quaisquer pessoas que dele façam parte, onde a única solução salvadora é o crédito e, consequentemente, a ciranda do consumo. Como se pode ver, os recursos provenientes de royalties do petróleo aumentam consideravelmente as receitas e, consequentemente, a cessão de crédito; no entanto, é necessário que haja políticas públicas e projetos efetivos de aplicabilidade desses recursos, gerando a melhoria do desenvolvimento humano, através de distribuição de renda e desenvolvimento social, com melhores oportunidades de vida, para que se chegue a uma melhor condição de vida para as pessoas envolvidas. 52 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor É urgente ressaltar que os recursos provenientes de royalties do petróleo não podem ser catapultados como a fórmula mágica que porão fim a todos os problemas decorrentes da má distribuição de renda e riqueza. Fazem-se necessárias políticas públicas e programas de desenvolvimento econômico, que não se limitem a conceder bolsas, cujos beneficiários, nas condições que o sistema se encontra, tornam-se fonte de transferência de recursos, sem qualquer compromisso efetivo de real desenvolvimento econômico social. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS Recentes decisões legislativas modificaram a legislação de royalties do petróleo, fruto do afã de Estados e Municípios, através de seus representantes políticos, em receber maiores quantias, sob os auspícios de que, como esses recursos, gerariam mais rápido e melhor o desenvolvimento econômico, ambiental e social de suas áreas, por meio de melhor distribuição de renda, o que promoveria maior facilidade de ascensão social e favorecimento do consumo, notadamente de bens indispensáveis à melhores condições de vida. Infelizmente, o que se pode evidenciar é que, em sua grande maioria, as cidades beneficiárias de recursos provenientes de royalties do petróleo, embora pareçam um “oásis de desenvolvimento econômico e social”, não possuem ou não utilizam os instrumentos necessários para que sejam alcançados esses objetivos. O que se vê, em sua grande parte, é uma política desvirtuada de suas verdadeiras funções, ou seja, que se preocupe com o bem-estar social; ao contrário, evidencia-se a preocupação em ascender aqueles que fazem o seu sustentáculo político, mantendo fora da esfera de benefícios a coletividade como um todo, excluindo um número exorbitante de pessoas. São indispensáveis políticas públicas que promovam a verdadeira distribuição de renda e riqueza a todos os seres humanos, a fim de que possam alcançar os benefícios do mercado de consumo, através também da conscientização quanto à utilização desses recursos, a fim de as pessoas não se tornem dependentes de um sistema de crédito, cada vez mais presente em nossos dias, que nos induz a comprar o que não queremos e não precisamos, sob a premissa de que tais bens poderão nos trazer melhores condições de vida e, talvez, felicidade instantânea, como se isso fosse verdadeiramente possível. É indispensável a formação de cidadãos críticos, que não se deixem levar aos constantes apelos do mercado de excedentes de produção e consumo, que fornece crédito para a aquisição de 53 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor bens, sob a ótica de que não é preciso esperar para usufruir de seus anseios, pois o crédito está aí, disponível e farto, pronto para atender seus mais íntimos desejos. Se não forem obedecidos tais critérios, cada dia mais crescerá o número de consumidores despreparados e, cada vez mais, devedores de um sistema onde a ciranda de consumo é incentivada e, para ser satisfeita, devem ser obtidos novos créditos, cada vez maiores e mais fáceis, onde o consumidor enrola-se numa teia de quase impossível possibilidade de recuperação, onde o Estado capitalista também é algoz, através da carga tributária, por detrás desses empréstimos. Por fim, torna-se indispensável a prevenção quanto à chamada “doença holandesa”, presente em alguns países detentores de grandes reservas petrolíferas, pois esta os torna dependentes das rendas do petróleo, a ponto de quase estagnar os demais setores econômicos. Com isso, países gastam desordenadamente seus recursos provenientes de royalties do petróleo em gastos supérfluos e bens importados, além de criar burocracias tamanhas e sem sentido, deixando de investir maciçamente em desenvolvimento sustentável e, consequentemente, social e econômico. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição: República Federativa do Brasil. Brasília; Senado Federal, 1988. BRASIL. Lei 12734, de 30 de novembro de 2012. Modifica as Leis no 9.478, de 6 de agosto de 1997, e no12.351, de 22 de dezembro de 2010, para determinar novas regras de distribuição entre os entes da Federação dos royalties e da participação especial devidos em função da exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, e para aprimorar o marco regulatório sobre a exploração desses recursos no regime de partilha. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 30 de novembro de 2012 edição extra. Disponível em: (www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20112014/.../Lei/L12734.htm). Acesso em 02 fev. 2013. BRASIL, Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Legislativo, Brasília, DF, 27 de outubro de 1966. Disponível em: (www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172.htm). Acesso em 13 fev. 2013. BRASIL. 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Diante dessa problemática, apresenta as normas já existentes a respeito da regulamentação da publicidade, assim como, uma possível solução, para conseguir, mais facilmente, fazer o relacionamento entre publicidade e fornecedor, conseguindo, desta forma, responsabilizar os fornecedores por possíveis vícios que apresentem a publicidade por eles veiculadas, evitando que os consumidores possam ser prejudicados. O objetivo deste trabalho é analisar as normas vigentes que a publicidade deve seguir para poder ser veiculada, assim como sua aplicação na prática, e sua eficácia quanto às propagadas no meio digital. Diferentemente dos demais meios, o digital necessita de uma fiscalização diferenciada, que consiga acompanhar seu dinamismo, a fim de assegurar que os direitos do consumidor estejam sendo devidamente respeitados. Como alternativa, o trabalho apresenta uma abordagem diferenciada na fiscalização, apontando como possível solução do problema que esta seja realizada no momento anterior a veiculação da publicidade, ao contrário daquela realizada após a sua veiculação como se vê hoje. PALAVRAS-CHAVE: Direito do Consumidor; Proteção do Consumidor; Publicidade Meio Digital. ABSTRACT This paper presents and discusses the impact of advertising on consumer society today, demonstrating, therefore, the scope of the electronic media, as well as the difficulty to ensure that they comply with guidelines that ensure the protection of consumer rights, and the complexity of relating to advertising provider that transmits it online. Faced with this problem, presents the existing rules regarding the regulation of advertisements, as well as a possible solution to achieve more easily the relationship between advertising and vendor, obtaining thus blaming suppliers for possible defects that present the ads aired by them, avoiding that consumers are harmed. The objective of this paper is to analyze the current regulations that advertising should follow to be conveyed, as well as its application in practice, and as to their effectiveness in the digital broadcast. Demonstrating that unlike other media, digital media requires a differentiated supervision, which can monitor its dynamism, in order to ensure that consumer rights are being properly respected. Alternatively, the paper presents a differentiated approach to surveillance, pointing to a possible solution of the 56 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor problem that this is done in time before the placement of advertising, unlike that held after its placement as seen today. KEYWORDS: Consumer Law. Consumer Protection. Online Advertising. 1 INTRODUÇÃO O assunto do referido trabalho é sobre a proteção do consumidor ante a publicidade no meio digital, onde serão abordados os problemas enfrentados pelo consumidor e as soluções para garantir que os seus direitos estejam sendo respeitados na publicidade veiculada no meio digital, assim como analisará uma forma de fiscalizar e responsabilizar de forma mais rígida os fornecedores que se utilizam deste meio. Incontestável é o impacto da publicidade na sociedade de consumo atual. Com o advento da internet, assim como a disponibilização de seu acesso em todas as classes sociais, a publicidade se tornou ainda mais dinâmica, sendo que atualmente o consumidor vê-se influenciado diuturnamente por intensa e hábil publicidade à aquisição de produtos. Desta forma, é necessário assegurar que os direitos dos consumidores sejam respeitados, garantindo os que seguem as normas previamente estabelecidas. Ocorre que, de fato, é encontrada uma regulamentação eficaz quanto à publicidade veiculada em rádio, televisão e impressos, sendo inclusive facilmente associada aos fornecedores que a veicularam, não acontecendo o mesmo com relação à publicidade que circula no meio digital. A internet é um meio muito difuso, podendo facilmente se realizar compras nos mais diversos locais do globo, sem para isso, sem que o consumidor precise sair de seu domicílio. O mesmo vale para o fornecedor, que pode hospedar seu site, assim como sua publicidade, em qualquer localidade e colocar seus produtos e/ou serviços à disposição de quem queira no mundo. Assim, verifica-se que o fornecedor, fazendo uso dessa diversidade de opções quanto à hospedagem de sites, pode veicular sua publicidade ocultando-a de seu site principal, dificultando a conexão da publicidade veiculada com determinado fornecedor, tornando ainda mais difícil sua responsabilização por possíveis vícios, imprecisões ou por conteúdo abusivo ou enganoso. Soma-se a isso o fato de que o meio digital é um meio muito dinâmico, que cria, simultaneamente, necessidades ao consumidor a partir das diversas espécies de publicidade, 57 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor induzindo-o a comprar produtos que sequer planejava, sendo então necessário obter uma forma de controle eficaz para a proteção dos interesses do consumidor. Ainda que a legislação atual faça essa proteção adequadamente, sua eficácia no meio digital, como já citado, se vê prejudicada pela soma dos fatores mencionados anteriormente, devendo, portanto, ser adotado um meio que possa agregar a eficiência demonstrada aos demais meios de veiculação ao dinamismo apresentado pela internet. Assim, o presente trabalho tem como objetivo encontrar qual é a melhor forma de assegurar que os direitos do consumidor sejam respeitados na publicidade de produtos veiculada na internet. Para tanto, pretende-se analisar as normas vigentes que incidem sobre a publicidade, assim como sua aplicação na prática, e sua eficácia quanto às veiculadas no meio digital. Desta forma, este artigo apresentará uma discussão sobre as atuais normas que regulam a publicidade, debaterá a dificuldade apresentada na aplicação dessas normas no meio digital e oferecerá uma hipótese para solucionar o problema. 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 Definições Sobre Publicidade e Consumidor Inicialmente, deve-se conceituar o que se entende por publicidade, assim como o que se entende por consumidor. Giacomini Filho (1991, p. 15) em sua obra “Consumidor Versus Propaganda”, conceitua: “Entende-se por publicidade ou propaganda, neste estudo, a forma de comunicação identificada e persuasiva empreendida, de forma paga, através dos meios de comunicação de massa.”. Nos termos de Miragem (2010, p.159) entende-se por publicidade aquela que “se realiza com o fim de estimular e influenciar o público em relação à aquisição de determinados produtos ou serviços, o que em geral enseja que seja feita dentro do mercado de consumo”. Sobre o assunto, ainda: O comitê de definições da American Association of Advertising Agencies (AAAA) oferece a seguinte noção: “Publicidade é qualquer forma paga de apresentação impessoal e promoção tanto de ideias, como de bens ou serviços, por um patrocinador identificado”. (BENJAMIN, MARQUES e BESSA, 2010, p. 229). 58 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Segundo o Código Brasileiro de Autorregulamentação, publicidade é “toda atividade destinada a estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover, instituições, conceitos, ideias.”. Esta pode ser considerada como anúncio veiculado por qualquer meio de comunicação, visando atrair o consumidor para o ato de consumo (ANDRADE, 2011). Braga Netto (2011) afirma que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 36 exige que a publicidade a ser veiculada deve ser realizada de modo claro, de forma que o consumidor entenda que está diante de um anúncio publicitário, o que muitas vezes não acontece na publicidade realizada pela internet. Cabe salientar aqui, uma diferença entre publicidade e propaganda, que alguns autores referem, interpretando que a publicidade teria a finalidade comercial e a propaganda, uma finalidade ideológica, religiosa, política ou social (ANDRADE, 2011). Giancoli e Araujo Junior (2011) afirmam que não há razões para tal distinção, pois a própria Constituição Federal não o faz, pois se refere à propaganda e propaganda comercial (art. 22, XXIX e art. 220, § 4º). É certo que o Código de Defesa do Consumidor acabou adotando como referência “publicidade”, mas tal distinção seria apenas uma discussão acadêmica. Já no tocante às definições sobre consumidor, muitas são as variações, sendo no seu sentido mais amplo: “(...) todo e qualquer ser humano, pois qualquer um tem possibilidade de consumir algo...” (GIACOMINI FILHO, 1991, p. 17). Tal definição se mostra, inclusive, em consonância com a definição atribuída pelo artigo 2° caput do Código de Defesa do Consumidor “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”. Este conceito é exclusivamente de caráter econômico, levando-se em consideração o consumidor que adquire bens ou contrata serviços, como destinatário final, pressupondo-se assim, que visou o atendimento de uma necessidade própria e não o desenvolvimento de outra atividade negocial. (GRINOVER [et. al] 2007). Sobre ser destinatário final e ainda por tratar-se de uma cláusula geral, cuja interpretação deve ser dada pelo Poder Judiciário e a própria doutrina, estes atualmente adotam a teoria do finalismo aprofundado, que demanda uma interpretação que engloba inclusive os fornecedores que compram produtos e os inserem na sua produção, desde que se denote a característica da vulnerabilidade.1 1 No mesmo sentido: “(...) dando ao bem ou ao serviço uma destinação final fática, a pessoa, física ou jurídica, profissional ou não, caracteriza-se como consumidora, pelo que dispensável cogitar acerca de sua 59 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Neste sentido entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça: (...) A incidência do CDC a uma relação de consumo está pautada na existência de destinação final fática e econômica do produto ou serviço, isto é, exige-se total desvinculação entre o destino do produto ou serviço consumido e qualquer atividade produtiva desempenhada pelo utente ou adquirente. Entretanto, o próprio STJ tem admitido o temperamento desta regra, com fulcro no art. 4º, I, do CDC, fazendo a lei consumerista incidir sobre situações em que, apesar do produto ou serviço ser adquirido no curso do desenvolvimento de uma atividade empresarial, haja vulnerabilidade de uma parte frente à outra. - Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a imposição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circunstância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. Em suma, prevalece a regra geral de que a caracterização da condição de consumidor exige destinação final fática e econômica do bem ou serviço, mas a presunção de vulnerabilidade do consumidor dá margem à incidência excepcional do CDC às atividades empresariais, que só serão privadas da proteção da lei consumerista quando comprovada, pelo fornecedor, a não vulnerabilidade do consumidor pessoa jurídica. - Ao encampar a pessoa jurídica no conceito de consumidor, a intenção do legislador foi conferir proteção à empresa nas hipóteses em que, participando de uma relação jurídica na qualidade de consumidora, sua condição ordinária de fornecedora não lhe proporcione uma posição de igualdade frente à parte contrária. Em outras palavras, a pessoa jurídica deve contar com o mesmo grau de vulnerabilidade que qualquer pessoa comum se encontraria ao celebrar aquele negócio, de sorte a manter o desequilíbrio da relação de consumo. A “paridade de armas” entre a empresa-fornecedora e a empresa-consumidora afasta a presunção de fragilidade desta. Tal consideração se mostra de extrema relevância, pois uma mesma pessoa jurídica, enquanto consumidora, pode se mostrar vulnerável em determinadas relações de consumo e em outras não. Recurso provido. (STJ, RMS 27.512/BA, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 20/08/2009, DJe 23/09/2009). Esta primeira definição trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, em verdade se trata da definição legal ou standard, que é complementada por outras três definições de consumidores equiparados, como a coletividade de pessoas que tenham intervido nas relações de consumo, conforme parágrafo único do art. 2º do CDC; todas as vítimas de um evento de consumo, a teor do que dispõe o art. 17 do CDC e ainda, todas as pessoas, expostas às práticas abusivas nele previstas, conforme art. 29 do CDC2. Sobre o tema: (...) o conceito de consumidor padrão, standard, o qual vai ser complementado por outras três definições, a que a doutrina majoritária qualifica como espécies de consumidores equiparados, uma vez que, independentemente de se caracterizarem como tal pela realização de um ato material de consumo, são referidos deste modo para permitir a aplicação da tutela protetiva do CDC em favor da coletividade, das vulnerabilidade técnica (ausência de conhecimentos específicos quanto aos caracteres do bem ou serviço consumido), jurídica (falta de conhecimentos jurídicos, contáveis ou econômicos) ou socioeconômica (posição contratual inferior em virtude da magnitude econômica da parte adversa ou do caráter essencial do produto ou serviço por ela oferecido).” (CAVALIERI FILHO, 2010, p.55). 2 Art. 2º, parágrafo único: Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. 60 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor vítimas de um acidente de consumo, ou mesmo de um contratante vulnerável, exposto ao poder e à atuação abusiva do parceiro negocial mais forte. (MIRAGEM, 2010, p. 81) Com as definições supra já se pode perceber uma profunda ligação entre os dois elementos a serem aqui estudados, publicidade e consumidor, podendo ainda ser dito que a primeira figura não subsistiria sem o segundo. Benjamin, Marques e Bessa (2010, p. 83) ressaltam que “o consumidor não é uma definição meramente contratual (o adquirente), mas visa também proteger as vítimas dos atos ilícitos pré-contratuais, como a publicidade enganosa, e das práticas comerciais abusivas, sejam ou não compradoras, sejam ou não destinatárias finais”. Não há de se olvidar que o foco adotado pela publicidade tenta tornar cada vez mais efetiva a sua atuação: A publicidade sempre teve sua ação contextualizada no marketing e sua atuação frente ao consumerismo não pode ser analisada fora do propósito mercadológico. (...) As primeiras experiências mercadológicas evidenciaram uma total orientação para o lucro e maximização dos insumos produtivos, ficando a questão social à margem das preocupações empresariais. Logicamente, a publicidade, como força a serviço da empresa, seguiu este balizamento e se estruturou para atender esta orientação. (GIACOMINI FILHO, 1991, p. 85) Deve-se ainda atentar aos estudos realizados a respeito da participação dos veículos de comunicação na publicidade. Giacomini Filho (1991, p. 90) define esta como sendo: “Televisão – 55,9%; Jornal – 18,1%; Revista – 15,2%; Rádio – 7,7%; Outdoor – 2,1%; Diversos – 1,0%;”. No entanto, deve-se lembrar que tais estudos do autor sobre o tema se deram no ano de 1991, sendo possível que estas proporções sejam diferentes na atualidade, pois na época ainda não se falava em publicidade no meio digital. 2.2 Impacto da Publicidade no Meio Digital e Influência para o Consumidor De acordo com os dados fornecidos pelo site do IBOPE (2012): “A internet no Brasil registrou crescimento de 7,2% no segundo trimestre de 2012, quando comparada ao mesmo período de 2011, totalizando 83,4 milhões de brasileiros com acesso à rede, de acordo com o IBOPE Nielsen Online.”. 61 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Não se pode deixar de associar esses números a consumidores, pois como abordado no conceito anteriormente apresentado, “todo e qualquer ser humano” é um consumidor em potencial. Analisando os dados apresentados, ainda que a internet se mostre um mercado em crescimento, a mesma possui uma parcela relevante do mercado publicitário. Não se pode negar também que se trata, sem sombra de dúvidas, de um meio muito mais dinâmico que os demais, devido à facilidade em se veicularem publicidade e promoções. Logo, tem-se um crescimento de 7,2% de 2011 a 2012 no número de brasileiros acessando a rede, tendo-se por consequência, um aumento proporcional no mercado consumidor abrangido por esta. Considerando ainda que se trata de um meio dinâmico com diversas espécies de publicidade sendo veiculadas simultaneamente, tem-se um verdadeiro bombardeio de promoções, produtos e informações a cada consumidor, sem, necessariamente precisar este sair de sua residência, criando necessidades, impulsionando desejos e compras a estes que sequer possuíam. Giacomini Filho (1991) mostra que desde a publicação de sua obra, a facilidade de acesso a informações e produtos por parte do consumidor, já era um fator importante, afirmando que: (...) o consumidor destaca o caráter informativo da publicidade, através da qual fica sabendo de novos produtos, o que está na moda, atributos de artigos que pretende comprar etc. Citando Albisson: “o grande público deseja informar-se sacrificando o mínimo possível de dinheiro, de tempo, de esforços físicos e mentais”; ou seja, a leitura dos cartazes ou anúncios de outras mídias é uma maneira cômoda e barata de informa-se sobre muitos fatos. O Mappin, ao anunciar que está oferecendo a máquina de lavar roupa por um preço “X”, evita que o consumidor interessado vá a um outro local cujo preço jamais fosse igual ou inferior. (GIACOMINI FILHO, 1991, p. 93) Nos termos de Pugliese, apud Silva (2012), a publicidade na internet seria “equivalente, do ponto de vista do usuário do comércio eletrônico, à sensação de mergulhar em um cartaz, conhecer a estrutura organizacional, a situação financeira, o negócio da empresa, os diversos produtos e até viabilizar o acesso a outras home pages (este é o negócio das search engines) tudo em escala muito maior que outros meios de divulgação”. Inegável, assim, a relevância do meio digital perante o consumidor, devido a sua praticidade em disponibilizar acesso a um leque de anúncios, informações e produtos, muito maior que o possível em outras mídias. 62 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 2.3 Normas de Direito do Consumidor Referentes à Publicidade O Código de Defesa do Consumidor dispõe em vários de seus artigos sobre a publicidade, reconhecendo, inclusive, que a proteção do consumidor contra a publicidade se trata de um dos direitos básicos deste, como mostra em seu artigo 6°, inciso IV quando assegura que “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços” compõe um dos direitos básicos do consumidor. Dessa maneira, em alguns de seus artigos seguintes, realiza uma série de disposições a fim de assegurar a responsabilização dos fornecedores quanto aos mais diversos vícios que o produto possa possuir, assim como danos que possa gerar, ou mesmo perigos que possam trazer ao consumidor, como se observa nos artigos 18, 19, 20 e 30, todos do Código de Defesa do Consumidor3. Não considerando, ainda, isso como o suficiente para assegurar que o consumidor estivesse devidamente protegido das lesões que a publicidade indiscriminada pudesse causar aquele, o Diploma Legal dedicou uma seção inteira ao tema, o que se vê na Seção III “Da Publicidade”.4 3 Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária. Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária [...] Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado. 4 SEÇÃO III Da Publicidade Art. 36. A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal. Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem. Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores 63 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor De fato, as disposições encontradas no Código de Defesa do Consumidor, se mostram deveras insuficientes para a proteção do consumidor, pois este não poderia apenas propor os pontos a serem observados sem definir quem deveria observar. Ainda, tais situações deveriam ser fiscalizadas. Para tanto, o próprio art. 55, § 1º do CDC, admite que podem ser emitidas outras normas que se mostrem necessárias no tocante à competência para se legislar: Art. 55. A União, os Estados e o Distrito Federal, em caráter concorrente e nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, baixarão normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços. § 1° A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias. [...] Por fim, o legislador resolveu, ainda, a fim de punir aqueles que não seguem as diretrizes estabelecidas nos artigos anteriormente citados, e estabelece sanções a serem aplicadas nesses casos, o que fez nos termos dos artigos 63 a 69 do Código de Defesa do Consumidor.5 Recentemente o legislador entendeu ser necessária uma reforma ao Código de Defesa do Consumidor para que este mantenha sua eficácia nas relações de consumo, tendo em vista as alterações que a sociedade sofreu com o advento do comércio eletrônico, onde foi acrescentado ao projeto uma seção dedicada inteiramente ao tema “comércio eletrônico”, como se vê na Seção VII intitulada “Do Comércio Eletrônico”6. ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. § 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço. Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina. 5 Art. 63. Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa. [...] Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva: Pena Detenção de três meses a um ano e multa. Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança: Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa: Art. 69. Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à publicidade: Pena Detenção de um a seis meses ou multa. 6 Seção VII Do Comércio Eletrônico Art. 45-A. Esta seção dispõe sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, visando a fortalecer a sua confiança e assegurar tutela efetiva, com a diminuição da assimetria de informações, a preservação da segurança nas transações, a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais. 64 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Isto demonstra a preocupação com o consumidor frente às alterações que a sociedade moderna e tecnológica trouxe para a sociedade de consumo, como consta no projeto com a possível inclusão do art. 45-A: Parágrafo único. As normas desta Seção aplicam-se às atividades desenvolvidas pelos fornecedores de produtos ou serviços por meio eletrônico ou similar. Art. 45-B. Sem prejuízo do disposto nos arts. 31 e 33, o fornecedor de produtos e serviços que utilizar meio eletrônico ou similar deve disponibilizar em local de destaque e de fácil visualização: I - seu nome empresarial e número de sua inscrição no cadastro geral do Ministério da Fazenda; II - seu endereço geográfico e eletrônico, bem como as demais informações necessárias para sua localização, contato e recebimento de comunicações e notificações judiciais ou extrajudiciais. III - preço total do produto ou do serviço, incluindo a discriminação de quaisquer eventuais despesas, tais como a de entrega e seguro; IV - especificidades e condições da oferta, inclusive as modalidades de pagamento, execução, disponibilidade ou entrega; V - características essenciais do produto ou do serviço; VI – prazo de validade da oferta, inclusive do preço; VII - prazo da execução do serviço ou da entrega ou disponibilização do produto. Art. 45-C. É obrigação do fornecedor que utilizar o meio eletrônico ou similar: I - manter disponível serviço adequado, facilitado e eficaz de atendimento, tal como o meio eletrônico ou telefônico, que possibilite ao consumidor enviar e receber comunicações, inclusive notificações, reclamações e demais informações necessárias à efetiva proteção dos seus direitos; II - confirmar imediatamente o recebimento de comunicações, inclusive a manifestação de arrependimento e cancelamento do contrato, utilizando o mesmo meio empregado pelo consumidor ou outros costumeiros; III - assegurar ao consumidor os meios técnicos adequados, eficazes e facilmente acessíveis que permitam a identificação e correção de eventuais erros na contratação, antes de finalizá-la, sem prejuízo do posterior exercício do direito de arrependimento; IV - dispor de meios de segurança adequados e eficazes; V - informar aos órgãos de defesa do consumidor e ao Ministério Público, sempre que requisitado, o nome e endereço eletrônico e demais dados que possibilitem o contato do provedor de hospedagem, bem como dos seus prestadores de serviços financeiros e de pagamento. Art. 45-D. Na contratação por meio eletrônico ou similar, o fornecedor deve enviar ao consumidor: I - confirmação imediata do recebimento da aceitação da oferta, inclusive em meio eletrônico; II - via do contrato em suporte duradouro, assim entendido qualquer instrumento, inclusive eletrônico, que ofereça as garantias de fidedignidade, inteligibilidade e conservação dos dados contratuais, permitindo ainda a facilidade de sua reprodução. Art. 45-E. É vedado enviar mensagem eletrônica não solicitada a destinatário que: I - não possua relação de consumo anterior com o fornecedor e não tenha manifestado consentimento prévio em recebê-la; II - esteja inscrito em cadastro de bloqueio de oferta; ou III - tenha manifestado diretamente ao fornecedor a opção de não recebê-la. § 1o Se houver prévia relação de consumo entre o remetente e o destinatário, admite-se o envio de mensagem não solicitada, desde que o consumidor tenha tido oportunidade de recusá-la. § 2o O fornecedor deve informar ao destinatário, em cada mensagem enviada: I - o meio adequado, simplificado, seguro e eficaz que lhe permita, a qualquer momento, recusar, sem ônus, o envio de novas mensagens eletrônicas não solicitadas; e II - o modo como obteve os dados do consumidor. § 3o O fornecedor deve cessar imediatamente o envio de ofertas e comunicações eletrônicas ou de dados a consumidor que manifestou a sua recusa em recebê-las. § 4o Para os fins desta seção, entende-se por mensagem eletrônica não solicitada a relacionada a oferta ou publicidade de produto ou serviço e enviada por correio eletrônico ou meio similar. § 5o É também vedado: I- remeter mensagem que oculte, dissimule ou não permita de forma imediata e fácil a identificação da pessoa em nome de quem é efetuada a comunicação e a sua natureza publicitária. II- veicular, hospedar, exibir, licenciar, alienar, utilizar, compartilhar, doar ou de qualquer forma ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem expressa autorização e consentimento informado do seu titular, salvo exceções legais. 65 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Art. 45-A. Esta seção dispõe sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, visando a fortalecer a sua confiança e assegurar tutela efetiva, com a diminuição da assimetria de informações, a preservação da segurança nas transações, a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais. Parágrafo único. As normas desta Seção aplicam-se às atividades desenvolvidas pelos fornecedores de produtos ou serviços por meio eletrônico ou similar. No entanto, o legislador não fez disposições que tratassem da publicidade no meio digital. As disposições encontradas nesta nova seção a ser inserida no Código de Defesa do Consumidor apenas tratam do próprio ato de se comprar e vender produtos por meio do comércio eletrônico, não dando atenção, no entanto, para a publicidade veiculada neste meio. Como citado anteriormente, as normas previamente estabelecidas pelo diploma de fato são suficientes para assegurar os direitos do consumidor na publicidade veiculada. No entanto, para garantir que estes direitos estejam de fato sendo respeitados, é necessário que se faça uma fiscalização mais rigorosa. Diferentemente dos demais meios, a internet necessita de um controle específico, criado de uma forma que se consiga acompanhar seu ritmo e evolução, justamente em prol de seu dinamismo e da quantidade de publicidade que bombardeia o consumidor de uma única vez. 2.4. Lacuna quanto à Regulamentação da Publicidade na Internet Sobre o controle da publicidade, o ordenamento jurídico adota o sistema misto, englobando o sistema legal e o sistema privado (autorregulamentação): No sistema legal, o Estado controla a atividade publicitária pela via administrativa (ex.: sanções aplicadas pelos órgãos de defesa do consumidor, nos termos do art. 56 do CDC) e pela via judicial (ex.: ação coletiva ajuizada para proibir a veiculação de publicidade abusiva, nos termos do art. 81, I, do CDC). Já no sistema privado os próprios envolvidos na atividade publicitária procuram regrar e sanear o setor, por meio da autorregulamentação. No Brasil, essa função é exercida pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), que tem como instrumento de controle o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. (ANDRADE, 2011, p. 527). Acontece que a atuação do sistema legal, bem como o privado, não atendem de maneira ostensiva a publicidade veiculada na internet. 66 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O CONAR, pela própria definição que se dá em seu site é “uma ONG encarregada de fazer valer o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária”, devendo-se salientar que este Código foi elaborado pela própria ONG. No entanto, ela não possui o poder de legislar ou mesmo de criar normas técnicas sobre o tema, já que se trata de uma entidade de direito privado. Como também citado no site da instituição, quando se refere ao histórico da sua criação, o CONAR foi instituído por representantes da classe publicitária como forma de se autorregulamentar, por medo de que o estado implantasse regras à prática publicitária que censurassem a sua própria publicidade. Essa instituição, ainda que desprovida do poder de legislar e sendo apenas um “conselho de ética profissional”, estabeleceu uma série de artigos e súmulas, a respeito da publicidade veiculada em território nacional, sendo frequentemente utilizados a fim de definir se certa publicidade respeita ou não os direitos do consumidor, mostrando, até então, eficácia em preservar os direitos do consumidor nos meios televisivo, radialístico e impresso, mas infelizmente não podendo se dizer o mesmo da implementação no meio digital. Desta forma, mais uma vez relembrando que as adições ao Código de Defesa do Consumidor também não trazem disposições quanto à publicidade neste meio, vemos uma lacuna no que diz respeito à fiscalização de maneira eficiente sobre a publicidade e promoções que circulam livremente pela internet. 2.5 Dificuldade na Aplicação das Normas à Publicidade Veiculada na Internet Como debatido no tópico anterior, diversas são as disposições feitas a respeito da publicidade, assim como as diretrizes analisadas em cada publicidade a fim de apurar irregularidades que possam vir a causar prejuízo ao consumidor. Quando considerados os meios onde estas são veiculadas, ainda que precária em alguns aspectos, a norma se mostra eficaz. No entanto, o meio digital segue na contramão desta regra, pois o meio em si é difuso, podendo facilmente se criar brechas que criem barreiras, algumas vezes intransponíveis, na responsabilização de certo fornecedor à determinada publicidade. Um fator a se observar no meio é a facilidade em se analisar dados do usuário, que meramente está acessando a rede mundial de computadores a fim de lhe oferecer uma publicidade que, devido a seu perfil, lhe gere interesse em consumir determinada gama de 67 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor produtos. Este é o caso que Silva (2012) mostra no seu artigo “A Publicidade Enganosa Via Internet”, quando da análise dos “cookies” explica que: (...) o chamado cookie é um arquivo de texto que, via de regra, é gravado no hard disk e utilizado pela memória RAM enquanto o internauta navega na Web. Deste modo, quando de sua primeira visita a um Website podem lhe ser formuladas perguntas que vão de seu nome a informes financeiros. Tais informações serão gravadas no cookie que será colocado em seu sistema para que sua futura navegação seja personalizada. (SILVA, 2012) Quando cita “navegação personalizada”, o que se tem estabelecido é que a rede através dos dados gravados nos “cookies” irá trazer àquele que acessa não só sites e informações, mas também publicidade e produtos que encaixem em seu perfil, que não necessariamente serão seguras ao consumidor. A esse respeito, continua o mesmo autor: (...) a Internet tem como característica principal a de ser um meio de comunicação democrático, de livre e fácil acesso. Ali navegam pessoas de todos os tipos, inclusive crianças, às quais devem ser asseguradas práticas de publicidade pautadas pela lealdade, boa-fé, pela veracidade e clareza das informações. (SILVA, 2012) Isto mais uma vez comprova a necessidade de se certificar que a publicidade veiculada no meio digital respeita os direitos do consumidor. Ainda que hajam diretrizes muito específicas cunhadas com esse intuito, como citado anteriormente, a internet é um meio que, diferentemente dos outros, torna a eficácia destes meios deficitária, por ser de difícil fiscalização. Silva (2012) também cita a liberdade e o fácil acesso como características principais da internet, e são justamente essas características que apresentam o problema. Anteriormente foi demonstrado que a maior atuação na “fiscalização”, por assim dizer, no campo da publicidade parte do CONAR. No entanto, este não apresenta eficácia plena. Giacomini Filho cita, já em 1991, os problemas que a instituição apresenta, quando diz que: Muitos seguimentos discutem a legitimidade do CONAR perante a sociedade, pois para muitos ele representa o ponto de vista dos publicitários e não da sociedade em relação à conduta ética do setor. (...) Um problema, porém, tem ocorrido: mesmo que anunciante e veículo atendam à decisão do CONAR, e isso realmente tem ocorrido, o anúncio lesivo terá deixado sua mensagem junto ao público. Há, inclusive, agências que em certos períodos buscam uma censura do CONAR para valorização e o aumento da audiência do anúncio ou sua polemização, tal como ocorre com a censura de filme ou peça teatral. (GIACOMINI FILHO, 1991, p. 103104) 68 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Pode-se facilmente trazer essas críticas para a atualidade, o que causa ainda mais espanto, pois antes do advento do meio digital ao se sustar certa publicidade, a menos que se guardassem recortes de revista ou jornais, ou mesmo que se gravasse em VHS, dificilmente, ainda que o citado gerasse polêmica, haveria acesso a ele. Após o advento da internet, no entanto, aquele que gerou a polêmica pode facilmente ser acessado por meio dos mais diversos sites encontrados na rede, por milhares de consumidores desprotegidos. Como citado pelo próprio Giacomini Filho (1991), já naquela época algumas agências procuravam por essa valorização e aumento de audiência de suas campanhas, não sendo diferente hoje, podendo-se inclusive dizer que com a facilidade encontrada no acesso a esses anúncios publicitários, mesmo naqueles vetados de serem reproduzidos na mídia impressa e televisiva, essa prática se tornou uma constante ainda mais nociva, pois ainda se poderá ter acesso a essas campanhas por meio da internet. Desta forma, ainda que as mais diversas normas sejam estabelecidas, parece que o risco se mostra eminente, tendo em vista a ineficácia na fiscalização, pois mesmo uma exibição de 2 minutos em rede aberta de televisão, rádio, ou mesmo uma nota de roda pé em revista ou jornal, pode ser acessada quantas vezes cada um dos atuais 83,4 milhões de usuários (IBOPE) da rede em território nacional. 2.6 Competência para fiscalização A lesão apresentada até então, de fato assombra os consumidores, mesmo aqueles meramente potenciais. Quando se pensa, então, que o risco de dano por ela causado não cessará simplesmente tentando remover o acesso a esta, tendo em vista a complexidade do meio digital, a ideia parece ainda mais aterradora. Ademais, não só os consumidores sofrem com ela, “interessa também aos fornecedores, que se valem da rede como forma de incremento de vendas de bens e serviços, a vigilância constante contra esse tipo de publicidade, prejudicial não só aos consumidores, mas também à boa e leal concorrência entre fornecedores”. (ULHOUA, 2012). Pode-se ainda acrescentar a essas palavras as de Paulo Vasconcelos Jacobina (1996, p. 87) "Extracontratualmente, ou até supracontratualmente, o controle da publicidade tem uma característica muito forte de tutela dos interesses difusos, e portanto, tem um caráter abstrato, e independe de eventuais lesões a interesses individuais, contratuais ou não". 69 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor De fato, a fiscalização da publicidade já publicada se mostra ineficiente à medida que encontra suas limitações. Então, surge o questionamento de como sanar esta problemática. Se a fiscalização se mostra ineficiente após a veiculação, por que não fazer um controle prévio? No entanto, deve-se atentar à competência para a realização dessa fiscalização, para então, poder se questionar como a realizar. A Lei nº 9.933, de 20 de dezembro de 1999, que dispôs sobre as competências do Conmetro e do Inmetro claramente dispõe em seus art. 3°, inciso IV, alínea “d”, que será destes a competência para exercer o poder de polícia administrativa, expedindo regulamentos técnicos nas áreas de avaliação da conformidade de produtos, insumos e serviços, desde que não constituam objeto da competência de outros órgãos ou entidades da administração pública federal, inclusive quanto aos casos de prevenção de práticas enganosas de comércio. Pelo exposto, verifica-se que o Inmetro seria, portanto, competente para realizar essa fiscalização de maneira mais eficaz, tendo em vista que poderia de fato estabelecer normas com força de lei, contribuindo desta forma para uma maior efetividade daquelas já dispostas no Código de Defesa do Consumidor. Poderia ser questionado o ponto que o inciso do citado artigo fala “desde que não constituam objeto da competência de outros órgãos ou entidades”, mas como já devidamente esclarecido, o tema atualmente tem sido “fiscalizado” pelo CONAR, o que já foi apontado como possuidor de eficácia limitada, deficiente e, como também já debatido, se trata de uma ONG, que atua meramente como um conselho de ética formado por profissionais da área, logo, não apresentando óbice à competência estabelecida pela Lei nº 9.933, de 1999. 2.7 Alternativa Segura: Selo de Qualidade Seguindo o raciocínio, foi estabelecido quem poderia realizar a fiscalização de forma mais eficiente do que aquela atualmente aplicada, agora deve ser retomada a indagação feita: “Se a fiscalização se mostra ineficiente após a veiculação, por que não fazer um controle prévio?”. Uma maneira de realizar tal controle eficientemente pode ser encontrado analisando a própria autarquia competente. Esta, como conhecida pelo público em geral, emite selos de qualidade em produtos, assegurando que estes são seguros ao consumo. 70 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Ora, poderia também se atribuir esse sistema à publicidade, emitindo-se selos. Não um selo restritivo, com intuito de censura, mas sim um selo de qualidade, em que o consumidor ao localizá-lo em uma publicidade pudesse ter a certeza de que nela seus direitos estariam sendo devidamente respeitados. Como a lesão provocada pela publicidade indevida gera um dano tão difícil de prevenir por ser causado pela divulgação (ainda que pequena), este seria um meio de ao menos minimizar possíveis danos. Desta forma, o selo adotaria atuação similar ao selo já emitido pela autarquia, apenas necessitando, para tanto, que a publicidade fosse previamente submetida a um controle pela instituição, para que esta fizesse a análise em busca de irregularidades. Não as encontrando, lhes atribuiria então seu selo de qualidade, liberando na sequência, a publicidade para que fosse veiculada. Poderia se discutir que o meio publicitário é dinâmico, não dispondo, assim, de tempo para que tal controle fosse realizado, devido à demanda das campanhas publicitárias. No entanto, as próprias campanhas podem, aqui, fazer o contraponto, pois estas não nascem do dia para a noite. São, em verdade, fruto de um trabalho anterior, pensado e repensado, a fim de que esta atenda todas as demandas dos clientes. Logo, o envio da campanha para que receba o selo de qualidade, que vale salientar, traria benefícios não apenas ao consumidor, por saber que seus direitos estariam sendo resguardados, mas também o fornecedor, veiculador da publicidade, por ter no selo prova cabal de que este não violou nenhum direito do consumidor, e de que não haveria prejuízo para a campanha em si. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS O crescimento do meio digital mostra cada vez mais, sua importância no mercado de consumo, tendo em vista que seu advento permitiu uma nova gama de relações de consumo não mais impossibilitadas de ocorrerem por distância física, ou mesmo pelo não conhecimento do produto “x”, ou da marca “y”. Atento a este fator, o Código de Defesa do Consumidor, procura constantemente se atualizar quanto à questão, trazendo normas melhor adaptadas à situação fática, a fim de proteger o consumidor da melhor maneira possível. 71 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor No entanto, quando o citado código trata de publicidade, esquece-se de fazer a diferenciação fundamental do meio digital aos demais, tendo em vista que este se apresenta muito mais dinâmico, e que a publicidade divulgada neste permanece acessível ao consumidor por muito mais tempo do que nas demais mídias, o que torna impraticável a aplicação de determinados artigos naquele estabelecidos. Assim, tem-se a internet como um campo não devidamente abrangido com relação à publicidade em específico pelo Código de Defesa do Consumidor, havendo apenas normas elaboradas pelo CONAR, que nada mais é do que um conselho de ética profissional privado, versando sobre o tema, não dando toda a garantia e proteção ao consumidor que o meio digital exige. A dificuldade em se aplicar as normas existentes à publicidade veiculada na internet se faz clara, principalmente quanto ao dano gerado por aquele fornecedor que não atende as normas existentes, que não presta a informação adequada, pois diferentemente daquela vista em outras mídias, sua completa remoção não se mostra possível, podendo, desta forma, ainda continuar lesando o consumidor. Assim a inversão da abordagem, ao se sugerir que seja aplicada uma fiscalização rígida anteriormente à veiculação da publicidade na mídia em questão, contrariando a prática atual, que consiste na fiscalização posterior à veiculação, se mostra como uma forma mais adequada e eficaz para evitar possíveis danos que venham a ser causados aos consumidores. O maior óbice a esta abordagem apontada como solução na fiscalização, seria a criação de um órgão ou autarquia para fazê-lo, e este pode ser sanado pelo Inmetro, pois a lei já dispõe sobre a sua competência, que poderia também abranger a publicidade no meio digital. Logo, a prática sugere a implementação de um selo de qualidade, que poderia facilmente ser adotado pela autarquia, que já possui prática similar no sistema atual, com relação à qualidade dos produtos. O consumidor, inclusive, já provou a eficácia da utilização de um selo emitido pela autarquia quanto ao produto a ser consumido, o que se denota que facilmente poderia estabelecer um segundo selo, desta vez em relação à publicidade do produto/serviços veiculados na internet, e também apresentaria uma eficácia no mínimo semelhante, corrigindo a lacuna existente e dando poderes a um órgão fiscalizador para fazer com que se cumpra a garantia constitucional de proteção ao consumidor. REFERÊNCIAS 72 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor ANDRADE, Adriano; MASSON, Cleber; ANDRADE, Landolfo. Interesses difusos e coletivos esquematizado. Rio de Janeiro: Forense, Método, 2011. BENJAMIN, Antônio Herman. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro. Ed. Forense Universitária, 1992. BENJAMIN, Antônio Herman; MARQUES, Claudia Lima e BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 3ª ed., 2010. BRAGA NETTO, Felipe Peixoto. Manual de Direito do Consumidor à luz da jurisprudência do STJ. 6ª ED. Salvador: Edições Juspodivm, 2011. BRASIL, Projeto do Código de Defesa do Consumidor. Pesquisado em 20 de Setembro de 2012. Disponível em <http://www.senado.gov.br/senado/codconsumidor/default.asp>. ______. Constituição Federal de 1988. <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Disponível em ______. Lei nº 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. ______. Lei nº 9.933/1999. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9933.htm>. Disponível em < ______. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. RMS 27.512/BA - 3ª T. - Rel. Ministra Nancy Andrighi DJe 23/09/2009. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&processo=27512 &b=ACOR>. Acesso em 15 de outubro de 2012. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2ª ed., 2010 CONAR. Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. História. Disponível em: <http://www.conar.org.br>. Acesso em 10 de Outubro de 2012. ______. Legislação. Disponível em: <http://www.conar.org.br>. Acesso em 10 de Outubro de 2012. GIACOMINI FILHO, Gino. Consumidor versus Propaganda. São Paulo: Summus, 1991. GIANCOLI, Brunno Pandori; ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio. Difusos e coletivos: direito do consumidor. 2ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011 (Coleção elementos do direito, v. 16). GRINOVER, Ada Pelegrini, [et al]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, 9ª ed.; Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. 73 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor JACOBINA, Paulo Vasconcelos. A Publicidade no Direito do Consumidor. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1996. KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do Consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. São Paulo: Atlas, 2ª ed., 2005 MIRAGEM, Bruno. Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1ª ed., 2008. SILVA ULHOA, Daniel da (2003). A publicidade enganosa via internet. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/3796/a-publicidade-enganosa-via-internet>. Acesso em 10 de Outubro de 2012. 74 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A PUBLICIDADE COMO INFLUÊNCIA NEGATIVA PARA A SOCIEDADE CONSUMERISTA E A IMPORTÂNCIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO ADVERTISING AS A NEGATIVE INFLUENCE ON CONSUMERIST SOCIETY AND THE IMPORTANCE OF HORIZONTAL EFFECTIVENESS OF FUNDAMENTAL RIGHTS IN CONSUMER RELATIONS Karina Pereira Benhossi1 http://lattes.cnpq.br/8422258752882441 Zulmar Fachin2 http://lattes.cnpq.br/8640721822545057 RESUMO: O objetivo do texto é refletir acerca das relações consumeristas advindas da pósmodernidade e a predominante cultura do consumo que prevalece na sociedade contemporânea. Nesse contexto, discute-se a publicidade como peça-chave para influenciar o consumo exacerbado vivenciado na atualidade, sobretudo no aspecto que envolve a ocorrência de publicidades enganosas e abusivas, veiculadas pelos meios de comunicação, o que atinge todos os consumidores indistintamente, ofendendo-os com a divulgação de conteúdos depreciativos e apelativos, bem como os induzindo a erro, por meio de técnicas que mascaram a veracidade da informação, como forma de persuadir esta parte presumidamente vulnerável nas relações de consumo. Tais relações são, em regra, formalizadas por entes particulares, onde o consumidor, por consequência, tem seus direitos fundamentais violados. Percebe-se que o tema está localizado no campo da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, os quais devem incidir nas relações de consumo de maneira a coibir a ocorrência de publicidades enganosas e abusivas em detrimento dos consumidores que merecem respeito e proteção. PALAVRAS-CHAVE: Publicidade; Consumidor; Relações de Consumo; Eficácia Horizontal; Direitos Fundamentais. ABSTRACT: The goal of this text is to reflect on the consumerist relations that comes from postmodernity and the prevailing consumer culture that prevails in contemporary society. In this context, is discussed advertising as key to actuate the exaggerated consumption experienced nowadays, particularly in the aspect that involves the incidence of misleading and unfair advertising propagated by the media, which reaches all consumers indistinctly, offending them through the disclosure of deprecating and appealing contents, as well, misleads them using techniques that mask the truth of the information, as a way of persuading 1 Mestranda em Direito pelo Centro Universitário de Maringá – CESUMAR. Graduada em Direito pela mesma instituição. Advogada. Endereço eletrônico: <[email protected] > 2 Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná – UFPR; Docente de Direito Constitucional no Mestrado do Centro Universitário de Maringá – CESUMAR e na Universidade Estadual de Londrina; Membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Presidente do IDCC - Instituto de Direito Constitucional e Cidadania. Endereço eletrônico: <[email protected]>. 75 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor this part presumably vulnerable in consumer relations. Such relationships are usually formalized by private ones, where the consumer consequently has their fundamental rights violated. It’s noticed, that theme is located in the field of horizontal effectiveness of fundamental rights, which must focus on consumer relations in order to curb the occurrence of misleading and abusive advertising in detriment of consumers who deserve respect and protection. KEY WORDS: Advertising; Consumer; Consumer Relations; Horizontal Effectiveness; Fundamental Rights. INTRODUÇÃO Após profundas mudanças vivenciadas pela sociedade, é evidente uma característica marcante na atual era pós-moderna, o que simboliza um marco na história da sociedade: o capitalismo expressado pelo consumismo ilimitado. Vive-se um período onde se vislumbra uma evidente supervalorização da cultura do consumo. Por mais que em determinado momento da história, em algum lugar do mundo, as relações de consumo e a aquisição de bens e serviços fossem frequentes, no direito contemporâneo nunca se viu tanta ênfase em se cultivar o poder de “ter” em detrimento do “ser”. Nesse perfil consumerista, verificar-se-á que é notório o papel significativo da publicidade como forma de influenciar a conduta consumerista, haja vista a intensa necessidade de alimentar o capitalismo que promove a competitividade entre as marcas e exige a publicidade persuasiva na divulgação de determinado produto ou serviço. Por tais motivos, procurar-se-á identificar que o grande problema é a forma como a publicidade é realizada, visto que, para atingir os objetivos esperados, fornecedores extrapolam os limites de uma publicidade lícita e tolerável, utilizando-se de técnicas enganosas ou conteúdos abusivos, apelativos, depreciativos e consequentemente ofensivos às pessoas. Em função da própria evolução tecnológica, notadamente pelos meios de comunicação rigorosamente modernos e sofisticados, não há como mensurar o público alvo de toda publicidade. Logo, diante da presumida vulnerabilidade do consumidor, buscar-se-á discutir o problema da publicidade que aflige toda a sociedade, manipulando os consumidores de forma negativa, tendo em vista a diversidade de pessoas expostas a todos os meios de comunicação, com total acesso às publicidades, sejam elas lícitas, apelativas, enganosas ou abusivas. 76 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 1 A ATUAL SOCIEDADE CONSUMERISTA E A VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR Atualmente vive-se um período da história cujo ato de consumir tornou-se algo “obrigatório” ou no mínimo um comportamento gradativamente imposto pela sociedade materialista que tanto privilegia o status do poder de consumir. Não basta a evolução natural do percurso da tecnologia, visto que o homem atual necessita desafiar o processo de criação, o que culmina numa preocupação muito maior. Nesse sentido, o ser humano se faz escravo do consumo, crendo no seu prazer e na felicidade gerada por tal ato, que contrariamente resulta numa farsa, porque afasta o homem de sua própria essência, que realmente pode lhe promover felicidade3. Há uma real tendência em adquirir o novo e o moderno, em contraposição àquilo que já se tornou "velho" ou "ultrapassado". Essa não é apenas uma característica da atual sociedade, pois, “o consumo não é um ‘dado’, é um fenômeno social e histórico. Ele é produto de um longo processo histórico que marca a passagem do feudalismo para o capitalismo4”. O mercado, de modo geral, oferece inúmeras opções de escolha dos mais variados tipos de produtos e serviços, o que induz sobremaneira o desejo do consumidor em possuir, adquirir ou usufruir de algo. Além disso, há uma considerável interferência da economia internacional, que reflete de forma determinante a evolução do consumo em massa: A criação das corporações transnacionais de direito privado, algumas vezes desenvolvendo esquemas de dominação monopolista do mercado, a complexidade dos novos produtos lançados, a pluralidade de produtos e serviços destinados aos mesmos fins, a intensa veiculação publicitária destacando vantagens relativas ao preço ou à qualidade dos bens anunciados (muitas vezes envolvendo mensagens conflituosas), as novas e agressivas técnicas de venda foram determinantes da evolução5. 3 Nesse contexto, evidencia-se a preocupação com o homem, destacada com a ideia de Alessandro Severino Vallér Zenni: “A modernidade desafia o homem a procurar imitar o Criador a partir da razão, até por ela ser seu atributo na criação do mundo inteligível. Nesta empreitada esteve tão fascinado com o poder de criação que culminou por enxergar-se absorto em processo consumista, aparentemente aprazível, controlado e movimentado por pequena parcela social; paradoxalmente sente-se angustiado, tornou-se anódino e escravo, distanciado de si mesmo”. ZENNI, Alessandro Severino Vallér. A crise do direito liberal na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006, p. 19. 4 VIANA, Nildo. A sociedade consumista. Jornal da UFG, Ano V, num. 37, junho de 2010, p. 15. Disponível em: http://www.ufg.br/uploads/files/Jornal_UFG_37_low.pdf. Acesso em 18 Nov. 2012. 5 CENEVIVA, Walter. Publicidade e direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 22. 77 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Eis a cultura que paira sobre a sociedade no momento, ou pelos menos em locais em que o acesso à publicidade e a veículos de comunicação são rápidos e fáceis. Registre-se, nessa perspectiva, que a maior parte da população consumerista ignora fatores primordiais em relação a excelência e qualidade do trabalho publicitário, coadunando-se muitas vezes com o que a mídia expõe, o que pode ferir inevitavelmente os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana. Ao falar em publicidade, sobretudo no tocante à sua ofensa a direitos fundamentais, evidentemente remete-se à dignidade humana, cuja correlação se dá pelo fato de que em cada direito fundamental há ao menos uma projeção da dignidade humana. Portanto, ao ofender um direito fundamental, indiretamente também se agride a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, Ingo Wolfgang Sarlet propõe que [...] a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental que ‘atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais’, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á negando-lhe a própria dignidade6. Estando na iminência de ofender direitos imprescindíveis ao ser humano, torna-se clara a importância do tema que diz respeito à publicidade, bem como a necessidade de se discutir os motivos e as circunstâncias que apontam os consumidores para a direção do abismo, isto é, na crença e aceitação de uma publicidade por vezes enganosa e abusiva que os levam ao prejuízo. É notório o desequilíbrio7 vislumbrado nas relações de consumo, o que possibilita a ocorrência de negócios onde o consumidor agrega apenas prejuízos em compactuar com as regras do mercado, movido a um forte desejo de consumo do qual a sociedade faz existir e prevalecer sempre nas relações consumeristas. 6 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 7. ed. rev. atual. ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 94. 7 Quanto a chamada vulnerabilidade, importante registrar o comentário de José Geraldo Brito Filomeno: “No âmbito da tutela especial do consumidor, efetivamente, é ele sem dúvida a parte mais fraca, vulnerável, se se tiver em conta que os detentores dos meios de produção é que detêm todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como produzir, sem falar-se na fixação de suas margens de lucro”. FILOMENO, José Geraldo Brito. In: GRINOVER, Ada Pelegrini ET AL. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 62. 78 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Vive-se um momento em que determinados valores encontram-se invertidos. Há uma supervalorização das coisas fúteis, olvidando-se dos valores que realmente deveriam ter a devida importância. Exalta-se muito mais a qualidade do “ter” do que a característica do “ser”8. Uma pessoa é muito mais reconhecida por aquilo que ela tem e pelo que pode adquirir, isto é, por seu status de poder, do que pela sua formação ou pelo que defende e acredita. Infelizmente, a sociedade impõe padrões em que se delineiam comportamentos muitas vezes contrários até ao desejo pessoal do consumidor, que na verdade age por impulso da sociedade. Para corroborar, ensina Carlos Alberto Bittar: Na ânsia de prover a exigências pessoais ou familiares – portanto, sob pressão da necessidade –, os consumidores têm sua vontade desprezada, ou obscurecida, pela capacidade de imposição de contratação e, mesmo, de regras para a sua celebração, de que dispõem grandes empresas, face à força de seu poder negocial, decorrente de suas condições econômicas, técnicas e políticas. A vontade individual fica comprimida; evidencia-se um descompasso entre a vontade real e a declaração emitida, limitando-se esta à aceitação pura e simples, em bloco, do negócio (contratos de simples adesão)9. Num contexto onde o consumidor é totalmente influenciado para a aquisição não só daquilo que é inútil, mas também do que é absolutamente desprezível, é que se constata que os problemas envoltos a tal situação são muito maiores do que se imagina. A publicidade por vezes, “sob a falsa promessa de geração de felicidade, de pertença na sociedade, forçam os sujeitos desprovidos de capacidades financeiras imediatas a tomarem cada vez mais créditos para se substancializarem10”, fazendo com que consumidores suportem sempre mais o ônus de despender com aquilo que muitas vezes não pode. Partindo dessa ótica, é consequente a inferência vislumbrada no comportamento humano, que associa a cultura do consumo com o prazer e a felicidade. Consoante a ideia de 8 Acerca da defesa dos consumidores, explana Luis M. Cazorla Prieto, nas palavras de José Afonso da Silva: “A defesa dos consumidores ‘responde a um duplo tipo de razões: em primeiro lugar, razões econômicas derivadas das formas, segundo as quais se desenvolve, em grande parte, o atual tráfico mercantil; e, em segundo lugar, critérios que emanam da adaptação da técnica constitucional ao Estado de coisas que hoje vivemos’, imersos que estamos na chamada sociedade de consumo, em que o ‘ter’ mais do que o ‘ser’ é a ambição de uma grande maioria das pessoas, que se satisfaz mediante o consumo”. GARRIDO FALLA, Fernando, e outros. Comentários a la constitución, Madrid: Revista de Occidente, 1981, p. 849, apud SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 263. 9 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor: código de defesa do consumidor. 6. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 2. 10 EFING, Antônio Carlos; STACZUK, Bruno Laskowski. Maximização da eficácia do direito fundamental de defesa do consumidor: uma medida necessária para a promoção da sustentabilidade social constitucional na pósmodernidade. In: XX Encontro Nacional do CONPEDI, 2011, Vitória. Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI Vitória/ES, 2011, p. 8437. 79 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Alessandro Severino Vallér Zenni, “o agravamento do problema se deu pela tecnologização dos sistemas criados pela razão na empreitada de ‘elevação humana’, e a globalização de uma cultura de consumo tendo no útil o valor milagroso para satisfação do anseio de felicidade do homem11”, ou seja, a felicidade está implicitamente ligada a condição de consumo, o que prejudica ainda mais a vulnerabilidade do consumidor. Além disso, há uma crescente demanda de consumo ainda sem a estrutura mínima para comportar o descarte de toda a matéria inutilizável, que eventualmente pode trazer sérios danos ao planeta. Por isso, torna-se necessário reaver comportamentos extremamente importantes para o crescimento e a preservação da sociedade, da qual as relações de consumo estão no centro dos fatores que mais intensificam a cultura da degradação ambiental. Diante de um panorama em que a sociedade se intitula como de “consumo”, é notório o fato de que inúmeros são os tipos e as formas de veiculação da publicidade, o que leva à premissa de que tal publicidade pode chegar a todos os lugares do planeta, atingindo todas as pessoas que possuem qualquer acesso à informação. Logo, diante da disparidade de formação, experiência e atenção dos consumidores em geral, determinadas publicidades podem influenciar de forma positiva ou negativa, dependendo de quem for o receptor da mensagem publicitária. Quando se fala em relações de consumo, automaticamente se insere a ideia de vulnerabilidade do consumidor, que diante de um comércio tão acirrado que detêm todas as artimanhas para uma publicidade persuasiva, utilizando-se da linguagem por vezes complexa para a exposição de produtos e serviços não comuns, deixa o consumidor em posição de desvantagem, colocando-o propenso ao consumo das tendências do comércio. Na visão de Paulo Salvador Frontini, [...] ressalvados objetos simples, de uso comum e de conhecimento geral, houve crescente incorporação das mercadorias e dos serviços de componentes técnicos e tecnológicos cujo conhecimento, compreensão e apreensão fogem ao alcance do adquirente. Disso resulta o fator chamado vulnerabilidade do consumidor, totalmente exposto ao predomínio da oferta da mercadoria ou do serviço, ou, em termos legais, dependente da boa-fé objetiva e subjetiva deste último12. 11 ZENNI, Alessandro Severino Vallér. A crise do direito liberal na pós-modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006, p. 14. 12 FRONTINI, Paulo Salvador. Acesso ao consumo. In: GOZZO, Débora (Coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 209. 80 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Nessa massificação das práticas comerciais, diante de consumidores notadamente vulneráveis, o que se vislumbra é a concorrência acirrada dos fornecedores, por um espaço no mercado de consumo, sejam quais forem as negativas consequências sofridas pelos consumidores. Por este caminho, o consumir, pois, [...] está aberto a todos. O indivíduo não precisa ser rico, não precisa ser nobre, não precisa ter título de doutor, porque a marca do sucesso não é mais nem o ser e nem o saber. Todos estão convidados a consumir inutilidades que aparecem no mercado, desnecessidades, supérfluos, em geral13. Logo, ressalta-se a importância do Código de Defesa do Consumidor, que preserva todos os direitos básicos no âmbito das relações de consumo, bem como sustenta a garantia de que o consumidor tenha acesso à informação e que ela seja adequada. Verifica-se a necessidade de proteger o consumidor sob todos os aspectos, a fim de que ele possa não sofrer os prejuízos advindos de uma sociedade extremamente consumerista. Nas palavras de João Luiz Barboza, Neste contexto de consumismo exacerbado, a importância do CDC ganha relevo, e o fornecedor deverá preocupar-se com determinados direitos textualmente garantidos ao consumidor. A informação adequada se constitui em seu direito básico, como decorrência da sua vulnerabilidade legalmente presumida14. Na seara da publicidade, é possível constatar a ocorrência de inúmeros prejuízos ao consumidor, vítima dos exageros publicitários, que por meio de publicidades enganosas e abusivas, fazem com que o consumidor incorra em erro, seja ofendido e tenha seus direitos fundamentais desrespeitados. De acordo com Carlos Alberto Bittar, o conteúdo publicitário muitas vezes é apelativo e depreciativo, havendo Campanhas enganosas na publicidade e na oferta de produtos (com anúncio de curas miraculosas, a descoberta de produtos substitutivos de alimentos e 13 GAULIA, Cristina Tereza. O abuso na concessão de crédito: o risco do empreendimento financeiro na era do hiperconsumo, Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 71, p. 34-65, jul./set. 2009, p. 71. 14 BARBOZA, João Luiz. O direito fundamental do consumidor e seu direito à informação. In: GOZZO, Débora (Coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 239. 81 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor outros); contratos pré-elaborados, com cláusulas pré-restritivas de direitos, ou leoninas; ajustes com textos de difícil leitura; excessos de garantias e outras situações de patente desequilíbrio têm sido frequentes na contratação privada, lesando-se interesses de ordem econômica dos consumidores, indefesos ante a apelos publicitários agressivos e a necessidades existentes ou criadas pela sociedade de consumo15. Eis a necessidade de proteger as relações de consumo em todos os aspectos que desequilibram o elo entre fornecedor e consumidor e ofendam direitos fundamentais imprescindíveis nas relações entre particulares – eficácia horizontal – em que se constata sua incidência como forma de proteção do ser humano. Daí extrai-se a relevância de um tema que abrange a todos e que se mostra frequente e complexo em uma era de intensos acontecimentos e grandes modificações que delineiam as tendências de uma sociedade amplamente globalizada e vítima do consumismo. 2 A PUBLICIDADE COMO MEIO PERSUASIVO-NEGATIVO NO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR Por primeiro, importante salientar que os termos publicidade e propaganda não são sinônimos, embora sejam utilizados por vezes como tal. Alguns autores até entendem que não deve haver diferenciações nestes termos, como o professor Luis Antonio Rizzatto Nunes, haja vista o fato de que o termo ‘propaganda’ tem origem no latim, gerundivo de propagare, que significa ‘coisas que precisam ser propagadas’, além de entender que ambos os vocábulos podem perfeitamente expressar o sentido desejado do anunciante do produto ou serviço 16. Todavia, faz-se pertinente esclarecer que a publicidade deve ser entendida como algo que possui o intuito de auferir lucro, tendo desígnios de caráter comercial, enquanto a propaganda tem sua conotação de propagar ou disseminar uma ideia, cujos objetivos estão voltados à política, à religião, ideologia, dentre outros17. Sabe-se que, na atualidade, é praticamente impossível pensar que determinada informação não atinja seu objetivo primordial: ter o conhecimento do público consumidor. Há 15 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor: código de defesa do consumidor. 6. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 48. 16 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 446. 17 NORAT, Markus Samuel Leite. Direito do consumidor: oferta e publicidade. São Paulo: Anhanguera, 2010, p. 98. 82 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor que se falar então na maior revolução do nosso tempo, qual seja, a das comunicações de massa, como salienta Paulo Salvador Frontini: O jornalismo escrito, acessível a uma minoria de letrados, revolucionou-se pela comunicação via áudio (rádio) e pelo meio audiovisual (televisão). Hoje alcança as pessoas onde estejam, pelos celulares com agregação de outras informações, tudo proporcionado pela moderníssima convergência digital. Democratizou-se o acesso à informação. Hoje, é cabível a pergunta: com a internet, até onde irá a sociedade contemporânea? Esses meios de comunicação, como não poderia deixar de ser, puseram-se a serviço das relações comerciais por meio da publicidade, também em série ou em massa18. Destaca-se, na atualidade, a informação como um traço marcante. Ocorre que as técnicas de informação que deveriam ampliar o conhecimento do planeta e todos os aspectos que envolvem os objetos que o formam e os homens que o habitam, são utilizadas por atores que tendem a priorizar apenas seus interesses e objetivos particulares19, cuja mensagem se resume na maior parte das vezes em publicidade. A intenção dos anúncios publicitários é fazer com que o consumidor seja conquistado, na medida em que determinada marca possa cada vez mais se sobressair perante as outras, independentemente das possíveis consequências suportadas pelo consumidor em relação a concorrência acirrada na atualidade. Segundo Walter Ceneviva, [...] a publicidade e a oferta se destinaram a forçar o consumo, através de brindes, ofertas de lançamento, concursos, enfim, em mecanismos de pressão aptos a perturbarem o discernimento do comprador entre os produtos concorrentes, eliminando ou sacrificando os mais fracos20. Diante de um dilema intrínseco à era moderna, há de se ressaltar que, por imposição da sociedade, aliada à uma publicidade fortemente persuasiva e muitas vezes apelativa por parte das empresas, o consumidor é levado a comportar-se de forma prejudicial a si próprio e em relação a seus dependentes, se houver, o que pode explicar o porquê da expressão “sociedade de consumo”. É nesse sentido que preleciona Carlos Alberto Bittar: 18 FRONTINI, Paulo Salvador. Acesso ao consumo. In: GOZZO, Débora (Coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 208. 19 SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consequência universal. Rio de Janeiro: Record, 2008, p. 38-39. 20 CENEVIVA, Walter. Publicidade e direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 23. 83 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Comandada por maciça e atraente publicidade, em especial através da mídia eletrônica, a comunicação dessas empresas e de seus produtos, ou de seus serviços, cria, frequentemente, novos hábitos. Despertando ou mantendo o interesse da coletividade, que assimila e adere às mensagens, inserindo-se ou conservando-se no elenco de seus clientes; com isso, sucessivos impulsos de compra são gerados, em todas as partes, aumentando-se o contingente consumidor da população terrestre (daí o nome de “sociedade de consumo” que se dá à nossa época, em que a aquisição e a fruição de bens se perfazem por sugestão e em relação à idéia de status pessoal)21. A questão se mostra muito mais complexa ao retratar as inúmeras consequências atraídas pela sociedade consumerista. Há um evidente transtorno nas relações de consumo pautadas pela crença em publicidades enganosas ou abusivas, o que leva muitas vezes ao superendividamento do consumidor. A intenção de atingir o maior número de consumidores da forma mais persuasiva é a finalidade primeira das empresas que promovem e divulgam seus produtos, seja qual for o público e os possíveis danos causados a consumidores que muitas vezes não possuem a maturidade necessária para interpretar e compreender a realidade de certos conteúdos. Mesmo com a existência de órgãos na fiscalização, com total autonomia de veto e alteração dos conteúdos, inúmeros consumidores são convencidos e se comprometem financeiramente sem ter as condições para arcar com o ônus da aquisição de determinado produto ou serviço. Na visão de Antônio Carlos Efing e Bruno Laskowski Staczuk: [...] sob este tal imperativo de consumo desenfreado, transmitidos universalmente por certos promotores publicitários, e factíveis, inclusive, àqueles sujeitos não possuidores de aportes financeiros imediatos e suficientes, já que amparados por uma grande estrutura creditícia, é que se propicia o surgimento do superendividamento. Um flagelo social contemporâneo, em que consumidores de boa-fé, acabam contraindo dívidas de consumo para além de suas potencialidades financeiras, comprometendo não só a própria qualidade de vida, mas também daqueles que estão a ele diretamente vinculados22. 21 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor: código de defesa do consumidor. 6. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com o novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 1-2. 22 EFING, Antônio Carlos; STACZUK, Bruno Laskowski. Maximização da eficácia do direito fundamental de defesa do consumidor: uma medida necessária para a promoção da sustentabilidade social constitucional na pósmodernidade. In: XX Encontro Nacional do CONPEDI, 2011, Vitória. Anais do XX Encontro Nacional do CONPEDI Vitória/ES, 2011, p. 8445. 84 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Ao assumir um compromisso financeiro, é preciso salientar que por vezes o consumidor acaba por comprometer também a qualidade de vida e o bem-estar de pessoas que estão em sua dependência, o que justifica os sérios efeitos do superendividamento. A publicidade tem um grande poder de influência no comportamento dos consumidores, fazendo-os adquirir ou utilizar produtos e serviços que são desprezíveis e dispensáveis. A grande questão é que em função de uma sociedade alienada, que impõe parâmetros de consumo, o problema não se resolverá tão facilmente. Pelo contrário, poderá causar sérios transtornos para a economia da própria sociedade, haja vista a inexistência de critérios para ofertar produtos e serviços para o público em geral. A publicidade se perfaz como um fio condutor que leva com maior intensidade a ideia de consumo ao consumidor: Ela é responsável, muitas vezes, por desencadear no consumidor a vontade de adquirir produtos e/ou serviços, dos quais ele, as vezes, nem necessita, mas os adquire. É a repetição da mensagem publicitária na televisão, no rádio, no cinema, nos outdoors, nos jornais e revistas que pode incutir na cabeça do consumidor, personagem vulnerável nessa história, a falsa ideia da necessidade de produtos e/ou serviço23. Com a evolução tecnológica24, a sociedade ficou mais propensa a adquirir produtos e utilizar-se de serviços cada vez mais sofisticados e inovadores. Vive-se um tempo em que a sociedade é técnica e de massas. Na realidade, o capitalismo transformou o homem em seu servidor. Ele está intrínseco na economia da sociedade e o homem tornou-se escravo de seu regime. Assim, nas palavras de Fábio Konder Comparato “O espírito do capitalismo é o egoísmo competitivo, excludente e dominador. [...] Enquanto o capital desumanizado é elevado à posição de pessoa artificial, o homem é reduzido à condição de simples instrumento da produção, ou ao papel de mero consumidor a serviço do capital”25. 23 GOZZO, Débora. Publicidade. In: PEREIRA JUNIOR, Antonio Jorge; JABUR, Gilberto Haddad (coords.). Direito dos Contratos. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 224. 24 Nesse contexto, interessante a visão de João Luiz Barboza: “[...] com a evolução da tecnologia ocorrida durante o século XX, o consumo passa de fim dos meios de produção para meio de sustentação do sistema capitalista, transformando-se em foco de atenção de estudiosos atrativos e “necessidades” de consumo. Essa transformação traz em seu bojo a oportunidade para que se exerça um poder de influência sobre o consumidor, cujas consequências não podem ficar alheadas de uma atenção por parte do Estado, que agora se apresenta com a necessidade de regular as relações particulares, até para fazer frente à força dedicada à produção de consumidores”. BARBOZA, João Luiz. O direito fundamental do consumidor e seu direito à informação. In: GOZZO, Débora (Coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 229. 25 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 537-538. 85 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Nesse fenômeno de intensa propagação das informações e, estando evidente a velocidade assustadora pela qual se multiplicam os meios de comunicação, a publicidade, aliada a uma sociedade capitalista, ganha notável influência na vida das pessoas, ditando moda, construindo novas tendências no mercado e mudando comportamentos. A publicidade chega ao conhecimento de todos, muitas vezes de forma involuntária e independentemente de qualquer interesse em questão 26 . Todavia, ela acaba por atingir seus fins específicos, manipulando e “coagindo” o consumidor a adquirir determinado produto ou serviço, o que faz impulsionar o ciclo vivenciado pela sociedade consumerista. As relações de consumo apresentam diversas nuances, envolvendo direitos que por vezes o próprio consumidor não sabe que possui. Ao retratar a publicidade, por exemplo, é possível desmembrar situações fáticas e cotidianas onde o público consumerista desconhece que está sendo enganado e ofendido. A publicidade enganosa ou abusiva é um bom exemplo a ser discutido, a fim de que se vislumbre a importância de o consumidor estar apto a tomar consciência de atos ofensivos praticados por particulares que são a parte mais forte na relação. O consumidor é em regra hipossuficiente e, portanto, merece tratamento distinto a fim de obter proteção. 2.1 Publicidade enganosa e publicidade abusiva: aspectos relevantes Antes de adentrar no assunto da publicidade, importante introduzir a oferta como o gênero da divulgação, onde os anúncios e as informações sobre produtos e serviços são tidos como espécies, ou seja, a oferta é toda informação ou publicidade27. Acerca da oferta28, importante consignar a presença de princípios imprescindíveis às relações de consumo, eis que o consumidor precisa ter segurança ao despender de recursos financeiros para consumir, mesmo estando “iludido” ou convencido em função de uma determinada publicidade. Trata-se do chamado princípio da vinculação da oferta, que obriga o fornecedor a cumprir todas as informações veiculadas na oferta, sejam elas lucrativas ou não 26 BARBOZA, João Luiz. O direito fundamental do consumidor e seu direito à informação. In: GOZZO, Débora (Coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 238. 27 NORAT, Markus Samuel Leite. Direito do consumidor: oferta e publicidade. São Paulo: Anhanguera, 2010, p. 80. 28 “As divulgações do produto ou do serviço, bem como das suas propriedades e dos seus preços, caracterizam a informação ou publicidade com o fim de atrair os consumidores para adquiri-los”. GAMA, Hélio Zaghetto. Curso de direito do consumidor. 3. ed. rev. ampl. e atual. de acordo com o novo. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 104. 86 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor para o fornecedor, pois uma vez divulgadas, o consumidor tem o direito de exigir conforme estipulado. Nesse sentido, o artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor29, oferece outras alternativas que podem ser discutidas entre ambos da relação, como aceitar outro produto equivalente ou rescindir o contrato com direito a restituição e perdas e danos atualizados monetariamente. Além do princípio da vinculação, importante mencionar os demais princípios que precisam ser rigorosamente observados no momento da publicidade, sendo necessário observar o princípio da veracidade, que proíbe a enganosidade; o princípio da nãoabusividade, que rechaça a propaganda abusiva; o princípio do ônus da prova a cargo do fornecedor, que incumbe a este o dever de provar que a publicidade não é ilícita; e o princípio da correção do desvio publicitário, que impõe ao fornecedor a correção da publicidade por meio da contrapropaganda30. No que concerne a publicidade, indiscutível a importância de balizar alguns conceitos que definem condutas negativas de empresas que extrapolam os limites do aceitável e persuasivo na divulgação de um produto ou serviço. A publicidade enganosa é um exemplo de situação que indiscutivelmente lesa consumidores, até mesmo aqueles que se julgam mais aptos a averiguar todas as características necessárias ao cumprimento dos requisitos que um produto ou serviço deve possuir. Importante delimitar as distintas esferas em que se enquadra a publicidade enganosa e a abusiva. Ambas são publicidades ilícitas, que violam deveres jurídicos delineados pelo Código de Defesa do Consumidor na realização, produção e divulgação de mensagens publicitárias 31 , passíveis de responsabilização tanto administrativa, como civil e penal, entretanto, possuem características diversas na sua ocorrência. 29 Art. 35 do Código de Defesa do Consumidor: Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. 30 A contrapropaganda ou contrapublicidade, termo pelo qual a doutrina entende ser mais correto, diz repeito a “[...] divulgação, a expensas do infrator, de mensagem da mesma forma, frequência e dimensão, e preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de uma forma capaz de desfazer o art. 60, caput e §1º). É o desmentido, o reconhecimento de que o produto não possui as qualidades e virtudes anunciadas em peça publicitária. Evita-se, assim, que o consumidor, influenciado pela publicidade enganosa, venha a adquirir produtos ou serviços em desacordo com sua vontade e iludido quanto às suas reais potencialidades”. ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7ª. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 209. 31 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 218. 87 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A publicidade enganosa32 diz respeito a omissões ou inverdades acerca de elementos essenciais para o consumo de um produto ou serviço. Essas características referem-se à qualidade, quantidade, preço, propriedades, origem, dentre outros elementos fundamentais para o conhecimento real daquilo que se pretende adquirir. A publicidade enganosa leva o consumidor a erro, pois informa de maneira errada ou deixa de informar o que é preciso para o consumidor poder escolher determinado produto ou serviço33. Nesse aspecto, oportuna a contribuição de Luiz Antonio Rizzatto Nunes: [...] o efeito da publicidade enganosa é induzir o consumidor a acreditar em alguma coisa que não corresponda à realidade do produto ou serviço em si, ou relativamente a seu preço e forma de pagamento, ou, ainda, a sua garantia etc. O consumidor enganado leva, como se diz, “um gato por lebre”. Pensa que está numa situação, mas de fato está em outra. As formas de enganar variam muito, uma vez que nessa área os fornecedores e seus publicitários são muito criativos. Usa-se o impacto visual para iludir, de frases de efeito para esconder, de afirmações parcialmente verdadeiras para enganar34. A publicidade enganosa causa prejuízos, pois o consumidor consome algo pelas características do produto ou do serviço que deseja. Se tais características não corresponderem a realidade, não faz sentido a necessidade de seu consumo, pois não atenderá as expectativas do consumidor. Na lição de Markus Samuel Leite Norat 32 Art. 37 § 1° do Código de Defesa do Consumidor: É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. 33 ADMINISTRATIVO. CÓDIGO DE ÁGUAS. NORMAS BÁSICAS DE ALIMENTOS. SLOGAN PUBLICITÁRIO APOSTO EM RÓTULO DE ÁGUA MINERAL. EXPRESSÃO “DIET POR NATUREZA”. INDUÇÃO DO CONSUMIDOR A ERRO. [...] 2. É assente que “não poderão constar da rotulagem denominações, designações, nomes geográficos, símbolos, figuras, desenhos ou indicações que possibilitem interpretação falsa, erro ou confusão quanto à origem, procedência, natureza, composição ou qualidade do alimento, ou que lhe atribuam qualidades ou características nutritivas superiores àquelas que realmente possuem.” (art. 21, do Decreto-lei n.° 986/69) 3. Na redação do art. 2°, inciso V, do Decreto-lei n.° 986/69, considera-se dietético “todo alimento elaborado para regimes alimentares especiais destinado a ser ingerido por pessoas sãs;” 4. Somente os produtos modificado em relação ao produto natural podem receber a qualificação de diet o que não significa, apenas, produto destinado à dieta para emagrecimento, mas, também a dietas determinadas por prescrição médica, motivo pelo qual a água mineral, que é comercializada naturalmente, sem alterações em sua substância, não pode ser assim qualificada porquanto não podem ser retirados os elementos que a compõem. 5. In casu, o aumento das vendas do produto noticiado pelo recorrido caracteriza a possibilidade de o slogan publicitário encerrar publicidade enganosa capaz de induzir o consumidor a erro. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 447.303-Rio Grande do Sul. Recurso Especial. Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 02-10-2003. DJ 28-10-2003. Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=publicidade+enganosa&&b=ACOR&p=tru&t=&l=10 &i=18#>. Acesso em: 03. Dez. 2012. 34 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 492. 88 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A publicidade enganosa gera no consumidor, uma expectativa errônea sobre o produto ou serviço que está sendo oferecido, de forma que ele possa vir a adquirir este acreditando tratar-se de outra coisa, que possivelmente não iria adquirir caso tivesse o correto conhecimento sobre as reais condições deste produto ou serviço35. Arrolada no art. 37, § 1º do Código de Defesa do Consumidor, a publicidade enganosa é uma figura que prevê o comportamento ilícito do fornecedor que leva o consumidor a erro em função da ausência de veracidade ou omissão de informações relevantes acerca do produto ou serviço. Logo, a responsabilidade é objetiva, independentemente de culpa. De outro giro, a publicidade abusiva36 possui um viés mais amplo, abrangendo toda e qualquer matéria relacionada a ofensas reais para com a pessoa do consumidor, no seu sentido coletivo. Tais ofensas se resumem em publicidades discriminatórias; em conteúdos que possam incitar o consumidor à violência, que o leve a se comportar de forma prejudicial ou perigosa contra si ou contra outrem; explorar o medo ou a superstição; aproveitar-se da deficiência de julgamento e inexperiência da criança, bem como qualquer forma de desrespeito a valores ambientais ou contrários à ética, a moral e ordem pública37. Diante da amplitude do dispositivo que trata da abusividade no Código de Defesa do Consumidor, é notório que “a intenção do legislador foi garantir ao consumidor o maior número possível de informações sobre o produto ou serviço ofertado para que, a par de todos os dados necessários, possa decidir livremente pela aquisição ou não do produto e/ou serviço”38. Importante registrar que, diferentemente da publicidade enganosa, a abusividade aqui não se relaciona necessariamente com o produto ou serviço que está sendo exibido, mas na forma como a publicidade é apresentada. Desde então, é possível dizer que pode haver uma 35 NORAT, Markus Samuel Leite. Direito do consumidor: oferta e publicidade. São Paulo: Anhanguera, 2010, p. 127. 36 Art. 37 § 2° do Código de Defesa do Consumidor: É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança. 37 NORAT, Markus Samuel Leite. Direito do consumidor: oferta e publicidade. São Paulo: Anhanguera, 2010, p. 135. 38 EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do direito das relações de consumo: consumo e sustentabilidade. 3. ed. rev. e atual. Curitiba: Joruá, 2011, p. 207. 89 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor publicidade enganosa e abusiva ao mesmo tempo39. Aliás, o caráter abusivo da publicidade atinge todos os consumidores indistintamente. Na concepção de Luis Antonio Rizzatto Nunes, [...] não é necessário que ocorra de fato um dano real ao consumidor, uma ofensa concreta. Basta que haja perigo; que exista a possibilidade de ocorrer o dano, uma violação ou ofensa. A abusividade, aliás, deve ser avaliada sempre tendo em vista a potencialidade do anúncio em causar um mal40. É preciso consignar a importância de se debater sobre o tema, pois embora haja consumidores que não sofram diretamente o dano em questão, aqueles mais vulneráveis poderão sofrer prejuízos imensuráveis. A publicidade é exposta por todos os meios, por todos os canais e em todos os horários, o que faz eventualmente todo o tipo de público estar exposto à mensagem publicitária divulgada. E diante da diversidade de consumidores, por óbvio, alguns filtrarão de forma coerente determinadas mensagens, outros não. Além disso, não se pode tolerar que a publicidade influencie condutas negativas, tampouco desperte desejos impróprios às crianças ou pessoas que não possuem o total discernimento e experiência para entender ou desconsiderar determinados conteúdos que são prejudiciais para a formação da própria sociedade. A vulnerabilidade do consumidor é presumida, independentemente de qualquer circunstância. Logo, é preciso haver limites e respectivas punições a fim de evitar que publicidades enganosas e abusivas ofendam direitos fundamentais, diante da superioridade dos fornecedores em detrimento da vulnerabilidade do consumidor. A publicidade abusiva 41 reflete comportamentos degradantes e depreciativos como forma de atingir o objetivo de divulgar e expor determinada marca, o que de forma indireta acaba obtendo êxito, haja vista a polêmica que por vezes é causada a respeito da forma como 39 NORAT, Markus Samuel Leite. Direito do consumidor: oferta e publicidade. São Paulo: Anhanguera, 2010, p. 136. 40 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor: com exercícios. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 514. 41 Nesse panorama, interessante complementar o assunto com um exemplo de publicidade abusiva discriminatória, julgada pelo CONAR. “Denunciante: Conar, de ofício, mediante reclamação da APROSERJ ASSOCIAÇÃO PROFISSIONAL DOS SECRETÁRIOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Denunciado: anúncio "PRECISA-SE DE SECRETÁRIAS" Anunciante: CHAMPION HOTEL LTDA. Relator: Cons.º RUBENS DA COSTA SANTOS. O Anúncio Um tijolo de três colunas, publicado no Dia das Secretárias em jornal carioca, apregoava: ‘Precisa-se de Secretárias’. A) As candidatas deverão preencher os seguintes requisitos: 1 - Estar em dia com sua academia de ginástica; 2 - Apreciar boa música; 3 - Conhecer bons uísques e vinhos; 4 - Ter pressa em agradar o chefe e calma para o resto; 5 - Sua voz, ao telefone, deve confundir-se com um beijo; 6 - O mais importante: sua pele deve escorregar em lençóis de cetim [...]”. O anúncio excedeu claramente os limites de uma divulgação apropriada, causando ofensas à idoneidade moral e profissional das secretárias. Representação nº 126/87 Cad. 5 Caso 10 do CONAR. 90 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor foi criada e veiculada tal publicidade. Dessa forma, a temática que envolve a publicidade é muito mais complexa do que aparenta. Trata-se de algo inerente à sociedade e vivenciado por todos, onde todos podem em algum momento ser vítimas. Como grande prova de exercício da cidadania, qualquer consumidor pode fazer parte das esferas de punição contra as publicidades enganosas e abusivas, pois tem o direito de denunciar quando sentir que está sendo ofendido ou enganado. Além disso, o Brasil conta com um sistema misto de tutela do consumidor, havendo órgãos administrativos, como o CONAR – Conselho Nacional de Autoregulamentação Publicitária, que visa promover a liberdade de expressão publicitária e defender as prerrogativas constitucionais da publicidade comercial, combatendo a ocorrência de propagandas enganosas e abusivas, com autonomia para exigir a alteração do conteúdo ou a sua total retirada, dependendo do caso em questão. De outro modo, o Poder Judiciário, por meio de Ação Civil Pública, intentada pelo Ministério Público também poderá imputar sanção ao fornecedor, arbitrando danos morais coletivos, tendo em vista o caráter difuso das relações consumeristas que não permite a identificação e separação dos consumidores. O fornecedor, então, ao incorrer em práticas ilícitas, poderá ser responsabilizado administrativamente, por meio da contrapropaganda, retificando todas as informações errôneas ou ofensivas praticadas. Responderá civilmente, ao ter que responder por danos morais coletivos, e, penalmente, tendo em vista as sanções estipuladas no Código de Defesa do Consumidor para os crimes relacionados à publicidade enganosa e abusiva. É preciso fazer uma ressalva também, pelo fato de que nem toda publicidade que aparente ser abusiva, pode ser de fato algo que cause reais ofensas aos consumidores. Há uma sutil diferença entre a ofensa e o mau gosto, onde o fornecedor pode ser infeliz na elaboração de determinada publicidade, o que pode gerar certo incômodo em algumas pessoas, mas em geral, não possuir um caráter estritamente ofensivo. A publicidade enganosa e abusiva precisam ser penalizadas mas é preciso analisar o contexto atual e olhar sob um viés contemporâneo, onde a sociedade muda e evolui a todo momento, valorizando tendências que antes eram reprimidas, e supervalorizando a conduta do consumo. De qualquer forma, chamase a atenção para o fator preponderante, que é justamente o uso da publicidade como forma de influência negativa e ofensa ao consumidor, utilizando a pessoa muitas vezes como coisa ou objeto, sem se preocupar com o mínimo de limites necessários ao respeito dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. 91 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 3 A IMPORTÂNCIA DA EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE CONSUMO A sociedade contemporânea enseja relações entre particulares cada vez mais frequentes. Vislumbra-se uma era onde o Poder Público já não mais suporta sozinho resolver todas as necessidades de uma nação, e o grande impulso da evolução tecnológica tende a firmar cada vez mais relações particulares, sobretudo, no âmbito do consumo. Resgata-se essa característica da sociedade contemporânea, para justificar a extrema importância de se ter preservado os direitos fundamentais em relações cuja regra tem como um dos polos o consumidor, parte vulnerável presumidamente, que sofre altos prejuízos por sua hipossuficiência. O direito do consumidor diz respeito a uma tutela pela qual chama a atenção de todos, pois o ato de consumir é relativo a toda pessoa. Ele possui grande respaldo tanto no texto constitucional como em leis esparsas. No ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XXXII, caracteriza a defesa do consumidor como um direito fundamental quando afirma que “O Estado promoverá na forma da lei, a defesa do consumidor”, estando em posição de privilégio no texto da Constituição, pois segundo a doutrina e jurisprudência, está a salvo de uma possível reforma pelo poder constituinte 42 . Além disso, oportuno evidenciar que o direito do consumidor está inserido no rol de direitos fundamentais, “com o que se erigem os consumidores à categoria de titulares de direitos constitucionais fundamentais. Conjuga-se isso com a consideração do art. 170, que eleva a defesa do consumidor à condição de princípio da ordem econômica”43, conforme lição de José Afonso da Silva. Não obstante tais considerações, importante salientar a expressa menção feita na Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, de 7 de dezembro de 2000, em que seu artigo 38 assegura que “as políticas da União devem assegurar um elevado nível de defesa dos consumidores”. Logo, é possível afirmar que os direitos fundamentais constituem o alicerce sobre o qual se assenta o ordenamento jurídico, restando óbvia, portanto, a importância de ser o direito do consumidor classificado como um direito fundamental. Por tais razões é que se frisa a relevância dos direitos fundamentais, que permeia as relações harmônicas entre os indivíduos, sendo que “toda sociedade precisa de um núcleo de valores sobre o qual assentar a 42 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 43. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 262-263. 43 92 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor convivência. Se não existe crença coletiva e um mínimo de valores constitutivos do grupo, este se desintegra. Os valores são a verdadeira seiva dos grupos sociais”44, afirma Gregório Robles. Nesse contexto, Mádson Ottoni Almeida Rodrigues salienta que, “os direitos fundamentais, concebidos como valores ou critérios morais, balizam as condutas dos indivíduos e a tomada de decisões políticas e jurídicas no âmbito da sociedade”45. Eis então a necessidade de tutelar condutas, dentre estas, as relações consumeristas, como forma de salvaguardar direitos fundamentais imprescindíveis ao ser humano, à sua formação e respeito à dignidade da pessoa humana. No tocante a relação entre particulares no direito do consumidor, a grande preocupação se funda justamente na forma de pactuar as regras de promoção do conteúdo de um produto ou serviço, o que leva o Estado a promover o direito de proteção ao consumidor, que por óbvio, é a parte vulnerável na relação. Nesse contexto, salienta Bruno Miragem que [...] o direito do consumidor se compõe, antes de tudo, em direito à proteção do Estado contra a intervenção de terceiros, de modo que a qualidade de consumidor lhe atribui determinados direitos oponíveis, em regra aos entes privados, e em menor grau (com relação a alguns serviços públicos), ao próprio Estado46. Trata-se a eficácia horizontal dos direitos fundamentais de um tema de grandes controvérsias em todo o direito comparado, pois são inúmeras as situações em que se discute o embate firmado pela autonomia privada, que resulta na liberdade do particular agir por vezes em contraposição aos direitos fundamentais observados pela Constituição e obrigatoriamente respeitados pelo Estado. Tendo os direitos fundamentais a função de proteção contra terceiros, o termo eficácia horizontal por si só já encontra explicação, haja vista as violações contra direitos fundamentais provirem de uma multiplicidade de atores privados. Contudo, há divergências sobre a forma como os direitos fundamentais devem incidir ou não nas relações entre particulares. Nessa temática, algumas teorias foram criadas para explicar e fundamentar as 44 ROBLES, Gregório. Os direitos fundamentais e a ética na sociedade atual. Trad.: Roberto Barbosa Alves. Barueri: Manole, 2005, p. 11. 45 RODRIGUES, Mádson Ottoni Almeida. A prestação jurisdicional na efetivação dos direitos fundamentais. In: MOURA, Lenice S. Moreira de. [Org.] O novo constitucionalismo na era pós-positivista: homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 373. 46 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 44. 93 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor possíveis situações onde os direitos fundamentais não devem incidir, conforme a teoria da state action; ou incidirem de forma mediana, intermediária, dependendo do caso concreto, de acordo com a teoria mediata ou indireta; ou ainda, pela total incidência dos direitos fundamentais, conforme a teoria da aplicação imediata e direta dos direitos fundamentais. Na teoria da state action esclarece-se que sua origem se deu nos Estados Unidos e lá é atualmente aplicada. Ela consiste na negação dos direitos fundamentais nas relações privadas ou conforme assevera Jairo Néia Lima “os direitos fundamentais voltam-se apenas contra as violações que provêm do Estado”47, ou seja, no âmbito particular não incidem, havendo no máximo uma equiparação “quando o ato lesivo é praticado com algum tipo de participação ou influência do Estado, bem como quando os poderes privados, em seu conteúdo, mostram-se semelhantes às ações praticadas pelo Estado”48. Como consequência, a referida teoria por desconsiderar a importância de priorizar direitos fundamentais e por sua postura fortemente liberal que obriga o Estado se abster em prol da autonomia privada – que por vezes é utilizada de forma desmedida e incontrolada – acaba por facilitar ofensas a tais direitos. De outro giro, ao mencionar a teoria da eficácia mediata ou indireta, observa-se uma aplicação intermediária entre a teoria que nega e da que aceita a incidência dos direitos fundamentais. Ela foi formulada por Günther During na doutrina alemã e lá atualmente é aplicada. Trata-se de uma teoria que os direitos fundamentais são protegidos no campo do direito privado e não por mecanismos do direito constitucional, necessitando de uma medida concretizadora que deve mediar a aplicação, que é inicialmente a atuação do legislador na produção do direito infraconstitucional privado em conformidade com os direitos fundamentais e, num segundo momento, caberia aos julgadores a tarefa de infiltrar os direitos fundamentais nas relações privadas por meio da interpretação das cláusulas gerais e dos conceitos abertos, como boa-fé, moral, bons costumes etc49. 47 LIMA, Jairo Néia. Direito fundamental à inclusão social: Eficácia prestacional nas relações privadas. Curitiba: Joruá, 2012, p. 106. 48 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a Aplicação das Normas de Direito Fundamental nas Relações Jurídicas entre Particulares. In: BARROSO, Luis Roberto (Org.). A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 171. 49 LIMA, Jairo Néia. Direito fundamental à inclusão social: Eficácia prestacional nas relações privadas. Curitiba: Joruá, 2012, p. 99. 94 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A referida teoria50 também é passível de críticas, tendo em vista a atuação omissa do legislador na não concretização dos direitos fundamentais, e por isso a cautela em deixar a cargo do legislador tarefa de grande importância como essa. Destaca-se também, a teoria da eficácia direta ou imediata que rechaça a possibilidade de não aplicar os direitos fundamentais nas relações privadas, uma vez que tais direitos podem ser oprimidos por inúmeros atores privados. A referida teoria surgiu em função das formulações de Hans Carl Nipperdey. A questão primordial a ser analisada, é o embate existente entre a autonomia privada, representada pela liberdade de agir no campo privado, e que também possui previsão constitucional em contraposição ao respeito necessário em relação a todos os direitos fundamentais que são frequentemente violados em relações firmadas no âmbito privado51. Nessa perspectiva, explicita Daniel sarmento que: O ponto nodal da questão consiste na busca de uma fórmula de compatibilização entre, de um lado, uma tutela efetiva dos direitos fundamentais, neste cenário em que as agressões e ameaças a eles vêm de todos os lados, e, do outro, a salvaguarda da autonomia privada da pessoa humana52. Mesmo com grandes controvérsias e dificuldade em poder estabelecer claramente em quais situações ou em quais ordenamentos jurídicos determinada teoria irá prevalecer, a teoria da eficácia direta e imediata não logrou êxito na Alemanha, contudo é majoritária em países como a Espanha, Portugal, Itália e Argentina53. No campo do direito do consumidor, sob o qual se encontra o enfoque da discussão, é possível verificar inúmeras situações onde o poder exacerbado de um particular causa sérias ofensas não só a outro particular, em que pactua determinado negócio. A ofensa pode gerar transtornos imensuráveis, como se pode ilustrar na ocasião de determinadas campanhas 50 Interessante colacionar as palavras de José Carlos Vieira de Andrade acerca dos fundamentos defendidos pelos adeptos da teoria da eficácia indireta e mediata: “procuram defender uma margem de liberdade de ação para os particulares, tentando evitar que, através de um intervencionismo asfixiante ou de um igualitarismo extremo, se afete o sentimento de liberdade, a iniciativa e a capacidade de realização dos indivíduos concretos. Privilegiam, por isso, as normas constitucionais que indiciam a autonomia privada, o livre desenvolvimento da personalidade, a liberdade negocial”. VIEIRA DE ANDRADE, José Carlos. Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Org.). Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 285. 51 Acerca da teoria da eficácia direta ou imediata, salienta Jairo Néia Lima que “o objetivo dessa teoria é ampliar a proteção que os direitos fundamentais conferem, a fim de que possam também ser tutelados perante os ajustes privados, sem depender da regulamentação legislativa infraconstitucional”. LIMA, Jairo Néia. Direito fundamental à inclusão social: Eficácia prestacional nas relações privadas. Curitiba: Joruá, 2012, p. 103. 52 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 224. 53 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 258. 95 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor publicitárias onde a forma como um produto ou serviço é exposto, pode ofender certos grupos agredindo algumas culturas, etnias, religiões, mulheres, crianças, dentre outros grupos notadamente vulneráveis. Mesmo havendo toda a regulamentação necessária para que se impeça a divulgação de conteúdos sexistas, imorais ou extremamente influenciáveis negativamente, os fornecedores, detentores de alto poder na sociedade desejam e exigem que as campanhas atinjam seus objetivos, mesmo que este ato custe a violação de direitos fundamentais de uma pessoa ou de toda a coletividade. Toda pessoa é consumidora de uma forma ou de outra, e tem seu direito de se informar e adquirir o que lhe convir. Explica José Afonso da Silva que são direitos do homem consumidor aqueles relativos à seguridade, que engloba a saúde, a previdência e a assistência social, além da educação, da cultura, da moradia, do direito ambiental que se desdobra no lazer e dos direitos da criança e dos idosos54. Não se pode admitir que a autonomia privada prevaleça de forma absoluta sob o argumento de que a liberdade de expressão também é uma garantia constitucional que pode ser exercida ilimitadamente. Há que se ponderar que os direitos fundamentais são a proteção do ser humano contra qualquer ato que venha ofender, denegrir, prejudicar ou suprimir a característica de “ser” humano. Havendo colisão entre direitos ora fundamentais, é preciso que ambos sejam sopesados a fim de que atinjam cada qual as suas finalidades. É preciso considerar que na relação entre indivíduos, exige-se o respeito mútuo, significando o respeito aos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, princípio este que representa a proteção integral do ser humano sob todos os aspectos, sendo portanto, a base de todo o ordenamento jurídico, que reconhece a pessoa como ser humano que é. Em outras palavras, A dignidade da pessoa humana expressa a exigência do reconhecimento de todo ser humano como pessoa. Dizer, portanto, que uma conduta ou situação viola a dignidade da pessoa humana significa que nesta conduta ou situação o ser humano não foi reconhecido como pessoa55. 54 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 307-317. 55 BARZOTTO, Fernando Luiz. Pessoa e reconhecimento – uma análise estrutural da dignidade da pessoa humana. In: FILHO ALMEIDA, Agassiz; MELGARÉ, Plínio (Orgs.). Dignidade da Pessoa Humana: Fundamentos e critérios interpretativos. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 51. 96 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Mesmo havendo controvérsias sobre o tema, há que se ponderar que a dignidade humana deve ser sempre observada, sendo o critério que sempre prevalecerá, diga-se neste caso, com relação à liberdade de expressão do fornecedor em determinada publicidade, ou até mesmo quanto à sua liberdade de impor quaisquer regras na relação de consumo. A liberdade de agir neste caso, não é absoluta, pois inviabilizaria o total respeito à parte hipossuficiente da relação, tendo em vista que o fornecedor pretende atingir suas metas, muitas vezes a qualquer custo. Se para a dignidade humana ser respeitada, for preciso relativizar a autonomia privada, é assim que deve ser, ou seja, uma questão de harmonização entre direitos e princípios, a fim de que a dignidade da pessoa não seja jamais suprimida em detrimento de outros direitos. Nesse sentido corrobora Daniel Sarmento: [...] autonomia privada não é absoluta, pois tem de ser conciliada, em primeiro lugar, com o direito de outras pessoas a uma idêntica quota de liberdade, e, além disso, com outros valores igualmente caros ao Estado Democrático de Direito, como a autonomia pública (democracia), a igualdade, a solidariedade e a segurança. Se a autonomia privada fosse absoluta, toda lei que determinasse ou proibisse qualquer ação humana seria inconstitucional56. Diante de inúmeras circunstâncias em que se constata claras violações a direitos fundamentais no âmbito das relações de consumo, é que se chama a atenção para a importância da eficácia horizontal dos direitos fundamentais 57 . É por meio dela que as relações entre particulares possam ser mais equilibradas e os direitos fundamentais, bem como a dignidade da pessoa humana ser obviamente respeitados. Por tais razões é que se ressalta a teoria da eficácia direta e imediata, sendo, pois, a teoria que melhor se adapta a real situação do direito brasileiro, onde as perspectivas de concretização efetiva dos direitos fundamentais ainda deixam a desejar. Nesse panorama, salienta Daniel Sarmento: 56 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 189. Nesse contexto, interessante colacionar a explicação de Luiz Guilherme Marinoni sobre a eficácia horizontal: “[...] os direitos fundamentais têm como destinatário o Estado, que fica obrigado a editar normas para protegêlos em face dos particulares. Quando uma dessas normas de proteção não é cumprida, surge ao particular – por ela protegido (p. ex., direito do consumidor) – o direito de se voltar contra o particular que não a observou. Aliás, o direito de ação do particular – nessas hipóteses – poderá ser exercido mesmo no caso de ameaça de violação (ação inibitória)”. MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 134-135. 57 97 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor [...] a extensão dos direitos fundamentais às relações privadas é indispensável no contexto de uma sociedade desigual, na qual a opressão pode provir não apenas do Estado, mas de uma multiplicidade de atores privados, presentes em esferas como o mercado, a família, a sociedade civil e a empresa58. Restando clara a situação de desigualdade no Brasil, embora o desejo seja diverso do atual panorama em que o país se encontra, é preciso reconhecer que os direitos fundamentais não podem ser violados na frequência em que são. Tais direitos permeiam todas as relações no âmbito jurídico, sobretudo as relações de consumo, que como ficou evidenciado, são claramente um exemplo de desrespeito ao consumidor, que por sua vulnerabilidade muitas vezes nem se dá conta de que está sendo lesado e ofendido, ou mesmo sentindo-se prejudicado, não sabe como proceder. As relações consumeristas entre indivíduos são cada vez mais frequentes na atualidade, e, portanto, não se pode admitir o desrespeito ao consumidor, devendo ser sempre observada a eficácia horizontal como forma de evitar que a própria dignidade humana seja deixada de lado e o ser humano seja tolhido de direitos sem os quais nem ele mesmo se reconheça. CONSIDERAÇÕES FINAIS A sociedade atual vive um momento de transição de comportamentos e valores antigos em função da evolução sentida pelas novas tendências que impulsionam uma mudança de paradigma, principalmente no que tange as relações de consumo. Constata-se diante do progresso tecnológico e mudanças culturais, uma nova era de consumo ilimitado, tanto como forma de se equiparar a determinada postura social diante da exacerbada valorização do “ter” em detrimento do “ser”, bem como em razão de o ser humano achar que pelo consumo alcançará a real felicidade pelo ato de satisfazer os desejos consumeristas, por vezes supérfluos e prejudiciais. Verifica-se que a realidade da acentuada cultura do consumo já se impregnou no comportamento da atual sociedade. Nesse sentido, a publicidade foi um agravante que determinou o pleno convencimento do consumidor em adquirir praticamente tudo o que vê, sem pensar nas consequências que influenciam significativamente para o crescimento da 58 SARMENTO, Daniel. Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 223. 98 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor sociedade, como fatores voltados ao meio ambiente, diante do lixo produzido e mal descartado, bem como o superendividamento dos consumidores, que entrava o percurso normal da economia de toda sociedade. A publicidade possui viés múltiplo no poder de persuasão e convencimento do consumidor, atuando de forma negativa, pois além de ofendê-lo, com conteúdos depreciativos – na publicidade abusiva, por exemplo –, também pode enganá-lo, ao se utilizar de técnicas apelativas, fazendo com que o consumidor não enxergue que está sendo levado a erro. Identificou-se que as relações de consumo são praticadas em regra por particulares – fornecedor e consumidor –, em que ambos pactuam suas condições de negócio, muitas vezes sem observar que direitos fundamentais de uma das partes podem estar sendo violados. O consumidor, por sua presumida vulnerabilidade é frequentemente ofendido com publicidades enganosas e abusivas e o fornecedor, diante de sua superioridade em detrimento da hipossuficiencia do consumidor, utiliza-se da liberdade de expressão a fim de que sua publicidade atinja todo o público, que diante de técnicas notadamente avançadas, fará com que a mensagem chegue ao maior número de pessoas, esteja tal público apto ou não para filtrar ou desconsiderar a mensagem. Diante de um panorama que engloba todas as pessoas, haja vista o ato de consumir ser inerente a toda sociedade, constatou-se a necessidade de reforçar a importância do respeito aos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, que tem sido sistematicamente violados no âmbito das relações de consumo. Nesse sentido, incide a defesa da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, como forma de garantir que nessa era pós-moderna, o consumo não seja demasiado, e a publicidade atinja seus fins de forma lícita, promovendo a propagação da informação e o conhecimento do consumidor de maneira positiva. Nessa perspectiva, o consumo não pode ser visto como algo prejudicial à sociedade, mas que seja exercido observando-se o respeito aos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, sem os quais o ser humano não se reconhece. REFERÊNCIAS ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 7ª. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009. 99 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor BARBOZA, João Luiz. O direito fundamental do consumidor e seu direito à informação. In: GOZZO, Débora (Coord.). Informação e direitos fundamentais: a eficácia horizontal das normas constitucionais. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 226-243. BITTAR, Carlos Alberto. 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Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2006. 102 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO PELOS DANOS CAUSADOS AO CONSUMIDOR PELO CADASTRO INDEVIDO LA RESPONSABILIDAD SOLIDARIA DE LOS ÓRGANOS DE PROTECCIÓN DE CRÉDITO POR LOS DAÑOS CAUSADOS AL CONSUMIDOR POR EL REGISTRO INDEVIDO LUIS MIGUEL BARUDI DE MATOS1 MARCOS VINICIUS AFFORNALLI2 RESUMO O presente estudo tem por objetivo demonstrar a possibilidade de responsabilização solidária dos órgãos de proteção ao crédito pelos danos causados aos consumidores pela incorreta inclusão desses nos cadastros de inadimplentes, com base no Código de Defesa do Consumidor, tendo por fundamento a existência de uma cadeia de fornecimento e nexo de imputação. Os argumentos apresentados consideram os princípios orientadores do microssistema de proteção ao consumidor, em especial os princípios da vulnerabilidade, da proteção integral e da reparação integral dos danos causados nas relações de consumo, que têm por destinatários o consumidor e aqueles a ele equiparados em decorrência dos danos sofridos. Defende-se, portanto, a mitigação das excludentes de responsabilidade dadas aos fornecedores de serviços de forma geral, considerando a especificidade da relação contratual existente entre a entidade de proteção ao crédito, o fornecedor originário e o consumidor prejudicado. Esse alargamento da responsabilização desses órgãos e sua inserção nos princípios de proteção ao consumidor tem com premissa maior a proteção da dignidade da pessoa humana, valor maior defendido pela Constituição Federal e que deve servir de norte para todo o ordenamento jurídico brasileiro, impedindo que restem sem reparação quaisquer espécies de danos, em especial aqueles que atingem sujeito vulnerável por presunção legal absoluta, como é o consumidor. Frente a esses argumentos, o estudo, em suas considerações finais, defende a possibilidade de reparação do dano pelos órgãos de proteção ao crédito e a 1 Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR, professor da União Dinâmica de Faculdades Cataratas – UDC de Foz do Iguaçu/PR, advogado. 2 Mestre em Direito Público pela Universidade Gama Filho – RJ, doutorando em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, professor da União Dinâmica de Faculdades Cataratas – UDC de Foz do Iguaçu/PR, advogado. 103 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor posterior utilização da ação regressiva contra aquele que tenha efetivamente causado do dano ao consumidor. PALAVRAS-CHAVE: Proteção integral do consumidor; Responsabilidade civil; Dignidade da pessoa humana. RESUMEN El presente estudio tiene por objetivo demostrar la posibilidad de responsabilizar de forma solidaria a las entidades de protección de crédito por los daños causados a los consumidores por la incorrecta inclusión de aquellos en los registros de deudores, con base en el Código de Defensa del Consumidor, presentando como fundamento la existencia de una cadena de fornecimiento y un nexo de imputación. Los argumentos presentados consideran los principios orientadores del microsistema de protección del consumidor, en especial los principios de la vulnerabilidad, de la protección integral y de la reparación integral de daños surgidos de las relaciones de consumo, que tienen por destinatarios el consumidor e aquellos a este equiparados en razón de los daños sufridos. Se defiende, así, la mitigación de las excluyentes de responsabilidad permitidas a los proveedores de servicios en general, considerando la especificidad de la relación contractual existente entre la entidad de protección de crédito, el proveedor originario y el consumidor perjudicado. Ese alargamiento de la responsabilidad de estos órganos y su inserción en los principios de protección al consumidor tiene como premisa mayor la protección de la dignidad humana, valor mayor defendido por la Constitución Federal y que debe servir de norte a todo ordenamiento jurídico brasileño, para impedir que resten sin reparación cualquier espécimen de daños, en especial aquellos que atingen el sujeto vulnerable por presunción legal absoluta, como es el consumidor. Frente esos argumentos, el estudio, en sus consideraciones finales, defiende la posibilidad de reparación del daño por las entidades de protección de crédito y la posterior utilización de la vía regresiva contra aquel que tenga efectivamente ocasionado el daño al consumidor. PALABRAS-CLAVE: Protección integral del consumidor; Responsabilidad civil; Dignidad humana. 1 INTRODUÇÃO O estudo realizado não busca tratar do tema de forma definitiva, mas sim, trazer argumentos para fundar uma nova interpretação dos postulados de defesa do consumidor com 104 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor referência à atuação dos órgãos de proteção ao crédito e os danos causados pela inscrição indevida dos consumidores em seus cadastros. A partir da pesquisa realizada, demonstra-se a relevância da Constituição Federal e seus princípios, influenciando diretamente o restante do ordenamento jurídico brasileiro, alcançando o instituto da responsabilidade civil e sua abordagem pela lei geral – o Código Civil – e pela legislação específica quanto às relações de consumo – o Código de Defesa do Consumidor. Para tanto, dividiu-se o trabalho em dois tópicos. O primeiro tópico trata da responsabilidade civil, expondo um sintético panorama histórico, tratando em especial, da responsabilidade subjetiva e objetiva e sua abordagem pelo Código de Defesa do Consumidor, realizando a vinculação dessa opção legislativa com os princípios fundamentais do sistema de proteção ao consumidor, tendo como premissa maior a dignidade da pessoa humana. O segundo tópico traz, de forma também sucinta, o sistema de proteção ao crédito, sua função e origem, bem como a questão da responsabilidade pela inclusão indevida do nome de consumidores nos cadastros de inadimplentes, com o posicionamento atual da doutrina acerca do assunto, informando posições divergentes quanto à possibilidade de responsabilização dessas entidades perante os danos causados às vítimas diretamente e à sociedade. Ressalta-se que, como dito inicialmente, o presente trabalho não se propõe a extinguir as discussões com relação ao assunto abordado, antes disso, o que se pretende é trazer argumentos e observações para que se dê continuidade à essa discussão. 2 RESPONSABILIDADE CIVIL E SUA INSERÇÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 2.1 O INSTITUTO DA RESPONSABILIDADE CIVIL Em consonância com o objetivo geral proposto e em decorrência deste, bem como dos objetivos específicos, é necessário tratar do tema da responsabilidade civil, num primeiro momento, por meio de uma verificação de seus primórdios, passando a discussão de sua abordagem pelo ordenamento jurídico brasileiro e, ao final, de forma específica, pelo prisma adotado pelo Código de Defesa do Consumidor, com vistas a análise crítica do instituto e a 105 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor possibilidade de propor, ao final, um fundamento diverso do que atualmente se utiliza a ciência jurídica3. Para o desenvolvimento desse diagnóstico, optou-se pela apreciação dos precedentes históricos da responsabilidade civil, passando, por fim, ao exame da própria estrutura interna do instituto, com ênfase no fundamento da responsabilidade civil na teoria da culpa e na teoria do risco e nas suas funções de reequilíbrio econômico-social, reparação da vítima e prevenção de danos. 2.1.1 Da responsabilidade sem culpa a culpa como fundamento da responsabilidade civil Lima (1998, p. 13) afirma que “a crença antiga e divulgada de que a teoria das obrigações e do contrato constitui uma ilha inacessível à evolução, tendendo à perenidade, à uniformidade e à universalidade, em virtude de seu caráter científico e lógico, não resiste hoje a mais simples análise”. Da mesma forma o instituto da responsabilidade civil, atrelado em seu âmbito técnico à noção de obrigação e de contrato e, portanto, não imune à evolução social decorrente da pós-modernidade em suas dimensões de sociedade de risco e de consumo4. Para adentrar à análise dos antecedentes históricos da responsabilidade jurídico, citese Hironaka (2005, p. 44), para quem, “duas são as grandes referências para uma concepção, ainda que analógica, dos antecedentes históricos da responsabilidade civil: o conceito de responsabilidade e a codificação de um sistema de compensação”. Nesse sentido, segue a autora, independentemente da consideração da existência de um conceito preciso de responsabilidade civil, todos os sistemas jurídicos, antigos ou contemporâneos, indicam a existência de um dever de compensação em razão de um prejuízo ao direito de outrem. Nesse primeiro estágio civilizacional, no qual as instituições humanas eram tão pouco desenvolvidas e, por conseguinte, não se cogitava qualquer forma de organização 3 Como afirma Fachin (2000, p. 5), “crítica e ruptura não abjuram, tout court, o legado, e nele reconhecem raízes indispensáveis que cooperam para explicitar o presente e que, na quebra, abrem portas para o futuro”. 4 Segue Lima (1998, p. 15-17): “Não há, sem dúvida, assunto mais atual, mais complexo e mais vivo, como observa Josserand, do que o estudo da responsabilidade aquiliana, centro do Direito Civil, ponto nevrálgico de todas as instituições. René Savatier, estudando a evolução geral da responsabilidade civil, observa que sua expansão é hoje revolucionária. Inúmeras são as causas que os doutrinadores apontam para justificar aquela asserção; umas de natureza puramente material, como as que decorrem dos novos inventos mecânicos, como o automóvel, o avião, as estradas de ferro, os maquinismos em geral, provocando situações jurídicas novas. Vivemos mais intensamente (Roosevelt) e mais perigosamente (Nietzsche), e, assim, num aumento vertiginoso, crescente e invencível, de momentos e de motivos para colisões de direitos. [...] Ao lado das causas materiais apontadas, fatores econômicos, sociais, políticos e influências de ordem moral vieram precipitar a evolução da responsabilidade extracontratual, a ponto de se afirmar que, em nenhuma outra matéria jurídica, o movimento de ideias foi tão acentuado nestes últimos dez anos”. 106 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor social que não fosse decorrência do uso da força, vigorava a autotutela pela prática da vingança pessoal como única forma de compensação por danos causados por outro indivíduo (HIRONAKA, 2005, p. 45). A vingança pura e simples, feita pelas próprias mãos da vítima, seria a pena privada perfeita, segundo Lima (1998, p. 20). Passando à Roma Antiga pode-se considerar que é neste estágio de evolução jurídica que se encontram as bases fundamentais de todos os sistemas jurídicos ocidentais, mesmo daqueles que não derivam diretamente do Direito Romano (HIRONAKA, 2005, p. 49). Essa tendência se percebe tanto na doutrina geral do Direito, quanto nas obras referenciais acerca da responsabilidade civil, difundida ainda nos manuais acadêmicos sobre o tema. É do direito romano que as legislações modernas retiraram a teoria clássica da culpa e da qual nasceu o princípio genérico da responsabilidade extracontratual concretizado no Código Civil de Napoleão (LIMA, 1998, p. 19). É do Direito Romano e a partir desse, a concepção de um dever geral de não prejudicar ninguém, expresso na máxima naeminem laedere (CAVALIERI FILHO, 1998, p. 19). Nesta fase permanece a noção de vingança pessoal, porém regulada pelo Estado e não se tem diferença entre responsabilidade civil e penal (PEREIRA, 2001, p. 2). Percebe-se então a valoração econômica do dano, sendo diferenciado o valor pago em conseqüência da pessoa do ofensor e do ofendido, bem como em razão do bem atingido pela ofensa (DIAS, 2006, p. 26). Com o advento da Lex Aquilia, ainda no Direito Romano, é que se reconhece um princípio geral aplicável à reparação do dano – no caso o damnum injuria datum5 –, transformando-se em marco jurídico essencial para o tema da responsabilidade, passando a denominar, inclusive, uma espécie desta: a responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana. Esta traz consigo a noção de culpa como elemento subjetivo da responsabilidade (DIAS, 2006, p. 28). Com o advento da lex aquilia de damno se introduziu a inovação sem precedentes da ideia todo autor de um ato ilícito – contrário à lei ou ao direito de outrem – está obrigado de antemão a indenizar em decorrência da causalidade da ação levada a cabo. Entretanto, a culpa moldada pela lex aquilia não mantém relação com o sentido de culpa que se adota 5 “O damnum injuria datum consistia na destruição ou deterioração da coisa alheia por fato ativo que tivesse atingido a coisa corpore et corpori, sem direito ou escusa legal (injuria). Concedida, a princípio, somente ao proprietário da coisa lesada, é mais tarde, por influência da jurisprudência, concedida aos titulares de direitos reais e aos possuidores, como a certos detentores, assim como aos peregrinos; estendera-se também aos casos de ferimentos em homens livres, quando a lei se referia às coisas e ao escravo, assim como às coisas imóveis e à destruição de um ato instrumentário (testamento, caução), desde que não houvesse outro meio de prova.” (LIMA, 1998, p. 22). 107 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor contemporaneamente na concepção de responsabilidade civil. Na visão aquiliana, o fator fundamental é a causalidade do agente em relação ao dano, ou seja, a obrigação de reparar está fundada no fato de o agente ter causado o dano e não na possibilidade de ter desejado causar o dano que efetivamente causou (HIRONAKA, 2005, p. 55-57). Já na modernidade, percebe-se o surgimento de nova realidade social, advinda da crescente modernização decorrente da revolução industrial, da hegemonia do capitalismo como forma de produção e, por consequência, novos contextos relacionais entre indivíduos e a consolidação dos Estados nacionais, levando a demanda por alterações também no domínio do Direito (DALLARI, 2011, p. 77-79). Segundo Dias (2006, p. 30), no direito francês evoluído, independe da gravidade da culpa do responsável, sendo estabelecidas categorias de culpa das quais advém os danos: a que acarreta a responsabilidade penal do agente perante o Estado e a responsabilidade civil perante a vítima; aquela das pessoas que descumprem obrigações (culpa contratual) e a que não está vinculada a crime ou delito, mas tem origem na negligência ou imprudência do agente (culpa extracontratual). Entretanto, a teoria clássica fundada na culpa se mostrou insuficiente para atender às demandas concretas decorrentes do convívio social com a evolução da sociedade moderna, deixando sem reparação casos nos quais não se conseguia a comprovação desse elemento subjetivo. Esse novo contexto social deu início a um movimento jurisprudencial que alargava a interpretação do elemento subjetivo, levando à reformulação da teoria clássica da responsabilidade civil fundada na existência de culpa do ofensor, que deu lugar a novas teorias dogmáticas que se posicionam pela necessidade de reparação dos danos em decorrência direta do fato ou do risco criado, sem a consideração da culpa (CAVALIERI FILHO, 1998, p. 141-142). 2.1.2 Da responsabilidade civil subjetiva à responsabilidade civil objetiva: da vinculação do dano exclusivamente à existência da culpa à presunção ou desconsideração da culpa para reparação do dano Conforme define Dias (2006, p. 57), a teoria da culpa resumida por Ihering na fórmula “sem culpa, nenhuma reparação”, foi suficiente por muito tempo para satisfazer a dogmática jurídica como fundamento da responsabilidade e ainda inspira parte da doutrina que resiste em declarar sua insuficiência frente às demandas da modernidade, sem menção 108 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor ainda aos defeitos da própria concepção teórica. Entretanto, a transição da responsabilidade subjetiva para a objetiva não foi tarefa simples ou célere (LIMA, 1998, p. 70-71). Para contextualizar a situação que se observava então, Calixto (2008, p. 150) afirma que ao final do século XIX se constata que a exigência da prova da culpa pela vítima do dano dificultava, quando não impedia, a reparação do próprio dano, sendo iniciado o movimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de relativizar o ônus probatório da vítima, sem abolir formalmente a culpa ou sua prova como fundamento da responsabilidade civil. Surgem assim, segundo o autor, as primeiras teorias favoráveis à presunção da culpa do ofensor pelos danos causados por sua ação6. Como dito por Lima (1998, p. 113-116), o movimento evolutivo da sociedade introduzida na industrialização torna imprescindível perquirir um novo fundamento para a responsabilidade civil extracontratual que melhor resolvesse o problema da reparação do dano, não sendo mais possível atender às novas demandas sociais no âmbito da responsabilidade unicamente com fundamento na culpa. Para tanto se fez necessário abordar a responsabilidade não mais sob o prisma do elemento moral e passar a análise do aspecto exclusivo da reparação do dano. Sendo que dano e reparação não devem ser medidos pela culpabilidade, mas surgir do próprio fato causador da lesão ao bem jurídico. Em resposta à demanda social pela possibilidade de reparação mesmo na ausência de culpa, pode-se afirmar que a teoria da responsabilidade objetiva se funda no risco, concebido como perigo ou probabilidade de dano, sendo que aquele que exerce uma atividade perigosa deve assumir os riscos dela decorrente e reparar os eventuais danos que possa ocasionar. Dito de outra forma, todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por este, independentemente de ter agido com culpa ou não. O problema da reparação se resolve pela causalidade, dispensado qualquer juízo de valor sobre a ação do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano (CAVALIERI FILHO, 1998, p. 143). 2.2 O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E RESPONSABILIDADE CIVIL: SEGURANÇA DO CONSUMIDOR COMO PARADIGMA DE RESPONSABILIZAÇÃO 2.2.1 Código de defesa do consumidor e responsabilidade civil 6 Nesse sentido, Maranhão (2010, p. 180) afirma que “a dificuldade probatória era tão intensa e injusta que acabou sendo considerada como uma verdadeira maldade às vítimas, que, diante do dissabor de um já previsível fracasso probatório no interior de uma demanda judicial, no mais das vezes restavam totalmente iressarcidas. Daí o porquê dessa frustração técnico-probatória ter sido batizada na doutrina de probatio diabolica.” 109 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A pós-modernidade como espaço de transição da sociedade moderna para um futuro desconhecido e incerto, traz como característica perceptível a sua natureza consumista, ou melhor, a internalização de uma sociedade de consumo7. Com objetivo de trazer um recorte teórico e referencial ao presente trabalho, e necessário informar algumas premissas sobre a abordagem que se adota. Trata-se aqui de uma forma de localização do problema proposto em determinado e específico ambiente social. O indivíduo-consumidor, alcança posição de relevância na sociedade pós-moderna não pela utilização de bens de tradição aristocrática, mas pelo consumo de novos produtos, transformados em signos, cujo uso se restringe no tempo, levando à busca constante por novos produtos, sendo o valor de representação daqueles o fator indicativo da situação social do indivíduo. A partir da alteração desses padrões, com o consumo individualizado e ávido por inovações tecnológicas, elevado a fator preponderante da inserção do indivíduo na sociedade é que se conforma a atual sociedade de consumo, na qual os signos ou objetos vão além da sua dimensão material de uso, encampando uma dimensão ideal de representação (BAUDRILLARD, 2010, p. 50-51). Nessa realidade social contemporânea despontam novos atores centrais – o consumidor8 e o fornecedor9 – partes de uma nova espécie de relação jurídica – a relação de consumo10, surgindo a necessidade de evolução do próprio ordenamento jurídico contemporâneo, adotando medidas punitivas, protetivas e preventivas quanto às ameaças e danos advindos das novas relações sociais resultantes. O Direito, então, enfrenta um novo desafio: a proteção do consumidor como fenômeno jurídico desconhecido no passado e que, a partir do século XX, quando o homem passa a viver em função de um novo modelo associativo, a sociedade de consumo, que se caracteriza por um número inédito e crescente de produtos e serviços disponibilizados, pelo 7 Para Barbosa (2010, p. 7), “sociedade de consumo é um dos inúmeros rótulos utilizados por intelectuais, acadêmicos, jornalistas e profissionais de marketing para se referir à sociedade contemporânea. Ao contrário de termos como sociedade pós-moderna, pós-industrial e pós-iluminista – que sinalizam para o fim ou ultrapassagem de uma época – sociedade de consumo, à semelhança das expressões sociedade da informação, do conhecimento, do espetáculo, de capitalismo desorganizado e de risco, entre outras, remete o leitor para uma determinada dimensão, percebida como específica e, portanto, definidora, para alguns, das sociedades contemporâneas”. 8 Consumidor é qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou a locação de bens, bem como a prestação de um serviço. (FILOMENO, 2007, p.32). 9 Fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produto ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma habitual. (FILOMENO, 2007, p.47). 10 Relações de consumo são relações jurídicas por excelência, pressupondo, por conseguinte, dois polos de interesse: o consumidor-fornecedor e a coisa, objeto desses interesses, o que no caso consiste em produtos e serviços. (FILOMENO, 2007, p.50). 110 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor domínio do crédito e do marketing, pela dificuldade de acesso à justiça. Essa nova sociedade leva à criação do Direito do Consumidor como disciplina jurídica autônoma (GRINOVER E BENJAMIN, 2007, p. 6). Essa realidade social se coloca de frente às antigas concepções e dogmas jurídicos da modernidade, influenciando como se viu no surgimento de um novo ramo de estudos jurídicos – o Direito do Consumidor – e também no que se refere ao instituto da responsabilidade civil, que por sua vez, encontra sua base no Direito Civil, mas tem aplicabilidade plena e necessária no direito consumerista, incluindo a abordagem da Responsabilidade Civil no microssistema de proteção das relações de consumo. Retomando o tema da sociedade de consumo, pode-se afirmar que esta, ao contrário do que se propunha e que se imagina, não trouxe apenas benefícios aos que nela se encontram. A posição do consumidor, encantado com os benefícios prometidos, de acesso a bens e serviços, novas tecnologias e produtos, possibilidade de obtenção de ascensão social através da propriedade e uso desses objetos, acabou por ser inferiorizada. Se nas sociedades anteriores, consumidor e fornecedor se encontravam em relativo equilíbrio de negociação, muitas vezes pela proximidade existente entre ambos, decorrente de um mercado pré-globalização, atualmente o fornecedor assume um papel preponderante na relação de consumo, ditando regras e condições, em contraposição à vulnerabilidade do consumidor. O mercado, nos seus moldes atuais, não apresenta mecanismos para superar ou mitigar essa posição de inferioridade relacional do consumidor, sendo imprescindível a intervenção do Estado com tal objetivo. Seja editando e implementando normas jurídicas, seja solucionando conflitos decorrentes das relações de consumo (GRINOVER E BENJAMIN, 2007, p. 6-7). Essa condição desfavorável do consumidor se apresenta de forma complexa, multifacetada, não sendo plausível a aceitação de que o Direito proteja apenas em parte o consumidor. Faz-se necessário, ao contrário, que a proteção ao consumidor – elo mais fraco da relação de consumo – seja integral, sistemática e dinâmica, com o regramento de todos os aspectos dessa relação jurídica específica. E na vulnerabilidade do consumidor, pretendendo sua proteção integral, é que se fundamenta o Direito do Consumidor como nova disciplina jurídica, com objetivo precípuo de reequilibrar a relação de consumo (GRINOVER E BENJAMIN, 2007, p. 7). Dessa forma, tem-se que o Código de Defesa do Consumidor compõe um sistema autônomo inserto no sistema constitucional brasileiro, estando suas normas submetidas aos princípios constitucionais e, por outro lado, todas as outras normas do sistema constitucional 111 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor somente se aplicarão às relações de consumo em caso de lacuna no sistema de defesa do consumidor. Sob esse aspecto, sua interpretação deve ser lógico-sistemática, com base teleológica, integrando suas regras e princípios com as finalidades para as quais fora proposto (RIZZATO NUNES, 2010, P. 156). Para Efing (2003, p. 88-90), os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor são instrumentos de prevenção e repressão com vistas ao aprimoramento das relações de consumo. Não visam a demonização do fornecedor ou se tornar a tábua de salvação dos consumidores frente aos abusos na relação de consumo. Objetiva, por outro lado, extirpar as desigualdades por meio de alternativas legais disponibilizadas ao consumidor, ensinando-o a utilizá-las. A partir do momento em que o consumidor tenha conhecimento de seus direitos e de como defendê-los, torna-se exigente em sua ação de consumo e essa exigência influencia a atitude do fornecedor, aprimorando, por fim, a relação de consumo. Para esse fim, a política nacional das relações de consumo é regida por determinados princípios próprios, elencados no art. 4°, do Código de Defesa do Consumidor, que, segundo Marins (1993, p. 37-38), têm por objetivo atender e proteger os consumidores em sua dignidade, saúde e segurança, em seus interesses econômicos, promovendo a transparência e harmonia das relações de consumo. Desse sistema principiológico, destaca Efing (2003, p. 91) a importância do princípio da vulnerabilidade e do princípio da informação, sendo que desses é possível extrair os demais princípios informadores do Direito do Consumidor no Brasil, positivado pelo Código do Consumidor. Para contextualizar a importância do princípio da vulnerabilidade é preciso ter em mente a condição de submissão do consumidor na relação de consumo. Essa submissão tem por base o poder dos fornecedores em limitar a escolha do consumidor em face dos produtos por aqueles disponibilizados no mercado, concluindo que se o consumidor depende do fornecedor para manifestação de sua vontade, à essa esta submisso e, portanto, torna-se o elo mais fraco da relação. Para Filomeno (2007, p. 79-82) a obrigação ou tarefa imposta pelo Código do Consumidor não é apenas dos fornecedores, estendendo-se ao Estado, órgãos públicos e entidades privadas de proteção do consumidor. O Estado desempenharia sua função educativa e informativa por meio da educação formal, incluindo a matéria dos direitos do consumidor nos currículos escolares em todos os níveis, bem como através dos órgãos públicos de defesa do consumidor. Estes órgãos públicos, por sua vez, atuariam em conjunto com entidades privadas no sentido de disponibilizar material informativo direcionado à sociedade 112 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor consumidora, com objetivo de disseminar e dar conhecimento sobre direitos e prerrogativas atinentes ao tema das relações de consumo. Outro dos princípios informadores do Direito do Consumidor é o princípio da garantia de adequação, definido por Efing (2003, p. 94) como aquele que determina ao fornecedor o dever de garantir a adequação dos produtos e serviços à demanda legalmente constituída pela saúde, segurança, qualidade de vida e demais bens jurídicos inerentes aos consumidores. Conforme Marins (1993, p. 41), essa adequação dos produtos e serviços está vinculada ao binômio segurança/qualidade11 e atende concretamente aos objetivos do art. 4° do Código de Defesa do Consumidor, que consistem no atendimento das necessidades dos consumidores, respeitando sua dignidade, saúde e segurança, melhoria da qualidade de vida e protegendo seus interesses econômicos. Passando ao princípio da boa-fé nas relações de consumo, este vem expresso no Código de Defesa do Consumidor como regra geral de comportamento e encontra-se invocado em diversas passagens da referida lei. A transparência e harmonia previstas no caput do seu art. 4° serão decorrentes da conduta geral de boa-fé de ambas as partes da relação de consumo, ainda que na defesa de interesses aparentemente confrontantes. Para tanto, ambos – consumidor e fornecedor –, devem ter em vista um objetivo comum que é o de tornar mais eficiente e justo o mercado de consumo (MARINS, 1993, p. 41-42). Assim, tem-se que a boa-fé inserida no Código de Defesa do Consumidor é objetiva, definida por Rizzatto Nunes (2010, p. 196) como o dever das partes de agir conforme determinados parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de estabelecer e preservar o equilíbrio nas relações de consumo. Não o equilíbrio econômico, mas o equilíbrio entre suas respectivas posições contratuais. A boa-fé objetiva funciona, nesse contexto, como um modelo, que não depende de qualquer verificação de má-fé subjetiva do fornecedor ou do consumidor. Como corolário dos demais princípios inseridos no Código de Defesa do Consumidor, encontra-se o princípio do acesso à justiça, por sua função concretizadora dos direitos afetos ao tema. De nada adiantaria a previsão de direitos e garantias formais sem a facilitação de sua materialização através da prestação jurisdicional acessível e o tratamento diferenciado do consumidor em juízo, ainda com vistas a sua vulnerabilidade e ao equilíbrio na relação de consumo (EFING, 2003, p. 95). 11 Segundo Filomeno (2007, p. 82), “hodiernamente o conceito de qualidade não é mais a adequação às normas que regem a fabricação de determinado produto ou a prestação de um determinado serviço, tão-somente, mas principalmente a satisfação de seus consumidores [...]”. 113 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Para esse fim, o princípio propicia aos consumidores meios processuais efetivos e contundentes para a busca da defesa de seus interesses e possibilitando a plena utilização dos direitos subjetivados e positivados no Código do Consumidor e legislação correlata. Com esse objetivo, o Código cria instrumentos de facilitação da posição processual do consumidor, dentre os quais, a vulnerabilidade, a inversão do ônus da prova, a impossibilidade da intervenção de terceiros nas lides de consumo, o sistema de responsabilidade civil mitigada do fornecedor e a antecipação de tutela (EFING, 2003, p. 95). No microssistema dos direitos do consumidor, com suas inovações de natureza jurídica material e processual destaca-se o instituto da responsabilidade civil como instrumento vital de concretização desses novos direitos. Não há como se falar em plena concretização dos direitos do consumidor sem que haja a previsão da reparação dos danos causados no âmbito das relações de consumo e, mais importante, sem que se instituam instrumentos processuais que garantam a efetiva, integral e célere reparação desses danos. Portanto, para o estudo das relações de consumo é imprescindível a percepção da forma de recepção da responsabilidade civil pelo Código de Defesa do Consumidor, bem como sua operacionalização em juízo em decorrência das prerrogativas processuais destinadas ao consumidor para consecução do princípio do acesso à justiça em todos os seus aspectos. Inicialmente, quanto à responsabilidade civil inserida no Código de Defesa do Consumidor cabe aludir a Denari (2007, p. 182-183) que afirma decorrer da relação de consumo uma relação de responsabilidade, com a inversão dos polos ativo e passivo, adentrando o consumidor no polo ativo da relação de responsabilidade, levando consigo todas as suas prerrogativas subjetivas. Essa inversão de posição relacional que permitiu ao Código do Consumidor afastar a bipartição clássica entre responsabilidade contratual e extracontratual, dando ensejo à unificação do instituto em sua aplicação às relações de consumo. Segue Denari (2007, p. 188 e 203), informando que a responsabilidade civil adotada pelo Código de Defesa do Consumidor é objetiva, não sendo relevante para sua determinação investigar a conduta do fornecedor de produtos ou serviços, considerando-se apenas o fato da colocação destes no mercado de consumo, dando causa aos danos causados por esses. Entretanto, a responsabilidade do fornecedor, da forma como adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, não é absoluta, mas mitigada, sendo previstas hipóteses de exclusão dessa responsabilidade, previstas na lei e cujo ônus da prova é do fornecedor (EFING, 2003, p. 135). Essa opção legislativa segue a melhor doutrina que prevê que um sistema equânime de responsabilização no âmbito das relações de consumo deve imputar o risco aquele que tenha melhores condições de prevê-lo e que tenha melhores condições de distribuir, diluir e 114 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor reduzir tais riscos, recaindo, por fim, esse risco sobre aquele que o originou, sem que isso signifique em responsabilidade absoluta, com vistas à harmonia na distribuição de riscos (MARINS, 1993, p. 97). O Código de Defesa do Consumidor, por opção legislativa, adota a concepção ampla de fornecedor12, sendo que é solidária a responsabilidade dos participantes da mesma cadeia de fornecimento do produto ou serviço. Com essa determinação legal, seja qual for o fornecedor acionado pelo consumidor a responder pelos danos causados, sua concorrência para a realização do evento danoso é irrelevante, bastando sua inserção na cadeia de fornecimento (EFING, 2003, p. 144-145). Por óbvio também que se faz necessária a comprovação da existência do defeito, do dano efetivo – moral ou patrimonial – e, do nexo de causalidade entre o defeito do produto ou serviço e a lesão. Não se comprovando ou inexistindo qualquer desses elementos não se pode cogitar a responsabilidade civil do fornecedor no âmbito da relação de consumo (MARINS, 1993, p. 108-109). Quanto aos danos causados pelo fornecedor de serviços, sua responsabilidade encontra fundamento nos mesmos elementos do caso dos produtos, em razão do fornecimento de serviços defeituosos (DENARI, 2007, p. 202). Com respeito aos serviços, Denari (2007, p. 203) relaciona três hipóteses em que esses serão considerados defeituosos: a) quando é mal apresentado ao público consumidor; b) quando sua fruição é capaz de suscitar riscos acima do nível de razoável expectativa; e c) quando, em razão do decurso do tempo, desde a sua prestação, é de se supor que não ostente sinais de envelhecimento. Esses critérios de aferição encontram-se elencados no art. 14, § 1°, do CDC e são, segundo o autor, a simples adequação da norma prevista no art. 12, § 1°, também do CDC e que se refere aos produtos defeituosos. Interessante o posicionamento de Rizzatto Nunes (2010, p. 243-244) quanto aos fatos do produto e serviço, muitas vezes denominados de acidentes de consumo. O autor defende a utilização do termo fato em detrimento de acidente, sendo que este último poderia confundir o entendimento da conotação desejada pelo CDC, não se adequando a determinados acontecimentos ensejadores de responsabilidade por danos aos consumidores. Já a própria palavra fato permite a conexão com acontecimento, implicando no entendimento de que seria 12 Sobre o assunto, Filomeno (2007, p. 47) afirma que são considerados como fornecedores todos quantos propiciem a oferta de produtos ou serviços no mercado de consumo, mediante desempenho de atividade civil ou mercantil e de forma habitual, sendo relevante sua distinção apenas para fins de responsabilização por danos causados aos consumidores ou, na cadeia de responsabilização, para que os próprios fornecedores utilizem seu direito de regresso, em vistas da solidariedade entre esses, imposta como garantia de efetividade da proteção dos mesmos consumidores. 115 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor qualquer acontecimento e não apenas aqueles decorrentes de acidentes, no sentido estrito do termo. Com relação às excludentes de responsabilidade, Marins (1993, p. 145) defende sua inclusão no CDC com vistas à justa distribuição do risco entre as partes da relação de consumo para que se obtenha um sistema de proteção dessas relações não apenas eficaz, mas harmônico e equilibrado, sem que a carga de responsabilidade se sobreponha de forma desmesurada sobre um dos polos da relação, o fornecedor, mas preservando o tratamento favorável ao consumidor. O art. 12, § 3°, do CDC relaciona de modo taxativo as hipóteses de exclusão da responsabilidade do fornecedor de produtos, assim como o § 3°, do art. 14, também do CDC, enumera as excludentes de responsabilidade do fornecedor de serviços. Com a concorrência de culpa, permanece, no âmbito do CDC, a responsabilidade integral do fornecedor. Quanto à culpa de terceiro, este deve ser pessoa estranha à relação de consumo, sendo que se o terceiro participar da relação de consumo, de plano não seria assim considerado. Mas, da mesma forma, se o terceiro estiver relacionado com a cadeia de fornecimento, como empregado, preposto ou representante autônomo do fornecedor, este se mantém como responsável integral pelo dano causado (RIZZATO NUNES, 2010, p. 261262). As causas excludentes da responsabilidade do fornecedor de serviços se coadunam com as do fornecedor de produtos, sendo também a inexistência do defeito e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro. Em contrapartida, é importante analisar a questão da consideração da excludente genérica de responsabilidade consubstanciada pelo caso fortuito ou força maior e elencadas no Código Civil, art. 393 e inexistente no rol trazido pelo CDC. Denari (2007, p. 199-200) e Marins (1993, p. 153-155) adotam a tese majoritária13 de que a ocorrência do caso fortuito ou força maior deve ser analisado sob dois aspectos, decorrentes do momento do acontecimento. Em caso de ocorrência em fase de concepção ou produção do produto, o fornecedor permanece responsável pelo dano causado quando da sua inserção no mercado e utilização pelo consumidor, mantendo-se intacto o nexo causal. Entretanto, em caso de acontecimento em momento posterior, quando o produto já estiver inserido no mercado, o fornecedor já não será responsabilizado pelos danos causados por este, já que o nexo causal que liga o defeito ao dano não estaria mais sob seu controle. 13 Apresentando posicionamento contrário tem-se Rizzatto Nunes (2010, p. 261), que defende a responsabilidade integral do fornecedor na ocorrência de caso fortuito ou força maior, independentemente do momento do acontecimento. 116 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 2.2.2 Segurança das relações de consumo em observância do paradigma da dignidade humana Desde a década de 1980 faz-se menção, de forma reiterada nos textos jurídicos no Brasil, à dignidade da pessoa humana, período em que se presenciou a elaboração e promulgação da Constituição Federal, em 1988, que deu extrema importância normativa aos direitos e garantias individuais e coletivos e, nesse conjunto, papel proeminente à dignidade. A partir da promulgação da CF de 1988 e, em especial no decênio posterior, que coincide com os cinquenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, vivenciou-se no Brasil a discussão sobre o tema em proporções jamais vistas. Esse fato foi alimentado, de certa forma, pelo histórico recente de desrespeito aos direitos humanos em nosso país e acabou por propiciar grande produção jurídico brasileiro (HIRONAKA, 2005, p. 159-160). Em decorrência desse movimento histórico, a Constituição Federal de 1988, ocasionou uma reação ao período autoritário anterior e seguindo os passos de outras ordens constitucionais, incluiu um título próprio para o tratamento dos princípios fundamentais, inserido na parte inaugural do texto, em homenagem ao seu vital significado e função. Através desse posicionamento, o legislador constituinte fez transparecer, de forma inequívoca, sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de todo ordenamento constitucional, em especial as que definem direitos e garantias fundamentais, que ao lado desses princípios integram o núcleo essencial da nossa Constituição formal e material (SARLET, 2010, p. 71). Nesse contexto informado pelo núcleo essencial de nossa Constituição, tem-se a dignidade da pessoa humana como fundamento do modelo de Estado democrático de Direito, conforme art. 1°, inciso III da Constituição Federal de 1988. A própria CF faz menção expressa ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana em outras passagens do texto constitucional. Assim se torna evidente que a dignidade da pessoa humana mereceu a devida atenção por parte da ordem jurídica positiva no Brasil (SARLET, 2010, p. 72). Silva (2009, p. 105), define a dignidade da pessoa humana como valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. Dessa apreensão decorre que a disposição constitucional de que ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos uma existência digna; a ordem social visará a realização da justiça social; a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania. Estes não 117 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor são meros enunciados formais, mas indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana. De acordo com o autor citado, a dignidade da pessoa humana é um valor supremo, sendo um direito fundamental da humanidade, desde o seu nascer com vida. Onde se prepara a pessoa para o seu desenvolvimento no exercício de cidadania obtendo assim seu direito a uma vida digna. Pela dimensão que possui a dignidade da pessoa humana, entende-se que, ao ser positivada como princípio constitucional pela CF de 1988, esta passa a obrigar de forma irrestrita e incontrastável o Estado e a sociedade, sendo que qualquer ação contrária a sua prevenção, proteção e promoção há de ser considerada juridicamente nula, sendo que no âmbito constitucional, nenhum princípio é mais valioso na função de sintetizar a unidade material da Constituição do que o da dignidade da pessoa humana (PIOVESAN, 2009, p. 365). Nessa dimensão, o valor fundamental da dignidade da pessoa humana acaba permeando, senão embasando, os demais direitos e garantias fundamentais que lhe são conexos, iniciando pelos direitos da personalidade, perpassando pelo direito à propriedade, influenciando os direitos econômicos, sociais e culturais, atingindo os princípios de ordem econômica e, dessa forma limitando a livre iniciativa (PIOVESAN, 2009, p. 96-106). Nesse movimento de permeabilização, a dignidade da pessoa humana fundamenta a proteção jurídica do consumidor no âmbito das relações de consumo, em especial no que se refere à segurança e adequação dos produtos e serviços inseridos no mercado de consumo, à proteção da vida e saúde, ao objetivo de equilíbrio das relações, à facilitação do acesso à justiça e também no que tange à responsabilidade civil do fornecedor. Considerando esses pressupostos, caberá aos órgãos administrativos de proteção ao consumidor e de regulação das atividades econômicas envolvidas no processo a averiguação e controle dos riscos inerentes aos serviços disponibilizados no mercado de consumo, mas, antes da atuação do Estado, cabe aos fornecedores verificar e garantir a adequação de seus produtos e serviços. Assim, a segurança do consumidor, como um dos principais objetos de tutela do CDC e da Política Nacional das Relações de Consumo, presente em vários de seus princípios norteadores, pretende, a par de enfatizar a proteção do consumidor estimular o fornecedor a buscar a adequação de produtos e serviços aos padrões de mercado. Some-se a esses objetivos, o de possibilitar a responsabilização do fornecedor em caso de ocorrência de dano ao consumidor em decorrência da não observância das normas de segurança, bem como da 118 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor frustração das legítimas expectativas do consumidor quando da aquisição de produtos e serviços (EFING, 2003, p. 218). Isso porque a obrigação de segurança no direito do consumidor é de natureza eminentemente preventiva, cabendo ao fornecedor a verificação prévia da adequação e segurança de seus produtos e serviços, em vista das expectativas do consumidor e daquelas advindas das normas técnicas de segurança existentes. E ainda, o controle de riscos deve prosseguir após a comercialização ou introdução do produto ou serviço no mercado, sendo obrigado o fornecedor a relatar os órgãos administrativos competentes e, principalmente, os consumidores os possíveis efeitos danosos que seus produtos e serviços potencialmente produzirão, também no sentido de evitar os danos eventuais e antes desconhecidos. Estando os fornecedores ainda obrigados a substituir os produtos defeituosos ou perigosos por outros que correspondam às expectativas de segurança impostas (LOPEZ, 2010, p. 172). A não observância desses quesitos – segurança e expectativa – dá ensejo à responsabilização civil do fornecedor, seja no âmbito material, seja moral, perfazendo o sistema de responsabilidade civil objetiva adotada pelo CDC. Essas garantias, portanto, trazem como fundamento primeiro a dignidade da pessoa humana, protegendo e preservando a vida, quanto à incolumidade física no que diz respeito à segurança e, no que se refere às expectativas, preservando a esfera jurídica econômica e moral, importando dizer, como de praxe, que ambas podem ser objeto de ação de responsabilidade conforme o ordenamento jurídico prevê. 3 DO SISTEMA DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO E SUA RESPONSABILIZAÇÃO PELO CADASTRO INDEVIDO DE CONSUMIDORES Retornando ao tema da sociedade de consumo, a atual realidade social, do consumo de massa se apresenta como um liame contínuo de relações entre consumidores e fornecedores, sujeitando-se ao sistema de proteção do Código de Defesa do Consumidor em vista da possibilidade, cada vez mais frequente, da ocorrência de acidentes de consumo, causadores de danos materiais e morais para as partes envolvidas. No que se refere ao fornecimento de serviços, surge a questão da criação e manutenção dos bancos de dados com informações a respeito da vida econômica dos consumidores e sua capacidade de solvência. Segundo Covas (2012), os bancos de dados destinados à proteção ao crédito são entidades cujo objetivo é a coleta, o armazenamento e a disponibilização de informações de crédito para utilização na análise de riscos referentes à sua concessão, sendo que no Brasil, 119 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor tais entidades surgiram na década de 1950 e, posteriormente, com a Constituição Federal de 1988 passaram a ter previsão constitucional no art. 5°, inciso LXXII, alínea “a”, sendo disciplinadas pelo artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor. Defende o autor que tais entidades tem fundamental importância para a segurança jurídica das relações de consumo e, consequentemente dão maior higidez à economia. A discussão que se pretende trazer diz respeito à responsabilidade civil dessas entidades de proteção ao crédito pelo cadastro indevido de consumidores em seus bancos de dados, com base nos princípios de proteção do consumidor como sendo a parte vulnerável na relação de consumo e diante da possibilidade de equiparação da vítima de evento danoso decorrente de relação de consumo contida no artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor. Não se trata de rever a possibilidade de consideração do dano – material e/ou moral, relativo á inclusão indevida mas, por outro lado, discutir a responsabilidade por esse dano, a se considerar a posição do órgão de proteção ao crédito na cadeia de consumo ou de fornecimento existente e sua posição como ente prestador de um serviço de utilidade pública. A proteção jurídica do consumidor não tem caráter exclusivamente contratual, aplicável nas etapas pré-contratual, na execução do contrato e na etapa pós-contratual, estendendo-se àqueles que, mesmo não participem da contração de modo direto, por serem vítimas do evento danoso acabam sendo equiparados ao consumidor para fins de responsabilização do causador do dano. Nesse sentido Sanseverino (2010, p. 119) trata do nexo de imputação que é o vínculo que se estabelece entre o defeito presente no produto ou serviço e a atividade desenvolvida pelo fornecedor para atribuição do dever de indenizar os danos sofridos pelo consumidor prejudicado. Segue Sanseverino (2010, p. 207), afirmando que o sistema de proteção ao consumidor põe fim à dicotomia entre responsabilidade contratual e extracontratual quando adota tratamento utilitário à responsabilidade por acidentes de consumo, incluindo no rol de pessoas que poderão se indenizadas os terceiros, alheios à relação de consumo originária (bystanders), que, equiparados ao consumidor direto, poderão acionar diretamente o fornecedor, seja qual for o vínculo contratual existente ou até inexistente, conforme artigo 17, do CDC. No caso da inclusão indevida do consumidor em banco de dados de inadimplentes, mesmo que sua relação contratual não seja com o órgão de proteção ao crédito mas com eventual fornecedor diverso, deve prevalecer a lógica da proteção integral e a possibilidade de responsabilização deste último, considerando a cadeia de fornecimento e o nexo de imputação. 120 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Essa possibilidade de responsabilização direta dos órgãos de proteção ao crédito pela inclusão indevida de consumidores em seus bancos de dados, conforme defendido no presente estudo, tem como fundamento a teoria do contato social de consumo, em conformidade com a conceituação de Sanseverino (2010, p. 217), para quem aquele é estabelecido por meio de atos puramente materiais, independente de manifestações claras de vontade na sociedade de consumo de massa, aproximando o fornecedor do consumidor em momento anterior ou até mesmo, fora de qualquer vínculo contratual. Sempre que houver dever de indenizar em vista de danos causados por produtos ou serviços e, sendo considerada a cadeia de fornecimento, caberá ao fornecedor acionado, em vista da obrigação solidária, a respectiva ação de regresso contra aquele que efetivamente tenha provocado o dano. No que se refere à responsabilidade do fornecedor de serviços, aplica-se o disposto no art. 14, do CDC, incluindo as excludentes de responsabilidade ali elencadas. Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva, mitigada pelas excludentes ali elencadas mas que deve ser tratada com cautela em vista dos princípios de proteção integral do consumidor já elencados anteriormente. No caso dos serviços de bancos de dados, o CDC trata do tema no seu artigo 43 e 44, indicando expressamente o caráter público dessas entidades e, assim, o destinatário de seus serviços não é apenas o fornecedor que contrata o órgão e sim a coletividade, aplicando-se, como afirma o art. 44, as regras do parágrafo único do art. 22, também do CDC. Da leitura dos dispositivos citados tem-se a fundamentação para a responsabilização direta dos órgãos de cadastro frente ao consumidor lesado, tendo em vista que o cadastro indevido caracteriza, evidentemente, descumprimento à obrigatoriedade da prestação de serviços adequados, eficientes e seguros, impondo a obrigação de reparação do serviço e de indenizar os eventuais lesados, independentemente de vínculo contratual existente. Para oportunizar a manifestação do indivíduo a ser cadastrado junto ao banco de dados de inadimplentes e, assim, contestar a inclusão, as entidades de banco de dados devem informar previamente o interessado, conforme § 2º do art. 43 do CDC. A partir da informação prévia, o interessado poderá regularizar sua situação creditícia ou, em caso de não constar motivo para o cadastro, manifestar-se nesse sentido. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula n° 35914. 14 STJ Súmula nº 359 (13/08/2008): Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição. 121 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Ainda no que diz respeito às excludentes previstas no art. 14, § 3°, estas deveriam ser analisadas também sob o prisma da cadeia de fornecimento, da relação de imputação e da relação contratual existente nos serviços de cadastro e proteção ao crédito. Quando se trata das excludentes mencionadas, verifica-se a possibilidade dada ao fornecedor de serviços de comprovar a inexistência do defeito ou a culpa exclusiva da vítima ou do consumidor. No caso das entidades de proteção ao crédito, a primeira excludente é de fácil compreensão e interpretação, sendo comprovada excluirá o dever de indenizar do fornecedor de serviço. Quanto à segunda excludente, defende-se uma interpretação restritiva quanto às partes dessa relação de consumo e abrangente quanto à posição da vítima. Explica-se o argumento: a relação de consumo, se existente no caso, vincula o órgão de cadastro (fornecedor) e o fornecedor (consumidor) que informa o inadimplemento ou busca informações acerca da pessoa com quem pretende negociar. A vítima do cadastro indevido é, por óbvio, consumidor mas, de forma muito clara, parte de uma relação de consumo diversa dessa que se estabelece entre o fornecedor do serviço de proteção ao crédito e aquele ao qual o serviço se destina inicialmente – comerciante, empresário. Assim, a vítima desse fornecimento inadequado do serviço ofertado com características de entidade pública está alheia a essa relação contratual (bystander) mas, mesmo nessa condição, encontra-se tutelado pela norma e não deve ser excluído da possibilidade de reparação do dano sofrido. Interpretando as normas citadas de forma sistemática, percebe-se claramente a presença de uma cadeia de fornecimento, cabendo ao lesado propor a ação de reparação contra qualquer dos responsáveis, que são solidários na responsabilidade decorrente e possuem a opção de promover ação de regresso entre si. A posição majoritária da doutrina e da jurisprudência adota a excludente de responsabilidade dos órgãos de proteção ao crédito com base na culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro, no caso daqueles que solicitam a inclusão do consumidor, eximindo as entidades de bancos de dados de qualquer reponsabilidade. Entretanto, há de se observar também, quanto à cadeia de fornecimento o que determina o art. 23 do CDC. Dessa forma, a lógica de que o órgão não tem conhecimento acerca das informações que lhe são repassadas para fins de cadastramento de inadimplentes tampouco pode prosperar, sendo que o fornecedor dessa espécie de serviço deve atuar com cautela e diligência, em especial considerando os efeitos danosos que poderão surgir do cadastro indevido na vida socioeconômica do consumidor prejudicado. 122 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Assim, o presente estudo defende o posicionamento de que, com base nos argumentos expostos, existe responsabilidade objetiva dos órgãos de proteção ao crédito pelos danos causados aos consumidores que tiverem sido cadastrados indevidamente, com a adoção mitigada das excludentes apresentadas pelo CDC, respeitando os princípios da vulnerabilidade e da proteção integral do consumidor. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Conforme se tentou demonstrar no presente estudo, ao considerar os fundamentos do ordenamento jurídico brasileiro, embasados nos princípios e garantias constitucionais, tendo como princípio maior a proteção da dignidade da pessoa humana. Dito bem maior, acompanhado dos demais princípios e garantias fundamentais, permeia todo o ordenamento jurídico, influenciando e orientando, dessa maneira, também o Direito Privado, em especial o microssistema do Direito das Relações de Consumo. Partindo desse novo paradigma, são perceptíveis as alterações no sistema de Direito Privado, como dito, incluindo o instituto da responsabilidade civil, que acompanhando a dinâmica social, atinge seu atual estágio, no qual a responsabilização do agente causador do dano transpassa a culpa como fundamento exclusivo do dever de indenizar, adotando a idéia de risco, dando origem à responsabilidade civil objetiva em alguns casos previstos pela norma jurídica. A ideia do risco e da responsabilidade objetiva foram adotadas pela legislação de proteção ao consumidor e das relações de consumo, indicando seus princípios norteadores específicos, bem como a sistemática de funcionamento, frente ao princípio da vulnerabilidade do consumidor, de sua proteção integral e da reparação integral do dano. Essa abordagem do código consumerista impõe conceitos amplos de consumidor e fornecedor, bem como a inclusão de vítimas que não fazem parte diretamente das relações de consumo mas que poderão ser afetadas em seus direitos em conseqüência dessas relações, devendo também ser indenizadas. Esse é o cerne da abordagem realizada pelo presente estudo, que defende a possibilidade de responsabilização das entidades de proteção ao crédito ou de cadastro de bancos de dados por danos causados aos indivíduos pelo cadastramento indevido nas relações de inadimplentes, não de forma subsidiária pela ação a ser analisada especificamente de seus prepostos, mas de forma solidária, considerando-as como membros de uma mesma cadeia de fornecimento. 123 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Ao adotar tal entendimento, pela solidariedade processual, permitindo ao consumidor acionar diretamente o órgão de proteção ao crédito, ter-se-á o atingimento do objetivo trazido pelos princípios acima elencados, em especial o objetivo de proteção integral e de reparação integral do dano daqueles que forem por este atingidos, com base na vulnerabilidade do consumidor e, portanto, na proteção da dignidade da pessoa humana. Para tanto, defende-se um novo paradigma de interpretação dessa relação existente entre as entidades de proteção e cadastro, seus contratantes-consumidores (empresas e empresários) e o indivíduo prejudicado (consumidor). O consumidor, nesse contexto, ocupa posição de terceiro estranho à relação que causa o dano (bystander), não sendo possível encarar as excludentes de responsabilidade previstas no CDC, art. 14, § 3º, como aptas a, de plano, excluir a responsabilidade dos órgãos de cadastro. Essas excludentes devem ser analisadas sob esse prisma diferenciado da relação jurídico-contratual existente. Por essa abordagem, o consumidor prejudicado não pode ser considerado como parte da relação entre órgão e fornecedor originário, que se soma, nessa posição ao órgão de proteção em uma nova cadeia de fornecimento, não sendo possível adotar as excludentes citadas, no que se referem à culpa exclusiva da vítima ou de terceiro. O terceiro, para que atue de forma a excluir a responsabilidade do fornecedor de serviços deve ser completamente estranho à relação contratual existente. Nessas condições relatadas, não existe essa separação de sujeitos – todos pertencem à cadeia de fornecimento informada. Assim, resta ao órgão de proteção ao crédito as demais excludentes: culpa exclusiva da vítima, não fornecimento do serviço ou inexistência do defeito. Possibilitando ao consumidor acionar diretamente o órgão de proteção ao crédito pelos danos causados pela inclusão indevida em seus cadastros de inadimplentes, com dito antes, permite-se a concretização da facilitação do acesso do consumidor à justiça, não apenas do ponto de vista prático – acesso ao Poder Judiciário, mas também do ponto de vista da eficácia da prestação jurisdicional ao analisarmos a sociedade de consumo de massa, na qual muitas vezes não se tem um fornecedor físico, com endereço e sede, mas uma ”loja virtual”, cujo domicílio pode estar localizado a milhares de quilômetros de distância do domicílio do consumidor. Nessas condições, instado o órgão de proteção ao crédito a responder pelos danos causados, sempre lhe restará o direito à ação regressiva, decorrente da solidariedade da obrigação, sendo que, em decorrência de sua capacidade econômica e operacional, a possibilidade de ressarcimento dos valores efetivamente pagos a título de responsabilização se torna mais plausível em comparação à situação do consumidor. 124 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Em vista de todos os argumentos expostos, o presente estudo propõe, de forma inicial, a possibilidade de alteração do paradigma da responsabilidade dos órgãos de proteção ao crédito e de banco de dados com objetivo de, efetivamente, concretizar a política de proteção ao consumidor no que respeita à sua vulnerabilidade, proteção integral e integral reparação dos danos causados em decorrência das relações de consumo, mitigando a possibilidade de utilização indiscriminada das excludentes de responsabilidade civil do fornecedor de serviços nesses casos. 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Curso de direito constitucional positivo. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009. 127 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A RESSIGNIFICAÇÃO DA “VIDA A CRÉDITO” DE BAUMAN NO TRABALHO DE ADOLESCENTES QUE IDENTIFICAM NO TRABALHO INFANTIL UMA ILUSÃO DE DESENVOLVIMENTO. LA SIGNIFICACIÓN DE LA "VIDA CRÉDITO" EN LA OBRA DE BAUMAN ADOLESCENTES EN IDENTIFICAR UNA ILUSIÓN DE DESARROLLO DEL TRABAJO INFANTIL. Acácia Gardênia Santos Lelis1 Fábia Carvalho Figueiredo2 Resumo: O presente trabalho busca analisar a condição social de crianças e de adolescentes que buscam no trabalho infantil acesso a bens de consumo, numa ilusão de que esse significa desenvolvimento. Busca-se, assim, analisar o consumo inconsciente, fomentador de um grande mal social que é o trabalho infantil, e que acarreta danos a crianças e a jovens trabalhadores. A busca pela acumulação de capital em busca do desenvolvimento acarreta outro problema social aqui denominado de “vida a crédito”, numa perspectiva mais ampla, em razão de que os direitos de crianças e adolescentes incentivados ao consumo são relegados ao segundo plano. Neste sentido, o presente estudo, analisa a partir dos pressupostos teóricos de Zygmunt Bauman a ameaça dos direitos de crianças e adolescentes trabalhadores, que colocam suas vidas a crédito em razão do acesso a bens de consumo e a satisfação de necessidades imediatas. O estudo apoia-se na construção do conhecimento através da pesquisa bibliográfica de Boaventura de Souza Santos, Flávia Piovesan, Amartya Sen e especialmente em Bauman, que permitem uma compreensão de problemas aprioristicamente identificáveis. Palavras-chave: Consumo; desenvolvimento; ressignificação; trabalho infantil; vida a crédito. 1 Advogada, Mestranda em Direito pela PUC/PR, Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal de Sergipe, professora do Curso de Direito e Serviço Serviço Social da Universidade Tiradentes – Se, associada do Instituto Brasileiro de Direito de Família-IBDFAM. E-mail: [email protected]. 2 Advogada, Mestranda em Direito pela PUC/PR, Especialista em Direito Empresarial pela FECAP, professora do Curso de Direito da Universidade Tiradentes – Se. E-mail: [email protected] 128 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Resumen: Este estudio tiene como objetivo analizar la condición social de los niños y adolescentes que buscan trabajo infantil el acceso a bienes de consumo, una ilusión que este desarrollo significa. El objetivo es, pues, analizar el inconsciente de los consumidores, los desarrolladores de un mal social importante que es el trabajo infantil, que causa daño a los niños ya los trabajadores jóvenes. La búsqueda de la acumulación de capital en busca del desarrollo social implica otro problema aquí se llama "vivir a crédito", con el argumento de que los derechos de los niños, niñas y adolescentes se alienta el consumo relegado a un segundo plano. En este sentido, este estudio examina desde presupuestos teóricos de Zygmunt Bauman amenaza a los derechos de niños, niñas y adolescentes trabajadores que ponen sus vidas en el crédito debido al acceso a bienes de consumo y la satisfacción de las necesidades inmediatas. El estudio se basa en la construcción del conocimiento a través de la literatura Boaventura de Souza Santos, Flavia Piovesan, Amartya Sen y Bauman sobre todo, lo que permite una comprensión de los problemas priori identificables. Palabras-clave: Consumo; desarrollo; la significación; trabajo infantil, la vida del crédito. SUMÁRIO: 1- Introdução; 2- O direito ao desenvolvimento 3- A busca pelo desenvolvimento através do trabalho infantil 4- A “vida a crédito” segundo Bauman. 5- A “vida a crédito” dos adolescentes trabalhadores 6- Conclusão. RESUMEN- 1-Introducción 2 - El derecho al desarrollo 3 - La búsqueda del desarrollo a través del trabajo infantil 4 - Un "vida a crédito", según Bauman. 5 - El "vivir a crédito" de los trabajadores adolescentes 6 – Conclusión. 129 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 1 INTRODUÇÃO O problema do trabalho infantil é visto sob os vários enfoques, tendo em vista que ao mesmo tempo em que ele não permite o exercício pleno de todos os direitos de crianças e adolescentes, é a alternativa encontrada por várias famílias para suprir suas necessidades econômicas. Além disso, é visto pelo adolescente como o único meio viabilizador para o acesso a bens de consumo, até então inacessíveis pela precariedade de recursos disponíveis por seus familiares. O interesse econômico que envolve o trabalho infantil é a maior barreira para seu combate. O problema do combate do trabalho infantil é que ele é endógeno à globalização e ao sistema capitalista. A busca pelo crescimento econômico e pelo desenvolvimento motiva várias famílias a permitirem que seus filhos trabalhem mesmo sabendo o prejuízo que esse lhes causa. A busca do ilusório desenvolvimento através do trabalho infantil para satisfação das necessidades imediatas ocorre em razão do incentivo ao consumo estabelecido pelo mundo globalizado, para satisfação dos interesses econômicos da classe dominante. No entanto, o que pretende o artigo é demonstrar que o consumo inconsciente pela sociedade, motivador do trabalho infantil, além de permitir que os direitos humanos fundamentais sejam relegados e banalizados é também inviabilizador do seu desenvolvimento. Através do recorte da obra de Zygmunt Bauman intitulada “Vida a Crédito” 3 o presente trabalho apresenta uma nova visão do seu significado, ampliando a visão do autor sobre o seu sentido. O autor compreende que a vida a crédito é assim entendida quando o interesse pelo consumo faz com que a população venha a contrair dívidas, mais do que ela pode suportar, definindo o capitalismo como um parasita, e que o seu hospedeiro não sai ileso dessa relação. A partir da compreensão do autor, o trabalho demonstra que o trabalho de adolescentes motivados pelo consumo, para aquisição de bens e serviços, no intuito de serem aceitos socialmente, também significa colocar a vida a crédito, tanto no aspecto abordado pelo 3 A Vida a Crédito é uma das mais de 50 obras do polonês radicado na Inglaterra Zygmunt Bauman de cunho científico, resultado de uma compilação de suas entrevistas à jornalista mexicana Citlali Rovirosa-Madrazo. 130 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor autor, do endividamento pessoal, como no endividamento dos seus direitos, que são prejudicados pela impossibilidade de conciliação desses com o trabalho infantil. A busca pelo desenvolvimento almejado com o trabalho infantil, não é assim atingido uma vez que o conceito de desenvolvimento é mais amplo, e compreende além do crescimento econômico, o desenvolvimento pessoal e social. O desenvolvimento é reconhecido como direito humano fundamental, definido por vários autores a partir das normas internacionais, instituidoras da garantia dos Direitos do Homem, e que por assim ser identifica que o homem é um fator do desenvolvimento, e por essa razão o ser humano deve ser o beneficiário do desenvolvimento. O desenvolvimento que mais importa é o desenvolvimento humano, o qual é vilipendiado pelo capital. 2 O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO O desenvolvimento é um direito fundamental do cidadão. O desenvolvimento não tem o significado somente econômico, conceito esse já ultrapassado, e que representa hoje um maior alcance, significando uma emancipação econômica e social. A respeito da evolução do conceito de desenvolvimento, segundo Rister (2007) deu-se através da Assembleia Geral, por meio da Resolução 41/128, que proclamou o direito ao desenvolvimento, pelo que é hoje considerado um dos direitos humanos de terceira geração. Afirma ainda a autora que o desenvolvimento é reconhecido hoje como inalienável e parte dos direitos humanos fundamentais. Para Campinho in Piovesan e Soares (2010): A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, foi um marco na consagração da proteção à pessoa humana contra a opressão, a violência e contra a negação da própria condição humana, deixando evidente que o homem sempre deve ser considerado um fim em si mesmo, e não um meio para atingir seus fins. (CAMPINHO, 2010, p. 154) O desenvolvimento visto como direito humano é inalienável, de forma que é incapaz de sofrer qualquer restrição ao seu exercício. Como direito humano fica condicionado à presença da democracia. A melhor forma de expressão dos Direitos Humanos é a democracia. A democracia, no dizer de Hanna Arendt (2007) é proporcionada pelo pleno exercício da liberdade, assim entendida como a liberdade politica. A liberdade seria justificativa, motivo, 131 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor substância da organização política, e as ações políticas só seriam possíveis porque subsidiadas pela liberdade. Havendo exclusão, não se faz presente a democracia. Desenvolvimento significa assim o exercício de todos os direitos, com emancipação econômica e social, de forma que o individuo não seja privado de qualquer deles. Na visão de Amartya Sen (2000), para que haja o desenvolvimento: O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação da liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. (SEN, p. 18, 2010) O desenvolvimento consagrado como Direito Humano significa o respeito à dignidade. Para Flores o conteúdo básico dos direitos humanos não é o direito a ter direitos. Acrescenta o autor que: (...) o conteúdo básico dos direitos humanos será o conjunto de lutas pela dignidade, cujos resultados, se é que temos poder necessário para isso, deverão ser garantidos por normas jurídicas, por políticas públicas e por uma economia aberta às exigências da dignidade. ( FLORES , 2009, p. 39) Para Amartya Sen, o desenvolvimento tem de estar relacionado, sobretudo com a melhora da vida que levamos e das liberdades que desfrutamos. Sintetiza o autor que o alargamento da liberdade é simultaneamente o fim primeiro e o principal meio do desenvolvimento. Quanto ao valor da liberdade, Sen afirma que: (...) a liberdade é valiosa por pelo menos duas razões diferentes. Em primeiro lugar, mais liberdade nos dá mais oportunidade de buscar nossos objetivos- tudo aquilo que valorizamos. Ela ajuda, por exemplo, em nossa aptidão para decidir viver como gostaríamos e para promover os fins que quisermos fazer avançar. (SEN, 2011, p. 262) Nesse mesmo raciocínio o desenvolvimento é visto pelo autor como a destreza para a realização do que se valoriza, não importando o processo através do qual essa realização acontece. Conclui o autor que a importância da vida humana não reside apenas em nosso padrão de vida e satisfação das necessidades, mas também na liberdade que desfrutamos, então a ideia de desenvolvimento sustentável tem de ser correspondentemente reformulada. (SEN, 2011) 132 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 3- A BUSCA PELO DESENVOLVIMENTO ATRAVÉS DO TRABALHO INFANTIL O trabalho para muitos adolescentes representa liberdade, independência, autonomia e acesso a bens de consumo, até então inalcançável. Para Ducan Green (2009) “a sensação de ter direito a alguma coisa é muito mais poderosa do que simplesmente precisar dele ou desejálo”. Para muitos adolescentes trabalhadores, não há exploração na relação de trabalho, mas sim o exercício de sua liberdade em busca do desenvolvimento. Acrescenta o autor, sobre o trabalho para suprir as necessidades básicas do cidadão, que: No entanto, ter um trabalho decente pode ser um elemento essencial de identidade e senso de bem-estar de um indivíduo. Empregos de boa qualidade melhoram as condições de vida porque garantem direitos e liberdades e preparam os indivíduos para exercer esses direitos, assim como pagam salários decentes. (GREEN, 2009, p.158) Acredita o autor, no entanto, que o problema da pobreza tem relação ao desemprego juvenil, pois os jovens representam um quarto da população mundial, e que metade deles está desempregada. Afirma ele que, ao contrário de opiniões predominantes, o desemprego entre jovens acarreta claros custos para a sociedade em termos de talentos pedidos e da probabilidade de jovens desiludidos com o mundo do trabalho, acabarem caindo no crime e na violência. Para Josué de Castro, ao contrário de Ducan Green o verdadeiro desenvolvimento econômico é aquele capaz de emancipar de toda e qualquer forma de servidão. Afirma Castro (2011) que “Da servidão às forças econômicas externas que durante anos procuraram entorpecer o nosso progresso social e da servidão interna à fome e à miséria que entravaram sempre o crescimento de nossa riqueza”. No entanto, a Convenção n. 1824 da Organização Internacional do Trabalho que proíbe as Piores Formas de Trabalho Infantil, estabelece em seu artigo 1º que todo país que venha ratificá-la deverá adotar medidas imediatas e eficazes para assegurar a proibição e eliminação das piores formas de trabalho infantil, em caráter de urgência. O Brasil ratificou a Convenção 4 Segundo Lepore e Rossato a Convenção 182 da OIT complementa a Convenção 132 sobre a Idade Mínima, e elas somadas constituem instrumentos fundamentais de combate ao trabalho infantil. Parte-se da necessidade de adoção de ações imediatas e globais, de reconhecimento da importância da educação fundamental e gratuita, retirando a criança de todos esses trabalhos, sem se esquecer das necessidades das famílias. (2011, pp. 34,35). 133 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 182 da OIT através do Decreto n. 3.597 de 12 de setembro de 2000, obrigando-se a adotar medidas para eliminar o trabalho infantil. A proibição do trabalho infantil pela Constituição Federal é fruto de vários estudos que identificaram os danos causados em razão do trabalho precoce, com riscos para o desenvolvimento físico, psíquico, moral e social de crianças e adolescentes. Além do disposto no artigo 7º, inciso XXXIII, cuidou ainda o legislador constitucional de enfatizar a proibição do trabalho infantil estabelecendo idade mínima de 16 anos, exceto aprendiz a partir dos 14 anos para o trabalho no art. 227, parágrafo 3º, na forma de proteção especial. Na obra “O Menor Trabalhador: Um assalariado Registrado”, de autoria de Cheywa R. Spindel (1985), organizado pelo Ministério do Trabalho, constatou-se que a oferta e demanda de força de trabalho decorrem de fatores de ordem econômica, tanto em razão dos pais incumbirem aos filhos às obrigações de sustento do lar, obrigações essas que seriam deles, e são transferidas para os filhos, numa inversão de papeis, bem como no desejo da obtenção do adolescente ter acesso a bens de consumo, e em razão da precária condição econômica de sua família, por não ser possível que esses lhe sejam oferecidos por ela. Essas razões são decorrentes muitas vezes da desagregação familiar, onde o provimento do sustento do lar tem que ser feito unicamente por um dos pais, pela ausência do outro, necessitando ser substituído pelo filho, seja pela impossibilidade física do trabalho ou ainda pela opção de quem estaria mais apto a se responsabilizar pelos afazeres domésticos. Pode ainda, se dá em razão da complementação da renda familiar, utilizando a força de trabalho dos filhos, não por motivo de substituição, mas da necessidade da complementação da renda da família, proporcionado um suposto desenvolvimento econômico da família. Segundo o estudo de Spindel (1985), outras razões podem desencadear o trabalho infantil, como as justificativas da participação de jovens no mercado de trabalho, proporcionando aprendizagem, a garantia do futuro profissional, a necessidade de garantir meios de sua educação, ou ainda para proporcionar uma autonomia da família (“para ser mais livre”). Para o autor essa justificativa retrata uma postura individual e mais autodeterminante, sendo por ele interpretada como mais ligada a pressões familiares. Todas essas justificativas, que inserem os adolescentes ao labor precoce, torna-os um membro novo do proletariado. No sistema capitalista a proletarização da população é um dos seus encargos, que no dizer de Santos (2010), está imbricado com o desenvolvimento das forças produtivas, ao 134 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor afirmar que “o desenvolvimento das forças produtivas conduziria à proletarização da esmagadora maioria da população e à homogeneização total do trabalho, da vida e, portanto, da consciência dos trabalhadores”. A solidariedade familiar é a justificativa que se depreende das razões apresentadas para o trabalho infantil, por entender, em síntese que a aspiração do desenvolvimento econômico da família faça parte de um projeto que envolva a participação de todos os membros da família. 4- A “VIDA A CRÉDITO” SEGUNDO BAUMAN A obra do sociólogo Zygmunt Bauman “Vida a crédito” faz uma abordagem sobre algumas questões morais e políticas da sociedade no mundo capitalista. Em entrevista dada a jornalista e pesquisadora Citlali Rovirosa-Madrazo, dentre outros assuntos, ele faz uma análise sobre o comportamento humano nas relações de consumo, e mostra que na maioria das vezes eles se transformam em uma raça de devedores. Faz-se assim, um recorte de sua obra, enfatizando a abordagem de Bauman da “vida a crédito” nas relações de consumo, a partir da parte I da obra. Traz o autor uma ideia do capitalismo parasitário, e de forma crítica analisa a condição de trabalhadores de diferentes níveis sociais, que fracassaram ao buscar atender o sistema capitalista, dominante em seus países. O incentivo ao consumo é aliciador, e acarreta danos devastadores para a classe dominada. O endividamento é a outra face do capitalismo, necessário para que a classe dominante obtenha lucro e crescimento econômico. Nesse sentido o autor, apresenta a ideia de que a sociedade é ensinada a se endividar, e para manutenção desse sistema, o sofrimento humano daí decorrente é ignorado, observado na passagem de sua obra quando afirma: O que ficou alegremente (e loucamente) esquecido nessa ocasião é que a natureza do sofrimento humano é determinada pelo modo de vida dos homens. As raízes da dor da qual nos lamentamos hoje, assim como as raízes de todos os males sociais, estão profundamente entranhadas no modo como nos ensinam a viver: em nosso hábito, cultivado com cuidado e agora já bastante arraigado, de correr para os empréstimos cada vez que temos um problema a resolver ou uma dificuldade a superar. (BAUMAN, p. 33/34, 2010) 135 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O interesse pelo consumo é uma arma no mundo capitalista. O interesse pela satisfação dos desejos é o que impulsiona o mercado. A busca em atender o desejo presente inviabiliza a satisfação da futura necessidade, e o que torna o capitalismo um parasitário. O capitalismo de Marx pressupõe que a mercadoria é antes de tudo, um objeto exterior, uma coisa que pelas, suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. Apresenta ainda, a participação direta do Estado como mantenedor do sistema ao afirmar que: Para manter vivo o capitalismo, não era mais necessário ‘remercadorizar’ o capital e o trabalho, viabilizando assim a transação de compra e venda deste último: bastavam subvenções estatais para permitir que o capital vendesse mercadorias e os consumidores a comprassem. O crédito era o dispositivo mágico para desempenhar (esperava-se) esta dupla tarefa. E agora podemos dizer que, na fase líquida da modernidade, o Estado é ‘capitalista’ quando garante a disponibilidade contínua de crédito e a habilitação contínua dos consumidores para obtê-lo. (BAUMAN, p. 37, 2010) Na visão de Bauman, o capital não pode crescer a não ser pela exploração. A transformação ocorreu, segundo o autor, do trabalho mal remunerado para a especulação financeira. É a descoberta do endividamento como fonte de riqueza e de empoderamento. No momento em que esgota por completo a “terra virgem”, assim entendida como metáfora que significa aquele que não tem dívida e o torna um endividado, busca-se, assim outra terra viva para endividá-la. Essa sociedade capitalista e consumista, no entender de Bauman (2007) não tem sustentabilidade, quando afirma: “Ainda não começamos a pensar seriamente sobre a sustentabilidade desta nossa sociedade alimentada pelo consumo e pelo crédito”. A busca pelo prazer, pela satisfação das necessidades imediatas, o desejo pelo consumo, segundo Bauman é o alimento para que o parasita do capitalismo sobreviva. Segundo o autor o crédito é “um vício que alimenta um sistema parasitário- o capitalismo que só prejudica a saúde de quem depende dessa opção para consumir”. O hospedeiro, que é o consumidor, não sai ileso dessa ação, que sem dúvidas não prosperará, podendo até sucumbir. Essa necessidade desmedida pelo consumo no mundo contemporâneo transformou o homem em uma nova raça, a raça de consumo/devedores. 136 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 5- A CONDIÇÃO DE “VIDA ATIVA” DOS ADOLESCENTES TRABALHADORES O mundo capitalista pressupõe relações de troca, tais como trabalho versus salário, mercadoria e serviços versus consumo, dentre outros. Nesse diapasão, o mundo globalizado estimula o consumismo, o materialismo e, consequentemente, o capitalismo. No entanto, nem todas as pessoas têm condições favoráveis ao consumo, faltando-lhes recursos disponíveis para aquisição de mercadorias. Muitas famílias brasileiras, estimuladas pela publicidade, no entanto, consomem além das suas possibilidades econômicas. Apesar da precariedade de recursos as classes sociais, baixa e média têm facilitações para concessão de crédito, com o propósito acesso facilitado a bens de consumo. Apesar disso, ainda há limitação para aquisição de bens por jovens dessas classes sociais, o que os impulsiona a ingressarem precocemente no mercado de trabalho. A influência da publicidade de produtos atraentes a jovens, como aparelhos eletrônicos, tecnológicos, roupas de grife, é determinante para que esses jovens se disponham a antecipar o ingresso no mundo do trabalho. Estudos já sinalizaram os danos decorrentes do trabalho precoce, e estabeleceu a idade mínima para o trabalho. Ao definir a idade mínima para o trabalho, as normas internacionais e nacionais já levaram em consideração o interesse do mundo capitalista, a necessidade do trabalho precoce em razão da necessidade econômica, e o interesse pelo consumo dos adolescentes. A idade mínima estabelecida pela norma, já é aquela que prescinde do respeito aos direitos fundamentais, e dos prejuízos à sua formação, suportáveis em razão de sua necessidade. Por essa razão, a violação da norma acarreta danos ao adolescente, com prejuízo ao seu desenvolvimento. As fases e estágios do desenvolvimento humano ocorrem de forma ordenada, que devem ser respeitadas, sem que sejam suprimidas quaisquer etapas. Os aspectos biológicos, sociais e psicológicos presentes em cada fase, diz respeito a um processo do desenvolvimento humano, para que se atinja uma maturação do indivíduo. O estudo desses processos de desenvolvimento de crianças feitos por Piaget, Freud e Erickson, deve ser compreendido dentro de um contexto histórico, de forma que a criança deve ser compreendida sobre outro enfoque, não se devendo impingir a elas os mesmos conceitos. 137 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor No entanto, deve-se considerar alguns aspectos sobre a formação da criança, a partir de conceitos de estudiosos como Ariés, que em nosso sentir são atemporais, e que ainda produzem os mesmos resultados. Ariés (1981) entende que a necessidade do brincar, de participar de atividades lúdicas é indispensável para proporcionar um desenvolvimento sadio. O cidadão ao buscar o crescimento econômico não pode assim privar-se de outros direitos, uma vez que assim fazendo, o seu crescimento não lhes proporcionaria o desenvolvimento. A privação de um ambiente saudável, do convívio social, do convívio familiar é visto por Piaget como um dano ao desenvolvimento intelectual da criança, quando afirma: Desde o seu nascimento, o ser humano está mergulhado num meio social que atua sobre ele do mesmo modo que o meio físico. Mais ainda que o meio físico, em certo sentido a sociedade transforma o indivíduo em sua própria estrutura, porque ela não só o força a reconhecer fatos como também lhe fornece um sistema de signos inteiramente acabado, que modifica seu pensamento [...] Não há dúvida alguma, portanto, de que a vida social transforma a inteligência pela tripla mediação da linguagem [...], do conteúdo dos intercâmbios [...] e das regras impostas ao pensamento [...]. ( PIAGET, p. 157, 1977) No dizer de Bauman o capitalismo é parasitário e no dizer de Santos (2010) é promiscuo. Santos, afirma que: A promiscuidade entre produção e reprodução social tira razão ao argumento de Habermas (1982) e de Offe (1987) segundo o qual as sociedades capitalistas passaram de um paradigma de trabalho para um paradigma de interacção. É verdade que o trabalho assalariado, enquanto unidade homogênea e autônoma do tempo vital tem vindo a ser descaracterizado, mas, por outro lado, isso só tem sido possível na medida em que o tempo formalmente não produtivo tem adquirido características de tempo de trabalho assalariado ao ponto de se transformar na continuação deste sob outra forma. Nos dias atuais produzimos ao mesmo tempo crianças e adolescentes com excessos e privações. Incutimos em suas mentes desejos e necessidades de consumo, ao tempo que não os educamos para ter controle sobre seus desejos, impulsos e limitações. Educamos para a competitividade, muitas vezes sem transmitir condutas éticas e morais, os que os tornam reproduções de nós mesmos. Na visão de Bauman os adolescentes trabalhadores pertenceriam à geração Y, que para ele é formada por pessoas de 11 a 28 anos de idade, nascidos em um ambiente saturado de informações eletrônicas. Esses jovens mantêm relações distanciadas da família e dos amigos, 138 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor embora as formas de comunicação tenham evoluído e sejam, talvez, mais valorizadas do que os laços afetivos. Já os seus pais, pessoas de 28 a 45 anos, veem o trabalho como algo maçante, com empregos fragmentados, ocasionando a desmotivação dos trabalhadores, que têm nele tão somente o meio para obtenção de recursos para satisfação de suas necessidades. Desta forma, o trabalho é incerto enquanto as dívidas são permanentes. Essa visão do trabalho é transmitida de pais para filhos, de forma que eles veem no trabalho a forma de satisfação de suas necessidades e obtenção de bens de consumo. O estímulo ao consumo inconsciente é assim entendido como a “vida a crédito”, numa perspectiva de sua ressignificação, em dois sentidos: primeiro no significado de “vida a crédito” de Bauman, por provocar o seu endividamento financeiro para o acesso desmedido de bens, não alcançáveis na sua condição econômica, proporcionando inclusive a privação de bens por sua família necessários ao sustento da família. A ressignificação da “vida a crédito” está na segunda compreensão do seu sentido, vista agora pelo endividamento social pelo prejuízo decorrente do trabalho infantil com os direitos do adolescente trabalhador. Desenvolvimento, como anteriormente definido não compreende tão somente o desenvolvimento econômico, mas sim também o desenvolvimento social. O trabalho precoce retira do adolescente as oportunidades das experiências da infância. Priva-os das oportunidades de brincar, de se divertir, de estudar, da inocência da infância, além de outras privações. Os tornam adultos em miniatura, com responsabilidades de arcar com a satisfação de necessidades pessoais e familiares, o que os motiva cada vez mais para o consumo, e o meio de alcançá-los é o sacrifício pessoal, através do trabalho. Esse é o endividamento a crédito, em uma interpretação extensiva do entendimento de Bauman, onde o mundo capitalista ainda como predador faz sucumbir os direitos fundamentais do adolescente trabalhador. 6- CONCLUSÃO O trabalho de adolescente no mundo contemporâneo tem características próprias, decorrente não só do aspecto cultural que o envolve, mas principalmente do interesse econômico e do valor social que o circunda. O aspecto cultural envolve a camada mais pobre da população, enquanto que o valor social do trabalho se faz mais presente na classe média e 139 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor alta. Os pais veem no trabalho dos filhos parte do compromisso moral com a família, com caráter de reciprocidade familiar, ou seja, funda-se no princípio da solidariedade. Para o adolescente o trabalho significa afirmação de sua individualidade, liberdade, ao ter acesso a bens de consumo e a padrões de comportamento que definem marca dos jovens urbanos: tênis, telefone, aparelhos eletrônicos, roupas, etc. A aquisição de bens permite a esses adolescentes sua aceitação em grupos sociais específicos, que também consomem tais bens e produtos. A massificação do consumo é um dos principais fatores que atrai o adolescente ao mundo do trabalho. No entender da “vida a crédito” de Bauman, no mundo capitalista o trabalho é então o meio para a obtenção de bens. O trabalho maçante, frustrante sem perspectivas, que não lhes causa prazer, é visto como sacrifício para obtenção do prazer. Causa-lhe danos, mas que são suportados em razão da obtenção de crédito. O interesse pelo consumo despertado desde a tenra infância é um mal produzido pela sociedade capitalista, que acarreta danos ao desenvolvimento da criança e dos adolescentes. A publicidade veiculada pelos meios de comunicação de produtos direcionados à criança, os maus exemplos de consumo desmedido dos pais, promovem o interesse pelo consumo, e por consequência a busca ilimitada de meios para aquisição de bens e serviços, fazendo delas pequenas consumidoras. Eis a lógica capitalista, corrompe “menores”, aliena a todos e se coloca como única alternativa de sobrevivência da espécie humana. A ideia do “ter” é nos dias atuais um fator de aceitação social. Os que não possuem aparelhos tecnológicos de última geração se sentem excluídos socialmente. Há uma verdadeira massificação de que o “ter” é mais importante de que o “ser”. A roupa da moda, de “marca”, insere o jovem em grupos dominantes. O trabalho é visto então pelo adolescente, o instrumento capaz de atender as necessidades de consumo, ainda que tenha que privá-los de outros interesses, como lazer, educação, convívio social familiar. Numa ressignificação da compreensão de Bauman da “vida a crédito” o trabalho infantil enquadra-se assim nesse conceito, por prejudicar o desenvolvimento econômico, social e pessoal do adolescente trabalhador. 140 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Assim, o jovem para ser aceito no grupo abdica de direitos, como educação, lazer, convívio social. O interesse pelo consumo prevalece sobre os direitos fundamentais, pois a visão incutida na sociedade é a da aparência como valor de aceitação social. Conclui-se assim, que em respeito a uma sociedade plural, multifacetada, heterogênea, que designa a existência de várias realidades no mundo contemporâneo, impõe-se o respeito à liberdade, de forma que o enfrentamento ao problema estabeleça a possibilidade de se permitir o trabalho de adolescentes, impondo-se limites mínimos de tolerância, não se admitindo violação de direitos que venha a ferir a dignidade da pessoa humana e o desenvolvimento pessoal e social do adolescente. A solução para uma não configuração de uma vida a crédito é sem dúvida a preservação da dignidade dos adolescentes trabalhadores, proporciona-lhe o desenvolvimento sustentável, que também é considerado direito humano fundamental. Não se pode privilegiar os interesses econômicos em detrimento da garantia dos direitos mínimos existenciais, que com eles conflitam. O reconhecimento da supremacia dos direitos fundamentais já está consolidado pelo Direito Internacional e incorporado ao Direito nacional sobrepõe-se aos interesses do capitalismo, e a ele não deve sucumbir. A vida a crédito em sua ressignificação compreende a privação dos direitos fundamentais do adolescente trabalhador, uma vez que o exercício desses direitos e a atividade laboral do adolescente são incompatíveis, e nesse conflito a escolha dá-se pelo trabalho. Estudos já comprovaram o dano ao desenvolvimento físico, psíquico e moral e social do adolescente trabalhador, e em razão disso estabeleceu a idade mínima para o trabalho. Mas a realidade mostra que apesar da proibição, das políticas públicas de enfrentamento ao problema, o trabalho infantil ainda se faz presente na sociedade, ainda que com índice reduzido. Por essa razão, compreende-se que o sistema capitalista predador é o grande responsável pela sua manutenção, tendo como resultado o endividamento dos direitos fundamentais dos adolescentes trabalhadores. 141 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 6- REFERÊNCIAS 1- ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. 2 ed. tradução de Dora Flaksman. Rio de Janeiro: Afiliada, 1981. 2- ARENDT, Hanna. O que é liberdade?: in Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2007. 3- BAUMAN, Zygmunt. Vida a Crédito: conversas com Citlali Rovirosa- Madrazo. Tradução Alexandre Wernek. Rio de Janeiro, Zahar, 2010. 4- BERNADO, J. Economia de conflitos sociais. 2 ed. Expressão Popular: São Paulo, 2009. 5- BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria de Inspeção do Trabalho. Sistema de Informações sobre focos de trabalho infantil. Brasília, 2012. 6- BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no Estado constitucional: problemática da concretização dos Direitos Fundamentais pela administração pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007. 7- CAMPINHO, Bernardo Brasil. O Direito ao desenvolvimento como Afirmação dos Direitos Humanos: Delimitação, sindicabilidade e possibilidades emancipatórias. In PIOVESAN, Flávia; SOARES, Inês Virgínia Prado (Coord.). Direito ao desenvolvimento. Belo Horizonte: Fórum, 2010. 8- CASTRO, Josué de. Geografia da fome. o dilema brasileiro: pão ou aço. 10ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984. 9- COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. VII ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 10- FLORES, Joaquim Herrera. (re)invenção dos Direitos Humanos. Tradução de Carlos Roberto Diogo Garcia; Antônio Henrique Graciano Suxberger; Jefferson Aparecido DiasFlorianópolis: Fundação Boiteux, 2009. 11- GREEN, Ducan. Da pobreza ao poder: como cidadãos ativos e Estados efetivos podem mudar o mundo. Tradução de Luiz Vasconcelos. São Paulo: Cortez, 2009. 12- MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Metodologia científica. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2004. 13- OIT. n. 138. Idade mínima para admissão em emprego, 1976. 14- OIT. n. 182. Proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação, 1999. 15- OLIVA, José Roberto Dantas. O Princípio da proteção integral e o trabalho da criança e do adolescente no Brasil. São Paulo: LTr, 2006. 142 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 16- PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito constitucional internacional. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 17- RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e consequências. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. 18- ROSSATO, Luciano Alves; LÉPORE, Paulo Eduardo. Direitos trabalhistas das crianças, adolescentes e jovens. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. 19- SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela Mão de Alice: o social e o político na pósmodernidade. 13 ed. São Paulo: Cortez, 2010. 20- SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista: filosofia humanista de direito econômico. Rio de Janeiro: APED, 2011. 21- SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das letras, 2000. 22- ____________. A ideia de Justiça. Tradução Denise Bottmann, Ricardo Doninelli Mendes. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. 23- SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 23 ed. São Paulo: Cortez, 2007. 24- SOARES, Ricardo Maurício Freire. O Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2010. 25- SPINDEL, Cheywa Rojza. O menor trabalhador: um assalariado registrado. São Paulo: Nobel; Ministério do Trabalho, 1985. 26- VEIGA, João Paulo Cândia. A questão do trabalho infantil. São Paulo: Associação Brasileira de Estudos do Trabalho-ABET, 1998. 143 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A TUTELA DO CONSUMIDOR NOS CONTRATOS DE LEASING FINANCEIRO SEGUNDO A VISÃO DOS TRIBUNAIS CONSUMER PROTECTION IN FINANCE LEASE AGREEMENT PURSUANT TO BRAZILIAN COURTS’ DECISIONS Simone Bento Pilar Alonso López Cid Resumo: O leasing financeiro constitui atualmente um dos mais comuns e importantes instrumentos de oferta de crédito presentes no mercado, notadamente para a aquisição de veículos automotores. Outrossim, tal negócio jurídico tem ocupado lugar de destaque no palco das discussões jurídicas atinentes aos direitos dos consumidores. Os estudiosos do Direito têm analisado a fundo o instituto do arrendamento mercantil e os Tribunais Superiores já reconheceram diversos casos de abusividade em cláusulas comumente inseridas em contratos de arrendamento mercantil, tornando concreta não só a norma do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, como também a diretriz constitucional de proteção ao consumidor e a sustentabilidade do sistema. No presente trabalho abordamos as principais abusividades apontadas pela sociedade consumidora nos contratos de arrendamento mercantil e o atual posicionamento adotado pela jurisprudência pátria. Palavras Chave: arrendamento mercantil; leasing; cláusulas abusivas; e tutela do consumidor. Abstract: The finance lease agreement is currently one of most important and common credit offer instrument found in Brazilian finance market, mainly for the acquisition of vehicles. Furthermore, this legal transaction has often taken a particular place in law discussions regarding to consumers rights. Law experts have been analyzing in detail this kind of agreement and Brazilian Superior Courts have concluded as abusive several sections commonly inserted in these finance lease agreements, observing the rule provided in section 51 of the Brazilian Consumer Protection Act, as well as the constitutional consumer 144 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor protection guideline and the sustainability of the legal system. In this paper we discuss the main finance leMse Mgreement’s Mbusive sections pointed out by consumer’s society and the current position adopted by Brazilian Superior Courts. Key Words: finance lease; abusive clauses; and consumers protection. 1. Do contrato de arrendamento mercantil na modalidade financeira O contrato de arrendamento mercantil ou de leasing é um negócio jurídico complexo, uma vez que apresenta características típicas de outros contratos, mesclando aspectos da locação, do financiamento e da compra e venda. Caracteriza-se, primordialmente, por facultar à arrendatária a aquisição do bem quando do exaurimento do contrato, efetuando o pagamento de QM lor previamente determinado, o qual é rotulMdo como “QM lor residual”B A opção de compra do bem arrendado, portanto, é conferida à arrendatária, que, no entanto, poderá preferir restituir o bem à arrendadora ou prorrogar o arrendamento1. O bem é escolhido pela arrendatária, que se relaciona diretamente com o vendedor com o intuito de negociar o seu valor. A seguir, a empresa arrendadora adquire o bem do vendedor e o arrenda à arrendatária. No leasing financeiro, as contraprestações pagas pela arrendatária devem ser fixadas de forma que a arrendadora consiga recuperar o valor do bem arrendado e, ainda, obtenha lucro sobre os valores investidos. Prepondera, dessarte, o aspecto de financiamento do contrato. Muito embora haja duas espécies de leasing: o “leasing financeiro” ou “leasing puro”, que também compreende o denominado “lease-back” e o “leasing operacional”, no presente trabalho, abordaremos tão-somente o leasing financeiro, conjugando-o com a tutela do consumidor diante de cláusulas abusivas eventualmente inseridas nestes contratos, segundo o atual posicionamento da doutrina e da jurisprudência nacional. 2. O leasing financeiro como relação de consumo 1 CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. O contrato de arrendamento mercantil (leasing). In ARRUDA ALVIM, Angélica (Coord.). Atualidades de direito civil, Vol. I. Curitiba: Juruá, 2006, p. 69-83. 145 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O leasing financeiro constitui modalidade de oferta de crédito, sendo usualmente oferecido no mercado, na forma de contrato de adesão2, notadamente para a venda de veículos automotores. Sua alta frequência no mercado se dá em razão de seu tratamento fiscal mais benéfico, assim como em razão do fato de que em sua estrutura legal não constam instrumentos tão coercitivos ao devedor como ocorre na alienação fiduciária3. Com efeito, na maior parte das vezes, os contratos de arrendamento mercantil refletem inegáveis relações de consumo, haja vista que o arrendatário qualifica-se como “pessoa física ou jurídicMque Mdquire ou utilizMproduto ou serviço como destinatário final”, nos termos do artigo 2º, caput, do Estatuto Consumerista e a instituição arrendadora comercializa serviço, conceituado por Mquela lei como “Mtividade fornecida no mercMdo de consumo, mediante remuneração”4. A despeito das respeitáveis vozes em sentido contrário, reiteramos que a Lei Consumerista será aplicável em grande parte, mas não na totalidade das operações de leasing financeiro, porquanto não corroboramos o entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor seja aplicável às hipóteses em que pessoa jurídica celebra contrato de arrendamento mercantil para exercício da posse direta de bem utilizado em suas atividades-fim, haja vista que nestes casos não se qualifica a arrendatária como destinatária final do bem. E, muito embora o artigo 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, preveja expressamente que “serviço é qualquer Mtividade fornecida no mercMdo de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes dMs relações de cMráter trMNM lhista” (grifo), M MplicMção de suas normas Mos Os contratos de adesão encontram hoje previsão expressa no artigo 54, caput do CDC. Todavia, historicamente, afirma-se que tais avenças são fruto do desenvolvimento das atividades comerciais. Com o crescimento econômico e o aumento da massa consumidora, formaram-se grandes empresas que, a fim de tornar suas atividades comerciais mais práticas, econômicas e rentáveis, passaram disponibilizar contratos uniformes e padronizados para simples adesão pelos consumidores interessados na aquisição de seus produtos e contratação de seus serQiçosBAo tratar do tema, Rizzato Nunes relemNrMque no período pXs Revolução Hndustrial: “LBBB] no começo do século XX, instaura-se definitivamente um modelo de produção, que terá seu auge nos dias atuais. Tal modelo é o da massificação: fabricação de produtos e oferta de serviços em série, de forma padronizada e uniforme, no intuito de diminuição do custo da produção, atingimento de maiores parcelas de população com o aumento dMoferPMetc” (NUNES, I uiz Antonio RizzattoBF urso de direito do F onsumidorBSão Paulo: Saraiva, 2011, p. 113). 2 3 GORDO, Milton. Ligeiras observações sobre alienação fiduciária em garantia, leasing e o Código de Defesa do Consumidor. In Segundo Tribunal de Alçada Cível de São Paulo: Jubileu de prata (1972-1997) trabalhos jurídicos comemorativos. São Paulo: Oliveira Mendes, p. 241-249. 4 Artigo 3º, § 2º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. 146 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor contratos bancários (dentre eles o contrato de arrendamento mercantil) não foi aceita de maneira imediata. Desde o advento da Lei nº 8.078/90, a doutrina consumerista destacava que: A norma faz uma enumeração específica, que tem razão de ser. Coloca expressamente os serviços de natureza bancária, financeira, de crédito e securiPária, antecedidos do advérbio ‘inclusiQe’. TMl designação não significa que existia alguma dúvida a respeito da natureza dos serviços desse tipo. Antes demonstra que o legislador foi precavido, em especial, no caso, preocupado com o que os bancos, financeiras e empresas de seguro conseguissem, de alguma forma, escapar do âmbito de aplicação do CDC5. Ainda sobre o tema, advertia-se que: não se afigura razoável excluir as partes no arrendamento mercantil da disciplina instaurada com o CDC, seja porque aquela figura negocial envolve bens e serviços integrados na relação de consumo, no desejável senso largo dessa expressão, seja porque, usualmente, as fórmulas empregadas no leasing seguem modelos elaborados pelo próprio arrendador, assim se aproximando de um contrato de adesão, como tal considerado pelo CDC aquele ‘cujMs cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo’ (MrPB54)BPretender que o arrendador – o vero formalizador do negócio esteja imune ao sistema de controle de validade das cláusulas contratuais equivaleria admitir, contra o bom senso, a equidade, e o atual estágio evolutivo do direito das obrigações, a existência de uma atividade lucrativa a que, todavia, não correspondem riscos ou encargos (quando, ao contrário, desde os romanos se sabe que ubi emolumentum, ibi ônus; ubi commoda ibi incommoda6. Mesmo assim, somente após longo debate doutrinário e jurisprudencial, o colendo Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que: “O F Xdigo de Defesa do F onsumidor é Mplicável às instituições financeiras” (Súmula nº 295/STJ). 5 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 140. 6 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Leasing. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 219. 147 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 3. A tutela do consumidor nos contratos de arrendamento mercantil Pacificada a discussão relativa à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, dentre os quais se inclui o leasing financeiro, mister destacar os direitos assegurados pelo ordenamento jurídico aos arrendatários qualificados como consumidores. Isto porque o consumidor está hoje protegido por garantia constitucional7, que o resguarda de excessos e abusos. Em verdade, a proteção ao consumidor constitui princípio basilar da ordem econômica (artigo 170, V, da Constituição Federal), que legitima a adoção de medidas de intervenção na atividade econômica. Nesse sentido, a doutrina ressalva que: [...] a Constituição Federal estabelece que o regime econômico brasileiro é capitalista, mas limitado (CF, art. 1º, IV, c/c arts.170 e s.): são fundamentos da República os valores sociais do trabalho e os valores sociais da livre iniciativa (CF, art. 1º, IV) e a defesa do consumidor é princípio fundamental da ordem econômica (CF, art. 170, V)8. O direito do consumidor, ao lado do direito ao meio ambiente, direito ao desenvolvimento e outros, insere-se na terceira dimensão de direitos fundamentais, composta por direitos de solidariedade, pertencentes às massas sociais, ou seja, direitos transindividuais cuja titularidade transcende o indivíduo, por pertencer a todos e, ao mesmo tempo, não pertencer a nenhum indivíduo especificamente. Como princípio das relações de consumo, o Código Consumerista, logo em seus primeiros artigos, estabelece a: harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores (art. 4º, III). 7 Artigo Dº, XXXIH, dMF onstituição Federal: “o Estado promoQerá, nMformMdMlei, Mdefesa do consumidor”. 8 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 111-112. 148 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor É justamente nesta constante necessidade de harmonização que a proteção ao consumidor (parte hipossuficiente da relação) encontra fundamento: Livre mercado composto de consumidores e fornecedores tem, na ponta do consumo, o elemento fraco de sua formação, pois o consumidor é reconhecidamente vulnerável como receptor dos modelos de produção unilateralmente definidos e impostos pelo fornecedor. A questão não é, pois – como às vezes a doutrina apresenta –, de ordem econômica ou financeira, mas técnica: o consumidor é mero espectador no espetáculo da produção. [...]. É por isso que quando chegamos ao CDC há uma ampla proteção ao 9 consumidor com o reconhecimento de sua vulnerabilidade (no art. 4º, I) . Especificamente em relação às operações de arrendamento mercantil, desde o advento da Lei Consumerista, prevenia-se que: [...] a maioria dos contratos-padrão formulados pelas empresas de leasing terão de sofrer profunda reformulação para atenderem às exigências do que se convencionou chamar Código de Defesa do Consumidor, pois é comum conterem estes contratos cláusulas que: a) estabelecem obrigações abusivas, impostas ao arrendatário; b) transferem a responsabilidade do arrendador a terceiros; c) não possibilitam ao arrendatário uma visão clara e antecipada do valor das contraprestações, com a discriminação sistemática dos diversos encargos que as integram; d) são de natureza evidentemente leonina, favorecendo uma só das partes - arrendador; e) são de difícil compreensão, consideradas individual ou globalmente10. A Lei Consumerista não trouxe um conceito estático daquilo que se qualificaria como cláusula abusiva. De forma técnica e perspicaz, o artigo 51 daquele Código apresentou rol não taxativo de cláusulas eivadas de abusividade, que, via de regra, violam os preceitos da lealdade, boa-fé ou equilíbrio contratual11. 9 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, p 102. 10 MIRANDA, Custódio da Piedade Ubaldino. O leasing. In RT, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, nº 645, 1989, p. 47-56. 11 Nesse sentido: “o F Xdigo F onsumerisPMnão tentou definir MMN usividade atrMQ és de um conceito MN rangente, mas estabeleceu cláusulas gerais para identificar situações abusivas: a cláusula da lesão enorme e a cláusula geral da boa-fé” (ARAÚJO, Justino MagnoB Inexecução do contrato de leasing em razão de cláusulas abusivas. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006, p. 67). 149 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Coube à doutrina construir o conceito de cláusula abusiva. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de AndrMde Nery propõem Mseguinte conceituação: “São Mquelas notoriamente desfavoráveis à parte mais fraca na relação contratual de consumo. São sinônimas de cláusulas abusiQM s as expressões opressiQM s, onerosas, vexMtórias ou, ainda, excessiQM s”12. Assim, com fulcro no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, que de maneira NM stante incisiQMdispõe serem “nulas de pleno direito” Ms cláusulMs MbusiQM s, diversas ilegalidades foram apontadas nas disposições comumente inseridas em contratos de arrendamento mercantil. Dentre as principais, destacamos aquelas que preveem: (i) o pagamento antecipado do valor residual garantido ou a impossibilidade de restituição dos valores pagos antecipadamente a título de VRG em qualquer hipótese; (ii) juros remuneratórios superiores a 12% ao mês; (iii) a impossibilidade de purgação da mora; (iv) a cobrança de comissão de permanência cumulada com outros encargos moratórios ou remuneratórios; e (v) a cobrança de taxas de abertura de cadastro (TAC), emissão de carnê (TEC), serviços de terceiros e registro de contrato. É bem verdade que nem todas as abusividades acima descritas foram reconhecidas de forma irrestrita e incondicional pelos Tribunais Superiores. Todavia, nos casos em que as Cortes de Justiça deixaram de acolher as teses mais favoráveis aos interesses dos consumidores, tal se deu de maneira técnica e fundamentada. Além disso, em todas as hipóteses acima citadas, ainda que em parte, reconheceu-se a existência de ilegalidades violadoras de direitos dos consumidores. A seguir abordaremos as teses suscitadas em prol da sociedade consumidora e o entendimento atual da doutrina e jurisprudência pátria em relação aos tópicos acima descritos. 4. As questões atinentes à cobrança antecipada do valor residual garantido De início, insta esclarecer que a cobrança antecipada do valor residual garantido enseja duas diferentes abusividades. A primeira concernente à eventual descaracterização do contrato de arrendamento mercantil em razão da diluição do pagamento do valor residual ao 12 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Leis civis comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 221. 150 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor longo das parcelas e, a segunda, em relação à viabilidade de devolução do resíduo pago antecipadamente, na hipótese de não exercício da opção de compra do bem. Na sequência, analisaremos cada uma destas questões. Contudo, iniciaremos o tema traçando uma abordagem histórica dos motivos que ensejaram a cobrança antecipada do valor residual garantido. A fim de tornar o leasing financeiro acessível a um número ainda maior de consumidores, as instituições bancárias passaram a diluir o pagamento do valor residual garantido ao longo das parcelas mensais do arrendamento, de forma que ao final do prazo contratual o arrendatário não se visse obrigado a despender montantes elevados para a aquisição do bem, o que poderia eventualmente inviabilizar o exercício da opção de compra. Todavia, passou-se a questionar a legalidade de tal prática. Argumentava-se que a diluição do resíduo ao longo das parcelas retirava do arrendatário o direito de optar por não adquirir o bem. Outrossim, com base no artigo 11, § 1º da Lei nº 6.099/7413, sustentava-se que o pagamento ao final do contrato do valor residual garantido constituiria característica essencial do arrendamento mercantil, de forma que sua antecipação transfiguraria a avença em compra e venda parcelada14. Num primeiro momento, o Superior Tribunal de Justiça acatou tal argumentação, chegando a editar a Súmula nº 263 nos seguintes termos, verbis: “a cobrança antecipada do valor residual (VRG) descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil, transformando-o em compra e venda a prestação”. Porém, ao cabo, prevaleceu a corrente contrária, ao argumento de que, esgotado o prazo contratual, subsistiria para o arrendatário a opção de adquirir ou não o bem e, caso não manifestasse interesse na aquisição, poderia exigir a restituição da quantia correspondente ao valor residual antecipado ao longo do pagamento das parcelas. Além disso, reiterava-se que a Resolução nº 2.309/96 do Conselho Monetário Nacional previa expressamente que o valor 13 Verbis: “A aquisição pelo arrendatário de Nens arrendados em desacordo com as disposições desta I ei, será consideradMoperação de comprMe QendMMprestação”. Mister destacar que a adoção de tal entendimento acarretaria importante impacto no âmbito tributário, haja vista que não seria possível a dedução no imposto de renda das prestações pagas (CABEZAS, Mariana de Souza. Aspectos controvertidos a respeito do contrato de arrendamento mercantil e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In WALD, Arnoldo; FONSECA, Rodrigo Garcia da (Coord.). A empresa no terceiro milênio: aspectos jurídicos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 285-296). 14 151 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor residual garantido poderia ser pago a qualquer momento durante a vigência do contrato 15. Tal posicionamento se cristalizou na Súmula nº 293/STJ, que cancelou o enunciado anterior, sedimentando que: “A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descMrMcterizMo contrato de Mrrendamento mercMntil”B Uma vez pacificado que a diluição do pagamento do valor residual garantido ao longo das parcelas não desnatura o contrato de arrendamento mercantil, cabe-nos questionar a viabilidade de restituição ao arrendatário dos respectivos valores antecipados na hipótese deste não exercer a opção de compra do bem, seja porque não tem interesse em adquiri-lo ou seja porque descumpriu a avença, sendo a arrendadora reintegrada na posse. Parte da doutrina sustenta que tais valores deverão ser integralmente restituídos ao arrendatário, justamente porque, nestes casos, o arrendatário não exerceu sua opção de compra. Para estes estudiosos, a negativa de devolução automática do VRG, no caso de não exercício da opção de compra, violaria o princípio que veda o enriquecimento sem causa, a boa-fé objetiva, além de expor o consumidor à desvantagem exagerada e à onerosidade excessiva. Por sua vez, outra vertente doutrinária defende que o valor residual garantido corresponde à diferença entre a soma das prestações que o arrendatário pagou e o valor dos custos incorridos pela arrendadora, acrescidos de sua margem de lucro. Salientam que tal encargo apresenta dupla função: complementação do preço e garantia. Para estes, o VRG desempenharia sua função de complementação de preço no caso de o arrendatário optar por adquirir o bem ao final do contrato, enquanto que a função de garantia do VRG seria exaurida nas hipóteses de devolução do bem ou inadimplemento pelo arrendatário. Jamais se hesitou sobre a natureza de preço do VRG, restringindo-se a questão acerca da eventual natureza de garantia. Ao debater a controvéria anterior, concernente à desnaturação do arrendamento mercantil, em razão do pagamento antecipado do VRG, o egrégio Superior Tribunal de Justiça já havia reconhecido a natureza de garantia daquele encargo. Confira-se o seguinte trecho do voto proferido pelo ilustre Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 213.828/RS (um dos recursos que deu ensejo à edição da Súmula nº 293/STJ): 15 LEÃO, José Francisco Lopes Miranda. Leasing: o arrendamento financeiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 86. 152 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Na prática, o adiantamento do VRG não retira a possibilidade de, ao final do prazo do contrato, ocorrer a sua renovação ou a devolução do bem. Apenas representa uma garantia para o arrendante que, com a finalidade de atender aos interesses do arrendatário, adquire bem durável, com alta probabilidade de deterioração16. Recentemente, aquela Corte Superior confirmou o caráter dúplice do valor residual garantido, nos seguintes termos: A própria definição de valor residual garantido disposta na Portaria MF n. 564/1978, item 2, revela que ele apresenta uma dúplice finalidade: para a hipótese de o arrendatário decidir, ao final do prazo, comprar o bem, o montante respectivo funciona como preço contratual estipulado para o exercício dessa opção; para as outras hipóteses - rescisão do contrato ou devolução do bem -, o valor residual funciona como valor contratualmente garantido pela arrendatária como mínimo que será recebido pela arrendadora na venda a terceiros do bem arrendado. Esta última situação é a que vislumbra, especificamente, o chamado valor residual garantido ou em garantia (VRG). Nesse sentido, há tempos já sinalizava abalizada doutrina: Se tiver havido antecipações do valor residual estipulado, essa antecipação tem o caráter de caução, e, como qualquer garantia, deverá ser liberada em favor do caucionante, uma vez integralmente cumprida a obrigação contratual garantida. Portanto, caso o arrendatário não opte pela compra do bem, as antecipações deverão, sim, ser restituídas a ele, depois que o bem for vendido, alcançando pelo menos o valor previsto contratualmente. Caso não alcance esse valor, o arrendador, como qualquer credor caucionado, pode lançar mão da garantia, até o limite que faltar para completar o montante estipulado. Em contrapartida, se o bem alcançar na venda a terceiro, valor maior do que o contrato previa não somente deverá ocorrer a devolução dos depósitos caucionários, como deverá haver, também o repasse para o arrendatário do excesso recebido, uma vez que a estipulação contratual de 16 STJ: EREsp nº 213.828/RS, j. 07.05.2003 - Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. 153 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor valor para o bem é bilateral, valendo tanto para uma parte como para a outra17. Ao final, em julgamento de recurso repetitivo, nos moldes do artigo 543-C do Código de Processo Civil, fixou-se a seguinte diretriz para a questão da devolução do valor residual garantido no caso de inadimplemento do arrendatário e reintegração da arrendadora na posse do bem: Nas ações de reintegração de posse motivadas por inadimplemento de arrendamento mercantil financeiro, quando o produto da soma do VRG quitado com o valor da venda do bem for maior que o total pactuado como VRG na contratação, será direito do arrendatário receber a diferença, cabendo, porém, se estipulado no contrato, o prévio desconto de outras despesas ou encargos contratuais18. Destarte, a devolução integral dos valores pagos a título de VRG na hipótese de não exercício da opção de compra do bem não se coaduna com as características econômicas e jurídicas essenciais do VRG e das operações de leasing. De maneira bastante técnica, reiterase que: No VRG não há pagamento antecipado, tanto assim que o VRG antecipado deverá ser tratado como passivo da arrendadora e ativo da arrendatária, nos termos da Portaria 140 do Ministério da Fazenda, de 27.7.1984, além de não gerar, em momento algum, condomínio sobre o bem arrendado. A função do preço de aquisição, bem como do valor residual garantido é, em última análise, deixar a arrendatária ciente, ab initio, do quantum em dinheiro foi investido pela arrendadora na operação, bem como o que se espera como margem de lucro. Há equilíbrio contratual, há boa-fé19. Via de consequência, recomendável que se perquira nos contratos de arrendamento mercantil financeiro acerca da existência de cláusulas que vedem a devolução, em qualquer 17 LEÃO, José Francisco Lopes Miranda. Leasing: o arrendamento financeiro. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 87. 18 STJ: REsp 1.099.212/RJ, j. 27.02.2013 – Rel. Min. Massami Uyeda, Rel. para acórdão Ricardo Villas Bôas Cueva. 19 ABDALLA, Guilherme de A. C. O valor residual garantido em contratos de arrendamento mercantil financeiro. In Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XLIII, nº 133, jan-mar, 2004, p. 143-149. 154 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor hipótese, dos valores antecipadamente pagos a título de VRG20. Tais previsões contratuais, se existentes, serão abusivas e, portanto, nulas. Afinal, caso o arrendatário opte por não adquirir o bem - seja por não mais ter interesse nele ou por já ter sido a arrendadora reintegrada na sua posse - será de rigor a liquidação da operação e, caso o montante pago antecipadamente a título de VRG acrescido da importância obtida com a venda do bem e subtraído o total do VRG e dos encargos estipulados no contrato (desde que igualmente não abusivos) resulte saldo positivo, impor-se-á a devolução da respectiva cifra ao consumidor. 5. Os juros remuneratórios superiores a 12% ao ano Sem dúvida, a questão relativa à abusividade da cobrança pelas instituições bancárias de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano destacou-se como uma das mais calorosas discussões acerca dos contratos bancários em geral, dentre eles o leasing financeiro. De um lado, as instituições financeiras pugnavam pela possibilidade da cobrança de juros acima do patamar de 1% ao mês, sustentando que pertenceria ao Conselho Monetário Nacional a competência normativa para a fixação de patamar máximo para a cobrança de juros por instituições bancárias21. De outro, os consumidores, prendiam-se ao disposto no § 3º do artigo 192 da Constituição Federal22 e no artigo 1º, caput, do Decreto nº 22.626/3323, que limitavam a cobrança de juros a 1% ao mês. 20 Segundo I eão (2000, pB87): “LBBB] seria MN usiQMMcláusula que estabeleçMexigência de pagMmento Mntecipado do VRG sem previsão de devolução caso não exercida a opção de compra”. 21 Quanto aos bancos, entende-se, por iterativas doutrina e jurisprudência, que encontram-se eles submetidos ao regime da Lei 4.595, de 1964, art. 4º, inc. IX, que atribui ao Conselho Monetário Nacional delimitar, isto é, fixar as PM xas de juros nestes termos: ‘I imitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promoQer: LBBB]’ (RHZZARDO, ArnaldoBLeasing: arrendamento mercantil no direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 106). 22 Verbis: “As taxMs de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar”. 23 O artigo 1º, caput, do Decreto nº 22.626/33 dispõe que, verbis: “É Qedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Cod. Civil, art. nº 1B062)”B Com efeito, os juros estariam limitados a 1% ao mês, tendo em vista que a referência ao artigo 1.062 diz respeito ao Código Civil de 1916. 155 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Ao final, a jurisprudência dos Tribunais Superiores consolidou-se no sentido de que as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional e assemelhadas não se sujeitam às vedações da lei da usura ou do anatocismo. Confira-se nesse sentido o enunciado da Súmula nº 596 do Supremo Tribunal Federal: “As disposições do decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional”. Outrossim, em razão da antiga redação do artigo 192 da Carta Magna, editou-se a Súmula Vinculante nº 7: “A normMdo § 3º do artigo 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionadMà edição de lei complementar”B Ainda sobre a questão, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp nº 1.061.530/RS, realizado nos moldes do art. 543-C do Código de Processo Civil, fixou a seguinte orientação: a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF; b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade; c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02; d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada – art. 51, § 1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto24. Muito embora o Superior Tribunal de Justiça tenha, ao final, entendido que a cobrança de juros superiores a 1% ao mês, por si só, não indica abusividade, tal não significa que as instituições financeiras estejam autorizadas a cobrar juros desmesurados. Conforme reiteradamente assinalado acima, a Lei Consumerista não admite que o consumidor seja submetido à onerosidade excessiva, mercê do que a jurisprudência tem advertido ser possível o reconhecimento de nulidade nas hipóteses em que os juros estabelecidos contratualmente 24 STJ: REsp nº 1061530/RS, j. 22.10.2008 – Rel. Min. Nancy Andrighi. 156 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor sejam capazes de colocar o consumidor em excessiva desvantagem, i.e., sejam superiores àqueles cobrados usualmente no mercado. Destarte, caso determinado contrato de leasing financeiro contenha previsão de cobrança de juros em percentual superior àqueles usualmente praticados no mercado, padecerá a cláusula de nulidade, nos moldes do art. 51, § 1º, III, do Estatuto Consumerista, cabendo ao arrendatário em ação revisional demonstrar tal abusividade e pleitear a declaração de nulidade do dispositivo e, se o caso, requerer a repetição em dobro dos valores cobrados, salvo na hipótese de engano justificável, conforme prevê o parágrafo único do artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor. 6. Possibilidade de purgação da mora pelo arrendatário nos contratos de arrendamento mercantil Muito já se debateu acerca da possibilidade de purgação da mora pelo arrendatário, na hipótese de inadimplemento do pagamento das parcelas do arrendamento mercantil. Arnaldo Rizzardo com propriedade e clareza expõe a celeuma: Pergunta-se da possibilidade em purgar a mora enquanto não resolvido o negócio. É evidente a resposta afirmativa quando o devedor é intimado em expediente próprio, noticiando a resolução se não satisfeita a dívida em um prazo concedido. Entretanto, mesmo incorrendo esta medida, admite-se a purga, já que o art. 401, I, da Lei Civil pressupõe a faculdade, autorizando o oferecimento da prestação, mais a importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta. Malgrado o silêncio da Lei 6.099 e os argumentos contrários de alguns, sustentando que, ao permitir a lei a introdução, no contrato, de cláusula resolutória expressa, com previsão da possibilidade do locador, uma vez caracterizada a mora do devedor, de dar por rescindido o contrato extrajudicialmente e reintegrar-se na posse do objeto, e assim não caber ao locatário o direito de emendar a mora, fortes razões justificam a admissão do direito. 157 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A começar pela semelhança com institutos afins, como a venda com reserva de domínio e a alienação fiduciária, nos quais é imperativa a necessidade de protesto do título, e, consequentemente, a permissão de seu resgate, presumem-se a necessidade da notificação e a faculdade em se purgar a mora. O Superior Tribunal de Justiça acompanha esta exegese: ‘Tendo em vista a natureza e os objetivos do contrato de arrendamento mercantil, com opção concedida ao arrendatário para compra do bem, a possibilidade de purgação da mora preserva os interesses de ambas as partes e mantém a 25 comutMP iQidade contrMP ual’ . Acrescente-se a tais argumentos o fato de ser vedado ao fornecedor cancelar unilateralmente o contrato de adesão, sem conferir ao consumidor o direito de manter a relação jurídica (art. 54, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor). Bem por isso, sempre nos posicionamos no sentido de ser injustificada e abusiva a negativa ao arrendatário de oportunidade para purgação da mora. Ainda sobre a matéria, a questão atinente à obrigatoriedade de notificação do arrendatário também fomentou intensos questionamentos. Mister destacar, assim, que, independentemente da existência de cláusula resolutiva expressa no contrato de arrendamento mercantil, será imprescindível a interpelação do devedor, justamente a fim de possibilitar-lhe a purgação da mora. A ementa do seguinte julgado bem relaciona o tema da necessidade de notificação do arrendatário inadimplente e a possibilidade de purgação da mora: Recurso especial. Arrendamento mercantil. Ação de reintegração de posse. Purgação da mora. É admissível a purgação da mora em contratos de arrendamento mercantil, sendo imprescindível a notificação prévia do arrendatário, com a especificação dos valores devidos para se configurar a sua constituição em mora. Recurso especial não conhecido26. 25 RIZZARDO, Arnaldo. Leasing: arrendamento mercantil no direito brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 176. 26 STJ: REsp nº 228.625, j. 16.12.2003 - Rel. Min. CASTRO FILHO. 158 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor No mesmo sentido, o notório Ministro Ruy Rosado de Aguiar, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 139.305/RS, assim consignou: No caso de arrendamento mercantil, tendo a arrendatária o direito ao exercício da posse dos bens objeto do contrato, enquanto cumpre com as suas obrigações, o seu descumprimento constitui ato ilícito que caracteriza o esbulho e enseja a propositura de ação de reintegração de posse da arrendadora. O desfazimento do contrato se dá em juízo e através da ação de reintegração de posse. É mais uma particularidade do leasing. Para propor a ação de reintegração de posse, há de existir o pressuposto da mora da arrendatária, pois ela é a causa do esbulho. Havendo a mora há, conseqüentemente, a possibilidade de purgá-la (art. 959 do CCiviI). Como a ação reintegratória permite o deferimento de liminar independentemente da ouvida da parte contrária, não terá esta oportunidade de exercer o seu direito se antes disso não tiver sido notificada do valor do débito, especialmente quando sujeito a reajustes e acréscimos contratados. Por isso, tenho que no leasing, a arrendatária tem o direito de ser previamente notificada para exercer o direito de purgar a mora ou de se defender ou de exercer defesa preventivamente contra a pretensão recuperatória prometida pela arrendadora. Forte nestas razões, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no seguinte sentido: “No contrato de Mrrendamento mercantil (leasing), ainda que haja cláusula resolutiva expressa, é necessária a notificação prévia do arrendatário para constituí-lo em mora” (Súmula nº 369/STJ). Com efeito, nula porquanto abusiva, será a cláusula que por ventura restrinja a possibilidade de purgação da mora pelo arrendatário ou dispense sua notificação. 7. A cobrança de comissão de permanência cumulada com outros encargos moratórios ou remuneratórios A cobrança de comissão de permanência, por si só, não enseja qualquer ilegalidade. Não obstante, frequente abusividade verifica-se quando este encargo é cumulado com outros de natureza moratória ou remuneratória. Tal cobrança, ainda que expressamente pactuada no contrato, padecerá de inegável nulidade. 159 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Sob pena de bis in idem, há tempos o colendo Superior Tribunal de Justiça consignou que: “A comissão de permanência e Mcorreção monetária são inMcumuláveis” (SúmulMnº 30). Pelo mesmo fundamento, tempos depois, aquela mesma Corte assim proclamou: Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado. (Súmula nº 296/STJ). Recentemente, aquele Tribunal Superior assentou que: A cobrança de comissão de permanência - cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios, moratórios e da multa contratual (Súmula nº 472/STJ). Sobre a questão, relembramos a natureza múltipla da comissão de permanência, que contém, ao mesmo tempo, fatores de atualização e remuneração do capital: Quanto ao tema em apreço, a 2ª Seção do STJ, no julgamento do Resp nº 271.214, Rel. para o acórdão Min. Menezes Direito, já teve oportunidade de consignar o caráter múltiplo da comissão de permanência, ou seja, esta serQe, ‘[...] simultaneamente, para atualizar e para remunerar a moeda’. Como resultado de tal conclusão, a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de impossibilitar a cumulação da cobrança da comissão de permanência com os juros remuneratórios e com a correção monetária, em obediência, quanto a esta, à Súmula nº 30 deste Tribunal27. No mesmo sentido: AgRg no EREsp nº 873277/RS, j. 11/02/2009 - Rel. Min. Massami Uyeda; AgRg no REsp nº 1.052.336/MS, j. 23.09.2008 - Rel. Min. Sidnei Beneti; AgRg nos EDcl no AgRg no REsp 951.159/SP, j. 17.02.2009 - Rel. Min. NANCY ANDRIGHI. 27 STJ: AgRg no REsp nº 706.368 – RS, j. 27.04.2005 – Rel. Min. Nancy Andrighi. 160 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Com efeito, caberá aos arrendatários atentarem para a existência de eventuais cláusulas que cumulem a cobrança de comissão de permanência com outros encargos e, se o caso, pleitear a declaração da respectiva nulidade, por abusividade. 8. Tarifa de abertura de cadastro (TAC), emissão de carnê (TEC) e outros serviços de terceiros É comum os contratos de leasing financeiro preverem a cobrança de tarifas de abertura de cadastro (TAC), tarifa de emissão de carnê (TEC), tarifa de registro de contrato, tarifa de avaliação de bem e tarifa de serviços de terceiros. Muito embora alguns sustentem inexistir óbice para o repasse ao consumidor do custo com serviços prestados por terceiros 28, atualmente tal prática tem sido alvo de diversos questionamentos. Afirma-se que a cobrança dessas tarifas deve ser analisada à luz da regulamentação do Banco Central, haja vista que a atividade bancária é regulamentada pela Lei nº 4.595/64, cujos artigos 4º, VI e 9º outorgam ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central do Brasil competência para disciplinar o crédito e as operações creditícias realizadas por instituições financeiras em todas as suas formas. Diversas resoluções do Conselho Monetário Nacional disciplinaram a cobrança de tarifas de serviços de terceiros por parte das instituições financeiras e assemelhadas. No primeiro momento, entre 25.07.1996 e 06.12.2007, vigorou a Resolução nº 2.303/96, que trazia, em seu artigo 1º, rol de tarifas cuja cobrança era vedada. Todavia, daquela listagem não constavam as tarifas acima descritas. No segundo momento, foi editada a Resolução nº 3.518/2007, vigente entre 06.12.2007 e 25.11.2012, que estabeleceu que: A cobrança de tarifas pela prestação de serviços por parte das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil deve estar prevista no contrato firmado entre a instituição e o 28 “Não Oá impedimento parMque o fornecedor, parMexecuPM r seu serviço, utilize o de terceiro. [...] Contudo, o gasto com o terceiro somente poderá ser cobrado do consumidor se constar do orçamento. Se, após aprovado o orçamento, o prestador do serviço tiver de recorrer a terceiro para executá-lo, o custo dessa contratação correrá por suMconPMe risco” (NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, p 621). 161 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor cliente ou ter sido o respectivo serviço previamente autorizado ou solicitado pelo cliente ou pelo usuário29. Especificamente em relação aos serviços de terceiros, o parágrafo único, inciso III do artigo 1º daquela mesma resolução previa de forma expressa que: “não se cMracterizMcomo tarifa o ressarcimento de despesas decorrentes de prestação de serviços por terceiros, podendo seu valor ser cobrado desde que devidamente explicitado no contrato de operação de crédito ou de Mrrendamento mercMntil”. Na sequência, a Resolução nº 3.919 trouxe novo rol de tarifas vedadas. Porém, mais uma vez, naquela lista não constaram as tarifas de serviços de terceiros. Por fim, em 24.02.2011, a Resolução nº 3.954 revogou o dispositivo da Resolução nº 3.919 que dispunha não se caracterizar como tarifa o ressarcimento de despesas decorrentes da prestação de serviços de terceiros. Uma interpretação mais protetiva dos princípios estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor permitira aduzir que a cobrança dessas estaria vedada a partir da Resolução nº 3.954. Contudo, tal somente ocorreu de maneira expressa em relação às tarifas de emissão de boleto ou carnê, que passou a ser proibida a partir de 26.03.2009, conforme Resolução nº 3.693, do Conselho Monetário Nacional. Embora minoritariamente, tal entendimento foi adotado pela notória Ministra Nanci Andrighi: [...] é intrigante o fato de que o próprio Conselho Monetário Nacional, posteriormente, veio a editar a Resolução nº 3.693/2009, do Banco Central, vedando a cobrança de taxa sobre “emissão de boletos de cobrança, carnês e assemelhados”. Ora, ainda que essa resolução somente tenha eficácia para vincular as instituições financeiras após 26 de março de 2009, é inegável o fato de que a própria autoridade reguladora do mercado financeiro veio, ao final, a reconhecer a abusividade dessa cobrança. [...] A Resolução, ao reconhecer a abusividade de uma taxa para contratos assinados a partir de sua vigência, apenas revela uma abusividade que, em última análise, sempre esteve presente, mesmo porque as resoluções do 29 Artigo 1º, caput, da Resolução nº 3.518, de 6 de dezembro de 2007. 162 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor CMN, como ato administrativo secundário, somente podem conter o que já estaria previamente autorizado pela Lei30. Não obstante, a despeito da divergência, tem prevalecido interpretação diametralmente diversa no colendo Superior Tribunal de Justiça, que propõe tratamento jurídico idêntico para a cobrança de tarifas de serviços de terceiros (inclusive para as tarifas de emissão de boletos) e para os juros moratórios pelas instituições financeiras. Aquela Corte tem entendido prevalecer a liberdade contratual, de forma que tais encargos podem ser exigidos se previstos expressamente no contrato e desde que não ultrapassem os valores usualmente cobrados no mercado. Confira-se: A alteração da taxa de juros remuneratórios pactuada em mútuo bancário e a vedação à cobrança das taxas denominadas TAC e TEC dependem da demonstração cabal de sua abusividade em relação à taxa média do mercado e da comprovação do desequilíbrio contratual31. As tarifas de abertura de crédito (TAC) e emissão de carnê (TEC), por não estarem encartadas nas vedações previstas na legislação regente (Resoluções 2.303/1996 e 3.518/2007 do CMN), e ostentarem natureza de remuneração pelo serviço prestado pela instituição financeira ao consumidor, quando efetivamente contratadas, consubstanciam cobranças legítimas, sendo certo que somente com a demonstração cabal de vantagem exagerada por parte do agente financeiro é que podem ser consideradas ilegais e abusivas32. Contudo, com a devida vênia ao entendimento acima, parece-nos que a relação entre arrendador e arrendatário no leasing financeiro não pode ser regida por normas de natureza de infralegal (tal como é o caso das Resoluções do Conselho Monetário Nacional), tampouco pelo Código Civil, em que impera o princípio pacta sunt servanda, mas sim pelo Código de Defesa do Consumidor, conforme explanado mais acima. Com efeito, a liberdade de contratar nos contratos de arrendamento mercantil de natureza financeira encontra óbice no reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor, 30 REsp 1.270.174/RS, j. 10.10.2012 – Voto divergente Min. Nanci Andrighi. 31 STJ: REsp 1.270.174 – RS, j. 10.10.12 – Rel. Min. Maria Isabel Gallotti. 32 STJ: REsp 1.246.622/RS, j. 11.10.2011 - Rel. Min. Luis Felipe Salomão. 163 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor necessário à equalização daquela relação jurídica, que deve ser pautada pela transparência, boa-fé, dignidade, saúde, segurança do consumidor (art. 4º, caput, e I, da Lei nº 8.078/90). Estabelecidas tais premissas, a primeira grande crítica que surge em relação à cobrança das tarifas de abertura de cadastro, emissão de carnê, registro de contrato, avaliação do bem e outros serviços de terceiros diz respeito ao fato de que tais valores não representam serviços destinados ao arrendatário, mas sim direcionados à diminuição do risco de crédito da instituição arrendadora. Em verdade, trata-se de mero repasse ao consumidor de custos inerentes à própria atividade financeira, de forma que os indigitados serviços não agregam qualquer benefício aos consumidores. E, se não há prestação voltada ao consumidor não pode haver contraprestação dele exigida, exsurgindo, daí, a abusividade. Sobre a questão, o ilustre Ministro Tarso Sanseverino, em voto divergente brilhantemente proferido no julgamento do REsp nº 1.270.174/RS, assim se posicionou: seja qual for o nome que se dê à tarifa em questão, o fato é que sua cobrança se destina apenas a cobrir os custos administrativos da pesquisa prévia à aprovação do crédito solicitado. As instituições financeiras, antes de conceder empréstimos e financiamentos, devem tomar as medidas necessárias à averiguação da capacidade financeira do seu cliente para reduzir o risco de inadimplência. Embora seja imprescindível essa cautela, tanto para a atividade da instituição financeira em particular como para a economia como um todo, é inegável que ela não pode ser considerada um serviço prestado ao consumidor, mas à própria instituição de crédito. Como é cediço, a contraprestação pela concessão do crédito é o pagamento de juros remuneratórios incidentes sobre o valor disponibilizado33. A douta Ministra Nanci Andrighi, acompanhando o voto divergente acima transcrito, inferiu que: E se a taxa de emissão de carnês (TEC), é abusiva pelos motivos descritos acima, o mesmo destino deve ter a taxa de abertura de crédito (TAC), uma vez que tanto uma, como outra, consubstanciam cobranças impostas ao 33 REsp 1.270.174/RS, j. 10.10.2012 - Voto divergente Min. Tarso Sanseverino. 164 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor consumidor, sem um serviço a ele prestado como contrapartida. As taxas destinam-se, em verdade, a cobrir custos da Instituição Financeira com o empréstimo. Assiste, portanto, integral razão ao ilustre Min. Paulo de Tarso Sanseverino em suas observações nesse sentido34. Não bastasse isso, há clara violação aos deveres de informação por parte das instituições financeiras, haja vista que, na prática, afora a singela indicação do valor e da denominação da tarifa, não tem sido hábito incluir qualquer outro dado ou explicação relativos àquelas cobranças. Nestes termos, parte dos estudiosos argumenta que o dever de informar, trazido pelo Código de Defesa do Consumidor, constitui princípio fundamental que obriga o fornecedor a prestar, de maneira clara e precisa, todas as informações relativas aos seus produtos, serviços, características, qualidades, riscos, valores, etc. Reitera-se, ainda, que tal princípio engloba tanto o dever de o fornecedor prestar informações (artigo 6º, II, do CDC) quanto a obrigação de permitir que o consumidor tenha conhecimento prévio do contrato que lhe está sendo oferecido35. Mais uma vez, transcrevo o seguinte trecho da decisão do eminente Ministro Tarso Sanseverino, que sabiamente conclui o tema: A cobrança da taxa de abertura de crédito ou da tarifa cadastral (TAC) e da taxa de emissão de carnê (TEC), além de não corresponder a um serviço autônomo prestado em benefício do consumidor, aumenta sensivelmente a prestação a que ele se obriga, sem que, no entanto, lhe seja dada transparência. De fato, a essas taxas administrativas não é dado o devido destaque pelas instituições financeiras, que, em regra, não informam seu custo nas próprias mídias utilizadas para divulgação de seus produtos. No mais das vezes, apenas há a previsão das tarifas no próprio instrumento do contrato, ao qual o consumidor adere sem saber o motivo da cobrança e sem ter sido previamente informado acerca do valor que é acrescido automaticamente ao seu débito. 34 REsp 1.270.174/RS, j. 10.10.2012 – Voto divergente Min. Nanci Andrighi. 35 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2011, p 182. 165 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Ademais, a experiência comum autoriza dizer que, ao buscar crédito no mercado de consumo, o consumidor utiliza sempre, como parâmetro de comparação para escolha da instituição financeira com quem contratar, a taxa de juros remuneratórios praticada, e não as taxas administrativas36. Diante de tais robustos argumentos, inegável que a cobrança das tarifas de abertura de cadastro, emissão de carnê, registro de contrato, avaliação do bem e outros serviços de terceiros violam os deveres de informação, transparência e boa-fé, que deveriam reinar nas relações de consumo, representando evidentes cláusulas abusivas. 9. Conclusão Os exemplos acima denotam que a doutrina e a jurisprudência permanecem atentas à salvaguarda dos direitos dos consumidores, prezando pela higidez de suas relações. Os Tribunais Superiores vêm intervindo de modo a coibir situações que se mostrem abusivas, opressivas, onerosas, vexatórias ou excessivas aos consumidores. Nesse sentido, mister ressaltar o dever de imparcialidade do Poder Judiciário. Com efeito, a proteção ao consumidor não deve ser compreendida como o singelo acatamento das teses mais favoráveis aos seus interesses. Especificamente em relação aos temas aqui tratados, verificou-se que, nas hipóteses em que as Cortes Superiores de Justiça não perfilharam o entendimento sustentado pelos arrendatários (notadamente nas questões relativas ao valor residual garantido e à cobrança de juros), pode-se dizer que os argumentos trazidos por tais vertentes doutrinárias não se coadunam com as características econômicas e jurídicas do valor residual garantido, do leasing ou das operações bancárias, mercê do que restaram fundamentadamente rechaçadas pela jurisprudência pátria. Especificamente em relação à abusividade da cobrança de tarifas de serviços de terceiros ousamos afirmar que o tema ainda se encontra em franco debate nos Tribunais do país. Com efeito, os votos divergentes acima transcritos, mais parecem ter reaberto a questão no colendo Superior Tribunal de Justiça, inexistindo na jurisprudência posicionamento consolidado pró ou contra a doutrina consumerista. 36 REsp 1.270.174/RS, j. 10.10.2012 - Voto divergente Min. Tarso Sanseverino. 166 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Demais disso, a riqueza e complexidade das discussões acima abordadas demonstram a fidelidade com que os órgãos de defesa do consumidor, advogados, defensores e Ministério Público vêm desempenhando seus respectivos misteres. Aliás, sem sombra de dúvida, o trabalho destes operadores do direito constitui o fator primordial para que o desaparecimento das cláusulas abusivas se torne uma questão de tempo. 167 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Bibliografia ABDALLA, Guilherme de A. C. O valor residual garantido em contratos de arrendamento mercantil financeiro. In Revista de Direito Mercantil Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XLIII, nº 133, jan-mar, 2004, p. 143-149. ARAÚJO, Justino Magno. Inexecução do contrato de leasing em razão de cláusulas abusivas. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2006. CABEZAS, Mariana de Souza. Aspectos controvertidos a respeito do contrato de arrendamento mercantil e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. In WALD, Arnoldo; FONSECA, Rodrigo Garcia da (Coord.). A empresa no terceiro milênio: aspectos jurídicos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 285-296. CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. 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NOTES ON THE ALLEGED EXISTENCE OF A "MORAL DAMAGE INDUSTRY" AND THE EFFECTS OF THE CONSUMERS COMPENSATIONS IN THE BUSINESS ENVIRONMENT Marcelo de Souza Sampaio1 Viviane Coêlho de Séllos Knoerr2 RESUMO Anotações sobre a alegada existência de uma “indústria do dano moral” e os efeitos das indenizações consumeristas no ambiente empresarial. Diante do desenvolvimento experimentado tanto pelos sujeitos de direito, quanto pelas figuras jurídicas na contemporaneidade, surgem novas demandas legislativas e hermenêuticas cujas aplicações devem seguir um viés funcionalizado a despeito de sua mera leitura literal. Neste contexto jurídico não se pode deixar de lado o instituto da responsabilidade civil, que irá operar nos pólos de função repressora expressa no artigo 186, e o preventiva-diretiva, expressa no artigo 187, ambos do Código Civil Brasileiro. Saliente-se este último como uma inovação legislativa, trazendo à baila a punição pelo cometimento do “abuso de direito”. É neste diálogo entre a Empresa e a sociedade que nascem os regramentos jurídicos para delimitar suas condutas necessárias para a manutenção da ordem social e da preservação do interesse coletivo, cujo escopo é alcançar de fato uma sociedade mais livre, justa e solidária. Destaca-se neste contexto a função pedagógica que busca não apenas reparar prejuízos, mas também desestimular o cometimento de novos danos. No tocante a tutela consumerista que fundamentalmente é preventiva no que diz respeito à proteção do consumidor, e cujas decisões acabam por manifestar seus efeitos no ambiente empresarial, contribui a lei para a 1 Mestrando do programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Especialista em Direito Processual. Integrante do Grupo de Pesquisa Direito Empresarial e Cidadania no século XXI, no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. E-mail: [email protected] 2 Doutora em Direito. Professora e atual coordenadora do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania – UNICURITIBA. Líder do Grupo de Pesquisa Direito Empresarial e Cidadania no século XXI, no Centro Universitário Curitiba – UNICURITIBA. E-mail: [email protected] 170 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor ideologia do desenvolvimento sustentável e coaduna sua Política Nacional de Consumo, a fim de não contrariar o ideário constitucional. PALAVRAS-CHAVE Responsabilidade Civil Consumerista, Indústria do Dano Moral, Efeitos das Indenizações Consumeristas, Função Pedagógica da Indenização. ABSTRACT Notes on the alleged existence of a “moral damage industry” and the effects of the consumers compensations in the business environment.Facing the development experienced by both the subjects of law, as the figures in contemporary legal arises new legislative demands and hermeneutical whose applications should follow a bias functionalized despite its literal reading. On this legal basis can not leave aside the institution of the civil liability, which will operate at the poles repressor function expressed in Article 186, and preventive-director, expressed in Article 187, both of Brazilian Civil Code. It should be noted this one as a legislative innovation, bringing up the punishment for committing the "abuse of rights." In this dialogue between the company and the society that comes to define their legal rules to delimit required to maintain social order and preserving the public interest, whose scope is in fact achieve a freer, justice and solidarity society. It is noteworthy in this context the pedagogical function that seeks not only to repair damage, but also discourage the commission of further damage. Regarding the protection consumerist which is essentially preventive in relation to consumer protection, and whose decisions end up to manifest their effects on the business environment, the law contributes to the ideology of sustainable development and is consistent, its National Consumer Policy, in order to not contradict the constitutional ideals. KEYWORDS Consumers Liability, Moral Damage Industry, Consumers Compensation Effects, Pedagogical Function of Indemnity. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. SOBREDESENVOLVIMENTO, 2 CONSIDERAÇÕES RESPONSABILIDADE CIVIL NO GERAIS SISTEMA JURÍDICO CONSUMERISTA, FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E ANÁLISE 171 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor ECONÔMICA DO DIREITO. 3 ANOTAÇÕES SOBRE A ALEGADA EXISTÊNCIA DE UMA “INDÚSTRIA DO DANO MORAL” E OS EFEITOS DAS INDENIZAÇÕES CONSUMERISTAS ALEGADA NO EXISTÊNCIA AMBIENTE DE UMA EMPRESARIAL. “INDÚSTRIA 3.1A DO QUESTÃO DANO DA MORAL”. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 1 INTRODUÇÃO A Contemporaneidade impõe novas demandas legislativas e hermenêuticas, tanto para os sujeitos de direito, quanto para as figuras jurídicas, que devem ser aplicadas com seu viés funcionalizado. E de tal sorte não escapa a figura jurídica da responsabilidade civil, que opera notadamente em dois polos de função: o repressor, expressado pelo artigo 186, e o preventivo-diretivo, expresso pelo artigo 187, ambos do Código Civil Brasileiro, consistindo, notadamente, este último, em uma virtuosa inovação legislativa, que trouxe à baila a punição pelo cometimento do “abuso de direito”. É neste contexto jurídico que a Empresa interage com a sociedade, exercendo sua garantia constitucional à livre iniciativa, seu direito econômico a obter e reter o lucro, porém, todas as suas condutas são delimitadas pelos regramentos jurídicos que nascem da necessidade da manutenção da ordem social e da preservação do interesse coletivo, para que se possa, de fato, alcançar uma sociedade mais livre, justa e solidária. No diálogo com as funções atuais da responsabilidade civil, destaca-se a função pedagógica das indenizações, que busca não apenas reparar os prejuízos, mas também enviar uma importante mensagem para a sociedade, desestimulando ao cometimento de novos danos. É somando ao critério pedagógico o elemento preventivo (ao que denomina de “função profilática”), que a autora Ana Cecília Parodi, tratou da Análise Econômica do Direito, associada à Responsabilização Civil dos Fornecedores, para tentar responder a uma incomoda pergunta, que emerge da experiência jurisprudencial: existiria um fenômeno denominado pelos próprios tribunais como “indústria do dano moral”? É com base nessa problematização, e atendendo às exigências da disciplina do programa de mestrado, que se estruturam estas breves anotações sobre o tema, desprovido de qualquer pretensão de esgotar o assunto. Adotou-se, precipuamente, a metodologia da revisão bibliográfica. 172 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A SOCIEDADE DE RISCO E A RESPONSABILIDADE CIVIL NO AMBIENTE JURÍDICO CONTEMPORÂNEO. O ambiente econômico contemporâneo, notadamente nos países capitalistas, é baseado em um sistema de produção em massa, tendo no Fornecedor x Consumidor o elo mais forte da relação econômica. E conforme José Geraldo Brito Filomeno (2007, p. 68-70), o Consumidor é o elo mais fraco da economia; e nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco. Contudo, ainda maior é o poder intrínseco do Consumidor, quem, se deixar de exercitar seu “ato de consumo”, leva toda uma estruturação econômica globalizada ao colapso. Prevalece neste ambiente econômico, a chamada “sociedade de risco”: O conceito de sociedade de risco se cruza diretamente com o de globalização: os riscos são democráticos, afetando nações e classes sociais, sem respeitar fronteiras de nenhum tipo. Os processos que passam a delinear-se a partir dessas transformações são ambíguos, coexistindo maior pobreza em massa, crescimento de nacionalismo, fundamentalismos religiosos, crises econômicas, possíveis guerras e catástrofes ecológicas e tecnológicas, e espaços no planeta onde há maior riqueza, tecnificação rápida e alta segurança no emprego. (GUIVANT, 2008). O grande desafio deste mundo contemporâneo globalizado é conseguir conciliar desenvolvimento econômico com preservação ambiental em sentindo amplo, compreendendo por “meio ambiente” os elementos de fauna e flora, mas também os elementos humanos e relacionais3(SILVA, 2003, p. 23). O Direito não resta incólume às transformações sociais e o governo jurídico das relações privadas tem se visto alterado drasticamente desde a travessia do tempo moderno para o contemporâneo. Ensinam os teóricos da Constitucionalização do Direito Privado4, que todo o Direito tem passado por uma evolução, especialmente desde o advento da Revolução 3 Conforme José Afonso da Silva, o meio ambiente, na acepção contemporânea do vocábulo, vai além do tradicional “meio ambiente natural”, passando a englobar o meio ambiente cultural, laboral, negocial, dentre outros. 4 A esse respeito, é recomenda a leitura da obra de: TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. 173 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Francesa, em 1789, e da primeira Revolução Industrial, que teve início na Inglaterra, na metade do Século XVIII, experimentando movimentos, também de cunho hermenêutico, como o da “repersonalização do Direito Civil”. Desde o advento do capitalismo moderno, o Direito servia – em um sentido realmente serviçal – à moeda, ao patrimônio econômico, deixando o sujeito de direitos para segundo plano. Prevalecia o ter sobre o ser (PARODI, 2009, p. 161). A propósito da Constitucionalização do Direito Civil, Pietro Perlingieri afirma, em sua celebre obra Perfis de Direito Civil-Constitucional, fala sobre as bases e contextualização do estudo dessa escola: A unidade do fenômeno social e do fenômeno jurídico exige o estudo de cada instituto em seus aspectos ditos privatísticos e publicísticos. A própria distinção entre Direito Público e Direito Privado está em crise. A Constituição Federal de 1988 nasceu justamente das lutas humanistas e consagrou os ideais de A Era dos Direitos. E a propósito, nesse ponto vale registrar os outros principais valores e princípios constitucionais: PREÂMBULO: (...) para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social (...) Art. 1º A República Federativa do Brasil (...) tem como fundamentos: (...) II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; (...) Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; (...) IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se (...) a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: II - propriedade privada; III - função social da 174 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor propriedade; (...) V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. Para compreender os novos rumos da responsabilidade civil no país é preciso entender os seus pressupostos, notadamente no que diz com a “repersonalização do Direito” e com sua reestruturação funcionalizada, à luz de Norberto Bobbio(2007), vejamos. Repersonalização do Direito Civil significa que o indivíduo, sujeito de direitos, volta à cena, como principal foco das atenções dos operadores do Direito, que buscam atender àquilo que Ana Cecília Parodi (2009, p. 29) ensina ser o principal valor-fundante do Direito, o chamado “solidarismo constitucional”, o qual, sendo mais do que um regramento, é um verdadeiro espírito, que se compõe de outros valores como a transparência e a boa-fé objetiva.Ensina Carlyle Popp (2004), sobre o novo momento vivido pelo Direito Privado brasileiro, detalhando os princípios básicos que orientam a leitura e interpretação das normas privatísticas em geral: Ao contrário do que pensavam alguns críticos, o Código Civil vigente é um instrumento importante para a oxigenação do sistema jurídico civil e, apesar de repetir o conteúdo de muitos dispositivos do Código Civil revogado, é um instrumento novo no ordenamento jurídico. Esta novidade, a despeito da ratificação das regras vigentes, é fruto de uma nova ideologia que se sustenta em seus princípios básicos, quais sejam: a) eticidade; b); sociabilidade e; c) operacionalidade. Eticidade, fruto do retorno da moral e da importância que se deu à boa-fé, em suas diferentes manifestações. Sociabilidade como obediência ao princípio do solidarismo constitucional descrito no art. 3º, inc. I da Carta Magna, origem das idéias de função social do contrato, da empresa e da propriedade. A operacionalidade principalmente pela preocupação com o futuro, utilizando-se uma técnica legiferante que privilegiasse o presente, sempre com vistas ao futuro. [...] Na verdade, a leitura que se deve fazer das regras inauguradas pelo Código Civil vigente é diversa. Não se pode interpretar o código vigente à luz do entendimento reinante na legislação revogada, sob pena de se olhar 175 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor para o pretérito, olvidando-se do futuro. Para tanto, é de extrema valia a conscientização de que o direito atual deve ser pensado, interpretado e efetivado com o auxílio dos postulados do chamado pósmodernismo jurídico [...] passando-se a privilegiar a confiança e a ética, com um renascimento da importância do ser humano. [...] reflete uma crise no Direito posto e como usualmente interpretado, convidando o interprete a uma releitura do ordenamento jurídico em face da nova realidade social, compelindo-o a uma alteração na forma de pensar o Direito. Norberto Bobbio (2007), nos artigos que, consolidados, materializaram a obra “Da estrutura à função”, se opõe à doutrina preconizada por Kelsen, da Teoria Pura do Direito: A doutrina kelseniana do culto à norma é posta em xeque pelas escolas defensoras da hermenêutica funcionalizada, contando com Norberto Bobbio como um de seus defensores mais ilustres. Da estrutura à função, não apenas as normas ganham novas cores, em prol de sua efetividade, mas também o Poder Judiciário se vê desafiado a uma participação comissiva, proativa, para a realização da plenitude constitucional, visando à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, no chamamento do denominado ativismo judicial (BATISTA, PARODI, 2010). Das principais contribuições de Norberto Bobbio (2007), advém a idéia do direito promocional, que estimula o “bom comportamento” dos cidadãos e sua conduta lítica, ética e moral, em contraposição às normas meramente repressivas. A diferença mora na ideologia dominante em cada uma das técnicas legiferantes. E também revisita ao Direito Público, uma vez que dialoga com a funcionalização das normas, do produto legiferado, estimulando aos legisladores e aos administradores que não atuem com vistas ao antigo regime estruturado das normas, da mera positivição de cláusulas duras de conduta (como seria próprio da clássica racionalidade publicista), mas que prospectem estimular aos cidadãos a se integrarem com a Administração, com o Estado e com a Nação, que produzam normas que despertem a cidadania e seu exercício nos indivíduos e nas empresas, não apenas para que se determinem pela limitação da conduta ordenada, mas para que escolham fazer o que é melhor para o 176 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor interesse público, incentivando a criação de uma consciência cidadã coletiva e implementando em menor tempo os objetivos constitucionais. Tal escopo pode ser atingido pelo incentivo contido nas normas. Todo produto legiferado tem caráter cogente. A norma com natureza de sanção serve como freio social e reprime o cometimento de condutas ilícitas, impondo penalizações ao descumprimento da lei. Mas, na prática, muitas vezes apenas “recolhe as multas” ou mantém uma previsão de possibilidade de acionamento do Judiciário para impor eventual punição, uma vez que os cidadãos preferem, tantas vezes, arcar com as consequências de seus atos ilegais. Por outro lado, a natureza promocional da norma estimula uma mudança de consciência, porque incentiva a escolha de uma conduta que seja melhor para o interesse coletivo e para o bem comum, por meio de uma recompensa prevista em lei, a exemplo do IPTU e do ICMS ecológico, dentre outros. A Contemporaneidade demanda o implemento dos novos paradigmas do Direito, que não podem se realizar em sua plena efetividade sem uma hermenêutica constitucionalizada e funcionalizada, à luz das arcaicas ideias estruturantes de Hans Kelsen e o próprio direito de propriedade é afetado por essas novas leituras interpretativas, conforme Eduardo Takemi Kataoka (2000, p. 492): Hoje não há apenas uma, mas várias propriedades muito diversas entre si. Por exemplo, a propriedade fundiária urbana e rural, a propriedade acionária, a propriedade intelectual, a propriedade de bens de consumo etc. Cada uma destas propriedades têm uma disciplina jurídica própria, sendo unificadas apenas pela sua função social comum. Estes novos paradigmas éticos influenciam as condutas das pessoas físicas e jurídicas e, via de consequência, ensejaram modificações estruturais no sistema da responsabilidade civil, que restou afetada pelas inovações promovidas pelo Código Civil, no ano de 2002. E não apenas em sua estrutura positivada, mas essencialmente em sua funcionalização. Em resumo, não apenas visa a trazer reparação para as vítimas dos atos ilícitos, mas, com efeito, buscando PREVENIR a ocorrência dos danos, desde o ano de 2002, o sistema civilista codificado opera com o modo tradicional de punição do ato ilícito assim considerado como a violação lesiva de direitos, e também com o sistema de prevenção e repressão do abuso de direito, buscando manter balizas de segurança para que o exercício dos direitos individuais não fira ao interesse coletivo de manutenção de uma sociedade promotora de 177 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor direitos e de bem-estar. Estas tutelas constam dos artigos 186 e 187, do Código Civil Brasileiro. Vislumbram-se, então, as funções preventiva e pedagógica das indenizações, como um meio de promotor social das boas condutas, conforme ainda se verá no próximo tópico. Preleciona Carlos Eduardo Ruzyk (2002, p. 134): A ideia de que o princípio da dignidade impõe ao Estado ações visando a evitar a produção de danos contra a pessoa permite vislumbrar um redesenho das possibilidades da responsabilidade civil por danos extra-patrimoniais, ressaltando-se sua dimensão preventiva. Se, por um lado, é certo que a responsabilidade civil somente tem lugar após a produção do dano, não se pode olvidar sua dimensão dialética, que permite sua utilização como instrumento “pedagógico” de prevenção. (g.n.) Analisando os novos paradigmas da responsabilidade civil, Anderson Schreiber (2007, p. 79), em processo social e jurídico inverso ao que imperou durante muitas décadas e em muitos países, o qual consistia, até mesmo por preconceitos, em limitar a reparabilidade dos danos suportados pela vítima, afirma o autor que “a expansão do dano ressarcível” passou a ser “noticiada por toda parte”, atingindo a outros países, inclusive e, citando Guido Alpa e Mario Bessone, diz que “a função ressarcitória vem, por assim dizer, exaltada pelo incremento dos danos que é um corolário típico da sociedade moderna”. Continua o autor (SCHREIBER, p. 80-91), explicando que houve uma expansão quantitativa (maior acorrida aos tribunais, em busca das tutelas indenizatórias) e qualitativa (definida pela presença de novos interesses tuteláveis, em sua maior parte extracontratuais e de natureza existencial, mas não se limitando por eles) do dano ressarcível e destacando as novas dimensões transindividuais, difusas e coletivas dos danos, que afetam às massas de vítimas, conjuntos de pessoas que estiveram expostas ao mesmo fato lesivo e que suportaram, em razão disso, danos não necessariamente idênticos em proporções, mas que, estão interconectadas pelo fator “nexo causal”, o que de fato coaduna, em muito, com a repersonalização do direito, dantes abordada, pela compreensão social da dimensão do ser. E como exemplo de novos danos, cita, ilustrativamente e dentre outros, as proteções aos direitos patrimoniais genéticos. De forma magistral e convocando ao pensamento crítico, o autor (SCHREIBER, p. 115-134) desafia os já estabelecidos paradigmas estabelecidos quanto aos interesses tutelados 178 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor na avaliação dos reflexos dos danos (e inclui, neste arcabouço, até mesmo a proporção da dor, da ofensa e o critério de utilidade pública e da eficiência econômica): Ainda no afã de definir um critério para a seleção dos interesses merecedores da tutela ressarcitória, muitos tribunais têm se referido à exigência de não obstar de utilidade pública e de manter o controle dos efeitos econômicos da reparação de danos. De fato, as discussões mais recentes em torno da responsabilidade civil têm se caracterizado pela inserção, em um discurso antes denominado exclusivamente pela Justiça, de preocupações de ordem econômica. À ética da reparação tem se associado, com efeito, uma série de outros argumentos de natureza utilitarista, que, se antes não eram ignorados pelos juristas, vinham, ao menos, aditados ao debate subjacente à produção legislativa, não já à atuação das cortes. O gradual desenvolvimento, especialmente no common law, de um papel mais “holístico” do Poder Judiciário, atento às consequências de suas decisões também em um patamar social, que transcende a singularidade do caso concreto, acabou por servir de base para a consagração mundial da eficiência econômica como um dos objetivos a serem perseguidos pela responsabilidade civil, como mecanismo de repartição dos prejuízos normais à vida em sociedade(SCHREIBER, p. 126). Acerca das inovações repercutidas sobre a ressignificação dos elementos da responsabilidade civil tais como “agente”, “vítima” e “danos”, e também tratando do diálogo entre as fontes (afirmando não existir revogação do Código de Defesa do Consumidor e que ambos os sistemas de responsabilidade civil coexistem), assevera Ana Cecília Parodi (2009, p. 39-41) sobre ambos os temas: os novos paradigmas do Direito, em diálogo com o impacto socioeconômico da globalização e as mudanças políticas e sociais decorrentes, principalmente, do pós-Revolução Industrial e dos dois grandes conflitos mundiais, impõem nova leitura para a Responsabilidade Civil, na Contemporaneidade, alargando-se a interpretação de conceitos como “agente”, “vítima” e “dano”,passando a englobar direitos difusos e coletivos e novas espécies de lesões, 179 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor como as ambientais e mesmo o especializado trato consumerista. A reforma civilista de 2002 importa em nova visão para a Responsabilidade Civil, certamente não comportando mais um arcaico pensamento de que, nas relações a priori paritárias, o sistema de responsabilização seria reparatório e não preventivo. Contudo, o Código de Defesa do Consumidor entrou em vigor no ano de 1990, dois anos após promulgação da Carta Magna e setenta e quatro anos após a edição do Código Civil de 1916, em plena vigência da Dogmática Clássica. Assim, os parâmetros civis codificados se mostravam insuficientes às relações de consumo, notadamente porque se trata de uma relação entre desiguais. A tutela reparatória consumerista é um mecanismo de intervenção estatal, delimitador e funcionalizadorda livre iniciativa, propício a apaziguar as relações sociais de consumo, protegendo ao consumidor em sua vulnerabilidade frente ao fornecedor, condição pessoal que é regra pressuposta e não se confunde com a hipossuficiência, condição processual, verificável caso a caso. Conclui-se que ambos os sistemas de responsabilização coadunam com os novos paradigmas e com o ideário funcionalizado do Direito. 3 ANOTAÇÕES SOBRE A ALEGADA EXISTÊNCIA DE UMA “INDÚSTRIA DO DANO MORAL” E OS EFEITOS DAS INDENIZAÇÕES CONSUMERISTAS NO AMBIENTE EMPRESARIAL. Conforme Armando Castelar Pinheiro (2005, p. 50-51): A globalização é um fenômeno que tem economistas e profissionais do direito como alguns de seus principais atores, na medida em que é um processo caracterizado pela integração econômica internacional e que, diferentemente do processo de integração do século XIX, é cada vez mais regulamentado e dependente de contratos. 180 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O Código de Defesa do Consumidor é firmado sobre as premissas balizares da Política Nacional de Consumo, que compreende, dentre outros, o reconhecimento da vulnerabilidade intrínseca do Consumidor; a responsabilização objetiva do Fornecedor como regra, baseada na teoria do risco da atividade; e define toda a tutela da responsabilização civil (incluindo os parâmetros indenizatórios) como um sistema fulcrado na prevenção dos danos e na efetiva reparação dos prejuízos, tomando-se por presumida a boa-fé dos consumidores; qualquerato de má-fé precisa ser investigado caso-a-caso. Contudo, a jurisprudência parece discordar da virtuosa política pública instituída pelo microssistema consumerista, ao negar a plena efetividade à reparação e à compensação dos danos de consumo, oferecendo por via reversa proteção aos fornecedores lesionantes, sob alegação de que o arbitramento de uma condenação em valores mais substanciosos implementaria uma acorrida desenfreada aos processos judiciais, ensejando uma “indústria do dano moral” entre os consumidores. O pensamento Bobbiano se implementa de forma plena no que diz com a tutela da responsabilização civil, que se materializa um de seus expoentes máximos, posto que, por suas múltiplas funções, tem o condão de se prestar a freio social inibitório de condutas ilícitas, além de incentivar a prática de boas condutas. E é no diálogo com a racionalidade da Análise Econômica do Direito que se explica, teoricamente, de que maneira a responsabilidade civil pode ser um virtuoso instrumento indutor de boas condutas, influenciando diretamente aos processos de tomada de decisão empresarial. Da mesma forma, se presta a justificar o pensamento econômico que influencia o Poder Judiciário a não usar de rigor punitivo para com os fornecedores lesionantes, em nome de um ativismo questionável. Desume-se, desde já, que a racionalidade da AED é neutra por essência, cabendo o juízo de valor ao seu operador. Pietro Barcellona5, ao tratar da relação homem x propriedade, anota que as escolhas são feitas com base nos interesses econômicos das pessoas: O indivíduo que se libera, libera, portanto, dos vínculos pessoais, políticos e sociais, mas a propriedade livre se constrói em uma objetividade separada do indivíduo e, em parte, logo governa as 5 Apud necessário do texto de Souza, por falta de acesso à obra original “Il declinio dello Stato”. Compete esclarecer que a citação anterior operada diretamente de Barcellona foi extraída de sua célebre obra “El individualismo proprietário”, disponível nos diversos acervos bibliotecários da cidade. 181 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor condutas segundo as leis do cálculo econômico(apud SOUZA, 2012, p. 72-73) (g.n.) Os processos de tomada de decisão empresarial obedecem diversos padrões, que foram definidos pela antropologia, sociologia, psicologia, matemática, e, dentre outros, pela economia e pelo direito.Os frutuosos diálogos entre a Economia e o Direito foram sistematizados no ano de 1961, pelo pesquisador britânico Ronald Coase, com a obra fundamental “The Problem of Social Cost”, bem como “Some thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts”, este lançado por Guido Calabresi, fundando, assim, as bases do pensamento da chamada Escola de Yale e, concomitantemente, Richard Posner fundava a Escola de Chicago. Ambas as Escolas representam as principais linhas de estudo do movimento conhecido como Law and Economics. No Brasil, seus principais teóricos são Armando Castelar Pinheiro, Jairo Saddi, Luciano Timm e Rachel Sztajn.Mas também encontra detratores, especialmente entre os juristas e pensadores de viés humanista, por julgarem que a Análise Econômica do DireitoAED estimule a perversidade das decisões baseadas unicamente na melhor potencial lucratividade. Encontram respaldo, tais pensadores, especialmente em um princípio da Law and Economics denominado “Ótimo de Pareto” que teoriza o principal motivador das escolhas das pessoas e dos empresários, do ponto de vista da eficiência econômica. Como ensina Irineu Galeski Jr. (2008, p. 56), diversos autores oferecem um conceito para o princípio do ótimo de pareto, mas, em resumo, pode-se dizer que é a busca pela máxima eficiência na produção (utilização da máxima capacidade, ao menor custo) e nas trocas (transação pela maior margem de lucro (preço alto, custo baixo) e com o menor número de atravessadores, para não diluir o lucro). O problema intrínseco de qualquer decisão – seja ela judicial, empresarial ou estritamente humana –, é que as mesmas não contabilizam, não internalizam os custos humanos, sociais e ambientais e, dessa forma, podem causar grave insustentabilidade para todos os pilares da Nação. Decisões motivadas unicamente pelo economicismo não cooperam para o desenvolvimento social, humano e nem mesmo financeiro, pois o caos ambiental e social encarecem, de maneira reflexa, o custo de vida por meio dos impostos, dentre outros (PARODI, 2009). Neste ponto, vale ressaltar a opinião de Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk (2002, p. 138-139), crítico das benesses da aplicação da AED como método de prevenção de riscos e 182 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor danos, e isto não com base em uma ineficiência necessária do método, mas na motivação de sua adoção, afirma, relembrando a funcionalização do instituto: A responsabilidade civil, segundo a análise econômica do direito, deve ter uma função preventiva de danos – função esta que também é defendida no presente estudo, com base, todavia, em outros princípios e valores. A crítica reside, entretanto, na finalidade e no fundamento dessa prevenção: não se cogita, na análise econômica, a prevenção de danos à pessoa humana, com fundamento em sua dignidade, mas, sim, a prevenção da ocorrência de custos que prejudiquem a eficiência e, por conseguinte, a competitividade da economia. A responsabilidade civil se reduz a mero instrumento de eficiência econômica (g.n.). A Análise Econômica do Direito trabalha, ainda, com um paradigma conhecido por Teoria dos Jogos, uma teoria matemática, que usualmente se aplica à Administração e à Economia, e que explica por meio de fórmulas tanto as probabilidades, quanto as razões das escolhas, inclusive do ponto de vista mais eficiente, ou seja, seguindo o critério da maior rentabilidade para o empresário, pelo menor custo financeiro (COOTLER&ULEN, 2010). Explica a Teoria dos Jogos que um jogo pode ser de cooperação, quando todos os jogadores inicialmente conjugam esforços para obter o mesmo resultado; mas o jogo pode ser de competição, quando os jogadores buscam seus próprios interesses e, em regra, são interesses conflitantes (MARINHO, 2011). Este último é o cenário predominante no Judiciário, após a instalação das lides judiciais. Também é do instrumental da Teoria dos Jogos que as partes, os jogadores, atuarão movidos pelo sistema de informações de que dispõem. Essas informações podem ser obtidas em diversas fontes e, aqui, cabe destacar duas em especial: a expectativa do comportamento do outro jogador, baseado notadamente na experiência passada das atuações dessa pessoa física ou jurídica. E também, a jurisprudência, importante fonte de informações, porque regula como freio social inibitório a conduta dos agentes. Um jogador não ultrapassará determinados limites de conduta social se tiver claro que a jurisprudência tende a punir os seus atos. Contudo, se a jurisprudência for relutante, deixando margem para comportamentos sociais negativos, então isso servirá de estímulo para que os agentes atuem, por exemplo, de maneira socialmente irresponsável, atentando contra os ditames sustentáveis constitucionais e contra 183 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor os pilares da cidadania empresarial. (PARODI, 2009). Ou seja, no cenário da responsabilidade civil, pelos dados de mercado que informem que o Consumidor é relutante em acionar o Judiciário, ou em nome da informação de que é tímida a retribuição ao ilícito, o Fornecedor pode se ver estimulado a praticar danos, atuando de forma irresponsável, deliberadamente lançando-se a lesionar. 3.1A QUESTÃO DA ALEGADA EXISTÊNCIA DE UMA “INDÚSTRIA DO DANO MORAL” Questão de relevo se refere à coibição da chamada “indústria do dano moral”,onde, em suma, parcela significante da magistratura brasileira acredita que o deferimento de um quantum compensatório (por condenação de dano moral consumerista) de maior expressão monetária, estimularia os consumidores a se aventurarem a mover lides motivados pelo enriquecimento ilícito. A respeito da Análise Econômica do Direito aplicada à Responsabilidade Civil (tort law), e debatendo o sopesamento entre o princípio da eficiência e do bem-estar, Mark Geistfeld (2009, p. 236-237) afirma que é preciso, sim, analisar, no caso concreto, a natureza dos interesses que estão em jogo, mas unicamente um interesse pessoal contundente e bem distinto pode justificar o afastamento da aplicação da responsabilização civil6. Conforme preleciona Ana Cecília Parodi (2009), ao tratar da Profilaxia da Responsabilização Civil Consumerista, com suporte em variados autores que corroboram seu pensamento afirma que se trata de uma forma de “ativismo judicial”7, mas ao arrepio da proteção dos melhores princípios desenvolvimentistas sociais; em verdade atuariam os tribunais preocupadas exclusivamente com a proteção da livre iniciativa. A argumentação jurisprudencial implica em uma grave imputação de má-fé contra os consumidores, alegando6 Extrai-se do texto do autor, em vernáculo: “Tort Law traditionally hás given ‘peculiar importance’ to the nature of individual interests. The interests need to be distinguished only if there is some reason for prioritizing among them, and tort law does so. Most importantly, tort law gives one’s interest in physical priority over the conflicting liberty of another.” 7 Conforme Luiz Roberto Barrozo (2009, p. 6): “A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”. 184 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor se que os mesmos se exporiam, deliberadamente, aos danos de consumo, para se beneficiarem de altas indenizações. Argumento este deveras incongruente com a ideologia do ordenamento pátrio, a uma porque não há autolesão indenizável, e, porque a culpa exclusiva da vítima é expressamente reputada como excludente da responsabilidade civil. A esse respeito, é como afirma Evandro Gueiros Leite (2009): O ativismo [judicial] não é, porém, um novo sistema fora da realidade do processo, como pareceu a M. Cappelletti, ao perguntar por que os tribunais não poderiam atuar como legisladores na criação e adaptação constante das suas próprias regras processuais técnicas, pois que com elas lidam diuturnamente. (g.n.) Do ponto de vista da análise jurídica dos impactos econômicos provocados, compreende Parodi (2009, p. 75-144) que: i) não há que se falar de maneira absoluta em parâmetros para o enriquecimento sem causa em uma sociedade marcada pelas desigualdades sociais, como a brasileira; ii) a baixa retribuição judicial aos danos provocados pelas empresas enseja – desejando-se ou não – eficiência nos termos do ótimo de pareto à conduta empresarial de “pagar para lesionar” ao invés de se prevenir os danos, como deseja a lei consumerista, prejudicando a segurança jurídica das relações e o desenvolvimento sustentável da nação. Remetendo, novamente, à teoria dos jogos, Parodi afirma que, este ativismo faz com que a jurisprudência deixe a categoria de “informação” para atuar de maneira nefasta como um “jogador na surdina”, cooperando injustamente para desequilibrar as rodadas processuais em favor dos fornecedores quem, via de regra, detém melhores condições de obter informações jurídicas e de conhecer não apenas os seus direitos, mas também os andamentos da jurisprudência; o consumidor, por outro lado, presume-se juridicamente vulnerável e, de fato, pouco acesso tem a efetiva informação de qualidade acerca de suas garantias. E visando a encerrar o presente trabalho de forma substanciosa, dados atualíssimos fornecidos há menos de um mês pela Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ)8, dão conta da inexistência desse alegado fenômeno: 8 Dados informados Segundo Seminário de Direito, Estatística e Jurimetria, realizado na capital paulista. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-jun-22/justica-ainda-primeiros-passoselaboracao-dados-estatisticos. Acesso em: 30 jun. 2012. 185 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O estudo dos professores Bruno Salama e Flávia Püschel, por exemplo, ilustrou bem como a coleta de informações empíricas podem alterar alguns preconceitos. Suas conclusões, a partir da análise de 1.044 acórdãos, invalidam dois mitos: o de que existe uma indústria do dano moral no Brasil e de que falta uniformidade ao julgar casos do tipo.‘Os valores das condenações, pelo mesmo nas hipóteses que observamos, não nos pareceram elevadas’, disse Salama, pouco após revelar que 38% das indenizações ficaram em menos de R$ 5 mil e apenas 3% em mais R$ 100 mil. ’Quanto aos critérios de cálculo, vedação a enriquecimento sem causa e proporcionalidade com a extensão do dano são bastantes comuns. Isto sugere uma preocupação com a moderação das decisões e prova que a tese da altíssima insegurança jurídica não tem sustentação’. Por todo o exposto, percebe-se clara a influência do Poder Judiciário sobre os processos decisórios empresariais, o qual possui o condão de atuar com a função profilática desejável, ou, por via reversa, operando desarranjo social e econômico, acabando por ferir a função constitucionalizada da reparação dos danos e da própria responsabilização civil, notadamente dos fornecedores, estimulando a reincidência na prática dos atos ilícitos e a implementação de uma “industrialização dos danos”. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A tutela consumerista é fundamentalmente preventiva no que diz com a proteção ao consumidor, contribuindo a lei para a ideologia do desenvolvimento sustentável e coaduna, sua Política Nacional de Consumo, para o ideário constitucional solidarista, promotor da sociedade livre, justa e solidária, preocupada com a efetiva reparação dos danos e com a prevenção de riscos. O sistema de responsabilização civil consumerista é funcionalizado, conforme os melhores e mais atuais vetores jurídicos dessa figura, a saber, as funções pedagógica e profilática. Contudo, para que qualquer teoria jurídica alce efetividade, é preciso que os tribunais a encampe, colocando-a em prática. É grande o poder de influencia econômica das decisões judiciais sobre os processos decisórios empresariais, sendo capaz, a jurisprudência, de 186 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor implementar rumos de desenvolvimento humano e social, pelo estímulo às condutas materializado em seu sistema de informação. Desta sorte, o poder judiciário é um dos principais agentes titulares do direito-dever de implementar e promover as funções pedagógica e profilática da responsabilização civil. Por via reversa, se omisso o tribunal, estimulado estará o agente à prática de atos ilícitos, como se vê reforçado o mau comportamento dos fornecedores, no fenômeno identificado como “coibição da ‘indústria do dano moral’”, que leva os magistrados a negar uma compensação por dano moral consumerista em valores mais substanciais, e portanto não imputando os danos punitivos, à pecha de não estimular o consumidor a acorrer aos tribunais, como se não os mesmos procurassem por seus direitos movidos por má-fé e não por previsão de lei, contrariando, assim, o ideário constitucional e da Política Nacional de Consumo. Contudo, os dados atualizados da Associação Brasileira de Jurimetria demonstram que tal fenomenologia não existe no Brasil. Resta, portanto, o questionamento acerca da dimensão que a efetividade do virtuoso sistema legislativo e doutrinário da responsabilização civil tem (ou não) atingido no país. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ). Segundo Seminário de Direito, Estatística e Jurimetria, realizado na capital paulista. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012jun-22/justica-ainda-primeiros-passos-elaboracao-dados-estatisticos. Acesso em: 30 jun. 2012. BATISTA, Neimar. PARODI, Ana Cecília. O ativismo judicial como meio para efetivação da função social do processo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 85, 01/02/2011 [Internet]. Disponível em:http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8985. Acesso em 30 jun. 2012. BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função, Manole, São Paulo: 2007. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 25 nov. 2011. COOTER, Robert; ULEN, Thomas. Direito e economia. ARTMED: São Paulo. 5ª edição. 2010. 187 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor FILOMENO, José Geraldo Brito. 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Rio de Janeiro: Renovar, 1997. 189 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor CONTRATO DE SEGURO DOS DANOS CAUSADOS PELO ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL ADQUIRIDO NA PLANTA E UMA NOVA POSTURA EMPRESARIAL INSURANCE CONTRACT OF DAMAGE CAUSED BY DELAY IN DELIVERY OF PROPERTY ACQUIRED IN PLANT AND A NEW ATTITUDE BUSINESS Adalberto Simão Filho * Beatriz Spineli ** RESUMO: Dedica-se a presente pesquisa ao estudo do contrato de seguro e a análise de sua aplicação como meio de amenizar o desconforto causado pelo atraso na entrega da unidade adquirida na planta. Para tanto, iniciar-se-á com o estudo do instrumento contratual, seu conceito e elementos constitutivos, objetivando verificar a possibilidade da criação de um contrato de seguro para o caso apresentado. Em seguida, verificar-se-á o contrato de seguro típico, observando, em particular, seu objeto e forma; bem como, a possibilidade de recusa da seguradora em contratar, assim como, a função social do contrato e sua utilização como instrumento de redução dos danos causados pelo atraso na entrega das chaves. Por fim, o artigo abordará a adoção de uma nova postura empresarial mais justa e social, sendo que, a formalização de um contrato de seguro pode se enquadrar nesta nova postura, que visa não apenas o lucro, mas o bem estar de todos os envolvidos em uma relação negocial ética. PALAVRAS-CHAVE: Contrato de seguro; atraso na entrega das chaves; imóvel adquirido na planta. ABSTRACT: Dedicated to present research to the study of the insurance contract and the analysis of its use as a means to alleviate the discomfort caused by the delay in delivery of the unit acquired the plant. To do so, it will start with the study of the contractual instrument, its concept and components in order to verify the possibility of creating an insurance contract for the case presented. Then there would be the typical insurance contract, noting, in particular, its object and form, as well as the possibility of the insurer refuses to hire, as well as the social function of the contract and its use as an instrument of reducing the damage caused by delay in delivery of the keys. Finally, the article will discuss the adoption of a new attitude and more just social enterprise, and the formalization of an insurance contract can fit in this new position, which is not only profit, but the welfare of all involved ethics in a business relationship. KEYWORDS: Insurance contract; delay in delivery of the keys; property acquired in the plant. * Mestre e Doutor pela Pontifica Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Pós Doutor pela Faculdade de Direito de Coimbra, Docente Titular do curso de Mestrado das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Docente Titular do curso de Mestrado da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). ** Mestre em Direito da Sociedade da Informação pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU). Empresária do ramo imobiliário. 190 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 1. INTRODUÇÃO A realidade social contemporânea traz novas questões que necessitam ser enfrentadas. Modelos de resoluções de conflitos eficazes em tempos anteriores já não se mostram mais suficientes. A lei, como fonte de obrigações de natureza geral, abstrata, inovadora e rígida, possui suas limitações diante de uma sociedade altamente mutável e de necessidades complexas. Contudo, a mesma lei apresenta um instrumento que permite a manifestação de vontade humana produzindo os efeitos desejados pelas partes, sofrendo apenas as limitações concernentes ao bom senso médio da população. Esse instrumento, o contrato, possibilita a resolução de conflitos dos mais variados, podendo ser lançado mão diretamente pelos cidadãos em qualquer tempo, alcançando as mais diversas questões, possibilitando, através de consenso das partes interessadas a melhor solução para todos. Observa-se que o mercado de crédito imobiliário no Brasil, nos últimos anos, vem ganhando espaço e crescendo de forma suportada pela estabilização macroeconômica e pela melhoria dos índices do país que geram um ambiente propício para negócios desta natureza. O aumento líquido do crédito imobiliário passou de R$ 10 bilhões ao ano na década passada, para R$ 60 bilhões nos últimos anos, segundo informes governamentais. Os contratos imobiliários para aquisição de imóveis na planta são fomentados por esses elementos facilitadores, contribuindo para o movimento da economia como um todo. Especificamente para o setor imobiliário, aquecido pela injeção de recursos de financiamento, é que o ambiente específico estudado neste artigo deve ser entendido, como forma de contribuição ainda que diminuta, da proposta que se fará. Com a assinatura do contrato de promessa de compra e venda realizado entre o compromissário comprador e o compromitente vendedor muitas vezes se MlimenPMo “sonho da cMsMprXpriM”B F onPudo, com o MPrMso nMenPrega das cOMves se frustram expectativas legítimas, como a de, em um tempo pré-estabelecido, consumar-se o sonho de moradia em uma nova residência onde se possa dispor, ou modificar, de uma maneira própria, específica, personalíssima. Quem sabe até mesmo iniciar uma nova família prestigiando o instituto do matrimônio. Assim, realizam-se projetos de casamento, formação de uma novM enPidade fMmiliMr, plMnos que PrMzem “cor” à exisPênciM OumMnMB TodaviM, tamanha é a frustração ao ver todo um sonho se prolongar por motivos, que por vezes nem se sabe o porquê, ou entende não se justificarem. 191 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Assim, surge a proposta objeto deste estudo, de garantia do seguro para indenizar e reduzir eventuais perdas dos danos ocasionados por essa frustração. Valores econômicos podem não ter o condão de diluir todos os tipos de frustrações, mas podem diminuir os prejuízos materiais advindos do atraso na entrega das chaves, com o pagamento de possíveis alugueres dentre outros dissabores. Este instrumento do contrato de seguro ora é apresentado como uma provável atenuação, quiçá solução, ao problema causado pelo atraso na entrega de imóvel adquirido na planta, trazendo bem estar aos contratantes, cumprindo assim, com sua função social. O artigo visa exatamente analisar do ponto de vista jurídico tanto a eficiência da contratação de apólice de seguro de danos gerados pelo atraso na entrega de imóvel residencial adquirido na planta, como também a necessidade, como expectativa razoável, de se adotar uma nova postura empresarial na solução destas questões, eivada de eticidade e solidarismo. 1.1. Seguro de Responsabilidade Civil: Concernente a dano causado ao adquirente do imóvel na planta, que tem frustrada expectativa legítima de entrega do bem, a termo razoável, inicialmente fixado em contrato. O contrato é instrumento pelo qual se criam direitos e obrigações, tendo por característica possuir grande volatilidade, adaptando-se às necessidades sociais, em especial, adequando-se às necessidades do mercado. Esse instituto reflete as tendências contemporâneas em todas as suas esferas, tais como: políticas, culturais e econômicas. A legislação dotou este instituto de forma a permitir ampla autonomia da vontade humana, com possibilidade inventiva na medida em que surgem novas necessidades nas relações interpessoais. Isto pode ser notado pela redação do artigo 425 do Código Civil 1, que faculta aos interessados a criação de contratos conforme a necessidade corrente2, respeitados os 1 Art. 425. É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste Código. Causa e contrato atípico. As situações contratuais oriundas de contratos atípicos, cada vez mais frequentes na realidade cotidiana de nossa sociedade, são as que mais desafiam a identificação da causa contratual, concreta, cMPegoriMl, “do MPo OumMno doPMdo de esPMPuPo onPolXgico único, singulMr e irrepePW Qel e de onde o juiz deQe partir para, através do sistema, captar uma intenção axiolXgicMe poder, correPMmenPe, julgar, MdjudicMndo o jusPo”BÉ M 2 192 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor limites de legalidade3, legitimidade4, função social do contrato5 e boa-fé entre os contratantes6. Limitações essas inerentes à civilidade humana média. A sociedade da informação trouxe uma nova realidade que necessita ser regulada por meios legais e contratuais, sendo que, as leis, como fontes de obrigações rígidas, nem sempre atendem a uma sociedade complexa e inconstante como é a sociedade contemporânea. Assim, os contratos, como fonte de obrigações, mostram-se eficazes para regulamentar relações próprias e específicas de um grupo de pessoas, como é o caso corrente, onde de um lado temse a construtora e incorporadora (fornecedor) e de outro lado os adquirentes do empreendimento na planta (consumidores). Jean-François Lyotard, em A Condição Pós-Moderna, sob o título: A Natureza do Vínculo Social: A Perspectiva Pós-Moderna, apresenta a característica pós-moderna em que os particulares passam a tomar em suas mãos a solução dos problemas contemporâneos, deixando de atribuir apenas ao Estado a função de solucionador das questões passíveis de solvência inter partes, deixando assim, que a inércia paralise as atividades de desenvolvimento econômico, conforme se pode observar em trecho de sua obra: cMusMrMzoáQel, “que dá Mura de juridicidade Mo Mcordo” (LuciMno de FMmMrgo PenPeMdo – Causa concreta, qualificação contratual, modelo jurídico e regime normativo – notas sobre uma relação de homologia a partir de julgados brasileiros – RGPriQ 20/242 e 244), precisMndo exaPMmenPe como foi “cMusMdo” o negócio e quais são, exatamente, as consequências jurídicas do acordo. JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 389. 3 Art. 104 do CC – A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei. 4 Embora nem sempre se faça distinção, no uso comum e muitas vezes até no uso técnico, entre legalidade e legitimidade, costuma-se falar em legalidade quando se trata do exercício do poder e em legitimidade quando se trata de sua qualidade legal: o poder legítimo é um poder cuja titulação se encontra alicerçada juridicamente; o poder legal é um poder que está sendo exercido de conformidade com as leis. O contrário de um poder legítimo é um poder de fato; o contrário de um poder legal é um poder arbitrário. BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política, v.2. ed. UNB, p. 674. 5 Art. 421 do CC – A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. Sobre a função social do contrato foram destacados comentários retirados do Código Civil Comentado de Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, que passa a ser transcrito: Função social do contrato. Autonomia da vontade. Jornada I STJ 23: “A função social do contrato, prevista no CC 421, não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio quando presentes interesses metaindividuais ou interesses individual relativo à dignidade da pessoa humana.” Função social do contrato. Cláusula geral. Conservação do contrato. Jornada I STJ 22: “A função social do contrato, prevista no CC 421, constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”. Função social do contrato. A função mais destacada do contrato é a econômica, isto é, de propiciar a circulação da riqueza, transferindo-a de um patrimônio para outro. Essa liberdade parcial de contratar, com objetivo de fazer circular riqueza, tem de cumprir sua função social, tão ou mais importante do que o aspecto econômico do contrato. Por isso fala-se em fins econômico-sociais do contrato como diretriz para sua existência, validade e eficácia. Como a função social é cláusula geral, o juiz poderá preencher os claros do que significa essa função social, com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais. (grifo da autora) JUNIOR, Nelson Nery; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado e Legislação Extravagante. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 378-379. 6 Art. 422 do CC – Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 193 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O “redesdobrMmenPo” econômico nM fMse MPuMl do cMpiPMlismo, MuxiliMdo pelM mutação das técnicas e das tecnologias segue em paralelo, (...), com uma mudança de função dos Estados: a partir desta síndrome forma-se uma imagem da sociedade que obriga a revisar seriamente os enfoques apresentados como alternativa. Digamos sumariamente que as funções de regulagem e, portanto, de reprodução, são e serão cada vez mais retiradas dos administradores e confiadas a autômatos. A grande questão vem a ser e será a de dispor das informações que estes deverão ter na memória a fim de que boas decisões sejam tomadas (...). A classe dirigente é e será a dos decisores. Ela já não é mais constituída pela classe política tradicional, mas por uma camada formada por dirigentes de empresas, altos funcionários, dirigentes de grandes órgãos profissionais, sindicais, políticos, confessionais7. O contrato de seguro surge como uma provável solução ao problema apresentado pela demora na entrega de imóvel na planta, fruto do crescente desenvolvimento do setor imobiliário, assim como, da defasagem administrativa-Estatal, que não vem acompanhando ao incremento predial, causando frustração à legítima expectativa do consumidor, que tem seus sonhos adiados, bem como, aponta como solução aos fornecedores que enfrentam crescente onda de insatisfação, por parte dos adquirentes das unidades autônomas do empreendimento imobiliário. Portanto, satisfazendo os elementos que constituem o contrato, tais como: o acordo de vontades praticado entre pessoas capazes e legitimadas, visando à produção de efeitos desejados pelas partes, com liberdade de estipulação do objeto de proteção da relação jurídica, observando que deverá ser determinável lícito e possível, conclui-se pela possibilidade da criação de um contrato de seguro que tenha por finalidade indenizar o consumidor no caso de atraso na entrega da obra, bem como assegurar o fornecedor quanto a possíveis prejuízos acarretados pelo atraso. 1.2. O Contrato de Seguro Contrato de seguro é o negócio jurídico bilateral8, onde as partes estabelecem o pagamento de valor na hipótese de ocorrer um sinistro 9. Trata-se de um contrato aleatório, 7 LYOTARD. Jean-François. A Condição Pós-Moderna. 12. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2009, p. 27. Bilateral são os contratos que geram obrigações para ambos os contratantes, como a compra e venda, a locação, o contrato de transporte etc. Essas obrigações são recíprocas, sendo por isso denominados sinalagmáticos, da palavra grega sinalagma, que significa reciprocidade de prestações. GONÇALVES, Carlos Roberto. Manual de Direito Civil: Contratos. v. 3. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 92. 9 Sinistro é evento causador do dano coberto pela apólice que acarreta o pagamento da indenização. SENISE LISBOA, Roberto. Manual de Direito Civil: Contratos. vol. 3. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 411. 8 194 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor pois não se sabe se o sinistro ocorrerá ou não, por isso, o prêmio 10 recebido pela seguradora é pouco expressivo em face da indenização devida ao segurado, no caso de ocorrência do sinistro, pois o evento danoso, poderá não vir a ocorrer. Pelo mesmo motivo, o valor do prêmio varia de acordo com as estatísticas, ou seja, majora-se o valor a ser pago pelo contratante, proporcionalmente ao risco assumido pela contratada. Segundo o art. 764 do Código Civil11, o valor pago pelo segurado não será passível de devolução pela não verificação do risco pelo qual se fez o seguro. Isso se dá porque a não ocorrência do risco não retira do contrato sua efetividade, mostrando-se perfeito com o acordo de vontades, tratandose de um contrato bilateral, e aleatório, podendo ou não ocorrer o dano ou o risco de dano, havendo nesse caso, apenas a obrigação de o contratante pagar o prêmio. Maria Helena Diniz define o contrato de seguro: O contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes (segurador12) se obriga para com outra (segurado13), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros, previsto no contrato (CC, art. 75714)15. Conforme se pode observar na definição do instituto, apresentado por Maria Helena Diniz, o contrato de seguro tem por objeto a assunção de um risco sendo que esse pode ou não vir a ocorrer. 10 Prêmio é a importância que o segurado paga à companhia de seguros, a título de compensação pela responsabilidade por ela assumida. SENISE LISBOA, Roberto. Manual de Direito Civil: Contratos. vol. 3. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 412. 11 Art. 764. Salvo disposição especial, o fato de se não ter verificado o risco, em previsão do qual se faz o seguro, não exime o segurado de pagar o prêmio. 12 O segurador é aquele que suporta o risco, assumido mediante o recebimento do prêmio; por isso deve ter capacidade financeira e estar seu funcionamento autorizado pelo Poder Público. A atividade do segurador é sujeita à fiscalização da SUSEP (Res. CNSP n. 229/2010) e exercida por companhias especializadas, isto é, por sociedades anônimas, mediante prévia autorização do governo federal. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 545. 13 O segurado é o que tem interesse direto na conservação da coisa ou da pessoa, fornecendo uma contribuição periódica e moderada, isto é, o prêmio, em troca do risco que o segurador assumirá de, em caso de incêndio, abalroamento, naufrágio, furto, falência, acidente, morte, perda das faculdades humanas etc., indenizá-lo pelos danos sofridos. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 545-546. 14 Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada. 15 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 545. 195 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor PMrMSenise I isNoM: “Seguro é contrato por meio do qual um sujeito (seguradora) se obriga a pagar indenização diante de prejuízos sofridos pela outra parte ou por terceiro por esta indicado (beneficiário), desde que ela efetue o pagamento de um prêmio16B” Pode se observar, pelas definições apresentadas, que o seguro tem por elementos: as partes (segurador e segurado); o objeto (risco contratado); o valor do objeto segurado e o prêmio devido, devendo adotar a forma escrita, por expressa determinação legal, sob pena de inexistência do negócio jurídico por vício de forma. 1.2.1. O que poderá ser assegurado Respeitados os limites impostos pela lei, praticamente todos os riscos são passíveis de cobertura. Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves, elucida: O contrato de seguro é unitário, embora integrado por espécies diferentes. Caracteriza-se, quaisquer que sejam os riscos segurados, pela ideia de ressarcimento dos danos, de cunho material ou moral. Hoje, praticamente todos os riscos são passíveis de cobertura, exceto os excluídos pela lei, como os dolosos ou ilícitos e os de valor superior ao da coisa17. O Código Civil18 ao definir o contrato de seguro expõe de maneira aberta o bem que pode ser objeto de proteção, através de seguro, não taxando os bens passíveis de se beneficiarem com o instituto, limitando-se à exigência da garantia de interesses legítimos do segurado. Para Carlos Roberto Gonçalves: A afirmação constante do art. 757 do novo Código Civil de que, pelo contrato de seguro o segurador se obrigMMgMrMntir “interesse legítimo do segurado”, represenPM, pois, um avanço, dando a necessária amplitude aos bens que podem ser objeto da proteção para abranger todo interesse segurável relativo a pessoa ou a coisa, sem 16 Op. cit, p. 409. GONÇALVES, Carlos Roberto. Manual de direito civil: contratos. v. 3. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 510. 18 Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. 17 196 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor discriminação. O objeto do contrato de seguro é o risco, que pode, em princípio, incidir em todo bem jurídico19. Para Caio Mario da Silva Pereira pode ser objeto de seguro, o risco (evento futuro e incerto) que pode incidir em todo bem jurídico 20. No mesmo sentido, Sílvio Venosa, define como passível de ser assegurado, qualquer interesse, desde que legítimo. Melhor concluir que esse contrato não possui como objeto exatamente um risco ou proteção da coisa, porém mais apropriadamente o que a doutrina denomina a garantia de interesse segurável. Esse interesse representa uma relação econômica ameaçada ou posta em risco, sendo essencial para a contratação. [...] qualquer conteúdo do patrimônio ou atividade humana pode ser objeto de seguro21. Logo, conforme se pode notar, qualquer interesse humano, lícito, possível de se expor a risco, pode ser assegurado pelo contrato de seguro caso o ente segurador concorde em localizar a equação econômica financeira adequada para atender aos interesses decorrentes do bem segurável. Apenas a título informativo e em consonância com a afirmação efetivada, o PROCON/SP em site onde responde a perguntas mais frequentes dos consumidores informa que: “APualmenPe, quase Pudo pode ser segurMdo, exisPindo, porPMnto, umMgamMimensMde contratos de seguros. Os mais vendidos são os destinados a cobertura de veículos, saúde, imóveis, vida e acidentes pessoais, aparelho celular e pager22B” Consistindo o contrato de seguro em uma das espécies de negócio jurídico, deve se observar o cumprimento de preceitos legais tais como: a licitude do objeto e a forma prescrita ou não defesa em lei. Tratando-se de espécie de contrato, há que se lembrar, também, que as partes possuem liberdade de contratar com a finalidade de produção dos efeitos desejados pelos contratantes observando a função social do contrato. Quanto à classificação dos seguros, pode-se dizer que os seguros privados podem ser divididos em: terrestres, marítimos e aéreos. O Código Civil de 2002 trata dos seguros 19 GONÇALVES, Carlos Roberto. Manual de direito civil: contratos. v. 3. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 508. 20 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III, 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 305. 21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil III: Contratos em Espécie. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 377. 22 Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor. O que pode ser segurado? Disponível em: <http://www.procon.sp.gov.br/texto.asp?id=508>. Acesso em: 18 ago. 2012. 197 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor terrestres, dividindo-os em duas espécies, relativas ao objeto que visam garantir: o seguro de dano e o seguro de pessoa. Por sua vez, o seguro de dano divide-se em seguro de coisa, que trata da cobertura por danos de bens imóveis, móveis e semoventes; e o seguro de responsabilidade civil, que cuida da cobertura por danos a terceiros, objeto de análise do presente trabalho. Conforme já exposto anteriormente, podem ser objeto de contrato de seguro a assunção de quaisquer riscos, desde que lícitos, pois o instrumento do contrato se apresenta como a manifestação da vontade humana que produz os efeitos desejados pelas partes que o constituem, com liberdade relativa ao seu conteúdo, devendo obedecer à forma escrita, no caso do contrato de seguro23. Logo, a responsabilidade que assumem a construtora e incorporadora na incorporação imobiliária, dentre essas, de entregar as unidades autônomas a certo prazo, poderão ser objeto de seguro atenuando os riscos assumidos pelas partes contratantes bem como, gerando lucros às seguradoras e movimentando capitais. 2. Forma do Contrato de Seguro O Código Civil em seu artigo 760 expõe que a forma do contrato de seguro é obrigatoriamente escrita. Para Roberto Senise Lisboa, o contrato de seguro tem por cMrMcPerW sPicMs ser: “conPrMto consensual, de Mdesão, bilMPerMl, de trMto sucessiQo e aleatório, pois não se pode precisMr se OMQerá ou não o pagMmenPo de indenizMção, e em que PempoB” DeQendo “oNrigMPoriMmenPe MdoPMr MformMescriPM, soN penMde inexisPênciM24”BMMriMHelena Diniz entende que os contratos de seguro devem obedecer à forma escrita. Os requisitos do contrato se seguro são: (...) 3º) Formais, pois o contrato de seguro exige instrumento escrito para ser obrigatório (CC, art. 759; RT, 511:130, 526:212, 493:73), isto é, a apólice, que deverá conter, quando for o caso, o nome do segurado e o do beneficiário, as condições gerais e as vantagens garantidas pelo segurador, bem como consignar os riscos assumidos, o valor do objeto do seguro, o prêmio devido ou pago pelo segurado; o termo inicial e final de sua validade ou vigência; o 23 Art. 758. O contrato de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta deles, por documento comprobatório do pagamento do respectivo prêmio. Art. 759. A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco. 24 SENISE LISBOA, Roberto. Manual de Direito Civil: Contratos. vol. 3. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 410. 198 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor começo e o fim dos riscos por ano, mês, dia e hora; a extensão dos riscos, pois, se os limitar ou particularizar, o segurador não responderá por outros; o limite da garantia e o prêmio devido; casos de caducidade, eliminação ou redução dos direitos do segurado ou do beneficiário; o quadro de garantia aprovado pelo Departamento Nacional de Seguros Privados e Capitalização25. Contudo, há entendimentos doutrinários em sentido diverso, sustentando que a forma escrita não é mais exigida. Neste sentido, Silvio de Salvo Venosa comenta: Embora o legislador expresse que o contrato não obriga, enquanto não reconduzido a escrito, a doutrina é homogênea em considerá-lo consensual, porque essa formalidade não é a substância do ato, tendo apenas caráter probatório. O seguro surge do acordo de vontades. O contrato conclui-se com o consentimento das partes (.BB)BA esse respeiPo, passMMMdmiPir o MPual FXdigo, no MrtB758: ‘O conPraPo de seguro prova-se com a exibição da apólice ou do bilhete do seguro, e, na falta destes, por documenPo comproNMPXrio do pagamento do respecPiQo prêmio’. A noQel disposição consagra a jurisprudência, respaldada nos usos e costumes como já vinham admitindo. O documento que comprova o pagamento do prêmio serve para evidenciar a existência de seguro26. Pode-se observar, na sociedade hodierna, que os contratos de seguro, muitas vezes, são realizados por via telefônica, onde o segurado manifesta sua aceitação às condições expostas de forma verbal pelo agente de seguros27, que ao ser atendido avisa que a ligação está sendo gravada gerando um número de protocolo que possibilita o eventual localização da gravação, enviando a apólice, geralmente, entre 15 a 30 dias após a manifestação da vontade no sentido da aceitação dos termos expostos verbalmente. MariMHelenMGiniz MfirmMque: “A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais (p. ex., bens, direitos, deveres, responsabilidades, valor do prêmio e o da indenização) do interesse a ser garantido e do risco futuro MssumidoB” F onPudo, não é o que vem ocorrendo na sociedade da informação, realidade em que o telemarketing vem tomando espaços cada vez maiores. Pode-se notar que a prova da constituição da relação jurídica se faz pelo início do pagamento do prêmio (quando estipulado em parcelas). Neste sentido o Guia de 25 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. v. 3, 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 556. 26 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em Espécie. v. III, 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 357. 27 “Os MgenPes MuPorizMdos do segurMdor presumem-se seus representantes para todos os atos relativos aos conPraPos que MgenciMrem” (CC, MrtB 775), PIS MPuMm em nome e no inPeresse da empresM securiPáriMB TMl presunção é juris tantum; provado que os agentes praticaram atos fora dos limites de suas atribuições, eles responsabilizar-se-ão perante o segurado pelos danos que lhe causaram. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. v. 3, 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 545. 199 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Orientação e Defesa do Segurado 28 fornecido pelMSUSEP expõe da seguinPe formM: “Ao formular reclamação à SUSEP, apresente documentação que comprove seu vínculo com a empresa, tais como: cópia da apólice, certificado de seguro, contracheque ou outro documento que comproQe o pagamenPo do prêmio, PW Pulo de cMpiPMlizMção, conPrMto ePcB” Em esclarecimento de dúvidas a SUSEP informa quanto ao início da vigência do seguro da seguinte forma: No caso de seguro de propostas recepcionadas pela seguradora com adiantamento para futuro pagamento de prêmio, o contrato terá início de vigência a partir da data da recepção da proposta pela seguradora. No caso de seguro em que a proposta foi recepcionada na seguradora sem pagamento de prêmio, o início de vigência da cobertura será a data de aceitação da proposta ou outra, se expressamente acordarem segurado e seguradora29. Quanto à aceitação da relação contratual a cartilha apresentada pela Autarquia informa que: “A sociedade seguradora tem o prazo de 15 dias para se pronunciar quanto à proposta de seguro apresentada pelo segurado ou seu corretor. Encerrado este prazo, não tendo havido a recusa da seguradora, o seguro passa a ser considerado aceito 30B” PorPMnto, o contrato de seguro se mostra eficaz após a manifestação de vontade do contratante e aceitação do contratado, fazendo prova através do pagamento parcial ou total do prêmio. Decisão proferida pelo STJ, no Recurso Especial número 1.176.628-RS, que teve por Relatora a Ministra Nancy Andrighi, julgado em 16/9/2010, reconheceu a condição de segurado ao contratante, que realizou contrato de seguro por via telefônica, não recebendo a devida apólice, indevidamente retida pela seguradora31. 28 SUSEP – Superintendência de Seguros Privados. Guia de Informação e Defesa do Segurado: Informe-se, proteja-se melhor. 2. ed. Rio de Janeiro: SUSEP, 2006, p. 9. 29 SUSEP – Superintendência de Seguros Privados. Guia de Informação e Defesa do Segurado: Informe-se, proteja-se melhor. 2. ed. Rio de Janeiro: SUSEP, 2006, p. 11. 30 Ibidem. 31 SEGURO. VIDA. CONTRATO POR TELEFONE. PRESCRIÇÃO. A quaestio juris restinge-se em determinar o termo inicial da interrupção da prescrição ânua conforme disposto no art. 206, § 1º, II, b, CC/2002 e Súm. n. 101-STJ. Noticiam os autos que o recorrido celebrou contrato por telefone, ao receber ligação de corretor representante da companhia recorrente durante a qual lhe fora oferecido seguro de vida com ampla cobertura para os eventos morte acidental e invalidez. Efetuou pontualmente os pagamentos relativos aos valores do prêmio mensal, os quais eram automaticamente descontados em sua contacorrente. No entanto, quando acionou a seguradora a fim de receber o valor correspondente à indenização que lhe seria devida porque foi vítima de isquemia cerebral, o que o deixou em estado de invalidez permanente, houve a recusa ao pagamento da indenização sob a alegação de que seu seguro não previa cobertura pelo sinistro de invalidez permanente por doença. O recorrente também afirma que nunca recebeu uma via da apólice ou qualquer outro documento que pudesse ratificar a relação contratual estabelecida entre as partes, de modo que não poderia prever a extensão da cobertura do seguro. Anotou-se que, após a comunicação do sinistro e do recebimento da sucinta recusa da indenização, o recorrido efetuou solicitação de apresentação de cópia do contrato firmado com o recorrente, sendo que a seguradora quedou-se inerte por vários meses. Assim, segundo a 200 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 3. Recusa da seguradora em realizar o seguro A seguradora tem o direito de recusar uma proposta de contratação de seguro, não assumindo a determinados riscos32. Neste sentido é o entendimento da SUSEP (Superintendência de Seguros Privados – Autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, responsável pelo controle e fiscalização dos mercados de seguros, previdência privada aberta e capitalização), que exige apenas das seguradoras que fundamentem o motivo da recusa, devendo, contudo, recusar a proposta no prazo de quinze dias, conforme questionário de perguntas e respostas apresentado em site do órgão33. Informa, por fim, que não há norma que estabeleça em que casos a seguradora deve aceitar ou recusar um seguro. Tal entendimento é Min. Relatora, é evidente que o recorrido não poderia comprovar sua condição de segurado sem a apresentação da apólice indevidamente retida pela recorrente, por mais que a inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do CDC, pudesse beneficiá-lo. Para a Min. Relatora, é possível afirmar que, somente após o recebimento do contrato de seguro com as cláusulas utilizadas na regulação do sinistro, recomeçou a fluir o prazo suspenso com a notificação da seguradora a respeito de sua ocorrência. Portanto, assevera que não se trata de negar vigência à Súm. n. 229-STJ, mas de interpretá-la razoavelmente com o prazo prescricional a que alude o disposto nos arts. 199, I, e 206, § 1º, II, b, ambos do CC/2002. Observa que a seguradora reteve indevidamente a apólice solicitada pelo segurado e sua procrastinação não poderia lhe trazer benefícios, levando o segurado de boa-fé à perda do seu direito de ação. Embora destaque que a jurisprudência do STJ seja pacífica no sentido de considerar suspenso o prazo prescricional em função da análise da comunicação do sinistro pela seguradora de acordo com a Súm. 229-STJ, no caso dos autos, a decisão recorrida entendeu que a solicitação administrativa da cópia da apólice pelo segurado teve o condão de interromper e não de suspender o lapso prescricional. Entende, também, a Min. Relatora que a diferença entre uma e outra posição, ou seja, interrupção ou suspensão, não é substancial para o julgamento, visto que, de qualquer ângulo pelo qual se analise a matéria, a consequência prática conduziria à manutenção do direito do recorrido, pois a contagem do prazo deve ser realizada a partir da data em que a seguradora atendeu à solicitação formulada pelo segurado de que lhe fosse remetida cópia da apólice que celebrou por telefone. Com esse entendimento, a Turma negou provimento ao recurso da seguradora. Precedentes citados: REsp 200.734-SP, DJ 10/5/1999; REsp 470.240-DF, DJ 18/8/2003, e REsp 782.901-SP, DJe 20/6/2008. REsp 1.176.628-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 16/9/2010. Disponível em: < www.stj.jus.br/docs_internet/informativos/RTF/Inf0447.rtf>. Acesso em: 08 set. 2012. 32 Art. 779 do CC – O risco do seguro compreenderá todos os prejuízos resultantes ou consequentes, como sejam os estragos ocasionados para evitar o sinistro, minorar o dano, ou salvar a coisa. 33 16) A Seguradora pode se recusar a fazer o seguro? R. Sim. Entretanto, deverá ser especificado, na proposta do seguro, o prazo para aceitação, bem como qualquer procedimento para comunicação da aceitação ou recusa da proposta, especificando os motivos da recusa e observando-se o período máximo de quinze dias, contado da data de recebimento da proposta. A seguradora poderá solicitar, porém apenas uma vez para segurado pessoa física, documentos complementares para melhor análise do risco. Neste caso, o prazo de quinze dias será suspenso, voltando a correr a partir da data em que se der a entrega da documentação solicitada. Caso a seguradora, mesmo após a vistoria, recuse-se a fazer o seguro dentro do prazo de 15 (quinze) dias, os valores pagos pelo segurado deverão ser devolvidos pela seguradora no prazo máximo de 10 (dez) dias. A seguradora poderá deduzir do valor pago pelo segurado, a parcela correspondente ao período em que houve a cobertura, ou, a seu critério, poderá devolver integralmente esse valor. Devem as condições contratuais dispor sobre esta regra. Caso a seguradora não restitua o valor no período de 10 (dez) dias, este deverá ser atualizado, de acordo com as normas vigentes, além da aplicação de juros de mora. Os principais motivos de recusa da proposta pela seguradora são: Veículos com parecer recusável na vistoria prévia; veículos com chassi remarcados; veículos com mais de 10 anos; veículos fora de fabricação; veículos com modelos especiais (ex.: carros de fibra ou modificados); veículos que apresentem irregularidade de emplacamento; não há norma que estabeleça em que casos a seguradora deve aceitar ou recusar um seguro. 201 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor compatível com o instituto contratual, que tem por elemento a vontade, que deve ser livre, visando vantagens para ambas as partes e não a assunção de uma obrigação desvantajosa a um dos polos do contrato. Neste sentido, a título de exemplo, traz-se posição da Seguradora Mapfre, por meio de Manual do Segurado, onde apresenta como objetivo do contrato de seguro de responsabilidade civil o seguinte: O presente seguro tem por objetivo reembolsar o Segurado, até o limite máximo da importância segurada, das quantias pelas quais vier a ser responsável civilmente, em sentença judicial transitada em julgado ou em acordo autorizado de modo expresso pela Seguradora, relativas a reparações por danos involuntários, pessoais e/ou materiais causados a terceiros, ocorridos durante a vigência deste contrato e que decorram de riscos cobertos nele previstos34. Contudo, é interessante notar que o referido Manual expõe os riscos os quais a empresMnão MceiPMMssumir, com o PW Pulo de “riscos excluW dos”B O presente contrato não cobre reclamações por: (...) c) responsabilidades assumidas pelo Segurado por contratos ou convenções, que não sejam decorrentes de obrigações civis legais; d) danos consequentes do inadimplemento de obrigações por força exclusiva de contratos e/ou convenções 35. Portanto, no âmbito deste artigo, a responsabilidade decorrente de atraso na entrega da obra não estaria coberta pelo seguro apresentado pela empresa de seguros Mapfre, que, entende haver risco substancial, não condizente com o exercício de sua atividade lucrativa no mercado de consumo. No mesmo sentido a empresa PAR Corretora de Seguros estabelece em sua apólice de seguro, os riscos excluídos pelo seguro no modelo padrão de contrato de 34 MAPFRE, Seguros. Seguro de Responsabilidade Civil Geral: Condições Gerais. Disponível em: <http://www.mapfre.com.br/Portal/PortalMapfre/Arquivos/Download/Upload/215.pdf>. Acesso em: 06 set. 2012. 35 Ibidem. 202 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor seguro de obras onde a sua Cláusula 4ª inciso VIII estabelece que a apólice não garante os danos, custas, ou despesas decorrentes do atraso na entrega da obra36. Porém, há diversas outras seguradoras que atuam no mercado nacional, bem como, as próprias empresas estudadas, que podem mudar sua postura a depender da diminuição dos riscos apresentados, o que é possível, desde que as construtoras e incorporadoras prevejam de forma realista, tendo em vista a burocracia existente no país, bem como as demais dificuldades impostas por nossa realidade nacional, o prazo de entrega do imóvel negociado na planta. Além da diminuição dos riscos, pode-se, também, atrair tais seguradoras com uma contrapartida mais vantajosa (prêmio), que pode ter seus custos diluídos nas despesas suportadas pelas partes interessadas, como: fornecedor e consumidor. 4. Função Social do Contrato de aquisição de imóvel na planta A Constituição Federal de 1988, em seu inciso XXIII do artigo 5º 37, dispôs que a propriedade deverá cumprir sua função social. O Código Civil de 2002, por sua vez, seguiu a mesma tendência, desta feita do ponto de vista do negócio jurídico, estabelecendo que o contrato deverá atender a sua função social. Quanto à função social da propriedade, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou em Mandado de Segurança número 1.856-2/DF – 1ª Seção, que teve por relator o Ministro Milton Luiz Pereira, no sentido do descabimento da dogmática tradicional individualista, entendendo que esta deve atender a interesses comuns 38. 36 PAR Corretora de Seguros. Riscos de Engenharia. Condições Gerais da Apólice. CLÁUSULA 4ª – RISCOS EXCLUÍDOS. Esta Apólice não garante perdas e danos e quaisquer custos ou despesas relacionadas com: VIII. lucros cessantes, lucros esperados, responsabilidade civil, penalidades, danos punitivos ou exemplares, danos morais, -, indenizações triplas -ou compensatórias, inutilização ou deterioração de matéria prima e materiais de insumo, multas, juros e outros encargos financeiros decorrentes de atraso ou interrupção da obra ou da instalação e montagem, ainda que decorrentes de risco coberto, demoras de qualquer espécie, perda de mercado e de contrato; enfim, a quaisquer eventos não representados pela reparação ou reposição das coisas seguradas, nos termos das coberturas concedidas por este contrato de seguro. Disponível em: <http://www.segurodeobras.com.br/site/?page_id=15>. Acesso em: 25 nov. 2012. 37 Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXIII - a propriedade atenderá a sua função social; 38 Função social da propriedade: STJ – “O direiPo priQMdo de propriedade, seguindo-se a dogmática tradicional (Código Civil, arts. 524 e 527), à luz da Constituição Federal (art. 5º, XXII, CF), dentro das modernas relações jurídicas, políticas, sociais e econômicas, com limitações de uso e gozo, deve ser reconhecido com sujeição a disciplina e exigência da sua função social (arts. 170, II e III, 182, 183, 185 e 186, CF). é a passagem do Estado proprietário para o Estado solidário, transportando-se do ‘monossisPemM’ pMrPMo ‘polissisPemM’ do uso do solo 203 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O Código Civil de 2002, da mesma forma afastou a concepção individualista que trazia o antigo Código de 1916, ajustando-se às novas necessidades da sociedade contemporânea, expondo em seu MrPigo 421 que: “A liberdade de conPrMPMr será exercida em rMzão e nos limiPes da função sociMl do conPrMto.” I ogo, MMutonomiMda QonPMde, cMrMcPerW sPicMinerenPe do instituto contratual, passa a sofrer também os limites exigidos para o estabelecimento de um bem estar social. Fala-se mais modernamente na função do direito dos contratos como orientador da relação obrigacional e como realizador da equitativa distribuição de deveres e direitos. É o que os comparatistas alemães Zweigert e Koetz visualizam como nova função do direito dos contratos, a realização da equidade contratual, dentro da concepção de um welfare state. Em nossa opinião, esta almejada justiça contratual encontra-se justamente na equivalência das prestações ou sacrifícios, na proteção da confiança e da boa-fe de ambas as partes. O direito desenvolve, assim, uma teoria contratual “com função social”, (...), o direito deixa o ideal positivista (e dedutivo) da ciência, reconhece a influência do social (costume, moralidade, harmonia, tradição) e passa a assumir proposições ideológicas, ao concentrar seus esforços na solução dos problemas. É um estilo de pensamento cada vez mais tópico, que se orienta para o problema, criando figuras jurídicas, conceitos e princípios mais abertos, mais funcionais, delimitados sem tanto rigor lógico, (...), pois só assumem significação em função do problema a resolver, (...). Esta parece ser a fase do direito atual, pois, superado o ceticismo quanto ao declínio do pensamento sistemático, a infalível descodificação, evoluímos para considerar a realidade positiva função do pensamento tópico e da re-etização do direito39. Assim como a propriedade deve atender a sua função social, ou seja, ser benéfica não só para seu proprietário, mas também para toda uma coletividade, sob pena de perda do bem infligida pelo Estado visando a empregar o bem de forma que esse traga benefícios metaindividuais, o contrato também deverá ser instrumento que possibilite não apenas um benefício para pessoas determinadas, mas sobretudo, a toda uma coletividade. Neste sentido, Miguel Reale ao discorrer sobre a função social do contrato dispõe que um dos motivos determinantes desse mandamento decorre da previsão Constitucional que estabelece que a propriedade atenda a sua função social40BO Mutor prossegue MfirmMndo que “MreMlizMção da função social da propriedade somente se dará se igual princípio for estendido aos contratos, cuja conclusão e exercício não interessa somente às partes contratantes, mas a toda a (arts. 5º, XXIV, 22, II, @$, VI, 30, VII, 182, §§ 3º e 4º, 184 e 185, CF). apud, Moraes, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 8ª e. São Paulo: Atlas, 2011, p. 190. 39 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 213. 40 CF. art. 5º, XXIII - a propriedade atenderá a sua função social. 204 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor coletividade. 41” Miguel ReMle segue dispondo que o conPrMto não deQe servir como NMse parM a prática de atividades lesivas e abusivas, dispondo de maneira a exceder os limites de seus direitos. O que o imperaPiQo da ‘função sociMl do conPrMPo’ esPMPui é que esPe não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte conPráriMou MPerceiros, umMQez que, nos Permos do ArPB187, ‘tMmNém comePe MPo ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos Nons cosPumes’. Não há razão alguma para se sustentar que o contrato deva atender tão somente aos interesses das partes que o estipulam, porque ele, por sua própria finalidade, exerce uma função social inerente ao poder negocial que é uma das fontes do direito, ao lado da legal, da jurisprudencial e da consuetudinária42. Ao se estabelecer um negócio jurídico através do instrumento contratual, devem-se observar os aspectos individuais das partes contratantes atendendo ao equilíbrio contratual, adotando os ajustes necessários toda a vez que fato superveniente vier a modificar a condição de equilíbrio. Fica assim clara a ideia de que os contratos imobiliários para aquisição de unidades residenciais na planta, também estão envoltos na necessidade de bem cumprirem a sua função social alem da função econômica e estes contratos devem atender aos interesses e expectativas razoáveis de toda a coletividade que diretamente se encontra ao mesmo ligada, num conceito protetivo de direitos transindividuais de quarta geração. 5. Uma nova postura empresarial apresentada como provável solução à problemática apresentada Caminhamos para uma mudança de comportamento, conforme apresentado por Adalberto Simão Filho, em estudo objeto de tese de doutorado, defendida pelo autor, onde defende o surgimenPo de umM“noQMempresMriMlidade” cMrMcPerizMdMpor umMnoQMformMde exercício da atividade empresarial, onde as empresas possam não visar apenas o lucro como única e total resposta da atividade empreendida, mas também, resultados que tragam sim 41 REALE, Miguel. Função Social do Contrato. <http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm>. Acesso em: 25 nov. 2012. 42 Ibidem. Disponível em: 205 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor lucros como forma de maximizar riquezas, mas sem atentar aos demais elementos da cadeia produtiva e às partes relacionadas à atividade empresarial, internas e externas como se observa: (...) as buscas [das empresas] não sejam tão só do lucro, mas também de resultados que podem ser econômicos ou financeiros ou de qualquer outra natureza, inclusive social. A busca destes resultados, não interfere na procura da lucratividade, pelo contrário, dependendo da forma como a questão for internalizada no seio da empresa, poderá resultar no sensível acréscimo do lucro43. Espera-se na atividade desenvolvida no seguimento imobiliário e que acaba por redundar nos contratos de compra e venda de unidades na planta, que os empresários possam buscar esta harmonia descrita e, no âmbito da eticidade e do solidarismo, bem entenderem acerca da necessidade de se manter as expectativas razoáveis destes consumidores, no âmbito da boa fé objetiva, para com relação aos prazos esperados para a conclusão do compromisso de entrega. A contratação da apólice de seguro sugerida neste estudo é apenas e tão só um dos elementos que possam se fazer presentes no cumprimento desta razoável expectativa. Por esta razão que somos da opinião de que as empresas deste setor, relacionadas ao negócio jurídico em questão, devem em demonstração de compromisso social e do nível de qualidade profissional na busca de uma nova empresariedade, tentar cumprir o necessário para evitar a frustração na entrega da unidade imobiliária. Conforme preleciona Adalberto Simão Filho, empresas inovadoras têm adotado uma nova postura empresarial, onde se busca não apenas o lucro, mas juntamente com este, um desenvolvimento conjunto entre a empresa e a sociedade como um todo. O autor observa que a adoção de uma atitude com vistas a um fim maior que não seja apenas o econômico pode acarretar em maior lucratividade, uma vez que, com a predominância da sociedade da informação onde ocorre ampla conectividade e interdependência entre consumidores e fornecedores em âmbito global, o bom nome e boas práticas com eticidade, se mostram como um importante aliado à lucratividade. 43 Tese denominada Nova Empresarialidade – Uma visão jurídica reflexa da ética na atividade empresarial no contexto da gestão e da sociedade da informação, desenvolvida para obtenção do título de doutor em Direito das Relações Sociais defendida pelo Autor na Pontífica Universidade Católica de São Paulo no ano de 2002. 206 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Essa postura, que objetiva o lucro, preponderantemente, como atividade fim, independente dos caminhos jurídicos ou empresariais, adotados para a sua obtenção, parece estar sofrendo um significativo abalo, que é proveniente não só da mutação das leis, mas também, da pressão dos movimentos sociais e, sobretudo, do ingresso da economia numa fase adiante do pregado neoliberalismo, mais próxima da pósmodernidade, onde predomina a sociedade da informação, a ampla conectividade, a convergência e interdependência entre pessoas e empresas das mais diversas localidades e regiões do mundo, reduzindo sobremaneira as distâncias e possibilitando ao empresário a abertura de novos mercados44. Nota-se que a sociedade atual, formada por um complexo sistema interligado por tecnologias, que possibilitam a divulgação quase instantânea de informações de uma extremidade a outra, vem passando por uma modificação comportamental por parte dos empresários, quem sabe, também motivados pela rapidez com que se transportam as informações, passando a exercer a atividade empresarial de maneira menos predatória, surgindo, assim, uma nova forma de exercício da atividade empresarial baseada na ética. Neste ponto é oportuno apresentar o escólio de Adalberto Simão Filho para com relação à expressão empresarialidade: Acredita-se, portanto, que a palavra empresarialidade, no contexto empregado neste estudo, possa ser atendida como a atividade empresarial em movimento constante e sucessivo, não importa se exercida pela sociedade simples ou empresária ou pelo empresário individual e o inter-relacionamento desta com os fornecedores, mercado consumidor, mercado de valores mobiliários, agentes econômicos diversificados, trabalhadores, meio ambiente, e, finalmente com relação aos próprios sócios e acionistas, gerando uma sinergia completa que culmina em vivificar a empresa e agregar valor45. Pode-se notar pela definição de empresarialidade exposta pelo autor, que se trata de uma nova postura empresarial abarcando todos os ramos da atividade empresarial. E é exatamente dentro deste ideal que se efetiva a proposta de também se voltar o negócio jurídico imobiliário para a proteção securitária. 44 SIMÃO FILHO, Adalberto. FMU Direito – Revista da Faculdade de Direito. São Paulo: Ano XVII, nº 25, 2003. p. 11. 45 SIMÃO FILHO, Adalberto. FMU Direito – Revista da Faculdade de Direito. São Paulo: Ano XVII, nº 25, 2003. p. 13. 207 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 6. O contrato de seguro como instrumento de redução dos danos causados pelo atraso na entrega do empreendimento imobiliário A sociedade contemporânea se fez acompanhar de problemas próprios, conexos ao rápido e amplo crescimento populacional, tecnológico, econômico, dentre outros. Novos problemas carecem de novas soluções. A lei com sua característica rígida e, muitas vezes punitiva, não se mostra planamente capaz de solucionar a contento todos os problemas contemporâneos. Contudo, a mesma legislação, fornece o instrumento para composição dos mais diversos e atuais assuntos: O contrato. Fonte de obrigações, com atributos que possibilitam acompanhar as rápidas modificações da sociedade, encontra-se à disposição de todos, na forma da lei, para resolução das mais diversas questões, tal qual, a apresentada no tema tratado, possibilitando a melhor e mais adequada solução, que atenda a todas as partes interessadas. Verifica-se a possibilidade de se criar contrato de seguro de responsabilidade civil: concernente a dano causado ao adquirente do imóvel na planta, que tem frustrada expectativa legítima de entrega do bem, a termo razoável, inicialmente fixado em contrato, como uma provável solução ao problema apresentado pelo atraso na entrega de bens adquiridos na planta. Objetivou-se, com esta pesquisa, sugerir solução que atenda satisfatoriamente a ambas as partes da relação de consumo. Para isso, analisou-se, primeiramente, o instituto do seguro a fim de expor sua possível aplicação à questão apontada. Tal pesquisa, apoiando-se na possibilidade da adequação dos contratos às necessidades contemporâneas, demonstra a aplicabilidade do seguro ao caso em concreto, bastando pequenos ajustes entre os contratantes, tornando a contratação mais atrativa às empresas seguradoras, através de diminuição dos riscos e majoração dos prêmios. Mostra-se, também, mais atraente às incorporadoras e construtoras esta sugestão, na medida em que passam a ter um diferencial que possibilita atrair maior número de consumidores. Assim, o seguro pode ser vantajoso para todas as partes que o compõe, apresentando-se como uma provável solução à proposição apresentada. 7. Conclusão 208 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor As práticas comerciais excessivamente abusivas ou desarmônicas de outrora, que eram aplicáveis nas atividades de mercancia em algumas situações resultando em grandes lucros aos seus adeptos, ao custo da sacrificação e de prejuízos aos consumidores, fornecedores, empregados e meio ambiente, hoje necessitam ser revistas. A sociedade pósmoderna e informacional exige uma postura que amaine os olhares curiosos e desconfiados dos consumidores e que possam suprir suas razoáveis expectativas observando-se a principiologia da cláusula geral da boa fé. Tentativas de se ocultar comportamentos egoístas e irresponsáveis já não se mostram eficazes. As previsões de futuristas como George Orwell parecem se mostrar uma realidade mormente quando parte expressiva das operações e ofertas empresariais do setor imobiliário é efetivada por intermédio do uso de tecnologia no que se convencionou denominar de e-commerce. E é neste ambiente de Sociedade da informação que as oferta do segmento imobiliário seguem feitas com a utilização de várias mídias, entre as quais se sobressaem a televisiva e a internet, gerando múltiplos interesses de consumidores que são atraídos avidamente pelas mesmas e seus conteúdos. Dentro deste escopo, não é suficiente a proteção do Código de Defesa do Consumidor no sentido de mencionar que a oferta acompanha o contrato, pois, o estudo em análise está a demonstrar que não é raro que os prazos publicados, contratados e concedidos pelas Construtoras para a entrega de unidades adquiridas na planta, se suplantem ao limite do indesejável. A solução adotada pelas leis é eficaz, porem, na nossa ótica não é eficiente, pois a expectativa razoável do consumidor de imóveis na planta – excepcionando aqueles que optam pelo sistema como forma de investimentos, era pela entrega do bem na forma e prazo determinado, para pronta utilização do imóvel. No âmbito de uma empresarialidade com traços de eticidade e solidarismo como propomos, resta ao empresariado se curvar à nova realidade e buscar alternativas que, não apenas satisfaçam as partes envolvidas nas tratativas comerciais como a toda sociedade que atentamente observa, discute e critica. Isso implica em que o ambiente negocial na Sociedade da Informação reclama comportamentos éticos e ações com resultados. 209 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O prazo de tolerância abalizado por uma cláusula imposta em um contrato de adesão, característico da sociedade pós-moderna, pauta-se em costume centenário. Tal costume vem ocasionando descontentamento social com discussões levadas ao Poder Judiciário por parte de quem espera justiça. Os contratos de seguros, na nossa ótica, se apresentam como alternativa razoável e pouco onerosa, para minorar os problemas causados pelo atraso na entrega das chaves, servindo ainda como um diferencial positivo às empresas do ramo imobiliário que os adotarem. Assim, a adesão a uma nova postura empresarial decorrente a uma macrovisão mercantil, onde se adotam atitudes socialmente relevantes, pode provocar o aumento na lucratividade da empresa podendo ocasionar a preferência dos consumidores que sentirão maior confiança na relação de consumo, observando a função social do contrato, que implica em comportamento ético de ambas as partes. A sociedade contemporânea se fez acompanhar de problemas próprios, conexos ao rápido e amplo crescimento populacional, tecnológico, econômico, dentre outros. Novos problemas carecem de novas soluções. A lei com sua característica rígida e, muitas vezes punitiva, não se mostra planamente capaz de solucionar a contento todos os problemas contemporâneos. Contudo, a mesma legislação, fornece o instrumento para composição dos mais diversos e atuais assuntos dentre os quais se enquadra a hipótese apresentada de elaboração de apólice de seguro para a garantia de cumprimento de prazo contratual de entrega de imóvel. A exemplo desta utilização, tem-se especificamente, no contrato imobiliário como fonte primária de obrigações que contem em seu bojo um conjunto de disposições e atributos que possam refletir o negócio jurídico entabulado, a possibilidade concreta de em acompanhando a rápida modificação da sociedade contemporânea, suprir as expectativas razoáveis dos consumidores, possibilitando a melhor e mais adequada solução, que atenda a todas as partes interessadas num sentido de sustentabilidade da relação jurídica empreendida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 210 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor ALMEIDA, João Batista de. A Proteção Jurídica do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. BENJAMIN. Antônio Herman. 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É necessário para a concretização deste objetivo a atuação adequada dos operadores do direito, identificando de maneira correta como constatar a onerosidade excessiva ao consumidor. Para tanto é útil a adoção de alguns critérios facilitadores desta tarefa, com atenção, no entanto, para que não seja limitada a defesa do consumidor. Palavras chave: Nova hermenêutica contratual, contrato de consumo, revisão dos contratos. ABSTRACT The new contract theory appears to recognize inequalities and finely equilibrate some contracts that are unbalanced from the start, as consumer contracts. In reality the contractual revision is way to go by the Judiciary Power in the implementation of norms and principles brought by the Consumer Protection Code, which has a mission to balance the relation between consumer and supplier. Is necessary to implement this objective the appropriate operation of law professionals identifying the correct way observe the disadvantage to the consumer. For both, it is useful the adoption of certain criteria enablers of this task, carefully, however, lest it be limited consumer protection. Keywords: New hermeneutic contractual, consumer contracts, revision of contracts. * Graduando do Curso de direito da Centro Universitário Curitiba 218 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 1 INTRODUÇÃO Ao longo das últimas décadas, a transformação da sociedade e consequentemente um movimento de quebra de paradigmas está se tornando um desafio cada vez mais evidente para os juristas brasileiros. A sociedade de consumo em massa, nascida da industrialização e divisão do trabalho propõe novas configurações sociais distintas daquelas ensejadoras dos modelos jurídicos clássicos. Percebe-se no momento atual mudanças significativas nas formas de contratação, bem como em relação a posição dos contratantes no momento da negociação. Frente às novas realidades, a Teoria Contratual deve se dobrar às novas tendências, abandonando antigas concepções, principalmente no que diz respeito à intangibilidade dos contratos. Veja-se que no novo Código Civil o contrato não é mais inflexível na mesma intensidade que era quando do Código de 1916. No entanto, é no Direito do Consumidor que se percebe a grande mudança, o Estado passou a intervir de forma muito mais ativa na formação e cumprimento do contrato, dada as especiais características deste ramo do Direito. Portanto, é necessária nova interpretação do instituto do contrato, e a compreensão de que a realidade contemporânea alterou de maneiro profunda os pressupostos de formação contratual. No entanto, em que pese os inúmeros avanços na tutela dos interesses do consumidor, ainda há muita dificuldade dos operadores do direito em abandonar antigos dogmas, como o é a intangibilidade dos contratos. Ainda, não há consenso sobre como se dá a aplicação das regras e princípios do direito do consumidor em concreto, principalmente quando se trata de relativizar a imutabilidade dos pactos. É evidente o receio de que a revisão contratual prejudique a segurança jurídica das relações comerciais, ainda que se reconheça que devem prevalecer as normas jurídicas. Dessa maneira, é relevante explorar como a revisão do contrato de consumo se consolida como ferramenta de efetiva modificação da realidade social, garantindo ao equilíbrio da ordem econômica, e a coercitividade da Lei. Dessa forma, o presente artigo tem o intuito de colaborar para o esclarecimento da revisão contratual como caminho à execução da nova ordem jurídica, voltada ao respeito ao ser humano, bem como buscar formas de facilitar ao operador do direito o reconhecimento da necessidade de revisão do contrato de consumo concretamente. 219 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 2 O CONTRATO COMO FERRAMENTA DAS RELAÇÕES ECONÔMICAS A compreensão da mudança de paradigmas do século anterior passa necessariamente por compreender os fatos sociais que culminaram na massificação da produção, do consumo e consequentemente dos contratos, além de perceber a forte vinculação do instrumento contratual com a organização econômica vigente em determinado momento do estágio de desenvolvimento da sociedade. Já informa a máxima “ubi societas ibiius” que o Direito é fruto da demanda social. Ou seja, é a partir da configuração da sociedade e de suas necessidades de organização, que o Direito molda institutos para garantir as condições de funcionamento do sistema. Assim, limitando-se ao objeto desta pesquisa, o contrato surge justamente como um dispositivo que visa efetivar a vigência do sistema social. Assim, tem-se que a partir do momento em que o homem passou do estágio de sobrevivência através da caça e coleta, e passou a cultivar o alimento, se observa a tendência de haver trocas entre as pessoas. Assim se inicia o processo econômico, que com o passar dos milênios ganha cada vez mais complexidade conforme o nível de especialização e sofisticação da sociedade. A este processo econômico se fundamenta a concepção de contrato, que nada mais é do que a representação dada pelo Direito da confiança e expectativa que há entre as duas partes contraentes. Conforme Enzo Roppo: [...]os conceitos jurídicos – entre estes, em primeiro lugar, o de contrato – refletem sempre uma realidade exterior a si próprios, uma realidade de interesses, de relações, de situações econômico-sociais, relativamente aos quais cumprem, de diversas maneiras, uma função instrumental. Dai que para conhecer verdadeiramente o conceito do qual nos ocupamos, se torne necessário tomar em atenta consideração a realidade econômico-social que lhe subjaz e da qual ele representa a tradução científico jurídica[...] (ROPPO, 2009, p. 02) O contrato revela-se uma ferramenta das relações econômicas de troca, posteriormente de vendas, e assim por diante, chegando a atual gama de contratos, que só é tão vasta devido à complexidade da economia. 220 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 3 BREVE INCURSÃO HISTÓRICA ACERCA DA MASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS É esta estreita relação entre contrato e a organização econômica da sociedade que determina o fato de serem tão distintas as formas do contrato ao longo do tempo, e que também justifica a necessidade de adaptação do Direito rumo a uma nova teoria contratual para auxiliar nas relações existentes neste momento histórico. Por isso, faz-se necessário compreender brevemente o surgimento da sociedade massificada, que deve ser o objeto da tutela do Direito contemporâneo, o que não se fará analisando o contrato desde seus tempos mais primórdios, mas sim a partir do modelo clássico até o modelo contemporâneo. O modelo de contrato liberal tem seu berço nas concepções iluministas de liberdade e igualdade (PERRY, 1999, p. 308), bem como na ascensão da burguesia europeia por volta do século XVII, destacando-se que tais concepções se justificavam, principalmente pelo forte monopólio estatal do chamado antigo regime, que instituía privilégios determinados pelo nascimento e controle absoluto das atividades econômicas. (PERROY, 1994, p. 155) Evidentemente, este sistema não atendia aos interesses dos novos ricos da época, que ansiavam por um governo que deixasse o mercado livre para a atividade econômica, anseio que se justificou nas concepções filosóficas que exaltavam a liberdade do homem. (MARTINS, 2009, p. 2) Através de uma série de pressões políticas, observando-se como o ápice dessa demanda a Revolução Francesa, paulatinamente a classe burguesa foi se tornando não apenas a elite econômica, mas também a elite política, controlando o governo e editando Leis que garantiam a plena liberdade de exercício econômico da burguesia. (HIRONAKA, 2007, p. 20) Um dos principais instrumentos para a consolidação desta nova elite econômica foi o contrato com fundamento liberal. Veja-se como se manifesta o autor Enzo Roppo: Se confrontarmos as funções assumidas pelo contrato na antiguidade ou na idade média, vale dizer, no âmbito dos sistemas econômicos arcaicos, ou de um modo geral pouco evoluídos (aqueles que poderiam considerar-se os caracterizados pelo modo de produção <<antigo>>, baseado no trabalho escravo e pelo modo de produção feudal, por sua vez, caracterizado por vínculos de natureza <<pessoa>> entre produtores e detentores da riqueza fundiária, pelo trabalho artesanal independente, por uma nítida tendência para o auto-consumo e, portanto por um baixo volume de trocas), com as funções que o contrato assume no quadro de uma 221 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor formação econômico-social caracterizada por um alto grau de desenvolvimento das forças produtivas e pela extraordinária intensificação da dinâmica das trocas (tal como é a formação econômico-social capitalista, especialmente após a revolução industrial e dos princípios do séc. XIX), contatamos profundíssimas diferenças quanto à dimensão efetiva, à incidência à própria difusão do emprego do instrumento contratual: ali relativamente reduzidas e marginais, aqui, pelo contrato, de molde a fazer do contrato um mecanismo objetivamente essencial ao funcionamento de todo o sistema econômico. (ROPPO, 2009, p. 25) Portanto, neste cenário, a fórmula contratual que melhor servia aos interesses econômicos era a que não interferisse no conteúdo do contrato, garantindo seu fiel cumprimento. Tal formulação encontra plena guarida nos princípios sustentados pelos iluministas de igualdade e liberdade como direito inatos do homem. Em apertada síntese, pode-se dizer que a conclusão da época é de que o contrato é irretocável, pois todos os homens são iguais para barganhar seu conteúdo, e igualmente livres para aceitar ou não a convalidação do pacto. E assim fora disciplinado o contrato no mais famoso Código Civil da época, inspirador de tantos outros, dentre eles o brasileiro editado em 1916: O Código Civil Francês Napoleônico, que elevava ao máximo a intangibilidade dos contratos como princípio basilar do Direito Civil. (LOTUFO, 2008. p. 28) Destaque-se que esta postura do legislador propiciou o desenvolvimento desenfreado da atividade econômica, notadamente a partir da revolução industrial, momento a partir do qual se abandonou o método de produção artesanal para dar espaço à industrialização, que posteriormente culminaria na atual massificação dos contratos. (MARTINS, 2009, p. 96) É evidente, no entanto, que a total inércia do Estado em relação aos grandes industriais burgueses passou a gerar toda a sorte de abusos por parte daqueles que detinham o poder econômico, o que gerou cada vez mais desigualdade social. É aparentemente paradoxal, a liberdade que um dia significou o rompimento com a opressão do Estado Absolutista passou a justificar a exploração de trabalhadores e a concentração de renda em grande magnitude. No entanto, não há contradição neste raciocínio, pois o que resultou nesta série de problemas sociais foi a desconsideração da igualdade material, ou seja, da desigualdade substancial que há entre os indivíduos. (LOTUFO, 2008. p. 28) Tal desigualdade que se traduz pela alta renda dos empresários em detrimento de mínima condição de trabalho dos operários, acabou por gerar uma série de tensões sociais que 222 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor inevitavelmente levaram a exigência da intervenção do Estado na esfera das decisões privadas. (CHARTELET, 2009, p. 108.) Notadamente, é o Direito do Trabalho que surge inicialmente como interferência do Estado, vez que foram as demandas dos trabalhadores e sua organização que culminou na promulgação de Leis para tutelar seus interesses e equilibrar as relações entre patrão e empregado. Claudia Lima Marques explica: Não há como negar que o agente social que definiu o início desta fase do capitalismo e suas mudanças nos séculos XIX e XX foi o trabalhador moderno, mas que hoje este agente social parece ser o consumidor, globalizado e virtual (trabalhador terceirizado e autônomo, financiado para a compra de quase todos os produtos, serviços e desejos, endividado fortemente mesmo perante os ex-serviços públicos, consumidor móvel, como seu celular, consumidor conectado 30 horas tanto na vida privada quanto no trabalho).(MARQUES, 2005, p. 26) As lutas dos trabalhadores abriram espaço para a regulamentação pública das relações até então entendidas como privadas. É neste momento histórico que as constituições surgem não só sustentando a liberdade e igualdade inerentes ao estado do ser humano, mas também para impor o respeito à dignidade da pessoa humana. Conforme Paulo Bonavides: Emerge, assim, das ideologias, dos fatos, da pressão irresistível das necessidades sociais, aquele constitucionalismo marcadamente político e social com o qual já nos familiarizamos. É de natureza instável, dúctil e flexível, ao impetrar para todas as esferas de convivência a presença normativa do Estado, como presença governante, rápida, dinâmica, solucionadora de conflitos ou exigências coletivas. (BONAVIDES, 2004, p. 40) Ao mesmo tempo que a dignidade da pessoa humana assume papel de maior relevância, o direito privado passa a ser influenciado de forma evidente pelo direito público, já que se torna função do Estado promover a justiça social com vistas ao respeito da dignidade do ser humano. (MARTINS, 2009, p. 100.) Dessa forma, o contrato moderno mencionado anteriormente, necessariamente deve passar a reconhecer a livre vontade das partes na medida de sua efetiva possibilidade barganha na estruturação do negócio. Dessa forma, a autonomia da vontade não deve ser compreendida como uma presunção absoluta. 223 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Isso porque nas relações concretas há gritante diferença neste poder de barganha, justamente em virtude da desigualdade resultante do poder econômico do grande empresário. Enfim, passa-se a reconhecer que os homens são iguais em sua essência, no sentido que todos devem ter sua dignidade e autonomia respeitada, mas que no mundo fenomênico surgem desigualdades materiais que não podem ser ignoradas pelo sistema jurídico, sob a pena de agravar cada vez mais a má distribuição da riqueza. Assim, a mudança de paradigma a que se refere este texto está justamente na passagem do contrato rígido, indiferente às mazelas sociais com as quais se vincula, para aquele que deve se dobrar a sua função social, e que quando necessário deve ser revisto e até mesmo desfeito, caso vá de encontro ao princípio da dignidade humana. 4 O VIÉS SOCIAL DO DIREITO DO CONSUMIDOR E SEUS DESAFIOS Da mesma forma que se revelou a necessidade de intervenção nos contratos de trabalho, se verifica a necessidade de controle dos contratos realizados pelos consumidores, isso porque a desigualdade nesta relação também está presente. A sociedade atual de consumo em massa passa a existir a partir da consolidação do modelo de produção capitalista, que divide o trabalho e massifica a produção. Nesta configuração, cada indivíduo se responsabiliza na produção de determinada parcela de um produto, dentro de uma cadeia de produção industrial, adquirindo tudo que lhe é necessário a sua subsistência de um fornecedor. (MARQUES, 2007, p. 23) Ou seja, inevitavelmente, em todos os momentos em que se consome algo fornecido, se está celebrando um contrato. É certo que nem sempre de maneira formal ou escrita, mas há uma expectativa em relação a qual deve ser a prestação e qual deve ser a contraprestação de cada umas das partes. Logo, percebe-se que a massificação da produção nas fábricas e a massificação do consumo das famílias para seu sustento, resulta de forma evidente na massificação dos contratos, que passam a ser formulados a todo o momento por grande parcela da população. É certo que a relação entre o consumidor e fornecedor também é desequilibrada por diversos fatores. Inicialmente, o fornecedor é profissional, ou seja, só existe em função da atividade que exerce, e por isso em todos os casos detém mais conhecimento sobre seu produto do que o 224 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor consumidor, já que conhece todas as etapas da produção do mesmo, e é justamente em virtude disso que a maior fonte de informação acerca de determinado produto, vem de seu fornecedor. A questão é que o fornecedor em posse dos meios de informar o consumidor tem toda a possibilidade de dissimular fatos que desabonem a qualidade do produto, bem como para influenciar a decisão do consumidor, que tem apenas esta fonte de informação. (BENJAMIN, 2008, p. 288.) Dessa forma se mostra flagrante a disparidade entre as partes do contrato, sem ventilar ainda as hipóteses de hipossuficiência gerada pela idade ou pela extrema pobreza ou ainda pela baixa escolaridade, por exemplo. Além disso, o consumidor tem gritante limitação não só à liberdade de barganhar o conteúdo do contrato, mas até mesmo em relação à liberdade de escolha, posto que está adstrito às opções oferecidas pelo mercado, além de muitas vezes não ter sequer opção, bom exemplo é a contratação de serviço de saneamento básico. (BELMONTE, 2002, p. 45) Não é em vão, o texto do Código de Defesa do Consumidor deixa evidente esta situação desigual ao tutelar o consumidor justamente em virtude de sua vulnerabilidade ante o fornecedor, reconhecendo-a. (DONINNI, 2001, p. 156) É o que dispõe o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor no inciso I: Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; Assim, o antigo princípio da autonomia da vontade, que pressupõe liberdade e igualdade de condições para contratar, passa a não ter a mesma aplicabilidade no Direito do Consumidor, sendo relativizado conforme exige a atual configuração econômica que limita justamente os pressupostos de validade do antigo Princípio. Nesta toada, somando-se a desigualdade inerente desta relação com a extensão dos contratos de consumo na sociedade, torna-se explícito o caráter social que deve revestir o Direito do Consumidor (DONINNI, 2001, p. 161). 225 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A determinação legal que protege o consumidor, está em certa medida protegendo um sem número de pessoas, todas aquelas que em determinado momento usufruem de um serviço ou produto, ou seja, praticamente a totalidade dos cidadãos. Justamente em virtude deste alcance significativo é que essa categoria de direitos é entendida como uma tutela de interesses difusos, que não se vinculam apenas a indivíduos ou a classes sociais, vinculam-se a um número indeterminado de pessoas e estão diluídos na coletividade. Sobre os interesses difusos ensina Ada Pellegrini: Surgem, agora, a nível de massa, e por via substancial – enquanto o direito burguês concebia, normalmente, posições adquiridas por via formal e colocava o indivíduo, isoladamente considerado, no centro do sistema – interesses difusos: ou seja, aspirações espalhadas e informais à tutela de necessidades coletivas, sinteticamente referidas à “qualidade de vida”. (...) Nessa perspectiva vê-se claramente que não é mais suficiente, como o foi outrora, fornecer ao Estado os necessários meios de defesa da perdem pública, e ao indivíduo as salvaguardas indispensáveis ao exercício de sua liberdades.(GRINOVER, 1978, p. 2) Portanto, dada a extensão do instituto contratual contexto de relações de massa, bem como seu intuito de impedir o abuso do poder econômico e da informação, percebe-se a relevância do tema, e se afirma a necessidade de intervenção. Portanto, o momento é frutífero não para questionar a validade das mudanças de paradigmas ocorridas a partir do século passado, mas sim para reconhecer a pertinência destas inovações e partir em busca de soluções efetivas para os problemas gerados pela massificação dos contratos de consumo. O Desafio do Direito do Consumidor, portanto, se refere à chamada crise de confiança, que, segundo Cláudia Lima Marques, é latente nos dias atuais justamente devido aos desmandos dos fornecedores ante a despersonalização do contrato quando de sua massificação. (MARQUES, 2005. 194) Veja-se que a aplicação de um Direito Civil clássico, pensado para uma situação típica do século XVIII à situações modernas, fragilizou o sistema. Isso porque esta aplicação anacrônica da Lei e impõe disciplina inadequada para determinadas situações, o que gera injustiça social, mais desigualdade e inevitavelmente o sentimento de desconfiança do consumidor para com o fornecedor, como se não houvesse meios de transpor o poder destes. 226 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor É este impasse que o Direito do Consumidor tem o dever de atenuar, posto que é ferramenta importantíssima do Estado para regular o conteúdo das relações econômicas e promover através disso a justiça social. Neste sentido, Claudia Lima Marques assevera: Esta nova fase do Direto privado é vista sob muitas óticas. De um direito clássico liberal passamos a um direito liberal social, um modelo misto de Direito Privado, e que justamente a proteção do consumidor representa a face social deste. (MARQUES, 2007, p. 36) Assim, é necessário encontrar um modo de conferir ao contrato a capacidade de restaurar a confiança que deve haver entre as partes do negócio jurídico. Ou seja, dar ferramentas ao consumidor para barganhar o conteúdo da avença evitando abusos, mesmo que através do Poder Judiciário. 5 A REVISÃO DO CONTRATO COMO VIA PROMOÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL O Direito do Consumidor assume, portanto, a função de atenuar a desigualdade natural na relação de consumo. Função que é exercida de forma preventiva e também repressiva. Ou seja, há uma série de políticas públicas previstas pela legislação para diminuir a desigualdade, atribuindo ônus ao fornecedor e vantagens ao consumidor. Também são preventivas as ações coletivas, por exemplo, dentre outros mecanismos. No entanto, a faceta preventiva não é suficiente para solucionar os conflitos nascidos na relação contratual, e por isso é necessária a atuação do Judiciário para corrigir tanto as práticas abusivas do fornecedor como também as cláusulas desproporcionais inseridas nos contratos. É neste contexto que a revisão do contrato de consumo surge como solução para a maior parte do desequilíbrio que existe nessa relação, e assim colabora para reestabelecer a confiança do consumidor, que está ciente de que poderá exigir o que é de direito independentemente de sua vulnerabilidade. Na concretização do direito do consumidor, a principal conquista do Código de Defesa do Consumidor é a observância do princípio da boa-fé objetiva, o que significa que o fornecedor deve agir conforme preceituam as normas de Direito, se não o fizer deste modo 227 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor responderá por seus abusos independentemente de intenção de fazê-lo. (MARQUES, 2005, p. 195) Isso se justifica pelo já mencionado profissionalismo da atividade do fornecedor. A existência é condicionada a atividade que se exerce, ou seja, o fornecedor apenas existe para prestar determinado serviço ou vender determinado produto, e por isto é pago, obtém lucro. Por causa dessas características é que o erro, intencional ou não, deve ser suportado pelo fornecedor, não pelo consumidor, conforme a construção doutrinaria que justifica a teoria do risco da atividade. Aplicando-se isto a análise do contrato, tem-se que o fornecedor tem o dever de conservar a equidade do contrato, bem como de não exigir do consumidor prestação que deve fazer parte da seara de atuação do próprio fornecedor, ou seja, obrigação ou risco inerente a atividade exercida pelo empresário. Veja-se a lição de Carlos Efing: “A revisão do contrato, e, em alguns casos, a modificação, configuram instrumento para o alcance da função social do contrato e a prevalência dos objetivos das partes contraentes subordinadas (vulneráveis) às vontades das partes economicamente mais fortes que assumem os riscos da atividade, dentre os quais o de restabelecer a comutatividade contratual e alcançar os objetivos contratados, mesmo que à custa de algum sacrifício ao qual deve estar ciente e disposto a suportar.”(CONRADO, 2005, p. 73) Dessa forma, se o fornecedor só não mantém o contrato equânime de maneira voluntária, é direito do consumidor exigir que se faça tal condição, e como o poder de barganha do consumidor é frágil, o Poder Judiciário exerce o poder estatal para condicionar o cumprimento equânime das obrigações. (MARQUES, 2005, p. 196). A revisão contratual surge então no Direito do Consumidor como ferramenta de garantia da justiça social e observância dos princípios constitucionais, principalmente do respeito à dignidade da pessoa humana e seus desdobramentos. Em oposição à disciplina do Direito eminentemente civil no qual são mais restritas as possibilidades de relativização do pacto contratual, no Direito do Consumidor a revisão contratual é a solução recorrente quando há o descumprimento da legislação, e tal frequência de deve ao fato de que o Direito do Consumidor interfere no conteúdo do contrato, e não apenas na validade dos pressupostos geradores do pacto. 228 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Sobre a oposição entre o Direto Civil e o Direito do Consumidor, Marcelo Conrado comenta: CDC um sistema preventivo e coletivo essencialmente, diferente do CC/2002, que mostra seu caráter preventivo apenas sob determinados aspectos (como por exemplo, ao estabelecer boa-fé como fator essencial à realização de negócios jurídicos). Ademais disso é incontestável o fato de tutelar o CC/2002, relações sob o aspecto individual e não coletivo. (CONRADO, 2005, p.64) Ora, seria digno de estranhamento se a Lei voltada à tutela do interesse do consumidor cerceasse a possibilidade de revisão do contrato. Como poderia subsistir no mundo jurídico pacto cujo conteúdo é flagrantemente contra o Direito? Seguramente pode-se dizer que tal caso é muito improvável quando se trata de direito do consumidor. Veja-se que os artigos que mencionam a possibilidade da revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor são vários, o que se deu justamente para evitar que eventual mensagem de veto, guiada pela pressão dos grandes empresários mutilasse parte do intuito protetivo do Código. (GRINOVER, 2007, p. 377) Em um contexto de relações contratuais fragilizadas, em que a sociedade ainda não incorporou de maneira definitiva os deveres contidos na norma de proteção ao consumidor, na maior parte dos casos é através da revisão contratual que o consumidor obtém a efetivação de seus direitos prescritos na Lei. Então, em linhas gerais admite-se revisão contratual sempre que houver cláusula abusiva ou desequilíbrio do contrato, o que significa que as hipóteses elencadas no Código são apenas exemplo do que se considera abusivo, servindo como modelo para a interpretação do Jurista. É notável, portanto, o fato de que as hipóteses trazidas pelo Código de Defesa do Consumidor quando se trata de práticas e cláusulas abusivas não são taxativas. (GRINOVER, 2007, p. 374.) Nesta toada, não há sentido buscar catalogar todas as hipotéticas cláusulas ensejadores de revisão contratual. Isso porque tais situações são vastas e fluidas, tendo em vista a liquidez do mercado e de suas práticas. Assim, cabe especial destaque à norma geral contida no Artigo 6º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe de maneira genérica acerca do Direito do consumidor em requerer a revisão do contrato quando há clausula que o torne desmedidamente oneroso, in verbis: 229 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; Veja-se que este artigo traz disciplina de duas situações distintas, uma se relacionando à pura desigualdade no conteúdo do contrato; outra diz respeito à revisão por onerosidade superveniente a pactuação. A segunda parte do referido dispositivo se relaciona com a teoria da imprevisão, que na disciplina do Código Civil é uma das justificativas para a revisão do contrato. No Código de Defesa do Consumidor, no entanto, tal disciplina surge de forma muito mais branda do que do Código Civil. Não é requisito a que o evento superveniente seja imprevisível, apenas que desequilibre o contrato. (NUNES, 2005, p. 134) Justifica-se esse abrandamento justamente pela atribuição dos riscos ao fornecedor no regime de Direito do Consumidor, como já tratado anteriormente. Isso não ocorre no Direito Civil, em que os riscos são compartilhados pelos contraentes. É provável que o intuito desta disposição do Código de defesa do Consumidor seja evitar que nesta ocasião, ocorrência de evento superveniente, fosse aplicado o Código Civil sob o pretexto de haver lacuna da Lei específica, prejudicando o consumidor em virtude de seu rigor. Já a primeira parte do inciso V, do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, positiva a possibilidade de revisão por simples desproporção no conteúdo do contrato. Novamente em franca oposição ao Código Civil tem-se a estipulação da revisão do contrato como verdadeira cláusula geral, bastando para tal apenas o entendimento de que há desproporção entre as prestações ou contra prestações, ou ainda que uma prestação exigida ao consumidor não seja devida. Assim, a aplicação coerente deste artigo passa apenas por identificar a desproporção, não havendo quais quer requisitos para além da própria onerosidade. Isso ocorre, em oposição ao raciocínio clássico do direito civil, pois o Código de Defesa do Consumidor parte do pressuposto de que o consumidor não tem plena liberdade de contratação, por isso influencia diretamente o conteúdo do contrato. 230 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 6 CRITÉRIOS PAR AUFERIÇÃO DA ONEROSIDADE EXCESSIVA AO CONSUMIDOR No âmbito do direito do consumidor basta que haja desigualdade contratual, portanto, para a determinação da necessidade de revisão contratual, deve se raciocinar acerca dos parâmetros as que auxiliam a definir o que é demasiadamente oneroso ao consumidor. Veja-se que como já dito, propositadamente, não há limites legais para a identificação de cláusula excessivamente onerosa, justamente pela intenção de não restringir a tutela ao consumidor, e sim ampliá-la. (GRINOVER, 2007, p. 374) No entanto é útil para a correta aplicação da norma compreender algumas características que podem indicar a presença de onerosidade demasiada ao consumidor, ainda que não se possa considerar a ocorrência de qualquer desses aspectos como espécie de requisito. Ou seja, a falta de um desses aspectos não inviabiliza o reconhecimento da desproporção, bem como a presença de um deles também não significa infalivelmente a ocorrência de onerosidade, no entanto são vestígios que podem ser úteis na identificação da onerosidade excessiva contida em uma clausula contratual. O primeiro aspecto a ser salientado é o da utilidade e finalidade da cláusula para a concretização dos fins do contrato. Em uma primeira análise é simples identificar que qualquer cláusula que não represente uma utilidade real ao sucesso do contrato, tendo como finalidade apenas favorecer unilateralmente um dos contratantes tem forte tendência a ser onerosa para a outra parte. No entanto, no contexto a que se aplica o Direito do Consumidor, a verificação da utilidade e finalidade das cláusulas dos contratos deve compreender uma análise mais profunda, levando em consideração a distribuição dos riscos neste tipo de relação. Reporta-se ao já elucidado sobre o profissionalismo do fornecedor, que por esse motivo deve assumir aquelas atividades que são inerentes ao exercício de sua atividade. Ora, a sociedade desenvolveu um sistema no qual as pessoas não precisam se preocupar com os pormenores da produção dos produtos que consomem, justamente por se dedicarem ao seu emprego. Nesta toada, a transferência ao consumidor de ônus ou obrigação inerente à atividade do fornecedor de produtos e serviços, indica que o contrato que distribui dessa forma as 231 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor obrigações é de fato demasiadamente oneroso ao consumidor. Não pode o fornecedor transferir ao seu cliente os custos de sua própria atividade. Dessa forma, a utilidade e finalidade da cláusula auxiliam também para identificar se há onerosidade excessiva na medida em que revela a imposição ao consumidor de obrigação correlata à produção do produto ou serviço que o fornecedor explora. Neste sentido argumenta Marcelo Conrado: Na realidade, qualquer obrigação que se mostre indevida, mesmo que não possua expressão financeira, já representa onerosidade a ponto de ensejar a revisão contratual com base na aplicação da Teoria da Onerosidade Excessiva. (CONRADO, 2005, p. 80.) Assim, as cláusulas do contrato de consumo, em primeira análise, devem ser úteis ao consumidor, e quando o são apenas para o fornecedor, ou devem ser essenciais à execução do contrato ou refletir a justa contraprestação pelo serviço ou produto consumido. Certas obrigações impostas ao consumidor não podem ser atribuídas ao fornecedor, como seria por exemplo o dever de permitir a entrada do técnico para a instalação de equipamento necessário ao serviço, por exemplo. Tal obrigação é condição sem a qual é impossível a execução da avença, além disso apenas o consumidor pode ser responsável por seu cumprimento. Por isso, não pode ser considerada onerosa em excesso. Da mesma forma, é evidente que cláusula que atribui preço ao produto é onerosa, mas não dá ensejo à revisão, pois um contrato de consumo é oneroso. No entanto, não é apenas a utilidade e finalidade da clausula contratual que é útil à identificação de abusividade. Também é preciso observar a proporcionalidade entre as prestações devidas pelo consumidor e pelo fornecedor. Retomando o exemplo acima, apesar de ser devido o pagamento pelo produto, não pode haver preço desproporcional, que não se justifique por qualquer critério como qualidade, marca, exclusividade. Ainda, em relação a obrigação de receber o técnico, também deve haver proporcionalidade no conteúdo desta obrigação. É simples perceber que, neste exemplo, quando o fornecedor não delimita a data ou horário da visita, o consumidor é extremamente prejudicado em seus afazeres habituais, em quanto o fornecedor tem flagrante vantagem ao não dever pontualidade ao cliente, facilitando sua organização interna. 232 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A hipótese aqui levantada revela a desproporcionalidade entre o ônus assumido pelo consumidor e pelo fornecedor, e por isso é passível de revisão. Dessa forma, a comparação entre as obrigações atribuídas a cada uma das partes, ainda que sejam coerentes com a distribuição de riscos adequada a relação de consumo, devem enfrentar um juízo de proporcionalidade. Concluindo-se que determinada clausula é proporcionalmente mais gravosa ao consumidor, também estará presente forte indicio de excessiva onerosidade. Frisa-se novamente que estas considerações tem o condão de auxiliar a identificação de cláusulas demasiadamente onerosas, mas a análise deve ser feita casuisticamente, preservando os interesses do consumidor nas mais diversas situações. 7 CONCLUSÃO Diante de todas as considerações realizadas, resta claro que este processo de modernização que ocorre nos últimos séculos não representa por si só uma ameaça ao equilíbrio da sociedade, se o Direito perceber esta nova realidade e adequar-se para maximizar os benefícios deste processo, coibindo eventuais abusos, o resultado será um progresso muito positivo para toda a humanidade. Neste contexto, o que se torna evidente através das observações deste estudo é que novas concepções jurídicas surgem justamente para cumprir o papel de regular as relações sociais visando a manutenção do equilíbrio e igualdade entre as pessoas, bem como o respeito à dignidade da pessoa humana. Sem dúvida um dos caminhos para alcançar estes objetivos é a interferência nos contratos formulados por partes desiguais, como são os contratos de consumo. Por isso é que dentre as normas da atual Constituição da República, há a disposição para a proteção dos direitos dos consumidores, reconhecendo a necessidade desta defesa para a manutenção da ordem econômica. Portanto, frisa-se que ao impor diversos ônus a ser suportados pelo sujeito mais poderoso, o fornecedor, não implica de forma alguma na inviabilidade da atividade empresarial. 233 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Em primeiro lugar deve-se atentar que a necessidade de crescimento econômico é relevante, no entanto, o crescimento da economia não pode ocorrer a custo do atropelo da dignidade da pessoa humana. Tal raciocínio não se justifica apenas por pura filantropia, calcado apenas na romântica ideia de sociedade justa livre de qualquer mal. A limitação ao abuso do poder econômico deve se dar também pela própria sobrevivência do sistema. Ora, para que haja a possibilidade de haver trocas econômicas, deve haver pessoas que estejam dispostas a estabelecer este vinculo, e principalmente que tenham condições materiais para tanto. Se o Direito sustentar um sistema jurídico no qual a exploração daqueles mais fracos é justificada pelos conceitos de liberdade e igualdade do Liberalismo, entendidos como nos séculos XVIII e XIX, logo se perceberá o esgotamento econômico daqueles oprimidos, gerando assim a estagnação da economia. Por isso, afirma-se a necessidade de que o Direito aja para coibir o abuso dos detentores de privilégios nas negociações contratuais, com vistas ao respeito da dignidade da pessoa humana, mas também no intuito de manter o equilíbrio e fluidez das operações econômicas de forma global. Assim, é plenamente justificada a opção do legislador por incluir no ordenamento jurídico, através do CDC, as diversas normas que protegem o consumidor atribuindo vantagens a este, ao passo que atribui desvantagens ao fornecedor. Ainda, no contexto explorado, em que os contratos de consumo são realizados de maneira corriqueira por grande parte da população, é visível o considerável poder deste instituto sobre a distribuição de riquezas. Portanto, deve-se atentar que o contrato considerado de maneira neutra pode servir de veículo para o aprofundamento das desigualdades sociais, como ocorreu durante boa parte do século XX, ao menos no Brasil. Todavia, a interpretação pelo olhar dos princípios constitucionais torna o cenário muito diferente. Ao voltar esta interpretação para a efetivação do Princípio da dignidade humana, propondo o cumprimento de sua função social, o contrato revela-se o verdadeiro porta voz do referido Princípio, a serviço da justiça social. Se evidencia, portanto, a relevância da revisão do contrato como a principal ferramenta para a efetivação das regras protetivas, posto que muitas vezes o fornecedor não cumpre as regras atinentes ao Direito do Consumidor sem que haja a coerção necessária para tal. 234 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Assim, é evidente o a validade do viés preventivo do Código de Defesa do Consumidor, no entanto, ignorar sua faceta repressiva inviabiliza o objetivo de coibir as práticas lesivas ao consumidor, além de impedir a reparação de eventuais danos. Os critérios expostos funcionam como um parâmetro para os operadores do direito no reconhecimento de situações que ensejam a revisão do contratos para a aplicação da Lei no caso concreto, garantindo portanto a equidade nestas relações. Deste modo, o Poder Judiciário deve estar atento às justificativas do sistema de proteção ao consumidor, para que possa aplica-lo de forma a fazer cumprir seu papel, conferindo um mínimo de paridade a uma relação contratual tão desigual. REFERÊNCIAS CHARTELET, Francois. História das Ideias Políticas. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. BELMONTE, Claudio. Proteção Jurídica do Consumidor: conservação e redução do negócio jurídico no Brasil e em Portugal. São Paulo: Revista dos tribunais, 2002. BENJAMIN, Antonio Herman V. B.; MARQUES, Cláudia L.; BESSA, Leonardo R., Manual de Direito do Consumidor. 2ª. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 15ª. Ed. São Paulo: Melheiros, 2004. BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF,11 de setembro de 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 26.09.2012. CONRADO, Marcelo (Org.). Repensando o Direito do Consumidor: 15 anos do CDC. Curitiba: Ordem dos Advogados do Brasil Seção do Paraná, 2005. 235 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor DONNINI, Rogério Ferraz. Revisão dos contatos no Código Civil e no Código de Defesa do consumidor. 2ª. Ed. São Paulo: Saraiva, 2001. GRINOVER, Ada Pellegrini et. Al. A tutela jurisdicional dos interesses difusos. In: Conferencia Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, 7, 1978. Curitiba. ______. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. HIRONAKA, Gisela Maria Ferandes Novaes; TARTUCE, Flavio (Coord.). Direito contratual: Temas atuais. São Paulo: Método, 2007. LOTUFO, Renan (Coord). Cadernos de direito Civil Constitucional. 1ª. Ed. Curitiba: Juruá, 2008. MARQUES, Claudia Lima (Coord.). 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Por fim, concluiu-se pela existência da relação consumerista não somente entre os frequentadores e lojistas, mas também entre frequentadores e empreendedores de shopping centers. PALAVRAS-CHAVE: Direito do Consumidor, Relação de Consumo, Shopping Center. ABSTRACT This paper aims to study the relationship established between visitors and malls - understood and studied here in its entirety, covering both its tenants and entrepreneurs in the concept. The research was performed in order to establish a possible consumption relationship between the parties. Initially were presented comments about these establishments to have a better understanding of their reality, after the concepts regarding the consumption process were clarified, applying them to the specific case under discussion. At last, the existence of a relationship, not only between visitors and shopkeepers, became apparent, but it was also observed the existence of a link between the passersby (consumers and goers) and mall entrepreneurs. KEYWORDS: Consumer Rights. Consumption Process. Mall. Sumário: 1. Introdução. 2. Apontamentos acerca dos shopping centers. 3. Da relação de consumo. 3.1 Da aplicação do conceito de consumidor aos frequentadores de shopping centers. 3.2 Da aplicação do conceito de fornecedor aos shopping centers. 3.2.1 Da relação entre empreendedor e consumidor. 3.2.2 Da relação entre lojista e consumidor. 4. Considerações finais. 5 Referências. 1. Introdução Este trabalho tem como objetivo principal o estudo das novas tendências de mercado de viés concentrador, no modelo dos Shopping Centers, no que diz respeito aos diferentes 237 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor aspectos e efeitos que produzem no âmbito dos direitos e deveres das partes envolvidas, buscando focar seus espectros mais relevantes na área das relações de consumo. As características das relações estabelecidas entre aqueles que integram o complexo que é o shopping center – empreendedores e lojistas – e os seus frequentadores configuram, pois, o objeto deste texto. Cuida-se, sobretudo, da problemática de incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC) a elas. O debate traz à baila alguns aspectos relevantes a respeito dos shopping centers – suas características marcantes, a interação existente entre empreendedores e lojistas e a inovação que representou; as características essenciais de uma relação de consumo e, por último, a discussão relativa a aplicabilidade dos conceitos de consumidor e de fornecedor (CDC, artigos 2º e 3º) aos sujeitos dessa relação. Assim, iniciando-se pelo conceito ou definição de shopping center, passa-se pelo interessante tema das inovações contratuais trazidas por este novo e concentrado local de compras, que vem ganhando cada vez mais espaço no mercado brasileiro, das relações de consumo, bem como de seu objeto consumerista, do mercado de consumo e dos sujeitos dessa relação para, em seguida, abordar o conceito de vulnerabilidade do destinatário final em face da responsabilidade do fornecedor. Mais voltado para o objeto do trabalho, cuida-se, então, do conceito de fornecedor aplicável aos shopping centers, assim também da problemática das contraprestações a cargo dele pelos benefícios e facilidades proporcionadas, como por exemplo, os estacionamentos. A conclusão foca-se, mais, a partir das novas relações entre lojistas e consumidores nestes complexos centros de compras, na tendência à efetiva aplicabilidade dos conceitos consumeristas aos sujeitos dessa relação. 2. Apontamentos Acerca dos Shopping Centers Iniciando seus estudos sobre shopping centers, Carlos Alberto Menezes Direito destaca que o desenvolvimento do comércio nas sociedades sob o regime capitalista objetiva sempre facilitar “a aquisição de bens e serviços, com os olhos postos no aumento da circulação da riqueza e, com isso, evidentemente, na expansão do volume de venda ou de prestação de serviços”1. Menezes Direito aponta que o fenômeno dos shopping centers deve ser estudado sob esse enfoque. 238 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Esses atrativos centros surgiram na década de 50 do século XX, nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial2. A ideia significou uma “verdadeira revolução tecnológica americana na área do marketing”3, se difundiu pelo mundo e foi incorporada pelos brasileiros na década seguinte, mais precisamente em 1966, com a inauguração do primeiro destes empreendimentos no país: o Shopping Iguatemi de São Paulo, ainda hoje em funcionamento4. Apesar de na década de 60 já existirem alguns deles no Brasil, apenas na década de 80 se espalharam realmente por aqui5. Tais empreendimentos ganharam e continuam ganhando espaço no mercado brasileiro pela sofisticação, praticidade e segurança que oferecem frente as outras opções – tais como as lojas de rua ou galerias. A maior associação do ramo no Brasil, a Associação Brasileira de Shopping Centers (ABRASCE), foi criada em 1976 e hoje agrega mais da metade destes empreendimentos no país6. A Associação define os seus afiliados nos seguintes termos: “É um centro comercial planejado, sob administração única e centralizada, composto de lojas destinadas à exploração de ramos diversificados de comércio, e que permaneçam, na sua maior parte, objeto de locação, ficando os locatários sujeitos a normas contratuais padronizadas que visam à conservação do equilíbrio da oferta e da funcionalidade, para assegurar, como objetivo básico, a convivência integrada e que varie o preço da locação, ao menos em parte, de acordo com o faturamento dos locatários – centro que ofereça aos usuários estacionamento permanente e tecnicamente bastante”.7 Defende Cristiano Chaves de Farias que os shopping centers são uma realidade complexa e abrangente, que buscam primordialmente a captação facilitada de clientela 8. E para que o shopping obtenha o sucesso esperado nesta captação não basta ao empreendedor escolher o local correto para sua implantação e o aspecto arquitetônico do edifício, mas que também observe a destinação dos espaços – utilizando-se de técnica denominada de tenant mix, “que consiste num agrupamento variado de diversos setores e ramos mercantis para permanente atração da clientela”.9 Essa competição benéfica proporcionada pelo empreendedor por meio do tenant mix favorece também o consumidor que por sua vez ganha tempo, porque num só lugar é capaz de encontrar uma grande diversidade de lojas e ainda conferir a variação de preços nos bens e serviços ali ofertados10. Caio Mário da Silva Pereira em estudo sobre o tema argumenta 239 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor “O shopping não é uma loja qualquer; não é um conjunto de lojas dispostas num centro comercial qualquer; não se confunde com uma loja de departamentos (store magazine), já inteiramente implantada em nossas práticas mercantis há algumas dezenas de anos. Na sua aparência externa é um edifício de grandes proporções, composto de confortáveis salões para instalação de numerosas lojas, arranjadas com gosto e até com certo luxo, distribuídas ao longo de vários andares, selecionadas em razão de ordenamento espacial que atende a estudos destinados a distribuir os ramos de atividades segundo uma preferência técnica (mix), e levando em consideração que é necessário fixar a atenção dos consumidores sobre certas marcas ou denominações de maior atração (lojas-âncora). A situação topográfica é da maior relevância, porque pretende livrar a clientela dos inconvenientes impostos pela concentração urbana em bairros de elevado índice demográfico. Levando ainda em consideração que a freguesia mais numerosa é composta por pessoas de classe média, que usam para sua locomoção o carro unipessoal ou unifamiliar, o shopping tem de oferecer amplo estacionamento para veículos. Atendendo a que, além do cliente certo que vai à procura de determinado produto, o shopping não descura a clientela potencial, oferecendo atrativos (cinema, playground, rink de patinação, centro de diversões) distribuídos com tal arte que alia o centro comercial a local de lazer”.11 Outro aspecto relevante dos shopping centers diz respeito à inovação contratual trazida por este novo local de compras. Rubens Requião, citando Roberto Langoni, observa que os empreendedores de shopping center, ao adotarem um esquema totalmente diverso do convencional de remuneração de investimentos (aqueles com base na venda de imóveis ou aluguel pura e simplesmente), estabelecendo uma relação direta entre sua rentabilidade e a rentabilidade das atividades que ali irão se desenvolver, criou uma otimização do marketing em nível nunca antes imaginado12, permitindo a exploração mais eficiente possível do mercado potencial13. João Augusto Basilio, na mesma esteira, conclui que uma das maiores inovações que esses empreendimentos trouxeram para o país foi a forma de contratar – onde o empreendedor garante sua participação em parte do que faturam as lojas ali localizadas, permitindo assim uma integração nunca antes desenvolvida no país, que deu base “à realização posterior de ganhos de produtividade”14, da qual expressiva parcela é passada aos consumidores das mais diversas formas, inclusive por meio de sorteios de prêmios, etc. Discutem largamente os doutrinadores brasileiros15 sobre qual seria a natureza dos contratos estabelecidos entre lojistas e empreendedores e das relações que se estabelecem entre os shopping centers e os seus lojistas. Para o estudo que se deseja realizar, entretanto, tal discussão se apresenta demasiadamente profunda e desnecessária, motivo pelo qual se optou pela não abordagem do 240 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor tema. Ladislau Karpat defende que o interessante a ser estudado não são as formas de constituição da figura jurídica que é o shopping center, mas sim a série de responsabilidades geradas entre àqueles o que integram e seus frequentadores 16 e é nesta linha de pensamento que este estudo prosseguirá. Os elementos agregados aos shopping tais como segurança, estacionamento fácil, a ampla gama de produtos e serviços oferecidos, além do horário de funcionamento dilatado, facilitaram e trouxeram comodidade aos consumidores. Gonzalez lembra que, enquanto consumidores, todos já passaram por situações desagradáveis ao fazer compras nas lojas de rua da cidade: cansativas caminhadas, tempo valioso perdido em busca de uma vaga, a tensão de assaltos, além do “restrito” horário de funcionamento do comércio que praticamente coincide com o horário de trabalho17. Sem dúvida, afirma Cristiano Chaves de Farias, os shopping centers transmitem um convite aberto e massificado para que o consumidor se sinta mais seguro e confortável realizando suas compras. Vende-se facilidade, conforto e segurança19. Nesse mesmo sentidoDinah Pinto ressalta que o conforto com que se brinda o frequentador permite que se transforme o ato de fazer compras num prazer20. Não descuide-se de observar, no entanto, que nenhuma dessas comodidades é ofertada por altruísmo, como mera cortesia ou despropositadamente. Tudo que é oferecido nestes centros de entretenimento é estudado e implantado com a finalidade de atrair maior clientela e, assim, auferir maiores vantagens econômicas. Levando em consideração o que fora argumentado, fácil é a constatação de que os shopping centers ganharam espaço no mercado brasileiro não apenas pela comodidade de encontrar de tudo, ou quase tudo, que se procura num mesmo lugar, mas, além disso, também é possível concluir que a preferência dada a estes estabelecimentos em detrimento dos outros se dá, primordialmente, pelas facilidades ofertadas, em especial a segurança e o lazer proporcionados nestes espaços. 3. Da Relação de Consumo Antes de adentrar a principal análise deste trabalho – qual seja, o estabelecimento (ou não) da relação de consumo entre shopping centers e frequentadores; mister que se faça um brevíssimo estudo da relação de consumo em si. 241 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Sendo fruto de expressa determinação constitucional21, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) surgiu com o intuito de regular as relações de consumo, reequilibrando as forças dos contratantes, assegurando ao consumidor e ao fornecedor direitos e deveres, com o fim de prevenção de eventuais danos e reparação dos que efetivamente ocorressem. Como bem salientam Pablo Malheiros da Cunha Frota e Marcos Catalan, o CDC não define o que seja uma relação de consumo22, e não despropositadamente, mas com o intuito de dar cobertura ao maior número de situações possível. O legislador preocupou-se, no entendimento de Roberto Senise Lisboa, tão somente em delimitar a aplicação deste microssistema jurídico ao vínculo no qual se encontram presentes os elementos da relação23. Cláudia Lima Marques defende que por força do art. 1º do CDC24, este se aplica somente aos contratos onde está presente um consumidor defronte a um fornecedor de bens ou serviços25. É certo, contudo, que a relação de consumo não se esgota apenas em seus sujeitos – fornecedor e consumidor. Seguindo os ensinamentos de Ricardo Lorenzetti e de Antonio Carlos Morato, Frota e Catalan indicam os elementos da relação de consumo, a serem considerados quando da análise de um caso concreto “(a) sujeitos (consumidores e fornecedores); (b) objeto (atividade de fornecimento de bens e/ou serviços); (c) causa (a finalidade de utilização do bem e/ou serviço como destinatário final); (d) vínculo acobertado pelo direito; (e) função (socioambiental do bem e/ou serviço fornecido e utilizado pelos citados sujeitos); (f) mercado de consumo (sem o qual não haverá incidência do CDC, mesmo havendo a presença dos outros elementos).” 26 Considerem-se, então, estes aspectos para análise que se pretende realizar. Ressaltese desde já que os sujeitos da relação serão pormenorizadamente estudados adiante. O objeto de uma relação jurídica consumerista é a atividade exercida pelo fornecedor, que consubstancia-se numa série de atos que são praticados de forma organizada para a finalidade de produzir ou circular bens ou serviços27, ou seja, é o próprio fornecimento de produtos e/ou serviços28, (CDC, art. 3º). Roberto Senise Lisboa subdivide o objeto da relação em imediato e mediato. O objeto imediato da relação jurídica seria o ato ou negócio jurídico em si; e o mediato o bem da vida – sendo ele corpóreo ou incorpóreo, móvel ou imóvel, que o sujeito de direito deseja perceber por meio da realização do negócio jurídico (objeto imediato), impulsionado pelo “sentimento próprio de necessidade ou utilidade da coisa”29. 242 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A causa, no entendimento do retrocitado autor, é a finalidade de utilização dos bens e serviços, é o objetivo, o fim, a razão30 pela qual os sujeitos de direito se vinculam em dada relação jurídica. E este vínculo jurídico, dotado de características próprias, denomina-se relação de consumo31. Os vínculos podem advir do contrato social, do contrato e extracontratualmente – distinção esta que no fim das contas, segundo Frota e Catalan, não tem relevância jurídica, pois que não são diferidos os direitos e os deveres do consumidor ou do fornecedor devido às circunstâncias em que foram gerados32. Nesse sentido, Roberto Senise Lisboa afirma ser dispensável a classificação por se aplicar a legislação em razão da existência de uma relação e não por causa da espécie de negócio jurídico firmado entre as partes33. Catalan e Frota ainda dão destaque à questão do respeito à função socioambiental da relação jurídica estabelecida, à medida que os sujeitos fomentarão “interesses individuais, sociais, econômicos e ambientais no momento em que entabulam uma relação de consumo e/ou na fase em que se ofertam os bens e os serviços no mercado consumerista.”34 E por fim, deve-se levar em consideração para a possível caracterização de uma relação consumerista o mercado de consumo: é neste ambiente que se dá a movimentação dos elementos supracitados, que resultam no consumo35. Apesar da conceituação deste ambiente não ser pacífica na doutrina e nem clara no CDC, Newton de Lucca informa de forma simples que seria ele um encadeamento de relações de fornecimento tanto de bens quanto de serviços, realizadas por diversos agentes econômicos36. Por fim, destaque-se que como salientado por Frota e Catalan, fora dele, mesmo incidindo todos os outros elementos citados, inexistirá relação de consumo. A seguir, analisam-se os sujeitos dessa relação. 3.1 Da Aplicação do Conceito de Consumidor aos Frequentadores de Shopping Centers O ponto de partida adotado neste trabalho para análise da relação jurídica é o conceito do sujeito consumidor, onde o campo de discussão é intenso, pois que guarda imensa relevância acadêmica e prática, por ser o delimitador do campo de incidência da legislação consumerista37. Considerado a parte vulnerável e/ou hipossuficiente, o consumidor constitui o pólo mais fraco da relação38, merecendo por este motivo a tutela legislativa do CDC. 243 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Cláudia Lima Marques, lembrando o que leciona Amaral Júnior, defende ser o consumidor vulnerável por não dispor dos conhecimentos necessários à elaboração dos produtos e à prestação dos serviços postos no mercado de consumo. Em razão disso, o consumidor não tem, portanto, condições de avaliar com correctibilidade o grau de perfeição dos produtos e serviços prestados39. Explica ainda a autora que em sua compreensão o consumidor padece de quatro tipos de vulnerabilidade: “a técnica, a jurídica, a fática e a informacional”40. Na vulnerabilidade técnica, ensina a autora, o comprador desconhece as especificidades do objeto que está tomando para si e, portanto, é mais facilmente ludibriado a respeito das características do bem ou serviço, ou mesmo quanto à sua serventia41. A doutrinadora ainda leciona ser ela presumida no sistema do CDC para o consumidor não profissional, mas também em alguns casos podendo atingir mesmo o profissional, destinatário final de fato do objeto da relação. Já a vulnerabilidade jurídica ou científica constitui a falta de conhecimentos “jurídicos específicos, conhecimentos de contabilidade ou de economia”42. Esta vulnerabilidade, no sistema do CDC, é presumida para o consumidor não profissional, e para o consumidor pessoa humana. A vulnerabilidade fática ou socio-econômica é aquela em que se destaca a posição do fornecedor em relação ao consumidor. A vulnerabilidade é aqui vislumbrada em razão da superioridade com que se impõe o fornecedor frente aqueles que com ele se relacionam – seja por sua posição de monopólio, tanto fático quanto jurídico, seja pelo poder econômico que detém ou pela essencialidade dos serviços que prestam.43 Por fim, define a autora que a vulnerabilidade informacional seria aquela inerente à relação consumerista, pois compreende-se que os fornecedores são os únicos detentores das verdadeiras informações dos produtos ou serviços por eles fornecidos no mercado de consumo44. Frota e Catalan destacam que o aparecimento de qualquer uma das vulnerabilidades num caso concreto, acompanhado das demais exigências, determinará que a relação entabulada é de consumo45. A hipossuficiência se relaciona com características intrínsecas do consumidor no que diz respeito a sua posição econômica e social, e diferentemente da vulnerabilidade, não é presumida. Mas quando provada gera como prerrogativa a inversão do ônus da prova46. Paulo 244 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor R. Roque A. Khouri afirma que os dois conceitos não se confundem. "Enquanto esta [hipossuficiência] é um traço marcante e individual de alguns consumidores, particularmente considerados, aquela [vulnerabilidade] é regra geral e engloba todos os consumidores indistintamente.”47 Neste sentido, citando Arruda Alvim, Paulo R. Roque A. Khouri diz ser a vulnerabilidade “um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educadores ou ignorantes, crédulos ou espertos. Já a hipossuficiência é marca pessoal, limitada a alguns – até mesmo a uma coletividade, mas nunca a todos os consumidores”48. Resume, então, a questão afirmando que a vulnerabilidade refere-se ao direito material do consumidor enquanto a hipossuficiência tem ligação com o direito processual49. Posto isso, inicia-se a análise dos conceitos de consumidor. O texto do CDC abarcou dois tipos de consumidores: (a) os consumidores strictu sensu ou consumidores padrão (art. 2º, cabeça); e (b) os agentes equiparados a consumidor “para fins de tutela protetiva”50 ou também chamados consumidores lato sensu (art. 2º, parágrafo único; art. 17 e art. 29). O caput do art. 2º do CDC informa que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. O consumidor strictu sensu é aquele que é o elo final da cadeia produtiva51, aquele que põe fim a ela. Tão amplo é este conceito jurídico de consumidor que a legislação protetora de consumo alcança qualquer pessoa, inclusive a pessoa jurídica, os entes despersonalizados e o nascituro – claro, desde que destinatários finais do produto ou serviço.52 Mas para a completa compreensão deste termo é necessário indagar: quem pode ser considerado destinatário final? A expressão inspirou muitas ideias na doutrina, daí surgindo sete teorias interpretativas: “(i) mercados; (ii) segmento econômico; (iii) insumo jurídico; (iv) fundo de comércio; (v) maximalista ou objetiva; (vi) finalista ou subjetiva; (vii) finalista aprofundada; (viii) causa final”53. Destas oito, três tiveram (e têm) maior destaque: (a) maximalista ou objetiva; (b) finalista ou subjetiva; e (c) finalista aprofundada; sendo as outras, muitas vezes, simplesmente suprimidas do debate doutrinário. A teoria maximalista, como o próprio nome sugere, define que o destinatário final é todo aquele que adquire ou utiliza bens e serviços (destinatário fático, portanto) 54, vez que 245 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor enxergam o CDC como um regramento geral de todas as interações ocorridas no mercado consumo e não somente uma norma protetiva do consumidor não profissional55. Realçam Pablo Malheiros da Cunha Frota e Marcos Catalan o aspecto de não haver qualquer preocupação para essa corrente em qualificar o destinatário final ou com a destinação dada ao bem ou serviço que se consome56. Explicam os autores que a única barreira colocada é que o valor de troca do bem ou serviço deve ser exterminado, sendo vedada a “reinserção ou reincorporação no mercado ou em outro bem e/ou serviço”57. Em sentido adverso, os que defendem a teoria finalista entendem que a expressão destinatário final deve ser restritamente interpretada, para que sejam tutelados os direitos de quem realmente necessita58, sob pena de banalizar a aplicação do CDC. Ou seja, para os adeptos desta teoria, consumidor é somente aquele que, para uso próprio ou familiar, obtém bem ou serviço sem profissionalidade, pois que a finalidade do CDC seria proteger especialmente determinado grupo de pessoas mais vulneráveis59. Para a corrente finalista, para ser considerado consumidor o sujeito deve ser, além de destinatário fático do produto ou serviço, ser também o destinatário econômico dele60. Catalan e Frota manifestam a influência dessa teoria quando apontam que a maioria da doutrina a acompanha, mas evidenciam um ponto importantíssimo de que se olvidam os finalistas: a vulnerabilidade. Coloca-se em primeiro lugar a utilização do bem ou do serviço para eventual caracterização de quem é consumidor e descarta-se a qualidade intrínseca de todos eles que é a vulnerabilidade61. Cláudia Lima Marques explica que a partir de 2003, com a entrada em vigor do novo Código Civil, a teoria finalista começou a ser aplicada de forma mais razoável e prudente pelos julgadores, em especial pelo STJ62. Sendo a primeira considerada desmedidamente ampla e a segunda extremamente restritiva, a doutrina e a jurisprudência caminharam para um abrandamento da teoria finalista, que recebeu o nome de finalista aprofundada. Essa mudança na interpretação teórica do conceito de consumidor tem por objetivo, nos dizeres de Marcos Catalan e Pablo Malheiros da Cunha Frota, assentar meios de identificação mais precisos para a distinção da vulnerabilidade e do consumidor final imediato, haja vista a necessidade de ampliação conceitual para as outras circunstâncias previstas na legislação consumerista, podendo ser indicados, entre eles “ (a) a extensão do sentido de consumidor prevista no CDC é medida excepcional; (b) é imprescindível que se caracterize a vulnerabilidade da 246 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor parte no caso concreto, para que haja a equiparação de sentido e legal, mormente nos casos de pessoa jurídica empresária de porte financeiro”63. Para teoria mencionada o principal critério de decisão a respeito da aplicabilidade ou não da legislação consumerista é a constatação da vulnerabilidade concreta, não somente abstrata.64 As teorias acima conceituadas parecem não dar ao consumidor a definição mais adequada, deixando de fora da tutela legislativa verdadeiros consumidores. Sugerem Pablo Malheiros da Cunha Frota e Marcos Catalan, então, uma nova teoria, denominada teoria conglobante. Nesta nova concepção proposta “Para ser considerada consumidora, a pessoa humana, a pessoa jurídica nacional ou estrangeira, pública ou privada, simples ou empresária, o ente despersonalizado e o nascituro devem conglobar, a partir do caso concreto: a aquisição ou a utilização de um bem e/ou serviço sem profissionalidade, mesmo que seja na atividade em que atuam, sem repassar o custo – diretamente – para o preço de sua atividade profissional (ou não) e sem utilizá-los para continuar o ciclo produtivo, mas sim de modo definitivo e colocando fim na cadeia econômica”. A característica essencial desta teoria é o olhar sobre a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor, não fazendo distinção entre pessoa humana ou jurídica, ou se a pessoa jurídica tem (ou não) aporte econômico vultuoso, ou mesmo se as partes são profissionais da mesma área. Para a concretização dessa conceituação os únicos obstáculos opostos são (a) impossibilidade do bem ou do serviço ser incorporado ao processo produtivo da atividade exercida pelo consumidor, (b) o descumprimento da função socioambiental e (c) a ausência de vulnerabilidade entre as partes65. O que interessa à teoria conglobante é a aferição no caso concreto de algum tipo de vulnerabilidade “abstrata ou concreta” por parte do sujeito que consome, considerando-se todos os já citados elementos da relação de consumo bem como os princípios e os valores que regem a relação de consumo. Apesar de muitas vezes o resultado final da análise do caso ser o mesmo que o da teoria maximalista, fundamentam-se as teorias em premissas completamente distintas. É evidente que in casu pretende-se estudar a relação que mais comumente ocorre nos shopping centers: pessoas humanas, jurídicas ou coletivas buscando bens e serviços, além de lazer e alimentação que lhe são proporcionados por meio daqueles. É tranquila, portanto, a caracterização dessas pessoas como consumidoras quando adquirem e usam bens e serviços postos no mercado de consumo. Primeiramente porque 247 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor cumprem requisito primordial para configuração de uma relação de consumo – o de haver fornecedor frente a consumidor; depois porque os outros elementos também estão presentes – tais como o objeto da relação, o vínculo, o mercado... facilmente perceptíveis. Como já explicitado, o conceito de consumidor não se encerra no caput do retrocitado artigo. Tratou ainda o CDC dos chamados “consumidores lato sensu” – que são pessoas que não participam diretamente da relação de consumo, mas que de certa forma nela interferem. São três as figuras de consumidor por equiparação, a seguir aprofundadas. O art. 2º, parágrafo único do CDC informa que “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.66 Tratou o Código, então, no entendimento de Zelmo Denari, não somente daqueles que são típicos consumidores finais e adquiriram produtos ou serviços, mas também daqueles que potencialmente poderiam vir a adquiri-los67. Citando o professor Waldírio Bulgarelli, Zelmo Denari afirma que o consumidor aqui pode ser considerado “aquele que se encontra numa situação de usar ou consumir, estabelecendo-se, por isso, uma relação atual ou potencial, fática sem dúvida, porém a que se deve dar uma valoração jurídica, a fim de protegê-lo, quer evitando, quer reparando os danos sofridos”68. Vislumbra-se claramente, de acordo com este dispositivo e a argumentação dos autores, que as pessoas que transitam pelos shopping centers podem ser consideradas consumidoras pela simples potencialidade de aquisição de produtos ou utilização dos serviços ali disponibilizados. Em seguida, o art. 17 do diploma citado complementa a figura dos antes chamados “terceiros”, agora bystanders, na Seção II69 do Capítulo IV, ao definir que “Para efeitos dessa Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”. O dispositivo estabelece a responsabilidade do fornecedor de reparar os danos materiais e extramateriais sofridos pelos consumidores nos chamados “acidentes de consumo” – que ocorrem quando produtos e serviços não oferecem a segurança que deles legitimamente se espera. Sustenta Leonardo Roscoe Bessa que no art. 17 do CDC a lei não se ocupa com “a identificação do elemento subjetivo da relação jurídica”, mas sim com o “alto caráter ofensivo 248 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor e danoso da atividade (risco)”71. E, nesse sentido, entende o autor que, pelos termos do art. 17 do CDC, mesmo que alguém não tenha qualquer relação contratual anterior com determinado fornecedor, poderá invocar, a seu favor, as normas da citada seção72. No mesmo diapasão, Sérgio Cavalieri Filho explica que o embasamento da responsabilidade “deixa de ser a relação contratual para se materializar em função da existência de um outro tipo de vínculo: o produto defeituoso lançado no mercado e que, numa relação de consumo, contratual ou não, dá causa a um acidente[...]”73. Anote-se a observação feita por Paulo R. Roque A. Khouri “Ao equiparar toda e qualquer vítima do acidente de consumo a consumidor, fez avançar consideravelmente o ordenamento jurídico brasileiro, criando uma outra espécie de relação obrigacional, que não nasce do contrato nem do ato ilícito, mas pelo simples fato de um produto ou serviço, ainda que sem culpa do fabricante, ou seja, por um ato lícito, causar danos a terceiros não consumidores stricto sensu”.74 Cláudia Lima Marques ainda reforça o entendimento elucidando que “basta ser vítima de um produto ou serviço para ser privilegiado com a posição de consumidor legalmente protegido pelas normas sobre responsabilidade objetiva” 75 pelo fato do produto ou do serviço. Posto isso, é de se concluir que com este artigo o Código de Defesa do Consumidor expandiu a sua abrangência àqueles não participam diretamente ou ativamente da relação negocial, possibilitando àqueles consumidores não contratantes prejudicados por defeitos nos bens ou serviços demandarem o fornecedor diretamente, independentemente de qualquer conduta culposa por parte deste.76 A título de exemplo, relembra-se o famoso caso da explosão no Osasco Plaza Shopping77. Na ocasião, houve um vazamento de gás por falta de manutenção das tubulações que abasteciam a praça de alimentação do shopping e estima-se que cerca de 350 (trezentos e cinquenta) pessoas tenham sido vítimas deste evento, sendo mais de 40 (quarenta) delas fatais. Todos aqueles que estavam transitando pelo shopping foram equiparados e considerados consumidores para os efeitos da lei, permitindo, dessa forma, que o shopping fosse demandado em juízo com o fim de compensar os danos, tanto extra quanto materiais, sofridos pelas vítimas e seus familiares.78 249 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Há ainda a figura do art. 29 do CDC, definido por Cláudia Lima Marques como “a mais importante norma extensiva do campo de aplicação da nova lei” 79. Diz o art. 29 “Para os fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Essa norma permite que todas as pessoas, determináveis (ou não), expostas a práticas abusivas dos fornecedores sejam protegidas pelo CDC. Sobre o tema, citando Maria Antonieta Zanardo Donato, Cláudia Lima Marques ensina "O art. 29, como já mencionado, possui uma abrangência subjetiva bem mais extensa e ampla, bastando, para nessa categoria subsumir-se, a simples exposição do consumidor àquelas práticas. Prescinde-se, pois, da efetiva participação da pessoa na relação de consumo (art. 2.º) ou de ter sido atingida pelo evento danoso (art. 17). Mostra-se suficiente estar exposto a essas práticas para receber-se a tutela outorgada."80 De acordo com esse entendimento, a Ministra do Superior Tribunal de Justica, Nancy Andrighi, “Nesse contexto, deve, também, ser enfocada a responsabilidade civil derivada de falha na publicidade veiculada. Se a publicidade sobre os níveis de segurança existentes, como veiculada pelos hipermercados e shoppings centers, funciona como fator de captação de clientela, constituindo fonte de lucro indireto, cumpre ao fornecedor, então, prover a 'segurança' adequada, como 'promete' na publicidade que veicula. Ocorrida a falha na segurança do hipermercado, com o conseqüente dano para o consumidor ou sua família, a responsabilização do fornecedor se impõe, não obstante amiúde em muitos julgados se afaste o dever de indenização fundado nas hipóteses em que a mercancia não tenha qualquer relação, isto é, conexão com o fornecimento de serviços de guarda e segurança”. Compreende-se, portanto, que os frequentadores de shopping center, quando atingidos pelas práticas que o art. 29 condena, são considerados consumidores para fins de tutela legal. Cláudia Lima Marques conclui que o resultado dessa expansão do conceito de consumidor pelo CDC resultou na superação da figura do terceiro 81. E ainda a respeito do conceito de consumidor estabelecido na legislação consumerista, resume [No campo contratual] “... O CDC utiliza-se de uma técnica multiplicadora do seu campo de aplicação, qual seja a de dividir os indivíduos entre consumidores (art. 2º, caput) e pessoas equiparadas a consumidor (parágrafo único do art. 2º). No campo extracontratual, o CDC considera suas normas aplicáveis a ‘todas as vítimas do evento danoso’ causado por um produto ou serviço, segundo dispõe o seu art. 17. As vítimas não são, ou não necessitam ser consumidores strictu sensu, mas a elas é aplicada a tutela especial do CDC por determinação legal do art. 17, que as equipara a consumidores.”82 250 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Por toda a exposição de motivos realizada aqui se conclui que, para o CDC, consumidor não é somente aquele que de fato adquire produtos e serviços – como aquele sujeito que vai ao shopping center e adquire determinado produto ou utiliza de determinado serviço ofertado – como, por exemplo, o serviço de segurança. Mas, por expressa disposição legal, são equiparados a ele, recebendo toda a tutela da legislação consumerista, aqueles que potencialmente podem agir como consumidores – como, por exemplo, os mesmos frequentadores de shopping center; aqueles efetivamente atingidos pelo evento danoso decorrente do fornecimento do produto ou da prestação de serviços – por exemplo no caso defeito na escada rolante que provoca a queda de uma criança, ou mesmo um tiroteio que aconteça dentro do estabelecimento; além dos que foram expostos a praticas comerciais abusivas – perfeitamente cabível também ao caso, a medida que qualquer pessoa pode ser atingida por publicidade enganosa ou abusiva nestes centros de entretenimento. 3.2 Da Aplicação do Conceito de Fornecedor aos Shopping Centers Parte-se agora à análise do outro pólo da relação consumerista. O fornecedor será aqui análisado com enfoque nas relações que se pretende estudar: primeiramente a relação entre empreendedor e frequentador consumidor será elucidada, em segundo momento a relação entre lojista e frequentador consumidor será esmiuçada. 3.2.1 Da relação entre empreendedor e consumidor Seguindo o entendimento de João Augusto Basilio83, para se firmar a pretendida relação de consumo entre o shopping center e os seus frequentadores, “a primeira indagação que se deve fazer é se o empreendedor pode ser considerado um fornecedor de serviço”. O art. 3º do Código de Defesa do Consumidor traz a definição de fornecedor, “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.84 Agostinho Oli Koppe Pereira afirma que quando o CDC elencou as atividades possíveis para o fornecedor o fez apenas a título de exemplo, certo que a intenção da lei consumerista é estender o máximo possível os casos de incidência da imputação de responsabilidade pelos danos possivelmente causados85. 251 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Fornecedor, para Paulo R. Roque A. Khouri, é aquele que oferece ao mercado com habitualidade bens e serviços visando ao lucro, participando da cadeia produtiva ou praticando alguns atos dentro dela, seja produzindo diretamente, distribuindo ou simplesmente intermediando o fornecimento de bens e serviços86. Rizzatto Nunes, em entendimento elucidado por Pablo Malheiros da Cunha Frota e por Marcos Catalan, informa que não interessa a habitualidade típica ou eventual da atividade para configuração como de fornecimento de bens ou serviços, mas que seja caracterizada como atividade empresária87. Destacam também Frota e Catalan a doutrina de Newton de Lucca, onde este afirma existirem duas categorias de fornecedor – o fornecedor imediato e o mediato. De acordo com o entendimento dos autores, o fornecedor imediato é aquele com quem o consumidor tem contato direto (ou seja, é o que comercializa o produto ou serviço, mesmo que por meio de seus prepostos, mandatários ou empregados). E o mediato é aquele que integra o ciclo de produção do objeto da relação jurídica, mas que não celebrou efetivamente o contrato com o consumidor88. Ainda sobre o entendimento de Newton de Lucca, ressaltam os supracitados autores que não instiga a formação de relação de consumo a atividade episódica praticada por determinada pessoa89 e que a atividade empresarial e profissional habitualmente exercida é configurada como fornecimento no mercado consumerista. Quando, no entanto, o agente não for profissional, será um fornecedor por equiparação.90 Mas para a completa compreensão do termo fornecedor, faz-se necessário questionar: o que pode ser considerado serviço? Vejamos o parágrafo 2º do já citado artigo: “§2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” Roberto Senise Lisboa91 afirma que o legislador ao elaborar o Código de Defesa do Consumidor procurou relacionar a idéia de ‘produto’ à ‘bem’, e de ‘serviço’ à ‘atividade’. José Geraldo Brito Filomeno, citando Philip Kotler, esclarece dizendo que serviços podem ser considerados “atividades, benefícios e satisfações que são oferecidos à venda”92. Destaque-se, no entanto, que muitas vezes a atividade prepondera sobre os outros elementos da relação de consumo! Este é o entendimento de Pablo Malheiros da Cunha Frota e Marcos Catalan para as seguintes situações, litteris 252 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor “(a) nos casos de pessoas atingidas por uma atividade desenvolvida no mercado de consumo e que possuem a tutela protetiva da relação consumerista (CDC, arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29); (b) nas hipóteses de atividades abarcadas pelo CDC (bancos de dados, e cadastros de consumo, publicidade, cobrança de dívidas, mútuo feneratício etc.); (c) nos casos de fornecedores por equiparação”.93 Acerca da contraprestação a ser paga pelo consumidor, Basílio afirma que em conformidade com a interpretação que vem sendo dada pela doutrina a respeito da exigência remuneratória imposta pela lei, tem se compreendido poder ser ela tanto direta quanto indireta, sem que se anule o caráter da relação de consumo a carência de contraprestação imediata paga por quem consome – sendo suficiente que o prestador de serviço seja de alguma forma remunerado, ainda que indiretamente.94 Sobre o tema, trazendo a discussão para os shopping centers, discorre Paulo R. Roque A. Khouri afirmando ser típica situação de contraprestação indireta a do estacionamento de shopping centers e supermercados, que aparentemente são fornecidos de forma graciosa. É de se notar, no entanto, que a atividade de fornecimento de estacionamento é de importância fundamental para sua atividade-fim, pois que é importante atrativo de clientela a facilidade e segurança ao estacionar. Informa o autor que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu pela existência da relação de consumo apesar da aparente gratuidade devendo o fornecedor compensar os danos a que venham a ser submetidos os veículos dos consumidores95. No mesmo sentido, Yussef Said Cahali defende que oferecimento de espaço reservado para estacionamento de veículos, a que se propõe o shopping center não pode ser entendido de forma alguma como ‘mera cortesia’, sendo esta, sim, uma prestação de serviço atrelada à sua atividade, visando a captação de clientela – dado que a comodidade é oferecida como importantíssimo atrativo, “com natural repasse dos encargos de sua manutenção nos custos operacionais ou nos preços de seus produtos”96. Esse argumento, segundo o autor, mais se fortalece quando relembra-se que, como mencionado no início da pesquisa, o serviço ofertado é parte integrante do conceito do empreendimento97. A respeito ainda da remuneração indireta recebida pelos shopping centers, poder-seia ir além. Situação típica que ocorre nestes estabelecimentos é a daqueles que o adentram à procura de entretenimento, sendo um dos serviços mais procurados o do Cinema. A respeito da relação estabelecida entre frequentadores, Cinema e shopping center, pode-se dizer que sendo o Shopping Center remunerado pelo Cinema através do que este paga sobre seu 253 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor faturamento àquele, recebe o shopping indiretamente uma remuneração por parte do consumidor, tornando-se parte da cadeia de fornecimento do serviço, configurando-se a relação de consumo, então, não somente entre frequentadores e Cinema, mas também entre frequentadores e empreendedores. Mas não apenas por isso. Em havendo caracterização de prestação de serviços dos shopping centers pelo oferecimento de estacionamento – como sustentada pelos autores citados e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em seus diversos julgados a respeito do tema 98, inclusive havendo enunciado de súmula consolidando o entendimento99; é plausível concluir que haja também responsabilidade pela prestação do serviço de segurança – primordialmente por ser este um de seus chamarizes mais atrativos100. Segurança esta que dele legitimamente se espera, dado que é um dever do fornecedor de serviços, consoante o que se infere do disposto no CDC101, zelar pela incolumidade psicofísica de seus consumidores, preservando-lhes a saúde e a segurança. Corroborando com essa argumentação, observe-se este trecho do voto do Relator Pedro Baccarat, à época Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento da Apelação de n. 0091332-49.2003.8.26.0000, da Comarca de Osasco, que julgou demanda proposta por uma das vítimas da explosão ocorrida no Osaco Plaza Shopping: “A Apelante sustenta, em síntese, que não presta serviços aos usuários do ‘Shopping Center’, mas aos lojistas que são seus locatários, sugerindo que sua atividade está limitada a locação de lojas. As administradoras de centros de compras são efetivamente locadoras dos espaços destinados à instalação das lojas, mas as relações existentes que decorrem da exploração dos shopping centers são mais complexas e vão muito além da singela locação de um imóvel. Aos administradores cumpre, agindo em parceria com os clubes de lojistas, implementar estratégias comerciais dirigidas a atrair o maior número de consumidores possível, de sorte a aumentar o faturamento das lojas e, por conseguinte, o seu próprio ganho, porque a este faturamento estão atrelados os aluguéis. Esta atuação envolve toda a organização do espaço de compras oferecido aos consumidores, assim, compreendidos os serviços de segurança, a limpeza das áreas de uso comum, merecendo destaque no caso, o dever de manter adequadamente a edificação e seus equipamentos, de sorte que não venham a causar danos aos freqüentadores. Há, portanto, atividade de fornecimento de serviços aos consumidores pelas administradoras dos centros de compras. E estão compreendidos na categoria de consumidores todos os que, em razão de qualquer atividade exercida regularmente no centro de compras, fazem uso de suas instalações cuja manutenção e segurança configuram, como anotado, efetiva prestação do serviço. A relação de consumo bem reconhecida pela sentença de primeiro grau é suficiente para fixar a responsabilidade independentemente da existência de culpa, consoante expressamente dispõe o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor.” 254 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Em posterior reanálise do caso103, o Ministro Menezes Direito observou em seu votovista que sem qualquer margem para dúvidas, o shopping center constitui uma unidade de serviços, isto é, uma entidade, uma pessoa jurídica fornecedora de serviços ao público frequentador104. Nessa esteira, argui o Ministro que o serviço que presta o shopping center está consubstanciado nas opções de compras e lazer ofertadas aqueles que o frequentam, que, nesse sentido, assumem o caráter de consumidores dos tais serviços105. Mas as relações que se estabelecem entre essas partes não são as únicas possíveis, conforme evidencia Menezes Direito, pois que aquele consumidor-frequentador, além daquela firma mais outra com as lojas e serviços que são prestados no seu interior106. Firmando neste sentido o seu entendimento, conclui o ministro “Há, portanto, na minha compreensão, uma relação de consumo, na modalidade de serviço, entre o freqüentador do shopping e a entidade jurídica respectiva e uma relação de consumo entre esse mesmo freqüentador e as entidades jurídicas que se encontram reunidas naquele espaço determinado. Não há como aceitar que exista, apenas, relação jurídica entre o shopping center e as empresas instaladas dentro dele. Negar a relação jurídica do shopping center, como unidade de serviços, e os freqüentadores é negar a realidade”107 Por toda a argumentação apresentada entende-se que o empreendedor de shopping center pode, sim, ser considerado fornecedor de serviços em diversas situações (pelo estacionamento ofertado, a oferta de alternativas de compra, de lazer, de segurança, entre outras) e responsabilizado pelos acidentes de consumo ocorridos no interior de seus empreendimentos. 3.2.2 Da relação entre lojista e consumidor Um típico caso de relação estabelecida entre shopping centers e frequentadores é a daqueles que adquirem ingressos para assistir a filmes e o Cinema que presta este serviço. De acordo com o que foi exposto, enquadram-se no conceito de fornecedor ou prestador de serviços aqueles que habitual e profissionalmente oferecem ao mercado “atividades, benefícios e satisfações”109 visando ao lucro. Fazendo uma análise da atividade de um Cinema observa-se que ele coloca à disposição da população, com habitualidade, com profissionalidade, mediante remuneração, no mercado de consumo, o serviço de projeção de filmes para entretenimento do público em geral. 255 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Desta brevíssima análise é possível se depreender que o Cinema claramente preenche os requisitos postos no conceito de fornecedor de serviços, caracterizando-se como tal. Lembrando que Cláudia Lima Marques110 ensina que o Código de Defesa do Consumidor impõe, pelo seu art. 1º, que só haverá uma relação de consumo quando presentes um fornecedor frente a um consumidor, analisa-se agora o outro pólo da relação. Consumidor, de acordo com o já citado art. 2º do CDC, é todo aquele que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Ora, aquele que adquire ingresso para assistir a determinado filme em sala disponibilizada pelo Cinema é um consumidor, dado que adquire o ingresso com a finalidade específica de utilizar-se do serviço prestado no mercado de consumo, estabelecendo-se, claramente, uma vinculação jurídica entre eles. É translucida, portanto, a relação de consumo existente entre o lojista (no caso, o Cinema) e o adquirente de produto ou serviço por ele oferecido. 4. Considerações Finais Inicialmente este estudo elucidou algumas das características básicas dos shopping centers – enfatizando que estes nasceram com o intuito de facilitar a aquisição de bens e serviços, significando verdadeira revolução na área do marketing e também da remuneração de investimentos, além de se destacar que tudo que está ali presente tem a intenção de atrair maior clientela e assim aumentar sua lucratividade. Em seguida foram expostos os elementos de uma relação de consumo, examinou-se à minúcia os sujeitos desta, com o intuito de verificar se cabível a aplicação deles aos empreendedores, lojistas e frequentadores de shopping centers. Após esta análise compreendeu-se que claramente possível enquadrar como consumidoras as pessoas que adentram os shopping e adquirem bens ou utilizam-se de serviços ali dispostos – aqui compreendidos os serviços de estacionamento, segurança... Ademais, também as outras espécies de consumidor (ou melhor dizendo, os sujeitos a ele equiparados) podem estabelecer relação com o empreendedor e os lojistas: (a) os frequentadores, se não compreendidos como aqueles que utilizam, por exemplo, do serviço de segurança, podem ser classificados como consumidores equiparados pela simples potencialidade de consumir; (b) aqueles que sofreram acidentes de consumo, tal como uma 256 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor queda por defeito na escada rolante; e (c) aqueles que foram submetidos a práticas comerciais abusivas pelo empreendedor ou pelo lojista executadas. Superada essa discussão, analisou-se o outro pólo da relação: o fornecedor de bens ou serviços. Entendeu-se que o empreendedor de shopping center pode, sim, ser considerado fornecedor de serviços em diversas situações (pelo estacionamento ofertado, a oferta de alternativas de compra, de lazer, de segurança, entre outras) e responsabilizado pelos acidentes de consumo ocorridos no interior de seus empreendimentos. Depois de esclarecida a relação com o empreendedor, analisou-se aquela estabelecida com o cinema e concluiu-se pela existência de relação de consumo, pois que o cinema se enquadra perfeitamente no conceito de fornecedor e consumidor, o lojista e aquele que adquiriu ingressos para usar do serviço de entretenimento oferecido. Por fim, em atenção a todo o exposto, foi possível concluir que existe sim relação de consumo entre frequentadores-consumidores, lojistas e empreendedores de shopping centers e, em razão disso, ser a aplicação do Código de Defesa do Consumidor inafastável nessas situações. 5. Referências BASÍLIO, João Augusto. Shopping Centers. 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Anotações sobre a responsabilidade civil por furto de automóveis em “shopping centers”. Revista dos Tribunais, vol. 651, p. 235 e ss., jan/1990. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. FARIAS, Cristiano Chaves de. Responsabilidade civil dos shopping centers por danos causados em seus estacionamentos: um brado contra a indevida informação. Revista de Direito Privado, vol. 21, p. 69 e ss. Jan/2005. Disponível em <www.revistadostribunais .com.br> GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. GRINOVER, Ada Pelegrini ... [et al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005 KARPAT, Ladislau. Shopping centers: manual jurídico. São Paulo: Hemus, 1993. KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2005 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais.5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. LUCCA, Newton de. Direito do consumidor – Teoria Geral da Relação Jurídica de Consumo. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping centers – organização econômica e disciplina jurídica. Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos, vol. 5, p. 611 e ss., jun/2011. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center .Rio de Janeiro: Forense, 2001. PINTO, Roberto Wilson Renault; OLIVEIRA, Fernando Albino de, coordenadores. Shopping centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1991 REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais (shopping centers) no Brasil. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. 4, p. 795 e ss, dez/2010. Disponível em < www.revistadostribunais.com.br>. 258 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor TOMASETTI JÚNIOR, Alcides. As relações de consumo em sentido amplo na dogmática das obrigações e dos contratos. Revista de Direito do Consumidor, vol. 13, p. 12 e ss., jan/1995. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br> http://www.iguatemisp.com.br/quem-somos/grupo-iguatemi.shtm http://www.portaldoshopping.com.br/sobreaabrasce.asp?codAreaMae=1&codArea=2&codCo nteudo=1 STJ. REsp 419059. 3 T, Rel. Nancy Andrighi, DJ 29/11/2004, p. 315 STJ. REsp 35021, 3 T., Rel. Nilson Naves, DJ 13/09/1993, p. 18560 STJ. REsp 45455, 3 T, Rel. Costa Leite, DJ 09/05/1994 p. 10871 STJ. REsp 273.279 2 PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.2.; e, GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.17; 3 GONZALEZ, Cristiane Paulsen.Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.17. 4 Disponível em <http://www.iguatemisp.com.br/quem-somos/grupo-iguatemi.shtm>. Acessado em 10 abr. 2012. 5 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.17. 6 Disponível em <http://www.portaldoshopping.com.br/sobreaabrasce.asp?codAreaMae=1&cod Area=2&codConteudo=1> . Acessado em 5 abr 2012. 7 GONZALEZ, Cristiane Paulsen.Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.19. 8 FARIAS, Cristiano Chaves de. Responsabilidade civil dos shopping centers por danos causados em seus estacionamentos: um brado contra a indevida informação. Revista de Direito Privado, vol. 21, p. 69 e ss. Jan/2005. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012. 9 Citado por GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers - Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p.23; a autora ainda complementa citando Pinto Ferreira in Comentários a Lei do Inquilinato, p. 221 e 223, “o tenant mix é uma locução de origem inglesa consistente na denominação das lojas por ramo e dos ramos de comércio dentro do shopping”, que “tem seu fundamento na teoria da ‘atração cumulativa’ exposta e desenvolvida por Richard L. Nelson, segundo a qual, dado certo número de lojas atuando em um mesmo campo de negócio, elas atrairão mais vendas quando localizadas uma perto das outras”. 10 PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 6. 11 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping centers – organização econômica e disciplina jurídica. Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos, vol. 5, p. 611 e ss., jun/2011. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012. 259 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 12 REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais (shopping centers) no Brasil. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. 4, p. 795 e ss, dez/2010. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012. 13 REQUIÃO, Rubens. Considerações jurídicas sobre os centros comerciais (shopping centers) no Brasil. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. 4, p. 795 e ss., dez/2010. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012. 14 BASILIO, João Augusto. Shopping Centers.Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 5. 15 Apenas a título exemplificativo, claramente não exaustivo, podemos citar PEREIRA, Caio Mário da Silva. Shopping Centers – organização econômica e disciplina jurídica. Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos, vol. 5, p. 611 e ss., jun/2011; GOMES, Orlando. Traços do Perfil Jurídico de um Shopping Center. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. 4, p. 765 e ss, dez/2010; REQUIÃO, Rubens. Considerações Jurídicas sobre os Centros Comerciais (Shopping Centers) no Brasil. Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial, vol. 4, p. 795 e ss, dez/2010; PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center. Rio de Janeiro: Forense, 2001; BASÍLIO, João Augusto. Shopping Centers. Rio de Janeiro: Renovar, 2005; GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003; 16 KARPAT, Ladislau. Shopping Centers – manual jurídico. São Paulo: Hemus, 1997, p. 137. 17 GONZALEZ, Cristiane Paulsen. Código de Defesa do Consumidor na relação entre lojista e empreendedores de shopping centers. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 25 19 FARIAS, Cristiano Chaves de. Responsabilidade civil dos shopping centers por danos causados em seus estacionamentos: um brado contra a indevida informação. Revista de Direito Privado, vol. 21, p. 69 e ss., jan/2005. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012.. 20 PINTO, Dinah Sonia Renault. Shopping center. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 6. 21 Nos termos dos seguintes artigos: inciso XXXII, do art. 5º da Constituicão Federal Brasileira; inciso V, art. 17 da Constituicão Federal Brasileira; bem como no art. 48 das suas disposições transitórias. 22 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 02. 23 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 140. 24 Dispõe o art. 1º do CDC: “O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas disposições transitórias”. 25 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais.5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 302. 26 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 02 27 LUCCA, Newton de. Direito do consumidor – Teoria Geral da Relação Jurídica de Consumo. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 140. 28 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 04. 260 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 29 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 141 e 142. 30 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 141 e 142. 31 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006,143 e 144. 32 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 06; 33 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. 2 ed. rev. e atual.. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, 143 e 144. 34 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 06 e 07. 35 DERANI, Cristiane. Política Nacional das Relações de Consumo e o Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, vol. 29, p. 29 e ss., jan/1999. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 02 abr. 2012. 36 LUCCA, Newton de. Direito do consumidor – teoria geral das relações jurídicas de consumo. 2 ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p.152-153. 37 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 08. 38 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 304. 39 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p.320. 40 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 320-321. 41 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 320-321. 42 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 322-323. 43 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 325. 44 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais.5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 330 45 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 17. 261 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 46 Notas de aula da Matéria de Direito do Consumidor, ministrada em 14/03/2011 pelo professor José Galvão no UniCEUB. 47 KHOURI, Paulo R. Roque A. Contratos e Responsabilidade Civil no CDC. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 34. 48 KHOURI, Paulo R. Roque A. Contratos e Responsabilidade Civil no CDC. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 34. 49 KHOURI, Paulo R. Roque A. Contratos e Responsabilidade Civil no CDC. Brasília: Brasília Jurídica, 2002, p. 34. 50 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 09. 51 BITTAR, Carlos Alberto. Direitos do consumidor: Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90, de 11 de setembro de 1990). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 28. 52 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 10. 53 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 10. Destaque-se o estudo pormenorizado realizado pelos autores sobre cada uma das teorias, p. 10-16. 54 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 13. 55 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 304 e 305. 56 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 12; sobre a questão da falta de qualificação destacam os autores a seguinte crítica, na mesma obra, p. 14: “a crítica que se faz ao modelo é a que ele teria ampliado a moldura delineadora do que seja o consumidor sem se preocupar: (a) se na relação existe um vulnerável (ou não), (b) qual é a destinação dada ao serviço e/ou bem adquirido ou utilizado, (c) qual a função socioambiental conferida a estes, (d) se a aquisição ocorreu no mercado de consumo, (e) qual a causa da relação, ou seja, com os demais elementos da relação consumerista. Frise-se que a ideia de consumidor para os maximalistas pode ser jurídico ou material, abarcando de forma neutra e técnica todos os tipos de mercado”. 57 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 12; Frota e Catalan dão exemplos da teoria baseados em diversos autores, na mesma obra, p. 13, “os maximalistas entendem que existe relação de consumo quando: (a) a fábrica de toalhas compra algodão para transformar; (b) a fábrica de celulose compra carros para transporte de visitantes; (c) o advogado compra uma máquina de escrever para o seu escritório; (d) o Estado adquire canetas para uso nas repartições; (e) a dona-de-casa adquire produtos alimentícios para família; (f) o agricultor adquire adubo para o plantio; (g) sociedade empresária contrata o transporte de pedras preciosas; (h) o agricultor compra máquina agrícola para a sua atividade profissional; (i) sociedade empresária faz contrato de cartão de crédito; (j) pessoas humanas, jurídicas e entes despersonalizados fazem contratos com instituições bancárias, securitárias e financeiras”. 262 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 58 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 303-304 59 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 304. 60 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 14. 61 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 15, ainda na mesma obra e página demonstram os autores o equívoco da teoria finalista, pois que “trata como secundária eventual vulnerabilidade havida no âmbito relacional, afastando a incidência do CDC em relação ao agente profissional, à pessoa jurídica, ao empresário, à sociedade empresária, ao ente despersonalizado, contrariando a dicção do art. 2º, caput daquele, caso levada à risca a teoria finalista” 62 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 305. 63 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 15 64 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 15 65 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 22 66 Afirma Cláudia Lima Marques que “A importância do parágrafo único do art. 2º é seu caráter de norma genérica, interpretadora, aplicável a todos os capítulos e seções do Código. Como ensina o TJRS, este “ex-terceiro” contratual também poderia ser incluído como destinatário final do produto ou do serviço, uma vez que faticamente ‘usou’ ou ‘consumiu’ (art. 2º), e foi sábio o CDC ao incluir a visão coletiva (e indeterminada) do dano a este bystander, afirmando assim de forma inequívoca a sua legitimação material e processual”. MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 356. 67 GRINOVER, Ada Pelegrini ... [et al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 38 68 Zelmo Denari in GRINOVER, Ada Pelegrini [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 38 69 Intitulada de “Seção II – Da Responsabilidade pelo Fato do Produto ou do Serviço” 71 BESSA,Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: Análise crítica da relação de consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 65. 72 BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: Análise crítica da relação de consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007, p. 64. 73 CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 9 ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 489. 263 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 74 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 57 75 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 356. 76 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 56 e 57. 77 Destaque-se o artigo publicado sobre o caso – que reproduziu na íntegra a petição inicial da ação civil pública movida contra o shopping e as co-rés: LOBO, Ana Lúcia Silva Cardoso Arrochela. Ação civil pública - vício - segurança - produto/serviço - vazamento de gás explosão em shopping center - reparação dos danos morais e/ou patrimoniais sofridos por todas as vítimas do acidente (fundamento nas teorias da responsabilidade objetiva do cdc e civilistas - art. 1.528, cc) e à desconsideração da personalidade jurídica. Revista de Direito do Consumidor, vol. 21, p. 195 e ss., Jan/1997. Disponível em <www.revistadostribunais.com.br>. Acessado em: 12 abr. 2012. 78 STJ. REsp 279273; Segundo resume Sergio Cavalieri Filho: “O alcance a importância do art. 17 do CDC ficaram evidenciados no grave acidente ocorrido no Osasco Plaza Shopping/SP, em 11/06/96, consistente em explosão por acúmulo de gás em espaço livre entre o piso e o solo, acarretando a morte de 40 pessoas, mais de 300 feridos e a destruição de mais de 40 lojas e locais de circulação. O acidente ocorreu na hora do almoço, em época de muito movimento, às vésperas do dia dos namorados, nas imediações da praça de alimentação, local destinados a bares, restaurantes e lanchonetes. No julgamento do rumoroso caso, o Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 279.273/SP), por sua Terceira Turma, aplicou o art. 17 do CDC, estendendo a todas as vítimas do acidente (consumidores diretos e por equiparação) a mesma cobertura indenizatória. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 293. 79 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 359. Ainda sobre o tema, na mesma obra retrocitada, págs.358/359, ressalta a professora ser o art. aplicável a todas as seções do capítulo (a seção sobre oferta – arts. 30 a 35; sobre publicidade – arts. 36 a 38; sobre práticas abusivas – arts. 39 a 41, sobre a cobrança de dívidas – art. 42; sobre bancos de dados e cadastros de consumidores – arts. 43 a 45) e também ao próximo capítulo, que versa sobre a “proteção contratual”. 80 MARQUES, Cláudia Lima. Proposta de uma teoria geral dos serviços com base no código de defesa do consumidor a evolução das obrigações envolvendo serviços remunerados direta ou indiretamente. Doutrinas Essenciais de Direito do Consumidor, vol. 4, p. 68, jan/2000. Acessado em 27/04/2012 por meio digital. Disponibilizado pela Revista dos Tribunais Online < www.revistadostribunais.com.br> . 81 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 371. 82 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 317. 83 BASÍLIO, João Augusto. Shopping Centers. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 199 84 Art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, Lei. 8.078/90. 85 PEREIRA, Agostinho Oli Koppe. Responsabilidade civil por danos ao consumidor. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 102 86 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor: contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 58 264 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 87 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 03. 88 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 03. 89 DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 140-145; CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p.03 90 DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 140-145; CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 03 91 LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. 2 ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 197. 92 GRINOVER, Ada Pelegrini... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto.8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 48. 93 CATALAN, Marcos; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A pessoa jurídica consumidora – duas décadas depois do advento do Código de Defesa do Consumidor. Artigo inédito, gentilmente cedido pelos autores, p. 03. Sobre o tema “fornecedor por equiparação”, destaque-se também o trabalho de BESSA, Leonardo Roscoe. Fornecedor equiparado, in Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 61, p. 126-141, jan./mar. 2007. 94 BASÍLIO, João Augusto. Shopping Centers. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 200 95 KHOURI, Paulo Roberto Roque Antonio. Direito do consumidor:contratos, responsabilidade civil e defesa do consumidor em juízo. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 60 96 PINTO, Roberto Wilson Renault; OLIVEIRA, Fernando Albino de, coordenadores. Shopping centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 240-242. 97 PINTO, Roberto Wilson Renault; OLIVEIRA, Fernando Albino de, coordenadores. Shopping centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 240-242. 98 Como se observa em STJ. REsp 35021, 3 T., Rel. Nilson Naves, DJ 13/09/1993, p. 18560. “Estacionamento mantido por shopping center. Furto de veiculo. Indenização devida, conforme inúmeros precedentes do stj, dentre outros os REsp's 5886, 5905, 6517, 7159, 25821 e 34802. Caso em que a ação foi julgada improcedente pelo acordão. Recurso conhecido e provido; também em STJ. REsp 45455, 3 T, Rel. Costa Leite, DJ 09/05/1994 p. 10871. “Civil. Responsabilidade. Furto de veiculo. Estacionamento de shopping center. A gratuidade de estacionamento não arreda a obrigação de indenizar, pois, ante o interesse da empresa em dispor da facilidade para atrair clientela, patenteia-se o dever de guarda e vigilancia.precedentes. Recurso conhecido e provido”. 99 STJ. Enunciado de Súmula. 2 Seção, DJ 04/04/1995, p. 8294: “A empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veiculo ocorridos em seu estacionamento”. 100 Nesse sentido STJ. REsp 419059. 3 T, Rel. Nancy Andrighi, DJ 29/11/2004, p. 315. “Responsabilidade civil. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Assalto à mão armada iniciado dentro de estacionamento coberto de hipermercado. Tentativa de estupro. Morte da vítima ocorrida fora do estabelecimento, em ato contínuo. Relação de consumo. Fato do serviço. Força maior. Hipermercado e shopping center. Prestação de segurança aos bens e à integridade física do consumidor. Atividade inerente ao negócio. Excludente afastada. Danos materiais. Julgamento além do pedido. Danos morais. Valor razoável. Fixação em salários-mínimos. Inadmissibilidade. Morte da genitora. Filhos. Termo final da pensão por danos materiais. Vinte e 265 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor quatro anos. - A prestação de segurança aos bens e à integridade física do consumidor é inerente à atividade comercial desenvolvida pelo hipermercado e pelo shopping center, porquanto a principal diferença existente entre estes estabelecimentos e os centros comerciais tradicionais reside justamente na criação de um ambiente seguro para a realização de compras e afins, capaz de induzir e conduzir o consumidor a tais praças privilegiadas, de forma a incrementar o volume de vendas. - Por ser a prestação de segurança e o risco ínsitos à atividade dos hipermercados e shoppings certers, a responsabilidade civil desses por danos causados aos bens ou à integridade física do consumidor não admite a excludente de força maior derivada de assalto à mão arma ou qualquer outro meio irresistível de violência. [...]” 101 Conforme observa Zelmo Denari in GRINOVER, Ada Pelegrini... [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p.167, encontram-se sob a tutela das disposições normativas do Código de Defesa do Consumidor a saúde e a segurança dos consumidores (constantes dos arts. 8º ao 25), dispondo inclusive o seu art. 8º que os produtos e serviços, em princípio, não poderão acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores. Sem embargo, tratando-se de riscos qualificados como ‘normais e previsíveis’, serão tolerados pelos consumidores, desde que acompanhados de informações claras e precisas a seu respeito. 103 STJ. REsp 273.279. Trecho do Voto-Vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, p. 7. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200000971847 &dt_publicacao=29/03/2004>. Acessado em 10 abr. 2012. 104 STJ. REsp 273.279. Trecho do Voto-Vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, p. 7. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200000971847 &dt_publicacao=29/03/2004>. Acessado em 10 abr. 2012. 105 STJ. REsp 273.279. Trecho do Voto-Vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, p. 7. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200000971847& dt_publicacao=29/03/2004>. Acessado em 10 abr. 2012. 106 STJ. REsp 273.279. Trecho do Voto-Vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, p. 7. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200000971847& dt_publicacao=29/03/2004>. Acessado em 10 abr. 2012. 107 STJ. REsp 273.279. Trecho do Voto-Vista do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, p. 7. Disponível em <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200000971847& dt_publicacao=29/03/2004>. Acessado em 10 abr. 2012. 109 GRINOVER, Ada Pelegrini [et al.]. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 48. 110 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais.5 ed. rev., atual. e ampl., incluindo mais de 1.000 decisões jurisprudenciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 302. 266 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO: A (IN)EFICIÊNCIA DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL NA TUTELA COLETIVA CONSUMER PROTECTION IN COURT: THE (IN) EFFICIENCY OF CIVIL PROCEDURE IN COLLECTIVE PROTECTION Ariane Langner1 Jaqueline Lucca Santos2 Resumo: O presente trabalho tem como objetivo verificar a (in)eficiência do Direito Processual Civil na tutela dos direitos coletivos, em especial no que se refere aos direitos do consumidor. No intuito de cumprir o proposto, a pesquisa adota uma postura fenomenológicahermenêutica, que se preocupa com a descrição dos próprios fatos observados, pois parte da tese de que a experiência vivida é em si mesma essencialmente um processo interpretativo, no qual a realidade é compreendida, interpretada e comunicada. Utiliza-se, ainda, o método de abordagem monográfico, dada a verificação das condições de possibilidade da tese defendida. Verificou-se, assim, que os direitos do consumidor no que tange a esfera da tutela coletiva encontram-se tutelados por um rito ordinário-plenário, essencialmente individualista, que relega à consciência do julgador a fundamentação da decisão. Nesta senda, necessária se faz o repensar da jurisdição processual dos direitos coletivos do consumidor, principalmente através da criação de locais de sumarização da jurisdição material, a fim de que os direitos metaindividuais sejam adequadamente tutelados, adaptando-se à dinamicidade das transformações sociais. Palavras-Chave: direito do consumidor; tutela coletiva; processo civil; racionalismo. Abstract: This study aims to determine the (in) efficiency of Civil Procedure in the protection of collective rights, especially with regard to consumer rights. In order to accomplish the proposed the research adopts a phenomenological-hermeneutic approach, which is concerned with the description of observed facts themselves, as part of the thesis that the experience itself is essentially an interpretive process, in which reality is understood, interpreted and communicated. It is used also the method of monographic approach, given the possibility of verifying the conditions of the argument. It is thus that the consumer's rights regarding the sphere of collective protection are protected by an rite ordinary-plenary, essentially individualistic, which relegates to the conscience of the judge the reasons for the decision. In this vein, it is necessary to rethink the jurisdiction procedural collective rights of consumers, primarily through the creation of local summarization of material jurisdiction, so that rights are properly protected, adapting to the dynamics of social change. 1 Graduanda do 9º semestre do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul – FAPERGS no projeto de pesquisa “Processo civil e metafísica: os novos desafios da jurisdição-processual no século XXI”, que apoia o presente trabalho. Integrante do Núcleo de Estudos Avançados em Processo Civil da Universidade Federal de Santa Maria – NEAPRO. E-mail: [email protected]. 2 Graduanda do 9º semestre do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Integrante do Núcleo de Estudos Avançados em Processo Civil da Universidade Federal de Santa Maria – NEAPRO. E-mail: [email protected]. 267 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Key Words: consumer law; collective protection; civil procedure; rationalism. INTRODUÇÃO As primeiras tentativas da tutela do direito coletivo do consumidor no âmbito do direito processual brasileiro foram estimuladas, principalmente, em vista dos movimentos sociais oriundos das transformações históricas, em especial no segundo pós-guerra. Não se ignora eventual proteção ao direito do consumidor dispensada anteriormente a este período, porém, após as duas grandes guerras houve um crescimento exacerbado do desenvolvimento industrial e, por consequência, o surgimento da sociedade de consumo. A fim de proteger a figura do consumidor, parte mais vulnerável na relação consumerista, exigiu-se a criação de mecanismos legais para sua tutela. Nesta senda, destacam-se os direitos metaindividuais do consumidor, típicos de uma sociedade massificada, que necessitavam disciplina legal, a fim de que se evitasse o ajuizamento de demandas com a mesma causa de pedir e que estas viessem a ter decisões contraditórias. Em que pese a tutela dos interesses coletivos não seja um fenômeno contemporâneo, a preocupação doutrinária e legislativa em identificá-la e protegê-la surgiu apenas nos últimos anos, diante da constante violação a esses direitos. Tal fato, então, exigiu (e ainda exige) que a tutela dos direitos transindividuais fosse (re)pensada a fim de ser realizada sob uma nova ótica. Bessa (2008) ao lecionar acerca da inserção do direito coletivo no âmbito do direito do consumidor refere que a configuração processual clássica – A versus B – mostrou-se absolutamente incapaz de absorver e dar uma resposta satisfatória aos novos litígios, que acabavam ficando marginalizados e gerando, em consequência, intensa e indesejada conflituosidade. O presente artigo, dessa forma, não objetiva exaurir o tema da tutela coletiva do direito do consumidor no direito processual brasileiro, mas verificar como esta se encontra tutelada no ordenamento jurídico e se há efetividade do ponto de vista do consumidor que aguarda uma resposta jurisdicional. Para tanto, partir-se-á de uma análise da evolução da tutela transindividual do consumidor para entender como as ações coletivas estão processualmente amparadas. A partir disso, busca-se verificar o papel do processo civil na proteção dos novos direitos, como são os direitos coletivos do consumidor, e se aquele é eficiente em dar efetividade a tais direitos. 268 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor No intuito de cumprir o proposto, a pesquisa adota uma postura fenomenológicahermenêutica, que se preocupa com a descrição dos próprios fatos observados, pois parte da tese de que a experiência vivida é em si mesma essencialmente um processo interpretativo, no qual a realidade é compreendida, interpretada e comunicada. Utiliza-se, ainda, o método de abordagem monográfico, dada a verificação das condições de possibilidade para uma efetiva tutela dos direitos coletivos do consumidor. Cabe ainda destacar que no estudo se utilizará o conceito de direitos coletivos em sentido amplo, sem uma análise profunda da diferenciação de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, já que todos são igualmente protegidos pela tutela processual que lhe é oferecida pelo Código de Processo Civil. 1 A EVOLUÇÃO DA TUTELA PROCESSUAL COLETIVA DO DIREITO DO CONSUMIDOR NO BRASIL A Lei n.º 4.717/65 (Lei da Ação Popular) é usualmente indicada como a pioneira na tutela processual dos direitos metaindividuais no Brasil. Esta foi seguida, alguns anos depois, pela edição da Lei n.º 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) que introduziu uma nova ação no ordenamento jurídico pátrio, assim como a possibilidade desta ser exercida através de legitimados extraordinários. Entretanto, maior relevância à temática da tutela do direito coletivo se deu a partir de Constituição Federal de 1988 (CF/88) e da publicação da Lei n.º 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Enquanto a primeira buscou universalizar a proteção coletiva dos interesses transindividuais, ausente limitação quanto ao objeto do processo, a segunda instituiu um microssistema de processos coletivos composto pela interação do Código de Defesa do Consumidor e da Lei da Ação Civil Pública, em disposições aplicáveis a ambas, sendo utilizado o Código de Processo Civil de forma subsidiária. Acerca da proteção constitucional conferida ao direito do consumidor, Marques (2008) destaca que este possui previsão tanto como direito fundamental no art. 5, XXXII, quanto como princípio da ordem econômica nacional no art. 170, V, ambos na CF/88. Sendo que por se tratar de direito fundamental é um direito subjetivo, que pode e deve ser reclamado e efetivado em prol desse sujeito de direitos constitucionalmente assegurados, o consumidor, seja contra o Estado ou em suas relações privadas. Completa ainda a autora (2008, p.26) que sendo o direito do consumidor direito fundamental e cláusula pétrea deve ser “respeitado de 269 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor acordo e em conformidade com a lei infraconstitucional e as exigências da dignidade da pessoa humana”. Para tanto, o Código de Defesa do Consumidor introduz em um título específico a temática da tutela processual, denominando-o “Da Defesa do Consumidor em Juízo”. Segundo Grinover (2011), membro da comissão do Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, responsável pela minuta do anteprojeto do Código, o título fornecido ao capítulo que trata da defesa do consumidor em juízo tem o objetivo de ser amplo, ou seja, não compreende apenas a defesa processual do consumidor, mas toda e qualquer atividade exercida em juízo, tanto na condição de autor como de réu. Trata-se, portanto, da tutela judiciária dos direitos e interesses do consumidor. A referida autora (2011) afirma que tal fortalecimento da posição do consumidor em juízo exigiu do legislador que previsse efetividade ao processo destinado à proteção do consumidor, além de facilitação ao acesso à justiça. As ações coletivas, dessa forma, não devem significar o desprezo às ações individuais, mas sim o acesso fácil ao Judiciário, devido à quebra de barreiras socioculturais, evitando a banalização que decorre da fragmentação de ações e confere peso às decisões de cunho coletivo. Ainda nesse sentido Bessa (2008, p.382) leciona a respeito da titularidade para o exercício dessas ações Ressalte-se, especificamente em relação ao mercado, a inserção do consumidor num contexto econômico-social globalizado, o que, por consequência, veio a exigir uma nova postura do legislador e do jurista diante do que se convencionou chamar de sociedade de massa. Percebe-se que alguns direitos transindividuais – os difusos – por ausência de um titular específico, ficariam carentes de proteção jurisdicional e eficácia, se não houvesse um representante para levá-los à Justiça. Ademais, a solução concentrada de conflitos evita ou diminui sensivelmente decisões contraditórias e o volume de processos, possibilitando resultados mais céleres. Dessa forma, além de facilitar o acesso, as ações que tutelam direitos metaindividuais do consumidor possibilitam aos legitimados extraordinários sua titularidade, evitando que direitos que talvez individualmente não seriam objeto de proteção, coletivamente podem ser exercidos, impedindo que estes sejam novamente violados. É o caso, por exemplo, de diferenças de valores em produtos da prateleira para o caixa, que individualmente somam valores ínfimos (muitas vezes centavos), mas que quando somados dentre os vários consumidores, se tornam grandes fontes de lucro para os fornecedores e lesam coletivamente os consumidores. 270 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Acerca do papel social a ser exercido pelos procedimentos coletivos na busca de solução de conflitos oriundos das relações geradas pelas economias de massa, Watanabe (2011, p. 04) leciona que o “processo deve operar como instrumento de mediação dos conflitos sociais neles envolvidos e não apenas como instrumento de solução de lides”. Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor, considerado um microssistema por introduzir tanto regras de direito material quanto processual, realizou grandes modificações no âmbito das ações individuais e das ações coletivas. Nas ações individuais devem-se destacar regras como a competência do domicílio do consumidor autor (art. 101, I), vedação de denunciação à lide e chamamento ao processo em determinadas hipóteses (art. 88 e 101, II), entre outras. No que se refere à tutela dos direitos coletivos, especifica-se e amplia-se a tutela dos interesses dos consumidores por intermédio de categorias - interesses difusos, coletivos e individuais homogênios -, são aperfeiçoadas regras de coisa julgada, litispendência e da legitimação e dispensa de custas de honorários advocatícios (art. 87). Tais disposições do Código de Defesa do Consumidor não só forneceram novos meios para a tutela dos interesses coletivos, como também, através de alterações na Lei da Ação Civil Pública, ampliaram o rol dos direitos tutelados, que originalmente se encontravam adstritos a temas como o meio ambiente, direito do consumidor e o patrimônio cultural. No sistema atual, conforme dispõe, por exemplo, o inciso IV do art. 1º da Lei n.º 7.347/85, qualquer direito difuso ou coletivo é passível de ser objeto de ação coletiva. Na ótica do direito do consumidor, houve, nas palavras de Grinover (2011, p. 03) uma “necessária reestruturação dos esquemas processuais clássicos para sua adaptação aos conflitos emergentes, próprios de uma sociedade de massa, de que os decorrentes das relações de consumo representam um ponto nodal”. Analisada a evolução da tutela coletiva do consumidor no ordenamento jurídico brasileiro e as inúmeras alterações introduzidas pelo Código de Defesa do Consumidor em outras legislações, passa-se a verificar a influência do processo civil e sua aplicabilidade na defesa do consumidor em juízo. 1.1 O procedimento ordinário e as ações coletivas do consumidor Inicialmente, deve-se mencionar que há uma interação entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei da Ação Civil Pública, sendo elas de aplicação mútua em face das inúmeras alterações introduzidas no segundo diploma pela Lei n.º 8.078/90. Especificamente 271 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor no que tange a tutela dos interesses metaindividuais do consumidor, a Lei da Ação Civil Pública aplica-se de forma subsidiária ao que o Código de Defesa do Consumidor for omisso, por esta se tratar de lei especial. Em todos os casos, o Código de Processo Civil aplica-se quando nas demais legislações não existir previsão. Na tentativa de abarcar de forma ampla a tutela dos direitos coletivos, o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor permite que “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Tal artigo visa garantir a efetiva tutela do direito material até mesmo em prol do direito processual permitindo àquele que teve seu direito violado o ajuizamento de qualquer demanda para a satisfação deste. Segundo Grinover (2007), há um alargamento dos limites objetivos da tutela jurisdicional. É evidente que esta preocupação em tutelar constitucionalmente e infraconstitucionalmente os direitos metaindividuais visa dar efetiva aplicabilidade aos direitos do consumidor, a fim de que estes não estejam desamparados no ordenamento jurídico num contexto social de profundas transformações e desigualdades. No entanto, em que pese a proteção material dispensada a esses direitos, tanto o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 90, a Lei da Ação Popular no art. 7º e a Lei da Ação Civil Pública no art. 19, estabeleceram a aplicabilidade das disposições do Código de Processo Civil às ações coletivas, sendo eleito para a tutela dos direitos metaindividuais o rito ordinário. Por óbvio não é possível desconsiderar as inúmeras modificações positivas introduzidas pela legislação como as possibilidades de legitimação extraordinária e substituição processual, ampliando-se o número de legitimados para as ações, assim como as alterações contidas no que se refere a temática da coisa julgada. No entanto, por não haver previsão expressa do rito dispensado as ações coletivas para tutela do direito do consumidor, a elas se aplica o tradicional rito do processo civil, o ordinário. Vale destacar que não se ignora a existência de projetos de lei em tramitação a fim de alterar a Lei n.º 8.078/90, como o Projeto de Lei do Senado n.º 282/2012, introduzindo procedimentos para as ações coletivas e aprimorando a proteção dos direitos metaindividuais, como a prioridade de processamento e julgamento das ações coletivas, excetuadas a ação popular e as de alimentos. Contudo para que sejam realizadas alterações, a fim de que estas não sejam superficiais, deve-se verificar se o rito ordinário, atualmente responsável por tutelar esses 272 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor direitos, oferece plena aplicabilidade e eficácia aos direitos transindividuais em tempo hábil a sua utilização. 2 A INFLUÊNCIA RACIONALISTA NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E SUA INEFICIÊNCIA NA TUTELA DE NOVOS DIREITOS Os novos marcos da constitucionalização dos direitos e as novas codificações daí decorrentes, como o Código de Defesa do Consumidor, exigem um reposicionamento do direito processual civil, que se encontra imerso em uma tradição racionalista e dependente de um rito que é ordinário-plenário-declaratório. Tal postura não viabiliza o trato das causas do ponto de vista material, mas induz a uma perspectiva puramente quantitativa, isto é, uma abordagem da eficiência através de números, banalizando os inúmeros processos em tramitação no país e a importância (e eficiência) do vetor processual à efetivação desses novos direitos. Dessa forma, não há uma preocupação com a efetividade do processo ou com a concretização do direito pleiteado, e sim com a quantidade de decisões proferidas. Isso se deve a um problema que encontra raízes muito mais profundas, já que o processo civil em si não se encontra preparado para tutelar esses novos direitos, tanto do ponto de vista individual (ações relativas a privacidade e uso da imagem em meios virtuais), quanto do ponto de vista coletivo (ações para proteção do meio ambiente, dos direitos do consumidor). Isto porque o processo civil clássico foi idealizado (especialmente após a Revolução Francesa) para dimensionar conflitos privados e individuais (prioritariamente questões envolvendo a propriedade, relações contratuais, família e sucessões: a denominada litigiosidade individual) não conseguindo alcançar o grau de complexidade e dar a devida importância a essa nova quadra histórica (NUNES, 2012). Dessa forma, ainda que louvável a tutela desses direitos do ponto de vista do direito material, é inviável sua plena satisfação diante do rito eleito pela legislação, o rito ordinário, historicamente responsável por garantir direitos individuais. Faz-se necessária a percepção de que a função do sistema processual civil deve transcender em muito a busca de resolução de questões privatísticas para buscar viabilizar, mediante uma processualização constitucionalmente idônea, um dimensionamento da litigância individual e coletiva (NUNES, 2012). O procedimento ordinário encontra-se fortemente ligado a um ideal racionaliluminista que afastou o direito processual civil da facticidade e da oralidade, essenciais ao 273 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor deslinde de questões coletivas. Em seu lugar, faz uso da ordinarização e da plenariedade, colocando em seu procedimento “fase a fase” a busca pela garantia desses direitos e a obtenção da “certeza” do julgador, que deve apenas declarar a vontade da lei ao fim da cognição (ISAIA, 2012). Essa forma de cognição se deve a geometrização do pensamento jurídico que, segundo Silva (2006), ocorreu pela aplicação às ciências do pensamento de um procedimento típico das ciências demonstrativas, acarretando o apego à ritualização e a necessidade de uma cognição exauriente, a fim de que a “verdade” pudesse ser alcançada no provimento final. Tal apego à ritualização gera a renúncia a qualquer processo interpretativo e retira do julgador a possibilidade de analisar o mérito da demanda antes da completa cognição, com a realização do contraditório prévio e extensa produção probatória (ISAIA, 2011). O direito material resta desamparado, dessa maneira, pois é o principal prejudicado por essa obsessiva busca por verdades claras e distintas, ensinamento aplicado por Descartes às ciências demonstrativas e não às ciências do pensamento, como é o direito (SILVA, 2006). Acerca da função meramente declaratória do julgador já analisou Saldanha (2011, p.192): A marca da ordinariedade é, por essa via, a realização da cognição plena e exauriente cujo ponto culminante é a sentença declaratória daquilo que “previamente” fora dito pelo legislador. Tão estreita tem sido a associação entre o conhecer e o declarar que o primeiro resta absorvido pelo segundo e, com isso, o sistema processual tem-se mantido fechado ao reconhecimento de outro tipo de cognição. Mas essa ética era necessária para o sistema “assegurar” a certeza jurídica, um valor da sociedade capitalista que a jurisdição tinha por missão resguardar. Dessa forma, o processo civil, há vários séculos, vem sendo tratado da mesma forma, partindo da pretensão de fornecer um procedimento universal, capaz de desvelar verdades universais e garantir certeza ao julgador que tem apenas a função de declarar o que já está posto. Tal modelo, especialmente no que tange ao papel do juiz após a Revolução Francesa, ocupava lugar necessário no ordenamento a fim de evitar a discricionariedade e arbitrariedade do governante. No entanto, mesmo passadas várias décadas esta configuração não foi abandonada o que gerou, em alguns casos, o apego à ritualização e o esquecimento do papel jurisdicional de dar eficácia aos direitos constitucionais previstos e, por outro lado, o surgimento de ativismos judiciais, possibilitando que o julgador decida à luz da sua “consciência”. 274 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Streck (2012) já alertou que o direito não é (e não pode ser) aquilo que o intérprete quer que ele seja, não podendo o juiz entender que não se subordina a “nada”, a não ser ao tribunal da própria razão. O ato jurisdicional é (filosoficamente) interpretação e não mera subsunção do texto legal ao fato, fazendo-se necessária a realização de uma filtragem hermenêuticoconstitucional para afastar da consciência do julgador a “fundamentação” da decisão (STRECK, 2011). Dessa forma, o sentido não estará mais na consciência (do julgador), e sim na linguagem que é condição de possibilidade de ser-no-mundo. São antidemocráticas, do mesmo modo, decisões que partem diretamente da consciência do julgador, quando este acredita ser possível desvelar verdades através de métodos de observação do objeto investigado e de sua consciência. Essa postura subjetivista é a marca da filosofia da consciência, que se liga muito com os postulados positivistas de Kelsen (STRECK, 2011). O direito (e por consequência o processo), assim, deve possuir a marca da coerência e integridade, possíveis de serem realizadas através de uma filtragem hermenêuticoconstitucional, que foi introduzida no direito a partir da invasão pela filosofia. O processo não deve ser reduzido a um mecanismo no qual o Estado-juiz implementa sua posição de superioridade de modo que o debate processual é relegado a segundo plano. Este deve servir à implementação de direitos, especialmente, fundamentais. (NUNES, 2012) Hommerding (2007, p.121) já alertou acerca da necessidade do processo se adaptar frente às modificações sociais e da complexidade das relações hoje existentes: O processo é ideológico. Representa a tradição liberal-individualista que se forjou junto com a modernidade, visando atender ao ideal liberal, pela manutenção do status quo, ou seja, conservando, impedindo o “curvar-se criticamente sobre si mesmo” (Ovídio) e, portanto, as mudanças sociais. Assim, não é possível conceber a tutela dos interesses coletivos - e de novos direitos como o meio ambiente, direitos da era digital, direitos do consumidor - de forma extremamente complexa como se apresenta atualmente, a um procedimento que além de renunciar ao novo, à mudança, continua a insistir na certeza e no ideal racionalista-liberal, renunciando a qualquer processo interpretativo. 3 O DIREITO PROCESSUAL CIVIL E A TUTELA COLETIVA DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR 275 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A constante violação a direitos e garantias fundamentais constitucionalmente previstos leva a juridicização crescente do tecido social que se traduz no fato que o direito é, a partir de então, chamado a reger as relações humanas que se submetiam anteriormente a modos de regulação extrajurídicos ou fundados na confiança. É também a demonstração de uma ampliação da complexidade da organização social, que impõe uma regulação mais acurada pelo direito. (CHEVALLIER, 2009) Dessa forma, em que pese existirem alguns autores, inclusive mencionados na primeira parte do presente trabalho devido as grandes contribuições realizadas no âmbito do direito do consumidor brasileiro, suas análises devem ser lidas com inúmeras ressalvas. Estes afirmam que a tutela do direito coletivo no ordenamento jurídico ensejou o rompimento com a estrutura individualista do processo civil, com o nascimento de um novo ramo da ciência processual (GRINOVER, MENDES e WATANABE, 2007). Na verdade, conforme já analisado, o direito tem funcionado como um “obstáculo à transformação social”, pois os juristas não conseguem abandonar sua atitude teorizante a fim de se dedicarem à efetiva resolução dos problemas sociais (HOMMERDING, 2007). O processo civil, em especial o rito ordinário responsável por tutelar os direitos coletivos dos consumidores, não conseguiu abandonar o paradigma que está imerso, a fim de verificar outras formas de garantir efetividade à jurisdição. O modelo hoje utilizado visivelmente não dá conta de conferir em tempo hábil a fruição do direito que, na maioria das vezes já foi repetidamente violado. A título exemplificativo da ineficiência do direito processual na tutela dos direitos coletivos do consumidor colaciona-se ementa do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO CONSUMIDOR. NORMATIZAÇÃO DO INMETRO. APREENSÃO DE TIJOLOS CONFECCIONADOS EM DESCONFORMIDADE COM INSTRUÇÃO NORMATIVA. 1. Consoante o artigo 5º da Lei 9.933/99: "As pessoas naturais e as pessoas jurídicas, nacionais e estrangeiras, que atuem no mercado para fabricar, importar, processar, montar, acondicionar ou comercializar bens, mercadorias e produtos e prestar serviços ficam obrigadas à observância e ao cumprimento dos deveres instituídos por esta Lei e pelos atos normativos e regulamentos técnicos e administrativos expedidos pelo CONMETRO e pelo INMETRO". 2. É possível a aplicação das penas de multa e apreensão de mercadorias cumulativamente, nos termos do art. 8º da Lei 9.933/99. 3. Considerando que os réus infringiram o dever de depositário das mercadorias apreendidas pelo INMETRO, ante a impossibilidade de entrega dos bens, correta a decisão que fixou indenização de acordo com o preço médio do mercado. 4. Apelações improvidas. (TRF4, AC 5000669-86.2010.404.7204, Terceira Turma, Relator p/ Acórdão Fernando Quadros da Silva, D.E. 17/05/2012) 276 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO em face de Intelcom Indústria e Comercio de Tijolos LTDA e Estor Luiz Macari, em 26 de abril de 2010. Isso ocorreu após a empresa Ré ter firmado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público de Santa Catarina em 21 de junho de 2006, através do qual foi deferido o prazo até 30 de novembro de 2006 para adequação dos produtos por ela comercializados (tijolos) às normas técnicas competentes. Contudo, em 19 de novembro de 2007, a Empresa Ré foi autuada, pois havia colocado à venda blocos cerâmicos com erro formal, descumprindo o TAC firmado. Em que pese terem sido aplicadas as penalidades administrativas de multa e apreensão das mercadorias com defeito pelo INMETRO, esta última não foi efetivada pelos Réus, que permaneceram como depositários dos produtos. Ajuizada a ação civil pública foi requerida a procedência da demanda sendo os requeridos condenados a entregar os bens objeto dos autos de infração ou, sucessivamente, a pagar o valor de cinco vezes o montante dos bens em questão. No decorrer do lapso temporal da instrução probatória até a prolação da sentença, que se deu em 17 de junho de 2011, os tijolos que deveriam ser apreendidos sumiram, não existindo informação se foram descartados ou vendidos a consumidores. Percebe-se, então, que o apego a ordinarização e à cognição exauriente podem ter prejudicado inúmeros consumidores que compraram produtos tecnicamente frágeis e que não oferecem a segurança necessária para construção de residências, empreendimentos comerciais, entre outros, em visível violação aos direitos dos consumidores e à dignidade da pessoa humana. Diante de tais casos, necessária se faz uma releitura dos procedimentos responsáveis por tutelar os direitos metaindividuais, incluindo-se aqui o direito do consumidor, a fim de afastar a influência histórica dos ideais racionais-iluministas no direito processual civil e no rito ordinário. Para tanto, é possível a criação de locais de sumarização para a tutela dos direitos metaindividuais. Neste ambiente processual, o direito material poderia ser rapidamente protegido, sem a realização da cognição exauriente e do contraditório prévio naquele procedimento, sendo este postergado através do contraditório eventual ou diferido. Acerca de tal possibilidade já lecionou Saldanha (2011) ao defender a possibilidade da sumarização material, sendo que o contraditório poderia ser realizado posteriormente, até mesmo com o ajuizamento de nova demanda. 277 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O apego à realização de um contraditório prévio, para que o julgador possa emitir um juízo de “certeza”, encontra respaldo nos princípios provenientes do cristianismo, como a benignidade e a benevolência, tornando um processo civil que deveria ser do Autor, um processo civil do Réu, principalmente devido à morosidade que ocasiona (SALDANHA 2011, ISAIA 2012). Dessa forma, ao invés de se dar efetividade ao direito do Autor que faz jus a sua efetivação, através de documentos e provas já anexadas à exordial, por exemplo, permitese que o Réu produza todos os tipos de provas (cognição exauriente) antes do julgador se manifestar de forma definitiva (por uma decisão de mérito) acerca da questão. Vale ressaltar que existe na legislação ainda a previsão de uma audiência de justificação prévia (art. 83, § 3º do Código de Defesa de Consumidor e art. 12 da Lei da Ação Civil Pública), semelhante a existente nas ações possessórias, que pode ser designada pelo juízo caso este não se convença de imediato da verossimilhança das alegações. Poder-se-ia questionar por que não tornar este um momento processual uno em que todos os atos processuais seriam realizados em uma única data? Em caso de ações referentes ao meio ambiente ou ao direito do consumidor, por exemplo, poder-se-ia realizar a oitiva de testemunhas e a produção de outras provas necessárias, para que, ao fim, fosse prolatada decisão que julgasse efetivamente o mérito da demanda e não fosse meramente processual. Em caso de procedência a parte Ré poderia ajuizar nova demanda, aí sim no rito ordinário, para discussão e reanálise da controvérsia, mas o direito material já estaria protegido. Há muito tempo já questionou Silva (2006) acerca do tratamento dispensado às antecipações de tutela, consideradas decisões processuais e não de mérito, pois o juiz não poderia julgar o mérito da demanda apenas com base na verossimilhança. É visível, neste ponto, o apego à ordinarização e ao ideal racionalista da verdade e da certeza. A sumarização material da jurisdição (SALDANHA, 2011) é necessária para possibilitar a entrega de uma prestação jurisdicional mais eficiente e protetiva aos direitos metaindividuais que não podem aguardar um provimento final para ocorrer a análise do mérito. Não se esquece, por óbvio, do grande avanço realizado com o advento da Lei n.º 8.952/94 que possibilitou a antecipação dos efeitos da tutela com a inclusão do art. 273 e seus parágrafos no Código de Processo Civil. Esta decisão que defere ou indefere a antecipação dos efeitos da tutela, porém, é tratada como meramente processual e não como uma decisão sobre o mérito da demanda, ainda que, na maioria das vezes, a sentença (provimento final) seja uma literal cópia do que foi a decisão que antecipou os efeitos da tutela. 278 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Assim, a fim de se dar efetividade a tutela coletiva dos direitos do consumidor se aposta em um processo que afaste o ideal racional-iluminista e, através da sumarização material da jurisdição e de um contraditório dinâmico e concentrado, possam se produzir melhores e mais eficientes decisões (NUNES, 2012). Acerca da responsabilidade da jurisdição em efetivar os direitos fundamentais, incluindo-se o direito do consumidor, leciona Cambi (2009, p.222) A adequação da tutela jurisdicional da sua aptidão para realizar a eficácia prometida pelo direito material, sendo, para tanto, indispensável conjugar, da melhor maneira possível, os valores da efetividade e da segurança. O direito fundamental à tutela jurisdicional faz com que o direito ao processo não seja caracterizado por um objeto formal ou abstrato, assumindo um conteúdo modal qualificado (direito ao processo justo), que é a face dinâmica do devido processo legal. Com efeito, não se garante uma perspectiva meramente formal ao fenômeno jurídico, possibilitando que os institutos processuais sejam filtrados pela Constituição, sendo substancialmente conformados pelos direitos fundamentais. A dimensão objetiva do art. 5º, XXXV da CF e, consequentemente, a sua eficácia irradiante sobre as leis (processuais) infraconstitucionais permite a construção de técnicas processuais adequadas, céleres e efetivas à realização dos direitos fundamentais. Face ao exposto, necessário se faz o repensar da jurisdição processual dos direitos coletivos do consumidor, principalmente através da criação de locais de sumarização da jurisdição material, a fim de que os direitos metaindividuais sejam adequadamente tutelados, adaptando-se à dinamicidade das transformações sociais. CONSIDERAÇÕES FINAIS O discurso do presidente norte americano John F. Kennedy, no ano de 1962, pode ser considerado o início de uma reflexão jurídica mais profunda sobre a temática da defesa do consumidor. Foi a partir deste momento que se verificou que “todos são consumidores”, ou seja, que em algum momento todas as pessoas terão este status, este papel social e econômico, estes direitos ou interesses legítimos, que são individuais, mas também são os mesmos no grupo identificável (coletivo) ou não (difuso), que ocupa aquela posição de consumidor (MARQUES, 2008, p. 24). Considerando então este importante papel desenvolvido por cada consumidor, e a partir de uma análise da legislação nacional produzida, percebe-se que, apesar dos inúmeros esforços para tutelar materialmente os direitos metaindividuais, a estes foi imposta a proteção processual do rito ordinário. Este é historicamente responsável pela tutela de direitos individuais, tendo sido utilizado especialmente para a proteção dos interesses burgueses após 279 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor a Revolução Francesa. O rito ordinário, portanto, não acompanha as mudanças sociais e nem mesmo os novos direitos, permanecendo completamente estagnado. O processo ainda se encontra atrelado a um ideal racionalista que aposta no rito e na consciência do julgador a tarefa de encontrar a verdade após o contraditório (conhecido apenas na modalidade prévia) e de ampla produção probatória. Não é possível mais conceber a ideia de que novos direitos, como os direitos coletivos do consumidor, que atingem não só os envolvidos na relação consumerista, mas toda a sociedade, ainda sejam reféns de um procedimento originado no Estado Liberal, incompatível com o ideário do Estado Democrático de Direito. Assim, torna-se indispensável perceber o impacto das concepções dinâmicas da tutela coletiva dos direitos fundamentais do consumidor para com o direito processual, propiciando a criação de locais de sumarização material, com a valorização das decisões proferidas com base na verossimilhança do direito para o julgamento do mérito da demanda e o afastamento do contraditório prévio e da cognição exauriente. Isto no intuito de permitir a obtenção de resultados eficientes e legítimos aos cidadãos consumidores que possuem seu direito fundamental violado e que está sendo tutelado por uma ação coletiva. REFERÊNCIAS BESSA, L. R.; BENJAMIN, A. H. V.; MARQUES, C. L. Manual de Direito do Consumidor. 2.tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm>. Acesso em: 16 mar. 2013. ____. Lei n.º 4.717 de 29 de junho de 1965. Regula a ação popular. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 jul. 1975. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4717.htm>. Acesso em: 16 mar. 2013. ____. Lei n.º 5.869 de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 jan. 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em: 16 mar. 2013. ____. Lei n.º 7.347 de 24 de julho de 1985. Disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 jul. 1985. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7347orig.htm>. Acesso em: 16 mar. 2013. 280 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor ____. Lei n.º 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 16 mar. 2013. ____. Lei nº 8.952 de 13 de dezembro de 1994. Altera dispositivos do Código de Processo Civil sobre o processo de conhecimento e o processo cautelar. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 14 dez. 1994. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8952.htm>. Acesso em: 16 mar. 2013. _____. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Apelação Cível n.º 500066986.2010.404.7204/SC. Apelante: Estor Luiz Macari; Intelcom Industria e Comercio de Tijolos LTDA; Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia – INMETRO. Apelados: Os mesmos. Relator Desembargador Federal Fernando Quadros Da Silva. Julgado pela Terceira Turma em 15 de maio de 2012. Disponível em: <www.trf4.gov.br/ >. Acesso em 16 mar. 2013. CAMBI, E. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. CHEVALLIER, J. O Estado Pós-Moderno. Tradução de Marçal Justen Filho. Belo Horizonte: Fórum, 2009. GRINOVER, A. P.; NERY JUNIOR, N.; WATANABE, K. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. vol. 2. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. GRINOVER, A. P. Direito Processual Coletivo. In: GRINOVER, A. P.; MENDES, A. C.; WATANABE, K. (Org.). Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. GRINOVER, A.P. (et al.). Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do Anteprojeto. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. HOMMERDING, A. N. Fundamentos para uma compreensão Hermenêutica do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. ISAIA, C. B. Processo Civil, atuação judicial e hermenêutica filosófica. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2011. _____. Processo Civil e Hermenêutica. A crise do procedimento ordinário e o redesenhar da jurisdição processual civil pela sentença (democrática) liminar de mérito. Curitiba: Juruá, 2012. NUNES, D. J.C. Fundamentos e dilemas para o sistema processual brasileiro: uma abordagem da litigância de interesse público a partir do Processualismo Constitucional Democrático. In: FIGUEIREDO, E.H.L.; MONACO, G.F.C.; MAGALHÃES, J.L.Q. (org.). Constitucionalimo e Democracia. 1.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. 281 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor SALDANHA, J. M. L.. Substancialização e efetividade do direito processual civil - A sumariedade material da jurisdição: proposta de estabilização da tutela antecipada em relação ao projeto de novo CPC. Curitiba: Juruá, 2011. SENADO FEDERAL. Projeto de Lei n.º 282, de 02 de agosto de 2012. Altera a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), para aperfeiçoar a disciplina das ações coletivas. Disponível em: <http://www.senado.leg.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=106771>. Acesso em 16 mar. 2013. SILVA, O. A. B. Processo e Ideologia: o Paradigma Racionalista. Rio de Janeiro: Forense, 2006. STRECK, L. L. O que é isto – decido conforme a minha consciência? 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. _____. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. São Paulo: Saraiva, 2011. 282 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor DIREITO DO CONSUMIDOR NAS RELAÇÕES DE TURISMO: DOUTRINA E JURISPERUDÊNCIA. DERECHO DEL CONSUMIDOR EM LAS RELACIONES DE TURISMO: DOCTRINA Y JURISPRUDENCIA. José Washington Nascimento de Souza RESUMO São constantes, as reclamações de turistas tanto brasileiros quanto estrangeiros, tendo em vista os diversos problemas que lhes são ocasionados, por vícios ou defeitos na prestação de serviços. São problemas com cartões de crédito, exploração por parte dos taxistas em geral, mal atendimento nos bares e restaurantes, hotéis sem verdadeira estrutura para receber hóspedes, atrasos ou cancelamentos em vôos, entre outros. No Brasil, temos órgãos oficiais, a exemplo da Embratur, que cuida da política de turismo, mas que não exerce um papel de fiscalização das mazelas que muitos empresários proporcionam para os viajantes. As delegacias especializadas em questões de turismo, normalmente só atuam quando o problema já ocorreu; não há uma atividade preventiva efetiva. Por outro lado, a qualidade da prestação de serviços é tão ruim, que as agências reguladoras vêm aplicando multas atrás de multas nas empresas que mais problemas ocasionam aos usuários. No caso da atividade aérea, a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil editou em 09 de março de 2010, a Resolução de nº 141, dispondo sobre as condições gerais de transporte aplicáveis aos atrasos e cancelamentos de vôos e às hipóteses de preterição de passageiros, visando coibir abusos por parte das diversas companhias aéreas que trafegam no Brasil. Por sua vez, o nosso Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078/90, não poderia deixar de ser o instrumento mais adequado à defesa do turista, pois, atribui aos fornecedores de produtos e serviços, a responsabilidade civil, acerca dos diversos vícios e defeitos no fornecimento de produtos e na prestação de serviços. O turismo é considerado uma das atividades, senão a atividade mais rentável do mundo, e cabe aos governos nas diversas esferas, cuidar cada vez mais pelo seu desenvolvimento, primando pela qualidade que devem oferecer àqueles que se dispõem a sair das suas residências, para visitarem outros lugares, em busca de diversão, aventura, ou mesmo descanso. Palavras chave: Turista; consumidor; qualidade; serviço. 283 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor RESUMEN Son constantes las reclamaciones de turistas, tanto brasileños como extranjeros, causadas por los diversos problemas que le son ocasionados, por vicios o defectos en la prestación de servicios. Son problemas con tarjetas de crédito, explotación por parte de los taxistas en general, mal atendimiento en bares y restaurantes, hoteles sin verdadera estructura para recibir a sus huéspedes, atrasos o cancelación de vuelos, entre otros. En Brasil tenemos órganos oficiales, por ejemplo Embratur, que cuida de la política del turismo, pero que no ejerce un papel de fiscalización de las molestias que muchos empresarios les proporcionan a los viajeros. Las comisarías especializadas en cuestiones de turismo normalmente solo actúan cuando el problema ya sucedió; no existe una actividad preventiva efectiva. Por otro lado, la calidad de la prestación de servicios es tan mala que las agencias reguladoras están aplicando una multa detrás de otra en las empresas que más problemas les ocasionan a los usuarios. En el caso de la actividad aérea, la ANAC – Agencia Nacional de Aviación Civil- editó el 9 de marzo de 2010 la resolución n°141, que dispone las condiciones generales del transporte, aplicables a los atrasos o cancelaciones de vuelos, y a las hipótesis de maltrato de pasajeros, con la intención de limitar los abusos que cometen diversas compañías aéreas que funcionan en Brasil. A su vez, nuestro Código de Defensa del Consumidor- Ley 8.078/90, no puede dejar de ser el instrumento más adecuado para la defensa del turista, pues les atribuye a los proveedores de productos y servicios, la responsabilidad civil acerca de los vicios y defectos en el abastecimiento de productos y en la prestación de servicios. El turismo es considerado una de las actividades más rentables del mundo y les corresponde a los gobiernos en sus diversas esferas, cuidar cada vez más por su desarrollo, priorizando la calidad que deben ofrecer a aquellos que se disponen a salir de sus residencias para visitar otros lugares, en busca de diversión, aventura o descanso. Palabras clave: Turista; consumidor; calidad; servicio. 1. INTRODUÇÃO Este texto busca tratar o turismo e o turista, como tema especial inserto nas relações de consumo, tendo em vista a importância dessa atividade, considerada a “indústria sem chaminé” e importante fator de desenvolvimento regional, tanto por movimentar as economias locais, quanto pela forte tendência à chegada de divisas. 284 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Não é à toa, que muitas cidades que tinham uma fraca economia, produto interno bruto baixíssimo, tendo em vista uma política de décadas voltada para o desenvolvimento do turismo, passaram a ser consideradas pólos internacionais e visitadas por turistas de todo o mundo, a exemplo de Maceió e Fortaleza, tidas como duas das cidades mais pobres do país. Um caso a se destacar, é o da cidade de Salvador, hoje um dos pólos turísticos mais visitados do Brasil, que sem sombra de dúvidas, buscou a sua vocação turística através da forte tendência de seus inúmeros gêneros musicais. A Bahia, como um todo, há cerca de quatro décadas, era mais conhecida como um Estado cuja capital era composta de centenas de igrejas e de um sem número de ladeiras, na qual tinha alguns cantores, a exemplo de Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Betânia, além de ser a terra do acarajé e da capoeira. Hoje Salvador se destaca no cenário mundial como pólo turístico, recebendo anualmente milhões de visitantes que veem desfrutar das suas belezas naturais, da sua musicalidade, da culinária, e, porque não dizer da sua mística cultura como um todo. Locais anteriormente considerados sem muita expressão encontraram no turismo a sua maior vocação, e conseguiram ser enxergados em todo o mundo como propícios para investimentos de todas as espécies. Entretanto, alguns estados com grande vocação turística e imensa recepção anual de viajantes, carecem de uma estrutura maior de segurança pública, que possa trazer para o turista a tranqüilidade que eles esperam em suas viagens, quer sejam pessoas residentes no país, ou vindas do exterior. A criação de delegacias especializadas para o turista é de pouca solução, pois o mais importante não é ter a quem recorrer numa hora de infortúnio fora de seu domicilio. O que mais interessa, é o cidadão poder andar nas ruas, ir aos bares e restaurantes, às casas de espetáculos senão com total, mas com relativa segurança, o que só será possível, com uma considerável estrutura policial ostensiva, o que é por demais carente em nosso Brasil. Apesar de o Brasil ser um dos destinos mais visitados por turistas de todo o mundo, ainda está aquém na prestação de serviços de alta qualidade, tanto no que se refere aos estabelecimentos comerciais, quanto às companhias aéreas, só para citar. E como no nosso país temos um Código de Defesa do Consumidor dos mais avançados, cabe ao turista local ou estrangeiro, valer-se da nossa tão bem elaborada legislação, para, em sendo desrespeitado nos seus direitos, buscar a devida reparação. 285 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 2. ANÁLISE CONSTITUCIONAL A Constituição Federal do Brasil primou em seu texto, pela aplicação de diversos princípios, em especial pelo princípio da dignidade da pessoa humana, insculpido no seu artigo 1º (Dos Princípios Fundamentais), inciso III. Reza o caput do artigo 5º da Carta Magna: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à Vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (EC nº 45/2004): (Sem grifo no original). Por sua vez, o inciso XV, prevê que: é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. Amparados pelos textos acima transcritos, um sem número de brasileiros, e até mesmo de estrangeiros, se locomove dentro do território nacional, buscando entre outras modalidades diferentes de vida, o lazer em outras localidades, lazer esse tratado como um direito social presente no caput do artigo 6º da Constituição Federal: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Sem grifo no original). O lazer, como atividade principal do turista, é tratado na Carta Magna, juntamente com o direito à liberdade que tanto se busca, e a segurança que tanto se necessita. E a Constituição Federal de 1988, também trouxe no seu bojo, a preocupação com o consumidor, categoria essa na qual se enquadra o turista, quando em seu artigo 5º, inciso XXXII, estabeleceu que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. E a defesa daquele enquadrado na categoria de consumidor, está prevista em um instrumento da mais alta qualidade, que é o Código de Defesa do Consumidor, instituído pela Lei 8.078/90. 286 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 3. CONCEITOS Este trabalho não teria o alcance desejado, se não fossem informados os conceitos dos diversos institutos a serem estudados, conforme se segue: 3.1 Relação de Consumo Objetivamente, relação de consumo nada mais é, do que a relação contratual existente entre consumidor e fornecedor. Paulo R. Roque A. Khouri, (2005, p.42), informa que: É preciso, então, em primeiro momento, estudar mais detidamente o conceito de consumidor e de fornecedor, nascendo, da relação entre ambos, a relação de consumo, habitat próprio da atuação do microssistema jurídico, cujo centro é o CDC. A relação de consumo vai comportar dois elementos fundamentais: o subjetivo e o teleológico. O subjetivo manifesta-se na qualidade dos partícipes dessa relação. É que necessariamente deverão estar nela envolvidos um fornecedor e um consumidor. Já o elemento teleológico se manifesta no fim da aquisição do bem ou serviço, qual seja, a destinação final. A doutrina fala ainda em um elemento objetivo, que seria o produto ou o serviço. Por sua vez, Antônio Carlos Efing (2010, p.32), assevera que: Mostra-se de extrema relevância o estudo das relações celebradas entre consumidores e fornecedores, já que inevitavelmente nos encaixamos, todos, na categoria de consumidores, e, muitas vezes, também na de fornecedores. Como bem observado, independentemente da teoria que se adote acerca de quem efetivamente é consumidor, em algum momento seremos consumidores de produtos ou de serviços. Observe-se que mesmo grandes grupos empresariais que adquirem produtos ou serviços para comercialização, em determinados momento adquirirão produtos ou serviços para consumo próprio, como destinatário final. 3.2 – Consumidor A Lei 8.078/90, em seu artigo 2º, de forma sucinta conceitua fornecedor, como: Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos ou serviços como destinatário final. 287 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Com esse texto, diversas transações de compra e venda, por exemplo, não poderiam ser enquadradas como uma relação de consumo, e a sua discussão jurídica passaria pelo crivo do Código Civil, e não do Código de Defesa do Consumidor. Por outro lado, no que concerne ao termo “destinatário final”, duas teorias se destacam, segundo Sérgio Cavalieri Filho (2010, p. 55/56): O que deve entender por destinatário final? Em torno dessa questão há duas correntes doutrinárias. A corrente maximalista ou objetiva entende que CDC, ao definir o consumidor, apenas exige, para sua caracterização, a realização de um ato de consumo. A expressão destinatário final, pois, deve ser interpretada de forma ampla, bastando à configuração do consumidor que a pessoa, física ou jurídica, se apresente como destinatário fático do bem ou serviço, isto é, que o retire do mercado, encerrando objetivamente a cadeia produtiva em que inseridos o fornecimento do bem ou a prestação do serviço. Não é preciso perquirir a finalidade do ato de consumo, ou seja, é totalmente irrelevante se a pessoa objetiva a satisfação de necessidades pessoais ou profissionais, se visa ou não ao lucro ao adquirir a mercadoria ou usufruir do serviço. Dando ao bem ou ao serviço uma destinação final fática, a pessoa, física ou jurídica, profissional ou não, caracteriza-se como consumidora. A corrente finalista ou subjetivista, a seu turno, entende ser imprescindível à conceituação de consumidor que a destinação final seja entendida como econômica, isto é, que a aquisição de um bem ou a utilização de um serviço satisfaça uma necessidade pessoal do adquirente ou utente, pessoa física ou jurídica, e que não objetive o desenvolvimento de outra atividade negocial. Não se admite, destarte, que o consumo se faça com vistas à incrementação de atividade profissional lucrativa. Segundo dicção do texto acima, não pode ser considerado consumidor, aquele que adquire o produto no mercado, e o devolve através de uma transação comercial de revenda, no papel de intermediário. É esse o entendimento de Efing (2010, p.32), nas palavras a seguir transcritas: Dessa forma o intermediário encontra-se excluído do pólo passivo da relação de consumo de acordo com a corrente finalista, eis que não possui a finalidade de utilizar o produto ou o serviço como destinatário final, mas como interlocutor na aquisição dos mesmos. 3.3 – Fornecedor 288 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Quase nenhuma discussão se faz acerca do conceito de fornecedor, como explicita o artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor: É toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Nas palavras de José Geraldo Brito Filomeno (2008, p.32), fornecedor: (...) em última análise, é todo aquele que provê o consumidor de produtos e serviços. Some-se ao conceito de fornecedor, a característica da habitualidade, o que exclui o vendedor ou prestador de serviço eventual, da aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Nas palavras de De Plácido e Silva, (2008, p. 635) Derivado do francês fournir (fornecer, prover), de que se compôs fournisseur (fornecedor), entende-se todo comerciante ou estabelecimento que abastece ou fornece habitualmente uma casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e mercadorias necessários a seu consumo. 3.4 – Turismo Houaiss (2001, p.2788), define turismo como: Ação ou efeito de viajar, basicamente com fins de entretenimento e eventualmente com outras finalidades (ex, culturais). 1.1 prática ou exercício de excursionar, ger. em grupo, por entretenimento ou estudo. No conceito supra, o turismo é relacionado não apenas a viagens de lazer, entretimento, mas viagens por motivos diversos, sendo esse o entendimento, e ainda ampliado, de Luciana Padilha Leite Leão da Silva (2005, p. 12): Como um todo estrutura, o turismo não é mais do que um produto composto ou uma combinação de serviços, cuja funcionalidade depende de uma série de conhecimentos 289 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor operacionais e de paciente dedicação para atendimento cabal dos requisitos da oferta e das exigências da demanda. Assim, o turismo apresenta-se como um conjunto de prestações de serviços que tem por objetivo o planejamento, a promoção e a execução de viagens, e os serviços de recepção, hospedagem e atendimento aos indivíduos e aos grupos, fora de suas residências habituais. Envolve o turismo um conjunto de atividades que devem ser sistematicamente planejadas, visando o conforto do turista, atividades estas que muitas das vezes são desenvolvidas por uma única empresa especializada que oferece desde a passagem, hospedagem, alimentação, ao translado, ao city tour, etc. E muitas vezes os serviços fornecidos pelas operadoras não atendem às expectativas dos consumidores, que, insatisfeitos, buscam a guarida do poder judiciário visando à reparação pelos danos possivelmente sofridos. 3.5 – Turista No dizer de Houaiss (2001, p. 2788), turista é o “indivíduo que faz turismo”. Sendo assim, o Turista é aquele indivíduo que busca em suas viagens, aventura, lazer, cultura, descanso, entre outras formas de convivência longe de suas residências. E esse indivíduo, em regra, coloca todas as suas expectativas nos ombros de empresas especializadas, as quais muitas vezes não cumprem nem boa parte do que fora prometido. E o turista não tem problemas fora do seu domicílio apenas com as empresas responsáveis por suas viagens. Outros problemas podem surgir, a exemplo dos que iremos relatar. Para a realização de uma viagem, em qualquer das suas modalidades, é realizado um contrato de turismo. Nas palavras de Paulo Sérgio Feuz (2003, p.63): O contrato de turismo é aquele que é realizado com o intuito de lazer, ou seja, um prestador de serviços que oferece a um consumidor final a oportunidade de diversão em qualquer meio ambiente natural, artificial e cultural. Cláudia Lima Marques, citada por Feuz (2003, p.63/64), informa que: Estes contratos são fechados entre agências de turismo e consumidores, incluindo em seu objeto não só a viagem (aérea, marítima ou terrestre), mas também a hospedagem, os translados e uma série de atividades recreativas, com excursões, idas a 290 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor museus, shows, etc. é um contrato de prestação de serviços, mas os serviços nem sempre são prestados pela agência e sim por uma verdadeira rede de fornecedores, ficando a depender destes a qualidade da prestação total. E quando a prestação do serviço, total ou parcial não atende às expectativas que foram criadas pelos turistas, surge então o dever de indenizar, preconizado no Código de Defesa do Consumidor, combinando tal dever ainda, com o teor do disposto nos artigos 186 e 187 do Código Civil. 4. RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil decorre pura e simplesmente, da inobservância dos ditames previstos no Código de Defesa do Consumidor, combinado com a previsão contida nos artigos 186 e 187 do CDC. A responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços é objetiva, ou seja, independe da comprovação de culpa. No caso de contrato de turismo, que se caracteriza como uma prestação de serviços, o artigo 14 do CDC assim prescreve: O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequada sobre sua fruição e riscos. Quanto a excludentes de responsabilidade, Rafael Augusto de Moura Paiva, (2012, p.262/263), assim se manifesta: Um ponto a ser discutido é o que se refere às causas de exclusão ou excludentes de responsabilidade. Para nós, somente o facto exclusivamente devido à actuação da vítima e o fortuito externo, entendido como o evento inevitável completamente alheio à actividade do profissional turístico, devem ser capazes de afastar a responsabilização do profissional (em prejuízo do consumidor. O facto exclusivo de terceiro deve ser alvo de discussão, mas pensamos, para o momento, que o imperativo social de reparação e a protecção dos interesses econômicos dos turistas apontam para a responsabilização objetiva do profissional do turismo em tais casos, especialmente levando em conta a possibilidade de exercícios do direito de regresso contra terceiros. 291 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Questão que gera alguma discussão é o grau de responsabilização pelo vício do serviço, inserto no artigo 20 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Cavalieri, (2010, p. 302), entende que: Responsáveis pela reparação são todos os fornecedores, solidariamente, inclusive o comerciante. Embora o art. 20 do CDC não fale expressamente em solidariedade, o termo fornecedor, de acordo com o art. 3º do mesmo código, é o gênero daqueles que desenvolvem atividade no mercado de consumo. Assim, toda vez que o CDC refere-se a fornecedor, está envolvendo todos aqueles que participaram da prestação do serviço, pelo que poderá o consumidor escolher e acionar diretamente qualquer dos envolvidos. O certo é que o Código de Defesa do Consumidor, enquanto instrumento de proteção dos consumidores em geral, é o dispositivo mais adequado que existe para dirimir dúvidas nas relações de consumo, fazendo com que o consumidor possa, em caso de ter seu direito lesado, buscar a devida reparação. 5. PRÁTICAS INACEITÁVEIS O Código de Defesa e Proteção do Consumidor prevê exemplificadamente em seu artigo 39, uma série de práticas abusivas, costumeiramente utilizadas por diversos tipos de fornecedores de produtos e serviços. De forma explícita, algumas práticas afetam diretamente o turista, que por seu caráter de vulnerabilidade, longe do seu domicílio, está mais exposto ao sofrimento, ao dano. No rol de práticas abusivas, é possível enquadrar diversas situações às quais os fornecedores de produtos e serviços impõem aos consumidores, em especial aos turistas, práticas estas que não têm guarida em nossos tribunais. 5.1 Não responsabilização por objetos deixados no interior dos apartamentos. É comum ao adentrar ao quarto de um hotel, o turista defrontar-se com uma placa atrás da porta, com os dizeres “não nos responsabilizamos por objetos deixados no interior dos apartamentos”. Tal “cláusula” não tem valor jurídico, considerando-se a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços, e o dever de guarda e segurança da 292 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor bagagem dos seus hóspedes. Esta abusividade enquadra-se perfeitamente no teor do artigo 51, I, do Código de Defesa do Consumidor: São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos ou serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis. Esse é também o posicionamento dos nossos Tribunais, conforme julgado a seguir transcrito: EMENTA: Responsabilidade civil. Subtração de objetos em quarto de pousada. Arrombamento comprovado. Dever de guarda. Dano material. Dano moral configurado, quantum da compensação. Redução. 1. Dever de guarda. É presente o dever de guarda do estabelecimento hoteleiro com relação aos pertences dos hóspedes. Assim, comprovado satisfatoriamente o arrombamento da janela do quarto e a subtração de objetos de posse e propriedade dos clientes, é dever do fornecedor dos serviços indenizar os danos sofridos pelos autores, tanto os materiais, quanto os imateriais. 2. Dano material. Apresenta-se razoável concluir que os objetos listados pela parte autora estavam na cabana no momento do furto, pois as vestimentas e os óculos são ordinariamente necessários, sendo os aparelhos de som, de filmar e de fotografar usualmente utilizados pelos turistas, a fim de registrarem os acontecimentos da viagem. Hospedagem que se deu no fim de semana comemorativo ao dia dos namorados. 3. Dano moral. Esse Tribunal já sedimentou entendimento segundo o qual o furto de objetos em hotel ou em pousadas dá azo ao reconhecimento dos danos morais. Do fato negativo emergem certamente sentimentos de desgosto, impotência, dissabor, além de todos transtornos causados, a quebra da paz e tranqüilidade dos hóspedes, rompendo o equilíbrio dos momentos de lazer. Tais fatos colocam a figura do dano moral e reclamam indenização. 4. Quantum. Montante fixado na sentença que vai reduzido, tendo-se em conta as condições econômicas da ré. Apelo parcialmente reduzido. (Apelação Cível Nº 70026206177, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, julgado em 13.11.2008). Como apresentado, a jurisprudência sempre caminhou no sentido de que a responsabilidade do fornecedor do serviço é objetiva, e o fornecedor de produtos e 293 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor serviços tem o dever de indenizar, independentemente de culpa, desde que não haja nenhuma das excludentes previstas nos incisos I e II, do § 3º, artigo 14 do CDC (em, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste, ou a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro). No caso em tela, o turista deve comparecer a uma delegacia competente (do turista, plantonista, etc), solicitar que se preencha o respectivo boletim de ocorrências, descrever os objetos furtados, e solicitar o ressarcimento aos responsáveis pelo estabelecimento. Na hipótese do não atendimento, ajuizar a respectiva ação, sendo competente o foro do domicílio do consumidor (turista). 5.2 Atrasos, cancelamentos de vôos e extravio de bagagem. Um dos maiores problemas com os quais se depara o turista, é com atrasos ou cancelamentos de vôos. E o dissabor nem sempre se resume apenas a chegar ao destino com atraso, mas, em muitas vezes, o consumidor/turista sofre além de danos materiais (perda de negócios, por exemplo), verdadeiro dano moral motivado muitas vezes pelo estresse e longa espera para chegar ao seu destino final. Em 9 de março de 2010, a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil emitiu a Resolução nº 141, dispondo sobre as condições gerais de transporte aplicáveis aos atrasos e cancelamentos de vôos e às hipóteses de preterição de passageiros, trazendo em seu texto, por exemplo, a obrigação de a companhia aérea informar sobre o atraso do vôo. Em caso de atraso no aeroporto de partida por mais de quatro horas, o transportador deverá oferecer as seguintes alternativas ao passageiro, de acordo com o artigo 3º da retro mencionada Resolução: I – a reacomodação em vôo próprio que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, na primeira oportunidade, ou em vôo próprio a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro; II - o reembolso do valor integral pago pelo bilhete de passagem não utilizado, incluídas as tarifas; Poderá ainda o fornecedor do serviço oferecer ao passageiro, a reacomodação em vôo de terceiro que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino. 294 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Havendo atraso no aeroporto de escala ou de conexão por mais de quatro horas, o transportador deverá oferecer as seguintes alternativas ao passageiro (art. 4º da Res. 141 da ANAC): I – a reacomodação em vôo próprio ou de terceiros, que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, na primeira oportunidade, ou em vôo próprio a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro; II – o reembolso integral, assegurado o retorno ao aeroporto de origem, ou do trecho não utilizado, se o deslocamento já realizado aproveitar ao passageiro; III – a conclusão do serviço por outra modalidade de transporte. O artigo 8º da Resolução 141 da ANAC prevê que no caso de cancelamento do vôo ou interrupção do serviço, o transportador deverá oferecer ao passageiro as mesmas alternativas contidas no artigo 4º, sendo que o reembolso integral ou a conclusão do serviço por outra modalidade de transporte ocorre somente no caso de interrupção. Estabelece o artigo 14, que nos casos de atraso, cancelamento ou interrupção de vôo, o transportador deverá assegurar ao passageiro que comparecer para embarque o direito de assistência material, dependendo do tempo de espera, nas seguintes condições: I – atraso no embarque superior a uma hora: facilidades de comunicação, tais como ligação telefônica, acesso a internet e outros; II – se o atraso for superior a duas horas, alimentação adequada; III – se superior a quatro horas, acomodação em local adequado, traslado e, quando necessário, serviço de hospedagem, podendo deixar de oferecer este último, se o passageiro residir na localidade do aeroporto de origem. Não são raros os atrasos e cancelamentos de vôo promovidos pelas nossas companhias aéreas. Cabe ao passageiro, portanto, buscar os meios legais para se ver ressarcidos de eventuais danos materiais e/ou morais pelos defeitos e vícios na prestação do serviço aéreo. O STJ se manifestou da seguinte forma, acerca do assunto: EMENTA: Agravo Regimental em Agravo de Instrumento. Indenização. Transporte Aéreo. Cancelamento de vôo. Aplicação do CDC. Precedentes do STJ. Responsabilidade. Verbetes nrs. 7 295 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor e 83 do STJ. Incidência. Danos morais e materiais. Valor arbitrado pela instância ordinária. Revisão. Dissídio jurisprudencial não configurado. 1. "Após o advento do Código de Defesa do Consumidor, a responsabilidade civil do transportador aéreo pelo extravio de mercadoria subordina-se ao princípio da ampla reparação, afastando-se a indenização tarifada prevista na Convenção de Varsóvia" (AgRg no Ag 1230663/RJ, relator Min. João Otávio de Noronha, DJe 3/9/201). 2. A desconstituição das premissas fáticas lançadas pelo Tribunal de origem, na forma pretendida, demandaria a incursão no acervo fático, procedimento que encontra óbice no verbete nº 7/STJ. 3. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça admite, excepcionalmente, em sede especial, o reexame do valor fixado a título de danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que a verba indenizatória, consideradas as circunstâncias de fato da causa, foi estabelecida pela instância ordinária em conformidade com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 4. Dissídio jurisprudencial que não se reconhece, seja pela ausência de semelhança fática entre as hipóteses confrontadas, ou pela falta de atendimento aos regramentos legais e regimentais da espécie. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (processo AgRg no Ag 1341046 RJ. Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2010/0150249-9. Relatora Ministra Maria Isabel Galollti. Órgão julgador T4 – 4ª Turma. Data do julgamento: 07/08/2012). No que tange ao extravio de bagagem, será ela considerada extraviada, se não for entregue no seu posto de destino. Nesta hipótese, deve o passageiro procurar o balcão da companhia aérea para o preenchimento do formulário de Registro de Irregularidade de Bagagem. Serve também para o caso de a bagagem vir danificada. Independentemente do tempo para a recuperação da bagagem, o passageiro poderá comprovar que teve danos com o respectivo extravio, e acionar o Poder Judiciário, visando à devida reparação. É farta a jurisprudência no sentido de indenizar o passageiro, por todos os dissabores sofridos, conforme exemplo transcrito: EMENTA. Responsabilidade civil. Ação de indenização por danos materiais e morais. Extravio de bagagem. Dano material. Limitação prevista na Convenção de Montreal que não prevalece, ante a incidência do CDC. Responsabilidade objetiva do transportador (art. 114, “caput” do CDC). Dano moral. Prejuízo que decorre do simples fato da violação. Relação de consumo caracterizada. Quantum arbitrado que não comporta redução. Sentença mantida. (Processo Apelação nº 0111164-64.2009.8.26.010.2. Comarca 296 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor de São Paulo). 5.3 Overbooking O overbooking é uma prática em todo o mundo, que consiste em a empresa aérea vender mais bilhetes do que o disponível no vôo, tendo em vista a média de desistência de passageiros em vôos anteriores. Observa-se a média de ocupação, e verifica-se que em muitas vezes, a aeronave voa com assentos vazios. Ocorre que, mesmo observando essa média, em determinadas ocasiões a quantidade de passageiros a embarcar é maior do que o número de assentos, fazendo com que alguns sejam preteridos. O artigo 10 da Resolução 141 da ANAC estabelece que: Deixar de transportar passageiro com bilhete marcado ou reserva confirmada configura preterição de embarque Em seu parágrafo único, prevê o dever de informação, conforme teor transcrito: Quando solicitada pelo passageiro, a informação sobre o motivo da preterição deverá ser prestada por escrito pelo empregador. Prevê o artigo 12, que em caso de preterição de embarque, o transportador deverá oferecer ao passageiro as mesmas alternativas previstas no artigo 4º, bem como a mesma assistência material estabelecidas no artigo 14 da Resolução 141 da ANAC, já tratado no item anterior. Independentemente das providências administrativas a serem adotadas pelas companhias aéreas, as mesmas são passíveis de reparação civil pela prática do overbooking, conforme decisões a seguir transcritas: RESPONSABILIDADE CIVIL. Danos morais. Perda de vôo para a cidade de Palmas que impediu o autor de desfrutar alguns dias de férias na companhia de sua família. Prática de "overbooking" confessada pela companhia aérea. Responsabilidade civil configurada. Danos morais caracterizados. Indenização fixada em R$ 10.000,00, com correção monetária desde a data de ajuizamento da ação. Possibilidade de ratificação dos fundamentos da sentença quando, suficientemente motivada, reputar a Turma Julgadora ser o caso de mantê-la, o que se verifica em relação à configuração dos danos morais indenizáveis. Aplicação do disposto no artigo 252, do Regimento Interno do Tribunal de 297 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Justiça do Estado de São Paulo. Provimento parcial do apelo exclusivamente para reduzir o valor da condenação imposta à companhia aérea a R$ 5.450,00, corrigidos da data do acórdão. Recurso provido, em parte. (Processo Apelação nº 9267704-15.2008.8.26.0000. Comarca de São Paulo. Considerando que o contrato de transporte aéreo se trata de uma relação de consumo, é possível também enquadrar o overbooking na situação de consumidor por equiparação, conforme disposto no parágrafo único do art. 2º do CDC e de acordo com julgado a seguir transcrito EMENTA. Apelação Cível. Indenização por danos morais e materiais. Overooking ocorrido com a irmã da autora/apelante que deixa de embarcar para fazê-la companhia em pleno Natal. Dano moral por ricochete. Consumidora por equiparação. Indenização por danos morais devida. Valor arbitrado em R$ 15.000,00. Danos materiais demonstrados em parte. Decaimento em parte mínima do pedido do réu que deve arcar integralmente com o pagamento das custas e dos honorários advocatícios. Recurso parcialmente provido. (processo 847230-4. Acórdão 34210. Órgão julgador: 8ª Câmara Cível. Relator: Jorge de Oliveira Vargas. Tribunal de Justiça do Paraná. Data do julgamento: 26/07/2012). 5.4 Taxa de “rolha” sem prévio aviso Taxa de “rolha”, como tradicionalmente é conhecida, é uma cobrança que se pratica em hotéis, bares e restaurantes, para cada bebida aberta e servida por seu serviço, ou simplesmente levada pelos hóspedes para os respectivos estabelecimentos. Alguns restaurantes e hotéis colocam tradicionalmente avisos com a informação relativa a essa taxa, sendo, portanto, um procedimento lícito, pois a informação necessária é prestada antecipadamente. Ocorre que alguns hotéis, em especial resorts que não adotam o sistema all inclusive, só prestam a informação no tocante à cobrança da taxa de “rolha”, no momento em que o hóspede já se encontra devidamente acomodado, ou seja, a informação só é passada ao turista muito tempo depois da contratação do serviço. O aviso em regra encontra-se no cardápio, e o hóspede só toma conhecimento da referida taxa quando horas depois vai fazer uma refeição, e aproveita para beber a bebida que levara em sua viagem, muitas vezes adquirida nos free shops. No caso em tela, quando o consumidor só toma conhecimento da citada “cláusula”, horas após a contratação (assinatura da ficha de hóspede, recepção da chave 298 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor do apartamento, acomodação, etc), tem-se que o artigo 46 do CDC aplica-se à espécie, fazendo com que o fornecedor arque com todos os prejuízos porventura causados ao consumidor, no caso o turista. A seguir o teor do citado artigo. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance. Também é direito do consumidor, a teor do inciso III do artigo 6º do CDC a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. No dizer de Benjamin, Marques e Bessa (2009, p. 58/59): No CDC, a informação deve ser clara e adequada (arts. 12, 14, 18,20, 30, 33, 34, 46, 48, 52 e 54), esta nova transparência rege o momento pré-contratual, rege a eventual conclusão do contrato, o próprio contrato e o momento pós-contratual. É mais do que um simples elemento formal, afeta a essência do negócio, pois a informação repassada ou requerida integra o conteúdo do contrato (arts. 30, 33, 35, 46 e 54), ou, se falha, representa a falha (vício) na qualidade do serviço oferecido (arts. 18, 20 e 35). Da mesma forma, se é direito do consumidor ser informado (art. 6º, III), este deve ser cumprido pelo fornecedor e não fraudado (art. 1º). Assim, a cláusula ou prática que considere o silêncio do consumidor como aceitação (a exemplo do art. 111 do CC/2002), mesmo com falha da informação, não pode prevalecer (arts. 24 e 25), acarretando a nulidade da cláusula no sistema do CDC (art. 51, I) e até no sistema geral do Código Civil (art. 424 do CC/2002). O direito à informação, assegurado no art. 6º III, corresponde ao dever de informar imposto pelo CDC ao fornecedor nos arts. 12,14, 18, e 20, nos arts. 30 e 31, nos arts. 46 e 54. No caso em exame, no qual o cliente só toma conhecimento da cobrança da taxa de “rolha” após a fase contratual, incorrendo em falha de comunicação por parte do fornecedor, nenhum efeito jurídico pode ter em relação ao consumidor, que se sentirá então, desobrigado do seu cumprimento. 5.5 Limites de saques/compras no cartão de crédito/débito nas viagens 299 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Atualmente é comum as operadoras de cartões de crédito/débito, solicitarem que seus clientes sempre que efetuarem alguma viagem as comuniquem, para efeito de liberação dos cartões e de respectivos limites para compras e saques. Ocorre que não é raro algumas instituições financeiras por falhas nos seus sistemas de processamento ou de informação, efetuarem bloqueios de cartões ou não liberarem recursos acima de determinados valores, sem avisarem aos clientes, correntistas ou não. Algumas instituições limitam saques em outras praças em, por exemplo, R$ 100,00 ao dia, sem se darem ao trabalho de avisarem ao cliente de que devem avisar para liberar quantias maiores, antes da viagem. E observe-se que isso independe da quantia depositada na instituição financeira, do saldo que possui o correntista. Então, num belo jantar em um ótimo restaurante e com excelentes companhias (família, amigos, etc), um cliente de determinado banco vai pagar a conta, e recebe a informação do garçom que o cartão não tem limite para tanto. Surge então a vergonha, o desespero perante os presentes, se caracterizando então, o dever do fornecedor em indenizar àqueles que passaram por tamanho dissabor. Falhas na prestação de serviços no que se refere a cartões de débitos/créditos são comuns, mas que afetam diretamente o turista, por ter maiores dificuldades na solução do problema. decidido: Visando coibir abusos dessa natureza, os nossos Tribunais assim têm Ementa: Tentativa de saque em caixa eletrônico que não foi concretizada Apelante que se encontrava em cidade que não era a de sua residência Danos materiais e morais Ocorrência O dano moral está consubstanciado no prejuízo sofrido pelo cliente ao não receber o valor debitado de sua conta e ainda ficar impossibilitado de efetuar outras transações financeiras durante o dia, tudo em decorrência de falha na prestação do serviço bancário e os danos materiais são devidos em função da frustração dos objetivos da viagem Recurso parcialmente provido para condenar o apelado ao pagamento de danos morais no valor de R$ 1.000,00, corrigidos a partir do arbitramento, e danos materiais no valor de R$24,00, corrigidos a partir da ocorrência do evento danoso. Processo nº 0002945-93.2009.8.26.0470. Relator(a): Pedro Ablas. Comarca: Porangaba. Órgão julgador: 14ª Câmara de Direito Privado. Tribunal de Justiça de São Paulo. Data do julgamento: 29/02/2012. Data de registro: 07/03/2012. 300 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 6. CONCLUSÃO Como dito anteriormente, o turismo é uma das atividades que mais gera dividendos em todo o mundo. Existem no Brasil, diversos Estados e Municípios com grande vocação para o turismo. E, entendendo que esse é o caminho que todos devem trilhar para alcançar o desenvolvimento, muitos governos têm incentivado a atividade turística, com a criação de diversos pólos, divulgação maciça em outros lugares, incentivo à instalação de novos empreendimentos, etc. Mas isso não é tudo. É necessário que os governantes se voltem também para uma política de segurança pública, fazendo com os turistas, em especial os estrangeiros, se sintam protegidos em nosso país e tenham o desejo de retornar. Estamos às portas de dois eventos mundiais de grande envergadura, com apenas dois anos de diferença de um para o outro. A Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016, esta a ser realizada no Rio de Janeiro, estado do qual, apesar da onda de pacificação nas favelas nos últimos anos, ainda carece de segurança para a sua população como um todo. Internamente, sofrem os turistas com a má qualidade das acomodações em muitos estabelecimentos classificados como de superior qualidade. Além do mais, as companhias aéreas não fornecem, de um modo geral, a qualidade que todo turista espera. Ao contrário, muitas vezes a espera, é no saguão dos aeroportos para o respectivo embarque. Como demonstrado, em diversas ocasiões as instituições financeiras são causadoras de verdadeiros suplícios para os turistas, em especial aqueles não muito familiarizados com viagens, ao não lhes prestarem as devidas informações, no caso de deslocamentos para outros Estados. E ai, o sofrimento termina transformando uma bela viagem, em um caso judicial. São demandas e mais demandas nos juizados especiais, por conta de vícios na prestação de serviços. Se o serviço não atende às expectativas do consumidor, turista, no caso em estudo, resta ao Poder Judiciário, proporcionar ao viajante, a devida reparação pelos danos possivelmente sofridos. 7. REFERÊNCIAS 301 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor BENJAMIN, Antônio Hernan V; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Rescoe. Manual de Direito do Consumidor. 2ª Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2010 EFING, Antônio Carlos (organizador). Direito do Consumo. 2ª edição. Juruá: Curitiba, 2010. FEUZ, Paulo Sérgio. Direito do Consumidor nos Contratos de Turismo. São Paulo: Edipro, 2003. FILOMENO, José Geraldo Brito. Curso Fundamental de Direito do Consumidor. 2ª Edição. São Paulo: Atlas, 2008. GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antonio de Vasconcellos; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; NERY JUNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa e Proteção do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. HOUAISS. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. KHOURI, Paulo R. Roque A. Khouri. Direito do Consumidor. 2ª edição. São Paulo: Atlas, 2005. PAIVA, Rafael Augusto, de Moura. Direito, Turismo e Consumo. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. SANTANA, Héctor Valverde. Dano Moral no Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense 2008. SILVA, Luciana Padilha Leite Leão da Silva. A responsabilidade Civil nos Contratos de Turismo em face do Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; BARIONI, Fabiana Carvalho Rodrigo. Aspectos Processuais do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. 302 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor GLOBALIZAÇÃO, COMÉRCIO ELETRÔNICO E HIPERCONSUMO: impactos sobre o desenvolvimento econômico GLOBALIZATION, ELECTRONIC COMMERCE AND HYPERCONSUMPTION: impacts on the economic development Daniele Maria Tabosa Machado1 Maria Cristina Santiago Moura de Moura2 Resumo Evidencia-se que um dos efeitos da globalização consubstancia-se na adoção de um padrão de consumo exacerbado, nos moldes praticados pela sociedade estadunidense, identificada pela terminologia hiperconsumo. Ainda dentro do contexto desse processo, ressalta-se o papel do avanço tecnológico, voltando atenção para o incremento do comércio eletrônico. Assim, propõe-se uma reflexão sobre o crescimento dessa modalidade comercial, bem como os impactos no desenvolvimento econômico. Para tanto, parte-se de uma análise do termo globalização, identificando-o como processo histórico, político e econômico. Em seguida, aborda-se a temática do comercio eletrônico e traça-se um paralelo entre este e o crescimento econômico. Por último, diferencia-se o crescimento econômico do desenvolvimento econômico e aborda-se a questão do hiperconsumo e sua interface com desenvolvimento econômico. Palavras chaves: globalização; comércio eletrônico; hiperconsumo. Abstract It is evident that one of the effects of globalization is consolidated on the adoption of a standard of excessive consumption, on the molds practiced by the American society, identified by the terminology of hyperconsumption. Yet in the contest of the globalization process, it is noteworthy the part played by technological progress, highlights for electronic commerce. Finally, it is proposed a reflection about this business arrangement and the impacts on the economic development. To this end, one starts with an analysis of the term ‘globalization’, identifying it as a historical, political and economic process. Next, one talks about electronic commerce and draws a parallel between it and economic growth. Lastly, one must distinguish between the economic growth of economic development and consider the question of hyperconsumerism and its interface with economic growth. Key words: globalization; electronic commerce; hyperconsumption. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Jurídicas da Universidade Federal da Paraíba. Especialista em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Advogada. 2 Mestranda do Curso Pós-Graduação em Ciências Jurídicas – Área de concentração em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Professora do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário de João Pessoa – Unipê. Professora do Curso de Pós-Graduação de Psicologia Jurídica do Centro Universitário de João Pessoa – Unipê. Advogada. 303 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 1 Introdução Pretende-se, através do presente texto, propor uma reflexão sobre os efeitos da globalização, e consequentemente do comércio eletrônico, no desenvolvimento econômico. Primeiramente, procurar-se-á demonstrar que o processo de globalização enseja conseqüências de diferentes matizes. Assim, tanto provoca efeitos positivos, como também, possui o condão de impactar negativamente no desenvolvimento econômico de alguns países integrantes da comunidade internacional. Como base de sustentação para a presente afirmação, serão analisados alguns conceitos sobre a globalização e suas conseqüências. Assim, será visto que a globalização pode ser concebida como elemento desencadeador de vários processos simultâneos, a exemplo da difusão internacional de notícias através da internet3, possibilitando a identificação da abordagem internacional de temas como preservação do meio ambiente, direitos humanos e integração econômica global. Analisar-se-á, ainda alguns aspectos da sociedade atual, ressaltando-se o impacto do avanço tecnológico, e sua marca na sociedade de hoje. Igualmente, será discutido, no presente artigo, o acolhimento da política do hiperconsumo estadunidense e sua repercussão na economia brasileira. Aborda-se o papel do avanço tecnológico e do crescimento do comércio eletrônico como tendência natural da atualidade e sua relação com o aumento do consumo na sociedade hodierna. Enfim, serão analisados os impactos do crescimento do comércio eletrônico na economia brasileira, questionando-se se o crescimento econômico aferido pelo aumento do PIB (produto interno bruto) traduz-se em sinônimo de desenvolvimento econômico para o Brasil? Ainda, propõe-se no texto em epígrafe, observar as modificações ocorridas no comércio eletrônico e que são, a nosso entender, consequência inerente à sociedade de tecnologia que se vivencia na contemporaneidade. Finalmente, tece-se considerações sobre o crescimento econômico oriundo do implemento das relações de consumo pela internet e fazse um contraponto com a questão do desenvolvimento econômico do país. 2 Algumas ponderações sobre globalização e a sociedade atual 3 Para o conceito de internet, utiliza-se o proposto por Pedemonte, reproduzido no livro Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil, de Liliana Minardi Paesani, segundo o qual temse: “Hoje, a internet é vista com um meio de comunicação que interliga dezenas de milhões de computadores no mundo inteiro e permite o acesso a uma quantidade de informações praticamente inesgotáveis, anulando toda distância de lugar e tempo” (PAESANI. 2012, p.10). 304 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A sociedade que se descortina na atualidade encontra-se marcada por inseguranças, e incertezas. A rapidez com que as informações são veiculadas em virtude do avanço tecnológico enseja nas pessoas efeitos de diferentes nuanças. Proliferam-se, no espírito do homem, múltiplas inquietações, levando-os, muitas vezes, a experienciarem uma profunda angústia. Surgem, simultaneamente, questionamentos jurídicos, filosóficos e morais a respeito da vida humana, do meio ambiente e da sociedade na qual se está inserida. Percebe-se que o avanço da tecnologia afeta consideravelmente a sociedade contemporânea, sendo instrumento preciso na concretização do fenômeno da globalização. Tem-se que globalização é um termo plurissignificativo, no entanto para o presente escrito toma-se o conceito proposto na obra Paradigmas Inconclusos: os contratos entre a autonomia privada, a regulação estatal e a globalização dos mercados, oferecido pelo filósofo italiano Zolo, segundo o qual “a globalização pode ser vista, em sentido mais específico e atual, como processo social – fortemente influenciado pela inovação tecnológica e pela informática – que deu origem a uma rede mundial de conexões espaciais e de interdependência funcional” (FEITOSA, 2004, p. 40). Diga-se, ainda, dentre as inúmeras conseqüências advindas do processo globalizador, que marca a atualidade, tem-se o contato ou interface entre vários atores sociais e fatos econômicos, culturais e políticos que, apesar do distanciamento geográfico do local de suas ocorrências, produzem efeitos sociais e humanos, em diferentes localidades. Registre-se, também, que nem sempre essas conseqüências são positivas, em razão das diferenças históricas, culturais, políticas e econômicas imanentes a cada país. (FEITOSA, 2004, p. 40-41). Para a exata compreensão da assertiva posta acima se entende, pertinente, relembrar alguns aspectos relevantes dos países, analisados em uma perspectiva econômica internacional e que foram sistematizadas em teorias: a teoria da dependência4, a teoria da modernizaçã5o e a teoria do sistema-mundo.6 4 Como representantes dessas escolas destacam-se o alemão André Gunder Frank e o ucraniano Paul Baran, dentre os autores brasileiros, seus principais formuladores são Ruy Mauro, em 1997 e Theotônio dos Santos, entre outros. Em um artigo clássico, A estrutura da Dependência, publicado em 1970 na revista American Economic Review, Theotônio dos Santos conceitua a dependência como sendo uma situação na qual a economia de certos países é condicionada pelo desenvolvimento e pela expansão de outra economia à qual está subordinada. A relação de interdependência entre duas ou mais economias, e entre estas e o comércio internacional, assume a forma de dependência quando alguns países (os dominantes) podem se expandir e serem autossustentáveis, enquanto outros (os dependentes) só podem fazê-lo como um reflexo daquela expansão, o que pode ter um efeito positivo ou negativo sobre seu desenvolvimento imediato. (Revista Carta Capital Edição de 06. 2012.) 5 As teorias da modernização pretendem ter validade geral e alcance global, mas seu objetivo específico é a mudança no mundo pós-colonial, pensando-a no interior da concepção norte-americana de Guerra Fria, que essas mesmas teorias ajudaram a consolidar. Identifica um padrão de sociedade “tradicional” e um padrão de sociedade “moderna” e define modernização como o processo de passagem de um padrão a outro, passagem, 305 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Os adeptos da teoria da dependência concentram sua atenção nos países subdesenvolvidos construindo uma visão crítica sobre a relação destes com os países centrais. Para se compreender a unidade nacional ou regional, seria preciso verificar o progresso da economia. Assim, dentro do sistema político-econômico mundial, seriam centrais as economias que adotassem técnicas capitalistas de produção e periféricas aquelas que permanecessem atrasadas no ponto de vista do incremento tecnológico em sua produção. Por sua vez, a teoria da modernização, de viés funcionalista e sociológica distingue as sociedades tradicionais das modernas, categorizando o mundo em três seguimentos. O primeiro formado por países de economia industrializada; o segundo formado por países de economias planejadas, caracterizadas pelo sistema socialista e o terceiro constituído por países subdesenvolvidos e dependentes. Enfim, tem-se a teoria sistema-mundo cuja construção dogmática parte de uma análise global do processo capitalista e da sua influência nos sistemas sociais. Assim, a teoria do sistema-mundo contempla em seu bojo a existência de uma categoria intermediária entre o centro e a periferia, denominada semiperiferia7. Desta forma, determinados países são centros de acumulação do poder mundial – em razão de controlarem o excedente produzido – enquanto outros suportam a exploração e impotência. Cumpre-se, no entanto, esclarecer que no entendimento de Wallerstein a semiperiferia é composta por países que tanto desenvolvem atividades de núcleo (industrialização) como, também, atividades de periferia (agricultura). Diga-se, ainda, que as categorias de Wallerstein foram revisadas pelo economista Arrighi, que apesar de identificar porém, que a própria teoria não explica. “By defining a singular path of progressive change, the concept of modernization simplified the complicated world-historical problems of decolonization and industrialization, helping to guide American economic aid and military intervention in post-colonial regions. Unfortunately, the story typically concludes, modernization theory was hopelessly reductionist in its conception of change abroad, fundamentally conservative in its politics, and blindly reflective of the political and social prejudices of the midcentury American Establishment.” (GILMAN, 2003, p. 3) (artigo em pdf teorias do desenvolvimento de Miriam Limoeiro Cardoso). 6 A partir dos anos 70 do século XX, com as obras seminais de Immanuel Maurice Wallerstein e Giovanni Arrighi, abre-se a possibilidade de uma abordagem alternativa e contra-hegemônica às propostas realista e liberal do sistema internacional. Influenciados pelo estruturalismo de Braudel, por vários escritores dependentistas, e por diversos analistas comprometidos com a renovação e aplicação do marxismo, Wallerstein e Arrighi realizaram a importante obra de construir uma ponte entre estes analistas e o campo da Política Internacional. O resultado foi uma fecunda e criativa interpretação do sistema internacional que, além de seus claros avanços metodológicos, produziu uma abordagem comprometida com a crítica ao “status quo” em uma área do conhecimento tão caracterizada pelo conservadorismo positivista e liberal. (Ref. Arquivo em pdf Márcio Roberto Voigt). 7 Contudo, para fins de fundamento da reflexão proposta, no presente escrito, verifica-se, pertinente, tecer-se algumas considerações sobre a teoria do sistema-mundo na visão de seu criador Imanuel Maurice Wallerstein e, também, na perspectiva proposta por Giovanni Arrighi. Para Wallesrstein há um único mundo, articulado por um complexo sistema de trocas econômicas, caracterizado pela dicotomia capital e trabalho e pela acumulação de capital entre agentes em concorrência. Ainda, segundo sua ótica todos os países incluem dentro de sua estrutura interna de mercado, simultaneamente, atividades de “núcleo orgânico” e de “periferia” (FEITOSA, 2011). 306 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor as fragilidades conceituais da teoria de Wallerstein da semiperiferia8, passou a adotá-la, fazendo, entretanto, algumas considerações. Assim, evidencia-se a generalidade e abstração dos critérios definidores da categoria dos países semiperiféricos, mas, mesmo assim, acolhe o termo, e expõe o seu pensamento de que podem integralizar essa categoria os Estados que exportam grande quantidade de produtos; revelam grande disparidade de salários e de margens de lucro; e buscam atingir grande variedade de políticas para o desenvolvimento do mercado interno e inserção no mercado internacional. Percebe-se, pelo escritos dos teóricos que o fenômeno da globalização, não tem o condão de modificar essa situação de desigualdade existente na atual estrutura da economia mundial. Interessante, ressaltar-se, neste ponto particular, o pensamento de Arrighi, notadamente, no que diz respeito ao reconhecimento da existência de um vício histórico, marcado pela preponderância de determinados Estados e mercados no controle global das riquezas, onde o processo de globalização resulta, em última análise, na instrumentalização dessas riquezas globais em seu próprio benefício (FEITOSA, 2011). Desta forma, pode-se afirmar que as questões econômico-sociais dos países da semiperiferia e os da periferia não são prioridade nos debates propostos dentro do chamado núcleo orgânico. Neste ponto de escrito, pode-se, facilmente, compreender os impactos negativos de algumas políticas econômicas implantadas com sucesso em determinados países. Trata-se da constatação de que os países integrantes da comunidade global não guardam entre si semelhanças sociais, políticas e econômicas. Notadamente, se integram categorias diferenciadas. É o que se verifica, por exemplo, com a política do hiperconsumo que será tratada, logo mais, no presente escrito. Contudo, nesta oportunidade, entende-se, ainda, importante ressaltar o entendimento do economista Celso Furtado em obra intitulada, O Capitalismo Global, na qual o teórico reproduz como traço de seu pensamento a concepção de que no Brasil é patente a tendência da concentração da riqueza e da renda, nas mãos de uma minoria, associada a uma falta de investimento no fator humano. O resultado desta equação, na visão do autor, é uma sociedade marcada por extremas desigualdades sociais. Registra, ainda, a influência dos Estados Unidos sobre o Brasil, destacando, também, o papel do hiperconsumo estadunidense, como elemento incentivador do endividamento interno e 8 Interessante, registrar, ainda, dentro desta categoria de semiperiferia, o posicionamento de Feitosa em ensaio articulado sobre desenvolvimento econômico e direitos humanos, no qual é proposta a separação entre comandos políticos e econômicos, indispensáveis às formulações de Arrighi. Para tanto, a ensaísta esclarece sua pretensão de ampliação teorias existentes em volta do conceito de semiperiferia. Aduz, também, que compõem esta categoria os países da America Latina, dentre os quais, referencia de forma expressa o Brasil. Para esta reflexão sugere o enfoque na relação existente entre políticas públicas e direitos humanos. (FEITOSA, 2011). 307 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor externo do nosso país. Ressalta, ainda, o economista que o hiperconsumo, presente no Brasil, é fruto do processo de globalização (FURTADO, 2007). E a globalização proporcionou o surgimento do consumo eletrônico, por meio da internet, daí o porquê de se afirmar que existe íntima relação entre o desenvolvimento do comércio eletrônico e o consumismo. E que, obviamente, ambos refletem no crescimento econômico do País. 3 Um pouco mais de reflexão sobre a política do hiperconsumo Para falar em consumo toma-se como referencial teórico a obra de Zygmunt Baumn, especificamente, Vida para Consumo: a transformação das pessoas em mercadoria, no qual o autor trabalha a questão do consumo e do consumismo, trançando-se, inclusive, um liame distintivo entre as duas categorias. Entende-se importante, inicialmente, pontificar alguns entendimentos sobre sociedade, porque é a partir de uma compreensão da sociedade de tecnologia que se chegará ao conhecimento do papel do consumo e do consumismo e sua análise a partir do desenvolvimento do comércio eletrônico. É importante, destacar, também, que na fase atual da sociedade a forma pela qual se concretiza as relações interpessoais são, essencialmente, via mídia eletrônica, daí, porque alguns autores já trazem a expressão cibervida, aludindo-se a parte da rotina mediada eletronicamente, no que a vida social se transmuda em vida eletrônica, ressaltando-se, que a maior parte dessa vida, se passa ao lado de um computador, um i-Pad ou celular, apenas “secundariamente ao lado de seres de carne e osso” (BAUMAN, 2008, p. 9). Ainda, sobre o tema da tecnologia, crê-se oportuno reproduzir um trecho da obra de Bauman: Cada vez mais pessoas preferem comprar em websites do que em lojas. Conveniência (entrega em domicilio) e economia de gasolina compõem a explicação imediata, embora parcial. O conforto espiritual obtido ao se substituir um vendedor pelo monitor é igualmente importante, se não mais. [...] É tão mais reconfortante saber que a minha mão, só ela, que segura o mouse e meu dedo, apenas ele, que repousa sob o botão (2008, p. 27). Associada a esse desejo de isolamento e de preservar-se do contato direto, físico e pessoal com vendedor, tem-se, também a vivência da era dos desktops, laptops, dispositivos eletrônicos e celulares, cada vez mais portáteis, e que permitem a expansão do comércio eletrônico, objeto do tópico seguinte. Ainda, citando-se Bauman, registre-se que: E como as lojas da internet permanecem abertas o tempo todo, pode-se esticar à vontade o tempo de satisfação não contaminada por qualquer preocupação com 308 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor frustrações futuras. Uma escapada para fazer compras não precisa ser uma excursão muito planejada- pode ser fragmentada numa série de agradáveis momentos de excitação, profusamente, borrifados sobre todas as outras atividades existenciais, acrescentando cores brilhantes aos recantos mais sombrios e monótonos (2008, p. 28). Destas palavras reproduzidas do sociólogo é fácil compreender o crescimento do comércio eletrônico na era da tecnologia. Este fenômeno já tinha sido detectado, no final da década de 20, por Kracauer, pensador de notável perspicácia, citado por Bauman, que percebeu uma tendência, ainda invisível, para muitos teóricos, da transformação da sociedade de produtores em sociedade de consumidores (2008. p. 13). Sobre o consumo o autor esclarece tratar-se de uma condição praticamente imanente à própria condição humana, sendo inclusive integrante das formas mais e rudimentares de arranjo social. Ainda segundo o autor o consumo é um padrão de comportamento, sendo identificado como elemento inseparável da “sobrevivência biológica” (BAUMAN, 2008, p. 37). Existindo, dessa forma, ao longo da história, apenas uma modificação no padrão de consumo, sendo, assim, marcado por uma continuidade. Para explicar o consumo é preciso visualizar a existência de uma cadeia que perpassa toda a história humana. Integram essas cadeias as atividades de consumo e correlatas, como produção, armazenamento, distribuição e remoção de objetos de consumo. É importante, destacar, no entanto, que tanto a produção como o consumo adquiriram autonomia um em relação ao outro (BAUMAN, 2008, p. 38). Dessa forma, o autor identifica o rompimento histórico de uma “era paleolítica”, marcada por uma existência precária de povos coletores, para uma fase marcada pela estocagem ou “era dos excedentes”. Contudo, para o sociólogo, somente, milênios mais tarde aconteceria uma revolução reconhecida como um divisor de águas, com relação a esse fenômeno a chamada revolução consumista9. Neste ponto, do escrito, é imprescindível discorrer que para tratar do consumismo, o sociólogo alemão, tomou as categorias chamadas de “tipos ideais” de Max Weber, para reportar-se à “sociedade de consumidores” e do “consumismo”. Assim, para Bauman consumimso “é um tipo de arranjo social da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros e permanentes” (2008, p. 38). Nota-se a partir do que foi até o momento proposto pelo teórico que enquanto o consumo é uma característica e uma ocupação de seres humanos como indivíduos, o consumismo é um atributo da sociedade. 9 Segundo Bauman, a “revolução consumista” ocorreu milênios mais tardes, com a passagem do consumo ao consumismo, quando aquele, como afirma Colin Campbell, tornou-se “especialmente importante, se não central”para a vida da maioria das pessoas, “o verdadeiro propósito da existência” (BAUMAN:2011:38). 309 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Desta forma, entende-se, que diante da tecnologia, que é instrumento eficaz no processo de globalização, se concretiza o consumo e o consumismo no comércio eletrônico. De acordo com Murguel Branco: O consumismo é um processo eticamente condenável, pois faz com que as pessoas comprem mais do que realmente necessitam. Por meio de complexos sistemas de propaganda, que envolvem sutilezas psicológicas e recursos espetaculares, industriais e produtores induzem a população a adquirir sempre os novos modelos de carros, geladeiras, relógios, calculadoras e outras utilidades, lançando fora o que já possuem (2002, p. 44). Destarte, o comércio eletrônico em razão das facilidades oferecidas, como se verá adiante, entre outros motivos, estimula cada vez mais o consumo, levando as pessoas a adquirirem bem mais do que realmente necessitam. 4 Análise do comércio eletrônico no Brasil Entende-se necessário, ainda de forma preliminar, traçar algumas considerações iniciais a respeito do conceito de comércio eletrônico. Inúmeros conceitos são dados ao comércio eletrônico, e todos eles se preocupam em definir a forma por meio da qual esse comércio se realiza, uma vez que é o novo meio que o caracteriza, qual seja a rede mundial de computadores. De acordo com a autora Cláudia Lima Marques o comércio eletrônico pode ser definido de maneira estrita e ampla: O comércio eletrônico pode ser definido de uma maneira estrita como uma das modalidades de contratação não-presencial ou á distância para aquisição de produtos e serviços através do meio eletrônico. Já de maneira ampla abrange qualquer forma de transação ou troca de informação comercial ou visando a negócios, aquelas baseadas na transmissão de dados sobre redes de comunicação como a internet, englobando todas as atividades negociais, juridicamente relevantes, prévias e posteriores á venda ou à contratação (2004, p. 38). Dessa forma, trata-se de uma definição extensa que inclui os setores produtivos e de distribuição, o setor público e o setor privado, os bens materiais e imateriais, os contratos entre empresas e entre empresas e consumidores. Assim sendo, o comércio eletrônico traduz-se na negociação de bens e/ou serviços realizada através do processamento e transmissão eletrônico de dados. No mesmo sentido Ricardo Lorenzetti entende que se trata de uma modalidade de compra e venda à distância, constituída pela aquisição de produtos e ou serviços através de equipamentos eletrônicos de 310 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor transmissão de dados, por meio dos quais são transmitidas e recebidas informações (2004, p. 91). Para a Comissão da União Européia o comércio eletrônico compreende várias atividades, tais como: a comercialização de bens e serviços por via eletrônica, a distribuição on –line de conteúdo digital, a realização por via eletrônica de operações financeiras e de bolsas, a obra pública por via eletrônica e todo procedimento deste tipo celebrado pela administração pública (LORENZETTI, 2004, p. 92). Existem duas modalidades de comércio eletrônico tendo em vista o critério dos sujeitos que o praticam e o critério do modo de cumprimento das transações (PEREIRA. 2002, p. 175). Quanto ao critério dos sujeitos que o praticam, divide-se em: B2B (business-tobusiness), comércio eletrônico realizado entre empresas ou entidades equiparadas; B2C (business-to-consumer), comércio eletrônico realizado entre empresas e consumidores; C2C (consumer-to-consumer), negócios realizados entre consumidores finais e G2B/B2G (government-to-business/business-to-government), negócios entre o governo e empresas. Por fim, quanto ao critério do modo de cumprimento das transações, divide-se em: comércio eletrônico direto (bens digitalizáveis), que se consubstancia na encomenda, pagamento e entrega direta em linha de bens incorpóreos e serviços, susceptível de entrega eletrônica, como, por exemplo, a compra e venda em linha de programas de computador, e comércio eletrônico indireto (bens não digitalizáveis), o qual consiste na encomenda eletrônica de bens que têm de ser entregues fisicamente por meio dos canais tradicionais, como os serviços postais. 5 Considerações sobre o crescimento do comércio eletrônico no Brasil Será visto adiante que o comércio eletrônico oferece uma série de vantagens tanto para os consumidores, quanto para as empresas, bem como para os países, o que proporcionou um extraordinário crescimento deste setor no Brasil e no mundo. No que se refere às causas de crescimento do comércio eletrônico, pode-se citar aqui algumas delas, que favorecem o consumidor, tal como a relativização do tempo e do espaço devido a eliminação das barreiras geográficas, uma vez que para o consumidor realizar uma compra por meio da internet não precisa mais sair de casa, ou mesmo pode realizá-la de onde quer que esteja desde que tenha acesso à internet por meio de um celular, notebook, tablet, etc. Com isso o consumidor não precisa mais se dirigir a determinada loja, economizando, dessa forma, tempo, algo que nos dias de hoje está cada vez mais limitado. Essa nova forma 311 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor de se contratar, também, permite a eliminação das barreiras geográfica, podendo o consumidor adquirir produtos de qualquer localidade do país, bem como alcançar mercados internacionais, possibilitando a escolha de produtos pelo mundo. Os preços competitivos e as facilidades de pagamento oferecidas pelas lojas virtuais também foram motivadores para as vendas. Os preços no mercado virtual são na maioria das vezes inferiores aos preços nas lojas físicas, por diversos motivos, um deles é a maior competitividade neste setor, pois cada vez mais as lojas estão indo para o mundo virtual; sem falar na questão dos custos reduzidos para manter as empresas virtuais, pois uma série de despesas próprias de lojas físicas são eliminadas. Comprar pela internet também proporciona a possibilidade de comparação de preços de forma mais fácil e rápida, através de sites especializados, assim, o consumidor não precisa mais ir de loja em loja pesquisando preço. O sortimento limitado em lojas tradicionais devido á falta de espaço físico para estoque de mercadorias, não é um problema encontrado nas lojas virtuais, o que faz com que os consumidores procurem cada vez mais o comércio eletrônico para realizarem suas compras, visando uma maior disponibilidade de produtos. Outro fator que fez aumentar os números do comércio eletrônico no Brasil foi o barateamento dos custos para acesso, tanto no que se refere aos equipamentos para acesso como computadores, quanto aos serviços oferecidos pelos provedores, como banda larga. Ambos com preços cada vez mais acessíveis à população principalmente de baixa renda. Já as políticas de inclusão digital do Governo Federal também contribuíram neste processo, pois passa a oferecer acesso à internet gratuito para as pessoas mais pobres. Assim, todas essas medidas incentivam cada vez mais a utilização da internet e consequentemente a celebração de contratos por meio dela. Para as empresas são inúmeras as vantagens oferecidas pelo comércio eletrônico, tais como redução de custos com aluguel, vendedores, decoração, vitrines, segurança e saneamento, comparando-se aos custos de uma empresa física. Tais vantagens implicam em produtos com preços mais baixos e competitivos; disponibilidade de atendimento todos os dias da semana, produtos direcionados a público global e não apenas local; entre outros. O comércio eletrônico também ajuda os empresários a encontrarem novos clientes e fornecedores de forma mais rápida e com menos custos, pois ao conectar diretamente produtor e consumidor muitos intermediários são eliminados, restando apenas aqueles que não representam custos, mas apenas agregam valor ao produto. 312 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Assim, a internet contribui para a eficiência das empresas e abre um leque de oportunidades para a expansão dos negócios de todos os envolvidos, devido à redução dos custos nas transações, aumento da competição, podendo ajudar a reduzir os preços dos produtos. Logo, de um lado está o fornecedor, que ganha competitividade ao ampliar a atuação geográfica no país, além de possibilitar o acesso aos mercados globais; do outro, o comprador, o cliente empresarial, que descobre um poder maior de barganha. No final, a economia do país é a maior beneficiada. Assim, o comércio eletrônico também proporciona o crescimento econômico dos países em desenvolvimento, pois melhora a competitividade no comércio internacional. A principal vantagem do comércio eletrônico segundo a OMC para os países em desenvolvimento é a possibilidade de ele poder ajudar seus produtores e consumidores a superarem alguns de seus principais problemas no comércio, como a distância dos mercados e a falta de informação sobre oportunidades e ofertas disponíveis. Assim, como as estradas de ferro no século passado, a Internet pode gerar um ganho quantitativo e qualitativo nas economias nacionais através da dinamização da cadeia de fornecedores, diminuindo custos e estoques (GICO Jr., 2003, p. 267). Assim, o comércio eletrônico é tido como fator de crescimento nas nações mais pobres, pois requer pouco investimento. Além de que fomenta o consumo, o que gera circulação de riquezas e consequentemente o crescimento econômico para os países em desenvolvimento. 6 Realidade do comércio eletrônico no Brasil Quanto ao crescimento do comércio eletrônico no Brasil, somente em 2011 este setor cresceu 26%, que, por sua vez, movimentou 18,7 bilhões de reais, segundo os dados da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. Em 2010, o crescimento do setor foi acima do comum de 40%, faturando 15 bilhões de reais. Sendo que o crescimento médio anual nos últimos 10 anos foi de 43,5%, pois faturava algo ao redor de R$ 0,5 bilhões em 2001. Assim, esses números mostram um estrondoso crescimento do comércio eletrônico no Brasil. E a estimativa é que em 2012 se alcance um faturamento de 23,4 bilhões, o que representa um acréscimo nominal de 25% em relação a 2011. Também vem crescendo o número de pessoas comprando pela internet, que são os chamados e_consumidores, de 2010 para 2011 houve um crescimento de 37%, sendo 9 milhões de novos e-consumidores em 2011. Com isso, chega-se a 32 milhões de pessoas que realizaram, ao 313 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor menos, uma compra online até hoje. Outro fator importante é que dentre os novos consumidores incluem-se pessoas das mais diversas faixas etárias e cada vez mais de menores níveis de renda, uma vez que dos 9 milhões de novos e-consumidores 61% pertencem à classe C. Em 2011, as categorias de alto valor agregado, como Eletrodomésticos, Informática e Eletrônicos, foram a preferência dos e-consumidores, segundo informações do site do mercado livre. De acordo com a Pesquisa TIC Domicílios e Usuários 2007, o acesso à internet nas regiões brasileiras mostra fortes variações, principalmente entre o eixo Sul/Sudeste e Norte/Nordeste. As dificuldades históricas de desenvolvimento econômico e social nessas duas últimas regiões explicam a baixa proporção de indivíduos que já usaram internet. A Região Sul apresentava o maior percentual de pessoas que já acessaram a internet (46%); a Região Norte, o menor (32%). A A. T. Kearney divulgou, um estudo chamado “Índice de e-Commerce de Varejo 2012” no qual o Brasil aparece como o segundo colocado dentre os países emergentes com maior potencial de crescimento no varejo online, atrás da China, além do mais atraente para investimentos no varejo.. Este estudo avaliou o potencial em e-commerce de cerca de 30 países emergentes para o desenvolvimento do e-commerce, levando em conta o acesso à internet, a legislação e a infra-estrutura. Ainda de acordo com referido estudo, a estimativa é que o comércio online brasileiro cresça 12% anualmente pelos próximos cinco anos. Por fim, como expressão de todo esse crescimento, segundo o levantamento encomendado pela Visa à América Economia Intelligence o comércio eletrônico brasileiro representa hoje cerca de 1% do PIB brasileiro. 7 O Impacto do comércio eletrônico na economia Quanto ao impacto do comércio eletrônico na economia brasileira, ele pode ser sentido em vários setores, entre eles: o de serviço de comunicação devido à emergência da telefonia pela Internet; os serviços de entrega ou logística também vêm crescendo bastante, além do mercado financeiro que também será fortemente afetado ao transformar a forma como os serviços financeiros serão prestados. Outro impacto na economia brasileira advêm da questão da arrecadação, a nível de comércio eletrônico, do ICMS, que é o imposto de maior arrecadação no Brasil e a principal fonte de receita dos Estados, o que leva os Estado a uma verdadeira “guerra fiscal” na disputa pelos valores arrecadados, em face do crescimento vertiginoso do comércio eletrônico. Os 314 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor estados do sul e sudeste como são mais desenvolvidos, abrigam a maior quantidade de centros de distribuição das empresas que vendem pela Internet. Assim, os estados menos desenvolvidos pleiteiam a partilha do ICMS. A PEC n° 103/2011 propõe a divisão dos recursos adquiridos a título de ICMS nas comercializações via internet, de forma que 60% fica com os Estados de destino e 40% com Estados de origem. Essa divisão está proporcionando a descentralização do desenvolvimento nacional, saindo do eixo sul, sudeste e proporcionando o crescimento do norte, nordeste. Por fim, um dos principais impactos provocados na economia brasileira é o aumento do consumo pelos brasileiros, o qual se deve ao crescimento desse setor de forma acelerada, o que faz aumentar, consequentemente, o número de consumidores virtuais, e, por trás deste forte incremento do e-commerce encontra-se o incentivo ao consumo, com uma maior variedade de produtos e serviços à disposição dos consumidores, bem como da facilidade do sistema. Além do surgimento de novos fluxos comerciais com ampliação do mercado consumidor internacional, proporcionando aumento nas exportações. Portanto, o comércio eletrônico está incentivando e estimulando cada vez mais o consumismo. 8 Reflexões sobre os impactos do comércio eletrônico no desenvolvimento econômico A cultura consumista é a marca da geração atual. Seja pela propensão a satisfação imediata dos desejos, dentre os quais se ressaltam o de “ter” e de “juntar”, seja pela ansiedade presente na humanidade e na tomada de decisões de forma instantânea, tida como “cultura agorista”. Aliada a esse traço característico da sociedade de consumidores, tem-se no avanço tecnológico a ambiência perfeita para a prática do consumo. Nota-se, que o avanço tecnológico, igualmente, foi instrumento de fundamental importância para o processo de globalização. Dentro desse processo verificou-se que a comunidade internacional não se desenvolveu de maneira homogenia. O grau de desenvolvimento de um país, não é aferido, unicamente pelo seu desenvolvimento econômico, dissociado de outros elementos como questões sociais. Sobre o assunto, na mesma linha de raciocínio, afirma Belo “Portanto, revela-se insuficiente qualquer compreensão puramente econômica do desenvolvimento” (BELO, 2012). Assim, um dos índices de aferição desse desenvolvimento é a diminuição das chamadas desigualdades sociais, fruto de uma disparidade na concentração de renda dentro da população, marcada pelo antagonismo de pessoas muito ricas contrapondo-se a uma grande parcela da população em estado de miserabilidade. Verificou-se no presente ensaio que houve 315 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor no Brasil o crescimento do PIB em razão do desenvolvimento do comércio eletrônico, no entanto não se pode assegurar que este aumento garantiu o desenvolvimento do país. Esta afirmação pode ser entendida com o seguinte fato de que, embora cada vez mais, exista a disseminação de produtos eletrônicos entre a população do país, ainda, existe grande parte da população alijado desta inclusão digital. Assim, compreende-se que muitas vezes o desenvolvimento do comércio eletrônico, pode acentuar, ainda mais as disparidades sociais e econômicas existentes no Brasil. 9 Considerações Finais Depois de tudo o que foi dito, pode-se reforçar o comentário de que o processo de globalização oferece o contato de vários elementos políticos, culturais, sociais e econômicos entre os países. Contudo, partindo-se de uma análise histórica percebe-se uma preponderância de determinados Estados e respectivos mercados sobre os demais. Muitas vezes essa hegemonia concretiza-se no controle global das riquezas, tornando, desta maneira, a globalização em instrumento eficaz para solidificar esta hegemonia. Em razão dessa diferenças sociais, culturais e políticas é que determinado padrão de comportamento não enseja necessariamente as mesmas características. Logo, após detalhada análise do tema afirma-se que a política do hiperconsumo, aquecida pelo comércio eletrônico, não impacta de forma positiva o cenário nacional, sob o ponto de vista do desenvolvimento. Assim, pode-se concluir que embora no Brasil venha se faturando bilhões com o crescimento do comércio eletrônico e este venha se tornando importante para a economia brasileira, não importa em verdadeiro desenvolvimento econômico para o país. 316 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Referência Bibliográfica BAUMAN, Zygmunt. Vida para o consumo: a transformação das pessoas em mercadoria. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BELO, Manoel Alexandre Cavalcante. Política e Desenvolvimento: uma abordagem sistêmica. Curitiba: Juruá, 2012. BRANCO, Samuel Murgel. O meio ambiente em debate. 3 ed. São Paulo: Ed. Moderna, 2002. Centro de estudos sobre as tecnologias da informação e da comunicação. Disponível em: <http://www.cetic.br/usuarios/tic/2007/index.htm>. Acesso em: 08 de julho de 2012. Comissão da União Européia. Uma iniciativa européia em matéria de comércio eletrônico (COM. 97.157). In LORENZETTI, Ricardo Luis. Comércio eletrônico. Tradução de Fabiano Menke; com notas de Claudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. Dados da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico. Disponível em: <http://www.camarae.net>. Acesso em: 07 de julho de 2012. Dados do Mercado livre. Disponível em: <http://www.mercadolivre.com.br>. Acesso em: 07 de julho de 2012. E-Commerce Is the Next Frontier in Global Expansion. Disponível em: <http://www.atkearney.com/research-studies/e-commerce-index>. Acesso em: 09 de julho de 2012. FEITIOSA, Maria Luíza Pereira de Alencar Mayer. Direito Econômico da Energia e do Desenvolvimento. Ensaios interdisciplinares. Organizadoras: Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa e Maria Marconete Fernandes Pereira. São Paulo: Ed. Conceito, 2012. FEITOSA, Maria Luíza Pereira de Alencar Mayer. Padigmas inconclusos: os contratos entre a autonomia privada, a regulação estatal e a globalização dos mercados. São Paulo: Ed. Coimbra, 2007. FURTADO, Celso. O capitalismo global. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 2007. GICO Jr., Ivo Texeira. Solução e prevenção de litígios internacionais. Rio de Janeiro: Ed. Forense, Vol. III, 2003. LORENZETTI, Ricardo L. Comércio eletrônico. Tradução de Fabiano Menke; com notas de Claudia Lima Marques. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. MARQUES, Cláudia Lima. A proteção do consumidor de produtos e serviços estrangeiros no Brasil: primeiras observações sobre os contratos a distância no comércio eletrônico. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: jan. – março, nº 41, 2002. ___________. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor (um estudo dos negócios jurídicos de consumo no comercio eletrônico). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 317 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. São Paulo: Atlas, 2012. PEREIRA, Alexandre Dias. A globalização, a OMC e o comércio eletrônico. Revista Sequência, n° 45, 2002. 318 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Ilegalidade ao acesso à informação nos bancos de dados dos consumidores permitido pelo Código de Defesa do Consumidor e o direito à privacidade garantida pela Constituição Federal. Joubran Kalil Najjar1 RESUMO A escolha deste trabalho tem como principal fator, a verificação dos ilícitos praticados por empresas de cobrança em face dos consumidores inadimplentes, configurando-se em verdadeiros constrangimentos, através de coações, resultando em prejuízos para as práticas da vida civil, principalmente nos negócios jurídicos. Como forma de praticar estes atos, os credores se aproveitam da não positivação de normas específicas de proteção aos consumidores, perante aos serviços de proteção ao crédito, atitudes estas contrárias as garantias asseguradas na Carta Magna, umas vez que estes institutos não possuírem normas regulamentadoras para as suas atividades. O objeto de estudo, através de algumas reflexões, vai tentar esclarecer os abusos de direito, onde o consumidor se torna cada vez mais vulnerável numa sociedade de consumo como M nossa e “bombardeMdo” por informações surgidas Mtravés da utilizMção de tecnologias, no campo das comunicações. Palavras-chaves: consumidor, crédito e banco de dados. 1 Advogado, mestrando pela Faculdades Metropolitanas Unidas- F.M.U. do Estado de São Paulo. 319 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Acceso ilegal a la información en las bases de datos de consumidores permitido por el código de protección al consumidor y el derecho a la intimidad, garantizado por la Constitución Federal. Joubran Kalil Najjar2 RESUMEN La elección de esta obra tiene como elemento principal, la verificación de los delitos practicados por las empresas de recogida de cara a los consumidores morosos, configuración de limitaciones reales, a través de la coerción, lo que resulta en pérdidas para las prácticas de la vida civil, especialmente en el negocio legal. Como una manera de hacer estas cosas, los prestamistas tomar ventaja de positivización no existen normas específicas para la protección de los consumidores ante los servicios de protección al crédito, estas actitudes se oponen a las garantías previstas en la Constitución, cada vez que estos institutos no tienen normas reglamentarias para sus actividades. El objeto de estudio, a través de algunas reflexiones, tratará de esclarecer los abusos de la ley, donde el consumidor es cada vez más vulnerable en una sociedad consumista como la nuestra y "bombardeados" por la información obtenida mediante el uso de tecnologías en el campo de la comunicaciones. Palabras clave: consumidor; crédito y base de datos. 2 Abogado, egresado de facultades Metropolitanas Unidas-F.M.U. del Estado de São Paulo en Brasil. 320 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor INTRODUÇÃO O nosso CDC é funcionalista quando conceitua consumidor e ontológico quando trata de produto, porém, a vulnerabilidade é um princípio absoluto dado pela lei, conforme reza o artigo 4º, enquanto que a hipossuficiência é um princípio relativo, de acordo com o artigo 6°, VIII do mesmo CDC, podendo ou não ser reconhecido pelo magistrado. No que tange a pessoa jurídica, conforme preceitua o artigo 51, I do CDC, somente poderá haver a indenização, quando existir uma justificativa plausível, do contrário aplicase o Diploma Civil, e não o CDC, apesar de uma contrariedade que também a conceitua como consumidora. Podemos verificar hoje, que os bancos de dados e cadastros - Serasa e SPC interferem de forma direta nos negócios jurídicos realizados entre as pessoas, principalmente no comércio, uma vez que cuidam de informações totalmente voltadas ao crédito, sendo que a partir delas, os fornecimentos, compras ou prestação de serviços, serão realizados ou não, dependendo exclusivamente da transmissão da informação passada ao interessado, principalmente nas questões relacionadas com o consumo. Todavia, muitas empresas de cobrança, se utilizam de métodos nada convencionais e sem critérios de justificação, no que tange as informações, e acabam constrangendo os consumidores inadimplentes através de atitudes que resultam em constrangimento ilegal, como a própria coação exercida pelo credor, para que a divida seja adimplida. Apesar da existência na forma de atuação do SPC e Serasa previstos no Código de Defesa do Consumidor e também na Constituição Federal de 88, o ordenamento jurídico deixa a desejar no que diz respeito a falta de uma positivação de norma específica com objetivo de proteger verdadeiramente o consumidor, quando o assunto trata de proteção ao crédito, devendo estes institutos serem regulamentados e fiscalizados de forma correta, afim de evitar danos, abusos e distorções nas informações, muitas vezes irreparáveis. Contudo temos o prazo de cinco anos, como regra restrita imposta pelo CDC, como permanência máxima do nome do consumidor no Serviço de Prestação ao Crédito, sendo que o próprio Código estabelece que prescrita a Ação de Cobrança referente a títulos que possuem regra em lei especial, o Banco de Dados não podem transferir a terceiros 321 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor quaisquer informação a respeito, logo decorrido o tempo mencionado, a respectiva informação deverá ser totalmente excluída dos bancos de dados. Normalmente a prescrição de cobrança se dá em três anos, salvo exceções. A responsabilidade que existe no nosso CDC é igual ao europeu, onde as proteções são de direitos não patrimoniais, mas na prática jurídica, isto não ocorre quando existe a figura do dano punitivo, pois o vício não precisa ser oculto, basta que exista na época da contratação, para isso serve a inversão do ônus da prova. Há uma explosão da quantidade de processos judiciais ingressados por consumidores contra empresas fornecedoras de bens e serviços, instituições financeiras e de concessão de crédito e, consequentemente, contra órgãos de proteção ao crédito, bastando uma simples pesquisa nos tribunais de justiça podemos confirmar o constante aumento na quantidade de processos relacionados à atividade consumerista. Todavia, a indenização por danos morais é o ponto fundamental das ações e decisões judiciais que tratam de inscrições ilícitas daqueles que são os responsáveis pelo depósito das informações de crédito que devem agir com responsabilidade na veracidade de seus arquivos, respeitando os consumidores na sua honra, imagem e privacidade, evitando qualquer tipo de constrangimento. 1- Os bancos de dados e cadastros de consumidores Somente por curiosidade, no ano de 1955 em porto Alegre, os bancos de dados surgiram com a criação do SPC (Sistema de Proteção ao Crédito), através de uma Associação Civil, formada por comerciantes, que praticavam venda a crédito, todos com o interesse em comum de cadastrar os maus pagadores, objetivando a evitar futuras inadimplências na realização dos negócios. Pouco tempo depois, em 1968 surge a SERASA – Centralização de Serviços de Bancos S/A, empresa com finalidade de dotar o sistema bancário com informações (negativas) de devedores em geral. É uma das empresas maiores do mundo em informações e análises econômico-financeiras, observando que aquele se preocupa com consumidores, já este com devedores em geral. 322 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor No Mrtigo 43 cMput, o consumidor “ficOM do” Pem o direito de saber qual a fonte que resultou seu nome no arquivo. Diferente, por exemplo, nos casos fora do contexto do CDC, onde a fonte é protegida por sigilo (materiais jornalísticos), funcionando como uma verdadeira máscara de covardia. Já o § 5º do mesmo artigo, parece não existir, frente a nossa realidade, pois mesmo decorrido o prazo de cinco anos, algumas empresas “favorecidas” conseguem os nomes dos consumidores inadimplentes Mpós o prMzo de cinco anos. Assim posiciona-se o dispositivo: Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos. § 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele. § 3° O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas. § 4° Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público. § 5° Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores. 323 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 1.1- Diferenças entre Bancos de Dados e Cadastro de Consumidores Para muitos, os dois institutos são sinônimos, e por este motivo, é fundamental estabelecermos que banco de dados é um conjunto de informações de fornecedores sobre um determinado consumidor que auxilia na concessão ou não do crédito. Este visa principalmente proteger o mercado, estando à disposição dos fornecedores que realizam operações de crédito para que corram menos riscos. Com isso, quem nega o crédito é o próprio fornecedor baseado nas informações contidas nos bancos de dados e não o SPC ou SERASA. Já no que tange ao cadastro de consumidores trata-se de dados informativos de um fornecedor ou intermediário, repassado pelo próprio consumidor como renda mensal, estado civil, entre outros, para a obtenção de crédito pessoal. Banco de Dados realiza coleta aleatória de informações arquivadas sem o consentimento do consumidor e Cadastro de Consumidores faz coleta individualizada, sejam de consumo ou juízos de valor, repassada pelo próprio consumidor e com objetivo imediato relativo a operações de consumo presentes ou futuras 3. Vale salientar que os Bancos de Dados e Cadastros cumprem função essencial nas relações de consumo, na medida em que possibilitam ambas as partes, ou seja, fornecedores e consumidores informações primordiais, pertinentes ao crédito e a qualidade dos produtos e serviços ora fornecidos. 2- Das práticas abusivas Numa sociedade de consumo em que vivemos a sobrevivência de qualquer cidadão, tem como pré-requisito bom nome na praça entendido como um verdadeiro patrimônio individual, que está a mercê dos abusos cometidos pelas ilegalidades dos arquivos de consumo, o que pode ocasionar circunstâncias desastrosas ao arquivado 4. 3 EFING, Antonio Carlos. Bancos de Dados e Cadastro de Consumidores, São Paulo: RT, 2002. p. 36. 4 Ibidem, p. 44. 324 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Sabemos que muitas das empresas, algumas sendo as próprias credoras, outras agindo através dos patrocínios dos credores como intermediários, agem através de coação e constrangimento, para a satisfação do inadimplemento. Na explicação do Ministro do STJ, Antônio Herman V. Benjamin, às práticas Mbusivas nada mais seja: “M desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor" 5. Tais institutos também possuem seu lado negativo, eis que restringem o crédito, prejudicando as pessoas que lá foram cadastradas, as quais, algumas vezes indevidamente, por abuso de direito daqueles que promovem a sua inscrição. Vale ressaltar que a simples ameaça de ingressar com uma execução, não tipifica o ato de coagir ou constranger, pois o credor estaria num simples exercício regular de direito, apesar de alguns juristas não pactuarem com a ideia, pois, para eles, não precisa falar, basta ingressar com a ação. Alguns anos atrás, credores contratavam bandas para tocarem e cantarem na porta de devedores, às vezes isso ainda acontece. Toda e qualquer forma de cobrança é vexatória, afinal ninguém gosta de ser cobrado, ainda mais diante de um público desconhecido, agravando ainda mais o constrangimento. O auxílio pelos institutos de consumo tem sofrido deturpação em virtude das técnicas informatizadas de coleta, armazenamento e divulgação das informações, tornandose grandes problemas atuais a serem enfrentadas e resolvidas. Estas características de auxílio pelos Institutos de Consumo têm sofrido deturpação em virtude das técnicas informatizadas de coleta, armazenamento e divulgação das informações, tornando-se um dos grandes problemas atuais a serem enfrentados e solucionados 6. 5 BENJAMIN, Antonio Herman. Manual de direito do Consumidor, São Paulo: RT, 2009. P. 216 6 EFING, op. cit., p. 37-2 325 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A realidade é que numa sociedade da informação, a mesma é tida como verídica, funcionando como verdadeira sentença transitada em julgada, prevalecendo sobre qualquer outro conceito de crédito no mercado financeiro, sem o devido respeito ao contraditório e a ampla defesa do ofendido. 3- A Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor Com a criação da Constituição Federal em 1988, deveriam ser extintos tanto o SPC criado em 1955, assim como o SERASA surgido em 1968, muito antes de 1988, porém isto não ocorreu, no entendimento de que o artigo 5º, X da Constituição Federal é tido como norma de eficácia plena e faz parte dos direitos e garantias fundamentais, logo qualquer norma que trate de informações não consentidas, relacionadas a qualquer pessoa não merece eficácia. Todavia, a informação negativa do consumidor desrespeita a sua imagem, enquanto que a informação seja ela positiva ou negativa, conflita com o direito da privacidade. O inadimplente é apenas aquele que, por motivos pessoais, não pagou uma dívida. Isso não faz dele melhor ou pior do que ninguém. Não o torna menos digno. Contudo, não o faz ser alguém que possa ter sua imagem ou vida privada violada. E é mais uma vez o próprio texto constitucional que impõe dever de respeito ao devedor, consignando que não haverá prisão civil por dívida (Art. 5º, LXVII, da CF), muito ao contrário, o que o sistema jurídico brasileiro estipula é a garantia de que o devedor não pode ser constrangido. Das várias interdições impostas, a lei proíbe as ações do credor e/ ou se cobrado que exponham o consumidor ao ridículo, submeta-o a constrangimento ou ameaça, tudo isso de maneira injustificada. Constrangimento ilegal é tudo aquilo que é usado pelo credor e/ou seu cobrador e que não tenha como finalidade precípua fazer com que o consumidor pague sua dívida e, portanto resolva seu problema. Se a atitude do credor/cobrador não tiver intenção de não constranger, então entendemos ser ilegal. Entretanto, o respectivo artigo deveria se encontrar em outro título da CF, prevendo a sua eficácia limitada através de regulamentação quanto à privacidade das pessoas, dando força normativa para o art. 43 do CDC, pois a partir do momento que mesmo permite o 326 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor “ficOM mento” no NM nco de dados de forma negativa ao consumidor, em nada defende o consumidor, muito pelo contrário. Sem dúvida houve uma falha de técnica jurídica, quando se deixou que o artigo 43 permanecesse no CDC, pois Msua redação, vai de encontro com o nome: “F ódigo de DefesMdo Consumidor”, logo deveria se extirpado deste ou no mínimo ter sido aproveitMdo no momento oportuno, para colocá-lo no novo Código Civil, uma vez que as informações tratadas pela norma caracteriza uma forma genérica e não específica se referindo apenas ao consumidor. Não havendo uma possibilidade de extinguir os institutos, responsáveis pelas informações relacionadas ao consumidor, pois causaria uma enorme revolta aos empresários e prestadores de serviços, então que no mínimo exista norma reguladora que proteja o consumidor frente às ações abusivas dos Serviços de Proteção ao Crédito, que fere os princípios de direitos fundamentais e contradizem as garantias individuais asseguradas constitucionalmente, porque inevitavelmente, dessa atividade decorrem a abertura de um procedimento de cobrança no qual condiciona a interdição do acesso ao crédito; a privação da liberdade individual de contratar e de negociar se não satisfeito o procedimento de cobrança, e por último, a inevitável situação de humilhação, a desonra. No entanto, o § 1º do art. 43 do CDC dispõe os requisitos necessários para a inserção de assentamentos em Cadastros e Bancos de Dados de dados de Consumidores, quais sejam, a necessidade de que estes dados sejam “objetivos, claros verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, pois trata-se de um direito muito subjetivo, que vai depender de cada consumidor, no momento de compreensão destas informações. 4- Inexistência de critério para o fornecimento e abertura para o crédito A inadimplência tem uma única causa; a falta de critério para conceder o crédito e medidas econômicas sociais não adequadas aplicadas no que tange a cobrança do devedor, com altas taxas abusivas e inconstitucionais, ferindo o direito de propriedade do devedor, pela falta de critério no momento do empréstimo financeiro. 327 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A discussão sobre taxa de juros no Brasil é discussão interminável e causa instabilidade na ordem econômica de qualquer país, pois mesmo com todas as informações expostas sobre todos os indivíduos, sempre haverá risco em todas as operações de crédito, que não leva em consideração a aplicação do princípio da igualdade neste tipo de transação. Portanto os bancos esperam a criação de um fundo garantidor das operações de crédito. A intenção é boa, como todas outras que pretende fazer com que o custo ao cliente seja menor do que o atual. O custo poderá baixar, se for criado um fundo garantidor, mas o fundo se esgotará rapidamente. Certamente, o dinheiro do fundo, será formado com recursos do BNDES, tesouro Nacional, dos bancos e dos próprios tomadores dos empréstimos bancários, nos quais seria embutida uma taxa com essa finalidade. A falta de critério para uma concessão de crédito pode resultar em taxas de juros abusivas, justamente para compensar a falta de capacidade de analisar o caso concreto. O crédito, sem dúvida, cumpre uma função social, de possibilidades as pessoas e dar acesso ao consumo. 5- Amplitudes da norma Toda e qualquer informação relacionada nas relações de consumo seja fornecedores ou prestadores de serviços frente aos consumidores, encontram-se no artigo 43 do CDC como única fonte direta e imediata ao acesso nos bancos de dados perante ao negócio jurídico a ser realizado. Examinaremos detalhadamente o funcionamento dos chamados serviços de proteção ao crédito, que se espalham pelo Brasil nos SPCs, geralmente ligados ao setor do comércio (Associação de lojistas, Clube de lojistas, Federação do Comércio etc.) e na Serasa, empresa privada, originalmente ligada ao setor bancário para entendermos o que a lei permite. 5.1- Os serviços de proteção ao crédito As questões relevantes no que respeita aos chamados Serviços de Proteção ao Crédito (SPC, SERASA, etc.) e o direito a negativação que tem os credores, sempre foi prática usualmente aceita. Tais serviços se da em virtude do nome de alguém estar 328 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor inadimplente em relação ao pagamento de uma obrigação. Logo, estar no cadastro, gera reflexo negativo aos consumidores, valendo salientar que costume não pode revogar norma, ainda mais constitucionais de eficácia plena, como é o caso em tela. Claro que para a negativação dos devedores, são necessários: a existência da dívida vencida; valor líquido e certo, ou seja, que não exista qualquer duvida em relação ao valor devido e que não tenha nenhuma discussão entre as partes, como o surgimento de um caso ainda em subjudice. Todos esses fatores, de um conjunto descrito, é o que “permite” que o nome de determinada pessoa seja negativado. 6- Consumidores inadimplentes A lei 8.078/90 não perpetrou nenhuma “proteção exMgerMda”, como querem Mlguns. Ela apenas trouxe para o Brasil o que existe de mais moderno nos mercados do primeiro mundo no que respeita à cobrança dos consumidores. Deve estar claro ao fornecedor que o inadimplente é apenas um cliente que pode estar com problemas passageiros, que uma vez solucionados, fará compras novamente. Na norma positivada, além do fato de que não constituir crime o fato de ser devedor inadimplente, o inverso é que está tipificado quando surge cobrança abusiva, concretizando a existência do delito, porquanto a cobrança abusiva gera o crime. De um lado, o fornecedor e do outro o consumidor que, inadimplente não está amplamente protegido; ou ele pagMou é negMtivado, e será taxMdo como “o devedor”, “o inadimplente”, “Mquele que não cumpre seus compromissos”, fecOM ndo-lhe as portas à aquisição de bens. Indiscutivelmente, o serviço de proteção ao crédito tem por objetivo proteger o mercado estando à disposição de todos os interessados nas relações de direitos e obrigações ao pretenderem fazer operações de crédito. Essa questão é dirigida aos fornecedores em geral e não ao mercado pertencente a toda uma sociedade, pois o artigo 170 da Carta Maior fornece um entendimento de que as pessoas que se encontram nos ramos das negociações, dentro do mercado financeiro, pressupõe um risco de quem a explora, pois lhe garante direito ao lucro, mas lhe impõe respeito ao consumidor e 329 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor obrigação de responder legal e eticamente por seus atos em prol do bem comum pela própria razão da atividade econômica. 7- O prazo do artigo 43, dos parágrafos 1° e 5º é prescricional ou decadencial? Nenhuma informação negativa pode estar arquivada após 05 (cinco) anos de sua inserção e, consumada a prescrição relativa à cobrança do débito acontece o mesmo, cancela-se o apontamento negativo. O tempo máximo que um consumidor pode ficar ”negMtivado” é de cinco anos. Mas haverá prazos menores em determinados casos, como exceção à regra. A dúvida do tema em questão é o de que nenhum dado negativo será mantido em arquivos de consumo por prazo superior a 05 anos (art. 43, § 1º) se, em prazo inferior ao quinquênio, verifica-se a prescrição da Ação de Cobrança do débito inadimplido. (...) é o lapso que o código considera razoável para que uma conduta irregular do consumidor seja esquecida pelo mercado. Se ate os crimes mais graves prescrevem, não há razão para que o consumidor fique com sua folha de antecedentes de consumo “maculadMMd eternum” 7. No direito civil, o objetivo é neutralizar os conflitos de interesses surgidos entre particulares. Nesse contexto, muitas vezes o tempo é considerado como um aliado, no sentido de que seu decurso influencia a aquisição e a extinção de direitos, no sentido de manter situações já consolidadas, muito embora importem no convalescimento de uma violação ao direito subjetivo do particular. Dito de outra forma, o direito tem um prazo a ser exercitável, não podendo ser eterno, sujeitando-se, pois, à prescrição ou à decadência. É no intuito de preservar a paz social, a tranquilidade da ordem jurídica, a estabilidade das relações sociais que devemos buscar o fundamento dos institutos da prescrição e da decadência. 7 BESSA, Leonardo Roscoe. O Consumidor e os Bancos de Dados de Proteção ao Crédito, São Paulo: RT, 2003. p. 209. 330 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A decadência atinge diretamente o direito em razão também da desídia do titular durante certo lapso temporal. Portanto, a decadência é a extinção do direito pela inércia do titular, quando a eficácia desse direito estava originalmente subordinada ao exercício dentro de determinado prazo, que se esgotou, sem o respectivo exercício. As principais características da prescrição são: a existência de um interesse privado; a renunciabilidade tácita ou expressa; o impedimento da modificação dos prazos pela vontade das partes; a sua alegação se dá em qualquer grau de jurisdição; admissibilidade de suspensão e interrupção, podendo ou não ser reconhecida de oficio pelo magistrado. Já no que diz respeito as características da decadência, são de interesse público, inadmissível a sua renuncia, também como na prescrição, podem ser reconhecidas em qualquer grau de jurisdição, porém não se admitem suspensão e interrupção e o magistrado tem o dever de reconhecer de oficio, caso seja verificada a sua aplicação. O jurista que trabalha de forma por exclusão nas questões de prescrição, se utilizando do Diploma Civil, respectivamente dos seus artigos 205 e 206, acaba demonstrando falta de capacidade técnica para diferenciar um instituto de outro, completamente diferentes entre si, principalmente no que diz respeito aos resultados decididos para a resolução do conflito. Na questão em tela, o prazo é decadencial, até porque o Código de Defesa do Consumidor é tratado como matéria de ordem pública, logo não se trata de prazo prescricional, como alguns juristas entendem, mas o importante é ter a consciência de que a ficha de negativação do devedor, nos arquivos de bancos de dados, pode ser mantida no prazo máximo por cinco (05) anos, nunca podendo superar este tempo. A propósito da Súmula 13 do TJRS: “Minscrição do nome do devedor no Serviço de Proteção Mo F rédito – SPC deve ser cancelada após o decurso do prazo de cinco anos, se, antes disso, não ocorreu à prescrição da Mção de cobrançM”B Vale salientar a Súmula 323 do STJ: 331 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor “A inscrição de inadimplente pode ser mantida nos Serviços de proteção Mo F rédito por, no Maximo, 05 (cinco) Mnos”. 8- Da reparação do dano causado por informações nos bancos de dados A responsabilidade civil dos órgãos que depositam nos arquivos, informações dos consumidores inadimplentes, ou até mesmo informações inverídicas, através dos bancos de dados, como o próprio SERASA, SPC, devem responder por suas atitudes que causarem prejuízos, uma vez que prestam serviço público, através da administração pública, aplicando-se a teoria do risco administrativo, bastando provar apenas o nexo de causalidade entre o serviço publico prestado para o consumidor. O entendimento é fundamentado pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, no seu artigo 43, § 4º, quando considera que: “Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção Mo crédito e congêneres são considerMdos entidades de cMráter público”B Além do mais, a reparação dos danos é matéria de Direito Constitucional, tratada no F Mpitulo H“Dos direitos e Deveres Hndividuais e coletivos” do Titulo HH “Dos Direitos e gMrantiMs FundMmentais”, o inciso V do Mrt. 5º dispõe que “MssegurMdo o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. O problema atinge proporções mais preocupantes, a partir do momento em que as ações dos arquivos de consumo afrontam a órbita das garantias fundamentais do cidadão, expressos pelos direitos à personalidade (intimidade, vida privada, honra e imagem). A ocorrência desta situação acarreta consequências negativas que atuam de maneira direta na vida socioeconômica do consumidor. Por sua vez, a inscrição abusiva decorre de dado mantido em arquivo de consumo mediante o lapso temporal de 5 anos, salvo algumas exceções, ou a própria má-fé do arquivista, passível de indenização. A lei, ao disciplinar os bancos de dados de proteção ao crédito, indica objetivamente as diligências que devem ser observadas... Ora, ao se constatar que 332 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor tais cuidados não tenham sido respeitados, há, necessariamente, duas possibilidades: ou o ato foi praticado com vontade dirigida – dolo - ou houve negligência - culpa - da entidade arquivista em seguir as diligências exigidas 8. A indenização por danos morais é o enfoque principal das ações e decisões judiciais que tratam de inscrições ilícitas em bancos de dados de proteção ao crédito. Há várias razões para tanto. O registro indevido atinge, inexoravelmente, a honra e privacidade do consumidor; afeta, também, o estado anímico da pessoa física, gerando sentimentos negativos, como constrangimento, vergonha e revolta. Este cabe tanto para os fichamentos inverídicos como para aqueles que são verdadeiros e mantidos no prazo superior a cinco anos. 9- Lei 4.595 de 1964 que trata sobre a política e as instituições monetárias, bancárias e creditícias, criando o conselho monetário nacional A questão, conforme verificamos, o respectivo artigo 38 da lei é claro ao determinar que: “as instituições financeiras conservarão sigilo em suas operações ativas e passivas e serviços prestados”. § 1º - as instituições e esclarecimentos ordenados pelo poder judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso às partes legítimas na causa, que deles não poderão servir-se para fins estranhos à mesma. (...) § 7º - a quebra do sigilo de que trata este artigo constitui crime e sujeita os responsáveis à pena de reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, aplicando-se, no que couber, o código PenMl e o Código de processo PenMl, sem prejuízo de outras sanções cabíveis”. Cabe indagarmos se as instituições financeiras podem terceirizar serviços que lhes são autorizados e que estão disciplinados pelo art. 38 da Lei nº. 4.595/64. Mas, só o fato 8 BESSA op. cit., p. 237-1 333 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor das instituições financeiras necessitarem dos serviços de proteção ao crédito, não as tornam uma instituição financeira ao ponto de poder manipular informações regidas pela normatização que disciplina o Sistema Financeiro Nacional. Além do fato de terceirização do serviço prestado pelos órgãos prestadores de informações sobre o crédito, existe também o fator de delegação desses poderes entregues pelas instituições financeiras, valendo lembrar que aqueles são empresas privadas, mas de caráter público, pelo nosso CDC, em razão do serviço prestado. Não é demais lembrar que as instituições financeiras relutaram em submeterem-se aos ditames do CDC, agindo de maneira ilegal, quando mantém empresa, que não é instituição financeira, mas que acabam processando informações de caráter sigiloso sobre pessoas que se utilizam da prestação dos serviços bancários. A troca de informações direta entre as instituições financeiras sobre questões creditícias é aceita, pois, quando feitas de banco a banco, é realizada por pessoas tidas como bancárias e obrigadas ao sigilo bancário. Já os funcionários da Serasa não o são e ao receberem tais informações ocorre a quebra de sigilo bancário, posto que são terceiros nesta relação de informações. Concluímos que tendo em vista o artigo 37 da Constituição Federal, e por motivos que caracterizam os órgãos privados depositários do banco de dados como entidades de caráter publico, conforme o § 4º do CDC, logo faz parte da administração publica, deve ser levado em consideração o princípio da legalidade, onde o particular pode fazer tudo que a lei não proíba, enquanto que os que se encontram dentro da administração púbica só podem agir conforme determina a lei, logo as atitudes do SERASA, SPC e outros, são totalmente ilegais. 10- Lei 9.507 de 1997 que regula o direito de acesso à informação e disciplina o rito processual do “habeas data” Trataremos do direito ao conhecimento e à retificação de dados pessoais do consumidor, perante aos órgãos responsáveis pelos arquivos nos bancos de dados baseado no Mrtigo 4° da lei que: “constMtada M inexMtidão de qualquer dado M seu respeito, o 334 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor interessado, em petição acompanhada de documentos comprobatórios, podem requerer sua retificMção”B § 1°(...) § 2° “Minda que não se constMte MinexMtidão do dado, se o interessado Mpresentar explicação ou contestação sobre o mesmo, justificando possível pendência sobre o fato objeto do dado, tal explicMção será Mnotada no cMdMstro do interessado”B Perante a lei, tem o consumidor, o direito de retificar os seus dados incorretos ou apresentar uma justificativa plausível, mediante documentos comprobatórios explicando os motivos ocorridos, de que seu nome fora negativado, ou seja, é uma forma de concretizar o princípio do contraditório e da ampla defesa, pois o surgimento de casos fortuitos ou força maior podem atingir a todos, resultando em enormes prejuízos. 335 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor CONCLUSÃO O Código de Defesa do Consumidor, conhecido pela lei 8.078/90 trouxe avanço significativo em nosso ordenamento jurídico, colocando a disposição do movimento consumerista princípios modernos e inovadores de defesa da sociedade, instituindo, ainda, instrumentos ágeis e efetivos de proteção e defesa do consumidor, deixando um pouco de lado normas referentes aos bancos de dados dos mesmos que se encontram inadimplentes por diversos motivos. Todavia, passados mais de vinte anos, necessário proceder-se à sua atualização, haja vista aos avanços tecnológicos, as mudanças na conjuntura econômicosocial e o aumento do crédito e do consumo, principalmente no que toca ao superendividamento do consumidor. O crescimento do comércio eletrônico por meio eletrônico, nos últimos anos, demonstra que essa nova forma de contratação é cada vez mais utilizada, seja pela gama de ofertas, comodidade e facilitação de acesso, seja pelos sucessivos recordes de faturamento. Mas se há muitas vantagens e benefícios, há também maior vulnerabilidade do consumidor. Com essa nova realidade, deve também existir um reforço aos direitos de informações não precipitadas, transparência, lealdade, e principalmente mecanismos normatizados que proporcionem a segurança das transações, e a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais, objetivando uma menor desigualdade do consumidor perante aos demais. Enquanto o panóptico encarnava um modelo ótico e espacial de visão total, a vigilância digital põe em obra uma visibilidade que é informacional e temporal, onde não basta ver tudo, mas principalmente prever, a ponto de preceder o evento. Ou melhor, tudo ver no âmbito do espaço e dos corpos atuais e presentes só faz sentido, só é operacional se essa visão for capaz de projetar cenários, tendências, preferências. E mais, essa antevisão produz efeitos não tanto pela sua acuidade na previsão do futuro, mas sim pelo próprio processo de antecipação, que acaba por intervir nas escolhas, comportamentos e ações presentes, tornando efetivo o que se antecipou. 336 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A vigilância moderna instaurou uma série de rituais de observação e exame que acabam tentando tornar as superfícies transparentes e revelam, sob os disfarces da aparência, a verdade recolhida na profundidade dos corpos e alma. Diferentemente, a vigilância digital não está tão interessada na verdade e na profundidade, mas no desempenho, nos fluxos de informação e comunicação. A visibilidade aí construída não corresponde ao desvelamento de uma profundidade essencial, mas a antevisão e construção de superfícies ou cenários que orientem e intervenham no campo de ações, escolhas, cuidados dos indivíduos. As capacidades de vigilância das infraestruturas de negócios, transportes e do governo se multiplicam rapidamente, mas os indivíduos e grupos têm dificuldade em descobrir o que acontece com suas informações pessoais, quem lida com elas, quando e com que fim. De fato, na maioria das vezes, os cidadãos comuns e consumidores simplesmente não têm tempo ou incentivo para procurar esses detalhes. Enquanto isso, pouco a pouco, seus dados pessoais são usados para moldar suas oportunidades na vida e orientar suas escolhas. No entanto, dado o poder das grandes organizações, com capacidades sofisticadas de vigilância, parece justo que as pessoas comuns tenham sua voz ouvida, ainda que pelo menos em nível de princípio. Pode-se lutar por isso não apenas através de agencias especializadas, mas também por meio de grupos jurídicos e pela própria mídia. Os dados coletados por tecnologias de vigilância fluem por redes de computadores. Muitos podem consentir em oferecer seus dados em certa situação, mas o que acontece quando esses dados são transferidos para outro lugar? Com frequência uma variedade cada vez maior de bancos de dados é consultada. No entanto, tanto o público quanto as agências que compartilham esses dados sabem muito pouco sobre os locais exatos por onde esses dados trafegam. A ideia de que intervenções políticas sejam orientadas pela inteligência se firmou, e essa ideia, somada as redes e ao potencial de cruzamento de dados das infraestruturas digitais contemporâneas, significa que a vigilância parece operar segundo uma lógica própria. Mas essa lógica precisa ser questionada, examinada e verificada, particularmente no que diz respeito a processos que envolvam fluxo de dados de um local para o outro. Esse fluxo de dados requer descrição e análise. É importante perguntar qual é o grau de 337 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor segurança dos bancos de dados contra o acesso não autorizado e o vazamento de informações, mas é ainda mais vital questionarmos: até que ponto deve ser permitido que os dados transmitam de uma esfera para outra. Os dados pessoais, coletados e usados para um propósito e para realizar uma função, muitas vezes assumem outros propósitos e funções, que ampliam e intensificam a vigilância e as invasões de privacidade além do que havia sido entendido originalmente e considerado socialmente, eticamente e legalmente aceitável. O mundo real da sociedade da vigilância é muito complexo para respostas tão rápidas. Os bancos de dados e seus perfis operam como máquinas performativas com uma função quase “oraculMr”, dado que não representa uma reMlidade préviMou subjMcente, nem preveem um futuro certo e necessário, mas efePuam uma “reMlidade” ou “identidade” nM medida mesma em que a preveem, projetam ou antecipam. É vidente que as tendências e inclinações projetadas no perfil acabam condenando o presente e o futuro simulado, sufocando inúmeras outras possibilidades certamente presentes na identidade de uma pessoa, sendo necessário chamar a atenção para o fato de que tais constrangimentos e perigos próprios desta forma de poder não acabem resultando em presunções injustas e exclusões sociais. 338 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor BIBLIOGRAFIA: A Privacy International - O site da organização disponibiliza um grande acervo de documentos sobre a matéria: http://www.privacyinternational.org/. (acesso no dia 31/03/2009). BENJAMIN, Antonio Herman V. MANUAL DE DIREITO DO CONSUMIDOR, São Paulo: RT, 2009. BESSA, Leonardo Roscoe. O CONSUMIDOR E OS BANCOS DE DADOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO, São Paulo: RT, 2003. BRASIL, Lei 4.595 – de 31 de dezembro de 1964. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/c.civil_03/Leis/QUADRO/1960-1980.htm (acesso no dia 25/02/2009). 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CURSO DE DIREITO COMERCIAL, São Paulo-SP: Saraiva, 2007. 340 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor NEOCONSTITUCIONALISMO, NEOPROCESSUALISMO, CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E A CRISE DO JUDICIÁRIO NEOCONSTITUTIONALISM, NEW SCIENCE PROCEDURAL, CODE OF CONSUMER AND CRISIS OF JUSTICE MARCELO YUKIO MISAKA1 RESUMO: O presente artigo pretende revisar conceitos modernos como o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo, bem como abordar a temática dos princípios constitucionais processuais, demonstrando suas totais sintonias com institutos jurídico-processuais da Lei 8.078/90 (Código de defesa do consumidor), e sugerindo que a aplicação daqueles institutos jurídicos-processuais não só contribuiriam à melhora qualitativa das decisões judiciais como também amenizariam a propalada crise do Poder Judiciário. Ademais, além da proposta de uma jurisdição como instrumento de proteção dos direitos fundamentais, lança a ideia de processo e jurisdição destinados à concretização dos objetivos fundamentais da República (artigo 3º, da Constituição Federal de 1988). Palavras-chaves: Neoconstitucionalismo. Neoprocessualismo. Código de defesa do consumidor. Poder Judiciário. ABSTRACT: This article intends to review moderns concepts as neoconstitutionalism and “new science of process” as well as addressing the issue of procedural constitutional principles, and demonstrating their harmony with legal and procedural instituts of the Law 8.078/90, and suggesting that the application of these legal and 1 Mestrando do Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade Estadual do Norte do Paraná, Campus de Jacarezinho/PR; Juiz de Direito do Estado de São Paulo; Professor Universitário da Unitoledo/Araçatuba. 341 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor procedural instituts not only contribute to the qualitative improvement of judicial decisions as soften the widespread crisis of Justice. Moreover, the proposed addition of a jurisdiction as an instrument of protection of fundamental rights, launches the idea of process and jurisdiction for the implementation of the fundamental goals of the Republic (Article 3 of the Federal Constitution of 1988). Keywords: Neoconstitutionalism. New science procedural. Code of Consumer Protection. Judiciary. INTRODUÇÃO O neoconstitucionalismo, conferindo prestígio central aos princípios, caracteriza-se como fator marcante da ciência jurídica moderna. Como corolário desse giro hermenêutico, nasce o neoprocessualismo. E ambos (neoconstitucionalismo e neoprocessualismo) representaram vetores importantes à ciência processual, sobretudo no tocante à postura do magistrado frente aos princípios constitucionais (de direito material e processual). À luz do neoconstitucionalismo e do neoprocessualismo, então, analisar-se-ão os princípios processuais, com ligeira reorientação quanto ao escopo da jurisdição e do próprio processo, refletindo sobre a contribuição daquela definição (escopo jurisdicional) à amenização da crise de legitimidade do Poder Judiciário. A seguir, levando-se em consideração que expressiva quantidade de demandas, postas à apreciação do Poder Judiciário, versam sobre relações de consumo, procurarse-á identificar os principais institutos processuais da Lei 8.078/90 demonstrando a sua harmonia com o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo. E, com isso, pretende-se sugerir uma via, dentre as inúmeras existentes, para a implementação do neoconstitucionalismo e do neoprocessualismo na atividade judicial, auxiliando na redução da crise do Poder Judiciário. 1 Neoconstitucionalismo 342 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A história do Direito e do próprio constitucionalismo, retrata uma fase de preponderância das questões filosóficas e morais sobre a lei (jusnaturalismo), seguida de uma etapa do Direito totalmente despida de questões éticas ou filosóficas, com predomínio apenas da lei em sentido formal (positivismo). Atualmente, receosos das incertezas geradas pela primeira fase (jusnaturalista), mas também insatisfeitos com as injustiças oriundas do positivismo, vive-se uma tentativa de unificação daquelas escolas. A base para esse novo pensamento partiu do deslocamento dos princípios, de meros auxiliares subsidiários na interpretação do Direito, para o centro do ordenamento jurídico. Eles passam a ter eficácia e aplicabilidade direta no cenário jurídico, ou seja, independente de outras leis para lhes atribuir tal eficácia. E tornam-se vetores primários de interpretação do Direito, dando unidade ao sistema jurídico e representando os valores erigidos por uma determinada sociedade naquela época. Nas palavras de Luis Roberto Barroso: Os princípios constitucionais, portanto, explícitos ou não, passam a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Eles espelham a ideologia da sociedade, seus postulados básicos, seus fins. Os princípios dão unidade e harmonia ao sistema, integrando suas diferentes partes e atenuando tensões normativas. De parte isso, servem de guia para o intérprete, cuja atuação deve pautar-se pela identificação do princípio maior que rege o tema apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie. Estes os papéis desempenhados pelos princípios: a) condenar valores; b) dar unidade ao sistema; c) condicionar a atividade do intérprete (2009, p. 239). Essa eficácia dos princípios, conferindo-lhes a importância de centro do ordenamento jurídico, são características peculiares do neoconstitucionalismo. Ou, como destacou Luiz Guilherme Marinoni: O neoconstitucionalismo exige a compreensão crítica da lei em face da Constituição, para ao final fazer surgir uma projeção ou cristalização da norma adequada, que também pode ser entendida como ‘conformação da lei’ (2012, p. 46). 343 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Os princípios representam os valores erigidos pela sociedade em determinada época e por isso são capazes de conferir unidade ao sistema jurídico, sendo importantes vetores hermenêuticos na tarefa de harmonização dos diversos valores encampados pela ordem constitucional. Assim, atuam à semelhança dos institutos filosóficos e morais que os jusnaturalistas pretendiam ver encampados na ordem jurídica. De outro lado, como são dotados de normatividade, pois devem estar expressos ou ao menos implícitos no texto constitucional, conferem a segurança jurídica almejada pelos positivistas, sem descurar do aspecto valorativo do Direito, de origem jusnaturalista. Nessa nova ordem jurídica (neoconstitucionalismo), confere-se importância especial aos princípios, a ponto de se afirmar que: Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada” (MELLO, 2006, p. 903). 2 Neoprocessualismo A estrutura do Estado, tido como mero garantidor das liberdades públicas (Estado Liberal), também sofreu profunda alteração com o passar dos anos. A postura do Estado Liberal não era suficiente, pois se percebeu que as pessoas não tinham as mesmas condições de concretizar a felicidade. Não bastava então ao Estado simplesmente abster-se de limitar a liberdade dos indivíduos para se garantir tal bem- estar. Exigia-se do Estado uma postura ativa, de efetiva promoção do bem- estar social (Estado do Bem- Estar Social). Ademais, os poderes políticos (Executivo e Legislativo) não conseguiam atender aos anseios sociais para qual foram eleitos, dando ensejo a uma crise da democracia representativa. 344 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A necessidade de atuação positiva do Estado para a realização do bem comum, aliada à crise da democracia representativa, exigiram, do Poder Judiciário, a redefinição do seu papel na estrutura dos poderes. A omissão dos poderes políticos na realização dos comandos constitucionais de implantação dos direitos fundamentais (cuja eficácia é fornecida pelo neoconstitucionalismo) culminou com o acionamento do Poder Judiciário para suprir a inércia dos demais. Essa atividade judiciária pioneira pode ser chamada de protagonismo judiciário (CAMBI, 2009, p. 243). O protagonismo judiciário em busca da concretização dos mandamentos constitucionais (notadamente de implantação dos direitos fundamentais), e a própria aplicação do neoconstitucionalismo no âmbito do Direito Processual (conferindo eficácia aos princípios constitucionais processuais fundamentais), caracterizam o neoprocessualismo. Na visão de Eduardo Cambi: Portanto, o neoconstitucionalismo e o neoprocessualismo não são tendências que devem ficar apenas no plano teórico, exigindo do operador jurídico novas práticas para que, assim, seja possível resistir, sempre com apego na Constituição, a toda forma de retrocessos, o que servirá- e isto, por si só, não é pouco- para a concretização da consciência constitucional e para a formação de uma silenciosa cultura democrática de proteção dos direitos e garantias fundamentais (2006, p. 683). 3 Processo e direitos fundamentais Os direitos fundamentais, antes relegados a mero limite de atuação estatal frente ao indivíduo, passaram a ocupar local de destaque no estudo do Direito Constitucional. De normas limitadoras do arbítrio estatal gravitaram para o centro do constitucionalismo moderno, atuando como guia condutor de todo o ordenamento jurídico. Com esse giro hermenêutico, os direitos fundamentais, além do seu aspecto subjetivo tradicional (direito subjetivo invocável pelo indivíduo contra seus pares ou 345 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor contra o Estado), assumiram uma dimensão objetiva ao balizar e também nortear toda a atuação do Estado nas esferas administrativa, legislativa e judicial. A concretização dos direitos fundamentais torna-se um dos objetivos do agir estatal. Afinal, são fundamentais e neste contexto é que se afirma conterem os direitos fundamentais uma ordem dirigida ao Estado no sentido de que a este incumbe a obrigação permanente de concretização e realização dos direitos fundamentais (SARLET, 2012. p. 659). Nesse ponto, a doutrina processual não se descurou desse ideário. Atenta à nova formatação do Estado, de valorização dos direitos fundamentais, passou a lecionar a necessidade de se pensar no processo não como instrumento apenas, mas como um meio de se concretizar também os direitos fundamentais. Como bem concluiu Eduardo Cambi: Um Estado que apenas assegura os direitos daqueles que já possuem condições mínimas de existência consagra a desigualdade. Perde a sua capacidade de integrar os membros de uma sociedade e passa a exercer um papel de mero perpetuador de injustiças (2009, p. 501). 3.1 Processo e os objetivos da República na Constituição Federal Sobre o processo, quiçá seja possível uma reflexão ousada, avançando-se um pouco mais em relação a sua finalidade e da própria jurisdição. A República Federativa do Brasil tem como objetivos fundamentais (art. 3º, da CF): a) construir uma sociedade livre, justa e solidária; b) garantir o desenvolvimento nacional; c) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; d) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Acerca daqueles objetivos fundamentais, estampados de forma pioneira na nossa Magna Carta, escreveu José Afonso da Silva: É a primeira vez que a uma Constituição assinala, especificamente, objetivos do Estado brasileiro, não todos, que seria despropositado, mas os fundamentais, e, entre eles, uns que valem como base das prestações 346 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor positivas que venham a concretizar a democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa humana (2000, p. 110). De bom alvitre mencionar a intrínseca relação entre processo e jurisdição, porque esta é o produto final da atividade estatal no aspecto judicial. O processo é o método pelo qual essa atividade se manifesta. Na feliz síntese de Cândido Rangel Dinamarco a existência de processo numa ordem jurídica é imposição da necessidade do serviço jurisdicional: o processo existe acima de tudo para o exercício da jurisdição e esse é o fator de sua legitimidade social entre as instituições jurídicas do país (2009, p. 304). Destarte, em última análise a jurisdição e o próprio processo são espécies de atuação do Estado. Logo, eles também devem atuar – por imperativo constitucionalcom vistas a concretizar os objetivos fundamentais do Estado (art. 3º, CF). Haja vista que existe um feixe de objetivos a serem alcançados mediante a atividade jurisdicional, pois, se o Estado tem seus objetivos, ele também usará da jurisdição para o cumprimento da sua missão institucional através dos valores consagrados e definidos constitucionalmente pela sociedade (FERNANDES; PEDRON, 2008, p. 65). Então, tanto processo como jurisdição, por serem manifestações da atividade estatal, devem servir como instrumento de concretização dos objetivos da República Federativa do Brasil, ou seja, construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; bem como promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Nesse sentido: O Judiciário, ao lado dos demais poderes do Estado, é tão responsável quanto eles pela consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. É poder constituído, evidentemente subordinado à vontade constituinte e não tem o direito a sentir-se alheio ao grande projeto de edificar uma sociedade livre, justa e solidária (NALINI, 253). 2006, p. 347 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A natureza instrumental do processo e da própria atividade judicial, se considerado aquele escopo jurisdicional (concretização dos objetivos fundamentais da República), residem exatamente nessa redefinição do papel do Poder Judiciário. De órgão protetor dos direitos e garantias fundamentais a instrumento estatal de concretização dos objetivos fundamentais do Estado por meio do processo. No aspecto político, essa redefinição do escopo jurisdicional tem o condão de trazer luzes a um ponto obscuro da atuação judicial, que é o déficit de legitimidade das decisões judiciais, notadamente no tocante à eficácia da tutela jurídica prestada pelo Estado-juiz. Evidente que a alteração do escopo, por si só, não tem o condão de modificar totalmente o quadro estrutural em que inserto o Poder Judiciário. Há diversos outros fatores e vias resolutórias. Não obstante, a realocação daquele escopo jurisdicional confere substrato teórico-científico à atuação do magistrado- sempre balizado pelos valores consagrados na Carta da República – mas detentor de uma capacidade criativa e resolutiva digno da confiança constitucional que lhe fora depositada. 4 Princípios constitucionais processuais Contudo, para que a atividade estatal processual, e jurisdicional, possa atingir aquele desiderato delineado no item anterior, é preciso também que os princípios constitucionais processuais sejam efetivados e interpretados à luz dos objetivos traçados pelo art. 3º, da Constituição Federal. Por isso, passa-se à análise dos princípios processuais mais importantes para o desenvolvimento deste trabalho. 4.1 Princípio do devido processo legal O princípio do devido processo legal é o alicerce de todo os demais princípios de natureza processual, a partir daquele que nascem os outros, formando o sistema de princípios constitucionais processuais. 348 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Ele é um direito fundamental de conteúdo complexo. Trata-se de uma cláusula geral e, portanto, aberta, que a experiência histórica cuida de preencher (DIDIER JR, 2006, p. 59). A doutrina costuma dividi-lo em devido processo legal formal e substancial. Quanto ao primeiro, cuida-se do direito fundamental a um processo em conformidade com as previsões legais, respeitando-se os direitos e garantias processuais dos litigantes. Ou, nas palavras de Tavares: O devido processo legal, no âmbito processual, significa a garantia concedida à parte processual para utilizar-se da plenitude dos meios jurídicos existentes. Seu conteúdo identifica-se com a exigência de paridade total de condições com o Estado persecutor e plenitude de defesa (2012, p. 741). Sob a ótica substancial, é cláusula geral, preenchível de acordo com os valores históricos e culturais contemporâneos ao momento da exegese, representa a exigência de razoabilidade como um direito fundamental. Então, pode-se asseverar que o princípio do devido processo legal enfeixa garantia dupla. A formal de respeito ao procedimento previsto em lei, com concretização de todas as demais garantias processuais; e também no aspecto substancial de que as decisões judiciais ou qualquer ato estatal de interferência na vida, liberdade e no patrimônio dos indivíduos deve ser equilibrada. Ou seja, necessária, adequada e proporcional. A adoção do princípio do devido processo legal, nos aspectos formal e material, além de possibilitar a adaptação das decisões judiciais às circunstâncias de cada caso (COMPARATO, 2000, p. 145), confere meios para o magistrado interpretar as normas jurídicas à luz dos valores consagrados na Constituição. O juiz que apreende o conteúdo do direito do seu momento histórico sabe reconhecer o texto de lei que não guarda ligação com os anseios sociais, bastando a ele, em tal situação, retirar do sistema, principalmente da Constituição, os dados que lhe permitem decidir de modo a fazer valer o conteúdo do direito do seu tempo (MARINONI, 1999, p. 110). 349 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 4.2 Princípio da igualdade processual A noção de igualdade é um dos princípios basilares da Constituição Federal, já que em diversas passagens daquela Carta o Poder Constituinte se preocupou com o tratamento igualitário ou com a proibição da discriminação. A título exemplificativo veja-se os artigos 3º, inciso III; 4º, inciso V; 5º, caput, dentre outros. O princípio da igualdade também comporta duplo aspecto: formal e material. Quanto ao primeiro, significa que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. É a conhecida igualdade perante a lei, fruto do pensamento liberal clássico, onde se partia da premissa de que todos os indivíduos possuíam as mesmas condições. Assim, para se alcançar a justiça bastava que a lei não os discriminasse. Contudo, essa igualdade de condições entre os indivíduos é noção filosófica apartada da realidade, pois as pessoas se diferenciam em inúmeros aspectos (físicos, sociais, econômicos etc), de sorte que não se pode falar em igualdade originária sempre. Destarte, a lei não poderia apenas contentar-se em tratar igualitariamente os indivíduos, já que isso era insuficiente à concretização de uma justiça. Com efeito, desenvolveu-se o aspecto material do princípio da igualdade, assentando-se no postulado de que as pessoas são naturalmente diferenciadas. Em alguns casos, para alcançar a igualdade material era preciso o tratamento diferenciado, desde que justificado. Leciona Ferreira Filho que: O princípio da igualdade não proíbe de modo absoluto as diferenciações de tratamento. Veda apenas aquelas diferenciações arbitrárias, as discriminações. Na verdade, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência do próprio conceito de Justiça (2011, p. 309). A partir dessas noções de igualdade (formal e material), bem como à luz do princípio do devido processo legal, conclui-se que o princípio da igualdade é aplicável no âmbito processual. 350 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor É a exigência de paridade de armas entre os litigantes e de tratamento processual isonômico como manifestações de um devido processo legal. Além de envergadura constitucional, tal exigência está expressa também no art. 125, I, do CPC. Como em todos os ramos do Direito, no campo do Direito Processual, o princípio da igualdade deve ser observado sob a dupla dimensão: formal e material. Para atender àquele princípio, insuficiente que a lei ou o magistrado se abstenha de conferir tratamento diferenciado entre os litigantes. É preciso, outrossim, que se possibilite às partes igualdade de condições (par conditio) na atuação processual, até mesmo com tratamento diferenciado para concretizar a igualdade em sentido material. Câmara escreve que já foi dito que o processo é um jogo. Que seja ao menos um jogo equilibrado, em que as partes têm as mesmas chances de êxito, o que assegurará o sucesso a quem seja efetivamente titular de uma posição jurídica de vantagem (2011, p. 145). Com efeito, para se concretizar um devido processo legal é imprescindível que aos litigantes seja conferido tratamento igualitário (isonomia processual formal) e também igualdade de condições na atuação processual (isonomia processual material). 4.3 Princípio do contraditório O art. 5º, inciso LV, da CF, determina que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. Nesse inciso, assim, foi estabelecida a garantia do contraditório e da ampla defesa em qualquer processo. A garantia do contraditório implica não apenas a ciência da existência de um processo, mas também a de participar, ser ouvido e influenciar na convicção do órgão julgador. Há uma legitimação das decisões judiciais por meio do contraditório e do devido processo legal, “querendo-se com isso destacar que a manifestação do Estadode todo ele, não só do Estado-juiz- será tanto mais legítima quanto maior for a 351 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor possibilidade de os destinatários de seus atos, de suas decisões, que têm caráter imperativo e vinculante, poderem se manifestar para influenciar a autoridade competente antes de ela decidir (BUENO, 2011, p. 145).. 4.4 Princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional A Constituição Federal estabeleceu, em seu artigo 5º, inciso XXXV, o princípio da inafastabilidade jurisdicional ao determinar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Por isso, é direito fundamental do indivíduo o acesso à Justiça, a prerrogativa de socorrer-se do Poder Judiciário quando houver lesão ou até mesmo ameaça de lesão ao seu direito. E tal direito não lhe pode ser subtraído pelo legislador, nem mesmo pelo Poder Constituinte Derivado ante a impossibilidade de relativização das cláusulas pétreas (art. 60, §4º, IV, CF). Infere-se que o primeiro destinatário da norma em comento é o legislador, o qual tem a sua autonomia legislativa relativizada nesse ponto, pois se vedou a produção de leis que restrinjam em demasia (sem justificativas constitucionalmente aceitáveis) o acesso à Justiça. Sobre aludido princípio, Alvim destaca que: Isto quer dizer que nenhuma lesão ou mera ameaça de lesão de direito individual ou não, pode ser por lei infraconstitucional subtraída do conhecimento do Poder Judiciário; decorre disto, necessariamente, que a jurisdição é aquela que é exercida por Juízes de Direito, dos diversos graus de jurisdição existentes e com as garantias tradicionais da magistratura (1990, p. 145). O acesso à Justiça é instrumento que efetiva o Estado Democrático de Direito, pois permite ao indivíduo, lesado em seu direito ou mesmo diante de iminência de lesão (ameaça) invocar o Poder Judiciário contra eventuais arbítrios do próprio Estado ou de particulares. Diante da importância do aludido princípio no Estado Democrático de Direito, ao legislador é vedado obstaculizar injustificadamente o acesso à Justiça. Mas também 352 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor se exige dele uma atuação positiva, a de promover o acesso à ordem jurídica, pois essa a vontade do Poder Constituinte Originário. E tal atuação positiva está em consonância com a concretização de um Estado Democrático de Direito. De forma magistral destacou o Min. Celso de Mello que: A regra inscrita no art. 5º, inciso XXXV, da Lei Fundamental, garantidora do direito ao processo e à tutela jurisdicional, constitui o parágrafo régio do Estado Democrático de Direito, pois, onde inexista a possibilidade de amparo jurisdicional, haverá, sempre, a realidade opressiva e intolerável do arbítrio do Estado ou dos excessos dos particulares, quando transgridam, injustamente, os direitos de qualquer pessoa (STF. Rcl 6534 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2008, DJe-197 DIVULG 16-10-2008 PUBLIC 17-10-2008 EMENT VOL-02337-01 PP00160 RTJ VOL-00206-03 PP-01036 RT v. 98, n. 879, 2009, p. 162-170 RF v. 104, n. 400, 2008, p. 360-370). O art. 5º, inciso XXXV, da CF, também permite outra leitura, elencando como destinatário daquele comando não só o legislador, mas também o magistrado. Pois é o presidente e condutor do processo. Ao prever o acesso ao Judiciário como direito fundamental do indivíduo, certamente o Poder Constituinte conferiu importância substancial à atuação dos magistrados, o que legitima aquela conclusão no sentido de que a jurisdição e o processo são instrumentos de promoção dos direitos fundamentais. E mais, de concretização dos objetivos fundamentais da República Federativa (art. 3º, CF). De nada adianta franquear o acesso à Justiça se a tutela jurisdicional buscada também não se permear de todos aqueles ideários que inspiraram o Poder Constituinte ao eleger as finalidades da jurisdição e do processo, bem como guardar estrita observância aos demais princípios constitucionais processuais. A garantia de acesso à Justiça seria meramente formal. 4.5 Acesso à ordem jurídica justa, célere e eficaz Para se implantar uma verdadeira garantia de acesso à justiça, que não se restrinja ao aspecto meramente formal, é preciso avançar. A inafastabilidade do controle jurisdicional deve ser comando dirigido ao legislador e também ao magistrado. 353 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Tal ilação é extraída da interpretação sistematizada do princípio do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CF) e da cláusula do devido processo legal (art. 5º, LIV, CF). Ou seja, além de ser desejo da Constituição Federal o amplo acesso ao Poder Judiciário, o processo (instrumento pelo qual se manifesta a jurisdição) tem que ser adequado (devido) e em conformidade com a legislação (e com a própria Constituição Federal). Então, o integrante do Poder Judiciário deve ter em mente as finalidades do processo e da jurisdição (promoção de direitos fundamentais e dos objetivos fundamentais da República), e concretizar os princípios constitucionais processuais. A esse aspecto denomina-se garantia a uma ordem jurídica justa, célere e eficaz. Cappelletti e Garth já ensinavam que a garantia do acesso à justiça serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico- o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos (2002, p. 8). Nesse ponto, pode-se dizer também que a ideia de acesso àquela ordem jurídica qualificada é comando dirigido ao magistrado (na sua atuação profissional), mas também aos poderes Legislativo e Executivo (administrador público). Ao legislador incumbe a elaboração de leis condizentes com aludido princípio. E ao Executivo, com aval do legislativo, a destinação de recursos financeiros para aparelhar materialmente e com servidores o Poder Judiciário. Sem um mínimo de estrutura adequada de trabalho e de recursos humanos a assessorarem os magistrados, ante o excesso de processos judiciais, mesmo que imbuído dos mais prestigiosos valores constitucionais, torna-se impossível ao juiz (sozinho) concretizar o comando constitucional de acesso à ordem jurídica justa, célere e eficaz. Como bem destacou o magistrado Silveira não se pode simplesmente ignorar a realidade de trabalho dos juízes brasileiros, permeada por dificuldades que vão além do excesso de processos, especialmente por não contarem com assessoramento especializado e estrutura informatizada hábil (2012, p. 51). De qualquer sorte, como meta a ser alcançada, é possível se fincar a noção de que o acesso à Justiça por si só é insuficiente para se garantir um processo e uma 354 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor jurisdição segundo os comandos da Constituição Federal. É preciso, ademais, que a própria jurisdição seja célere e eficaz. A celeridade processual atualmente encontra amparo no art. 5º, LXXVIII, da CF, que é a garantia da duração razoável do processo: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. O princípio da celeridade é: Dirigido, em primeiro lugar, ao legislador, que deve cuidar de editar leis que acelerem e não atravanquem o andamento dos processos. Em segundo lugar, ao administrador, que deverá zelar pela manutenção dos órgãos judiciários, aparelhando-os de sorte a dar efetividade à norma constitucional. E, por fim, aos juízes, que, no exercício de suas atividades, devem diligenciar para que o processo caminhe para uma solução rápida (GONÇALVES, p. 54). 2012, A eficácia da jurisdição, ainda dentro de uma ordem jurídica justa, relaciona-se com as consequências da decisão judicial. Se até este momento a preocupação era com os meios adequados à tutela jurisdicional, a partir da noção de efetividade do processo preocupa-se com os resultados da decisão proferida pelo juiz. A maneira de se garantir, àquele que teve a sua situação jurídica favorecida pela decisão, o resultado prático equivalente ao que ele obteria se não precisasse acionar o Poder Judiciário. Enquanto o princípio do acesso à Justiça e do devido processo legal e os que dele derivam, voltam-se, basicamente, à criação de condições efetivas de provocação do Poder Judiciário e de obtenção da tutela jurisdicional mediante uma devida participação ao longo do processo, com vistas ao reconhecimento do direito (ameaçado ou lesionado) de alguém pelo Poder Judiciário, o princípio da efetividade do processo volta-se mais especificamente ao reconhecimento práticos deste reconhecimento do direito, na exata medida em que ele o seja, isto é, aos resultados da tutela jurisdicional no plano material, exterior ao processo (BUENO, 2011, p. 185). Essa nova postura judicial, de órgão concretizador dos direitos fundamentais e dos objetivos da República (art. 3º, CF), cuja decisão será sempre resultado de respeito absoluto aos princípios constitucionais processuais, homenageando-se o acesso à ordem 355 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor jurídica justa, célere e eficaz, quiçá seja o ponto de partida para a solução da aventada crise do Poder Judiciário. Como bem destacou Nalini: O protagonismo saudável é assim chamado por caracterizar a atuação de um juiz que se não conforma com o exercício automático e formal de sua função, mas se sente responsável pelas consequências concretas de sua decisão, mormente quanto à sua compatibilidade com o justo. Um ativismo político radical o levaria a instrumentalizar a função e até mesmo à revolução. O imobilismo inercial clássico em nada permitiria a modificação do quadro atual de descrédito no Judiciário (2006, p. 283). 5 Tutela do consumidor A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXII, determinou que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Assim, a defesa do consumidor foi erigida, pela Lei Fundamental, como garantia fundamental do indivíduo a ser implementada na forma da lei. A Carta Maior não se contentou apenas com aquela previsão normativa. No art. 24, inciso VIII, atribuiu competência concorrente para legislar sobre responsabilidade nas relações de consumo. No art. 150, §4º, da CF deixou expresso que “a lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços”. Dentre os princípios da ordem econômica elencou a defesa do consumidor (art. 170, IV, da CF). Ademais, preocupado com a mora legislativa, no art. 48 do ADCT determinou que “o Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor”. Com base na interpretação sistemática daqueles dispositivos constitucionais infere-se que a tutela das relações de consumo mereceu singular atenção do Poder Constituinte. Além da previsão no rol dos direitos e garantias fundamentais, em diversas 356 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor passagens da Constituição o tema foi renovado. Ao final, estabeleceu-se prazo para que o Congresso Nacional legislasse a respeito do tema. Destarte, do texto constitucional se extrai que a tutela da relação de consumo deve mesmo ser diferenciada das demais relações jurídicas, sem que isso signifique violação da Constituição Federal. 5.1 Tutela do consumidor como instrumento de promoção da igualdade material Em cumprimento ao comando constitucional, editou-se a Lei 8.078/90, denominada Código de Defesa do Consumidor. No seu artigo 1º já se destaca que “o presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”. O artigo 4º, inciso I, da Lei 8.078/90, ao tratar da Política Nacional das relações de consumo fixa a premissa de que o consumidor é a parte vulnerável naquela relação jurídica. Tal tomada de posição é fundamental na análise da legitimidade do tratamento diferenciado que aquela lei conferiu aos consumidores, pois demonstra que o legislador almejou concretizar o princípio da igualdade material. Vale dizer, o tratamento diferenciado em prol do consumidor conferiu equilíbrio a uma relação jurídica naturalmente desigual entre consumidores e fornecedores ou prestadores de serviços. Esse também o entendimento de Grinover ao afirmar que “no âmbito da tutela especial do consumidor, efetivamente, é ele sem dúvida a parte mais fraca, vulnerável, se se tiver em conta que os detentores dos meios de produção é que detêm todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como produzir e para quem produzir, sem falar-se na fixação de suas margens de lucro (2007, p. 69). A necessidade de equilíbrio na relação de consumo, com a harmonização dos interesses dos participantes daquele negócio jurídico, resta nítida com a leitura do art. 4º, inciso III, da citada lei. 357 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores Na realidade, essa a pedra de toque a guiar a finalidade do tratamento diferenciado do consumidor. Todo e qualquer tratamento especial deve ser com vistas a atingir o art. 4º, inciso III, da Lei 8.078/90, compatibilizando a proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, viabilizando-se os princípios da ordem econômica e não se olvidando da boa-fé e equilíbrio naquela relação. 5.2 Mecanismos de proteção do consumidor Inspirada na vulnerabilidade do consumidor e na necessidade de conferir equilíbrio às relações de consumo, a Lei 8.078/90 trouxe inúmeros institutos de proteção especial ao consumidor. Dentre eles, podem ser citados, sob o enfoque material: a) a responsabilização do produtor e do fornecedor pelo fato do produto e do serviços, respectivamente (artigos 12 e 14 da Lei 8.078/90); b) a responsabilidade por vício do produto e do serviço (artigos 18 a 20 da citada lei); c) a desconsideração da personalidade jurídica (art. 28); d) a regulamentação da oferta e da publicidade de produtos e serviços (art. 30 a 38); e) especificação de práticas abusivas (art. 39 e 40); f) a proteção contratual (art. 46 a 50) com as cláusulas consideradas abusivas e por isso nulas (art. 51 a 53); g) previsão de regras de interpretação dos contratos de adesão (art. 54). Já no campo processual, o Código atuou em duas vertentes. No campo das ações individuais e das coletivas (GRINOVER, 2007, p. 788). Quanto às primeiras, podem ser citadas: a) competência pelo domicílio do consumidor (art. 101, I); b) vedação da denunciação à lide e um novo tipo de chamamento ao processo (art. 88 e 101, II); c) previsão de adequada e efetiva tutela jurisdicional por intermédio de toda e qualquer ação (art. 83); d) nova configuração da tutela específica, nas ações que tenham 358 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 84); e) extensão subjetiva da coisa julgada apenas para beneficiar as pretensões individuais (art. 103); f) inversão do ônus da prova (art. 6º, VIII); g) implementação dos juizados de pequenas causas (art. 5º, IV); h) assistência jurídica integral e gratuita ao consumidor carente (art. 5º, I) dentre outros. No âmbito das ações coletivas, são dignos de notas os seguintes institutos processuais2: a) tutela dos consumidores ampliada por meio da categoria dos interesses difusos e coletivos (art. 81, I e II); b) nova espécie de ação para o tratamento coletivo da reparação dos danos pessoalmente sofridos (art. 81, III e Capítulo II do Título III), sem prejuízo da eventual fluid recovery (art. 100); c) aperfeiçoamento das regras de legitimação e dispensa de custas e de honorários advocatícios da Lei 7.347/85 (art. 87); d) novo tratamento à coisa julgada no processo coletivo (art. 103). 6 Neoprocessualismo e Código de Defesa do Consumidor Sob o aspecto processual, então, o Código de Defesa do Consumidor, em inúmeros dispositivos, foi iluminado pelo neoprocessualismo, com assunção do conceito de acesso à ordem jurídica justa, célere e eficaz. Vejamos alguns deles. A regra do art. 94 do CPC, que estabelece a competência territorial no domicílio do réu, foi derrogada pela Lei 8.078/90 quando a demanda versar sobre relação de consumo. Pois, o art. 101, I, da citada lei, conferiu a prerrogativa de esta ação ser proposta no domicílio do consumidor. É evidente que tal regra concretizou o acesso à Justiça aos consumidores, pois lhes facilitou a propositura de ações, não precisando se deslocar de cidade para ingressar com as demandas consumeristas. O próprio STJ já decidiu que, tratando-se de regra beneficiando o hipossuficiente, a cláusula contratual de eleição de foro que a afasta poderá ser declarada nula. 359 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE CONSÓRCIO. CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO. NULIDADE. DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR. PARTE HIPOSSUFICIENTE DA RELAÇÃO. FORO ELEITO. 1. A jurisprudência do STJ firmou-se, seguindo os ditames do Código de Defesa do Consumidor, no sentido de que a cláusula de eleição de foro estipulada em contrato de consórcio há que ser tida como nula, devendo ser eleito o foro do domicílio do consumidor a fim de facilitar a defesa da parte hipossuficiente da relação. 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag 1070671/SC, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 27/04/2010, DJe 10/05/2010) Na mesma esteira, a vedação de denunciação à lide (art. 88, da Lei 8.078/90) se justifica para que as ações que discutem relação de consumo não sejam retardadas pelo ingresso de terceiros na lide. Assim, buscou-se trazer maior celeridade e efetividade àqueles processos, em consonância com o princípio da duração razoável do processo. A previsão de toda e qualquer ação para defesa dos direitos dos consumidores (art. 83), bem como da tutela específica nas obrigações de fazer (art. 84), encontram amparo constitucional no princípio do devido processo legal e, sobretudo, na jurisdição (e no processo) como instrumento de tutela dos direitos fundamentais. Ou, pela nossa proposta, como meios de concretização dos objetivos fundamentais da República (art. 3º, CF). Com efeito, a tutela do consumidor está prevista no rol dos direitos e garantias fundamentais, razão pela qual merece ser erigida como um dos escopos jurisdicionais por força da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. Não bastasse isso, a relação de consumo se caracteriza pela hipossuficiência de uma das partes, de sorte que a jurisdição deve buscar reduzir esse desequilíbrio e promover a integração social. Por isso a previsão de cabimento de toda e qualquer ação destinada a proteger a relação de consumo (pois inserida no rol de direitos e garantias fundamentais) e da existência de tutela específica, que representa valioso instrumento para que o magistrado exerça seu mister de proteção dos direitos fundamentais. A inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, inciso VIII, da Lei 8.078/90, é instrumento que confere concretude aos princípios da inafastabilidade do controle jurisdicional e do devido processo legal. 360 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Nada adiantaria facilitar o acesso à ordem jurídica se o consumidor ainda encontrasse dificuldades em demonstrar suas alegações em juízo à luz da regra tradicional de ônus da prova (art. 333, do CPC). Seria o mesmo que negativa substancial do acesso à ordem jurídica. Então, para que a tutela do consumidor ocorresse de forma adequada, respeitando-se o devido processo legal (formal e substancial), criou-se o instituto em comento (inversão do ônus da prova), a ser operado pelo juiz (e não pelo legislador) ante o preenchimento de certos requisitos. Para a inversão, a lei exige que a alegação do consumidor seja “verossímil” ou ele seja “hipossuficiente”. Em relação à verossimilhança, o legislador optou pela técnica de cognição sumária (ou rarefeita), a bastar que a alegação do consumidor tenha aparência de verdadeira. Ademais, estabeleceu que a “hipossuficiência” seria o outro requisito. Mas, seria apenas a hipossuficiência financeira, ou estaria também englobada a técnica? Levando-se em consideração o desiderato que inspirou a inversão do ônus da prova (acesso à ordem jurídica justa e adequada), a melhor exegese é no sentido de que tanto a hipossuficiência financeira como a técnica são suficientes para a inversão do ônus. Em juízo, a dificuldade do consumidor em produzir determinada prova habitualmente ocorre em razão da sua desigualdade financeira perante a outra parte litigante. Mas, há casos em que embora haja paridade de armas sob o enfoque financeiro, o consumidor pode estar em desvantagem porque não reúne o conhecimento técnico suficiente para encaminhar aquela prova. Nesse caso, há um desequilíbrio comprometedor da paridade de armas, e também da própria justeza da decisão, pois as partes não teriam as mesmas oportunidades e poderes de influenciar o juiz. De qualquer sorte, não se pode olvidar da regra de ouro prevista no art. 4º, III, da Lei 8.078/90, que determina a harmonização dos interesses do consumidor com a necessidade de avanços econômicos e tecnológicos, bem como o respeito à boa-fé e o equilíbrio nas relações de consumo. 361 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Nessa esteira, pese o respeito aos posicionamentos contrários, a inversão do ônus da prova só pode ocorrer quando presente os dois requisitos de forma cumulativa. Ou seja, quando for verossímil a alegação do consumidor e este for hipossuficiente (financeira ou tecnicamente). A exigência dos requisitos cumulativos, além de evitar demandas infundadas (tutelando-se a boa-fé nas relações de consumo), confere tratamento igualitário, não discriminatório, à relação de consumo. Compatibiliza os interesses do consumidor e do fornecedor ou prestador, nos termos do art. 4º, III, da citada lei. Registre-se, por oportuno, que para uma tutela judicial adequada das demandas envolvendo relações de consumo, pese entendimento diverso prevalente no STJ, melhor seria que naquele que tem o ônus de arcar com a prova também recaísse o ônus de custear a produção probatória. Do contrário, estar-se-ia dando com uma mão e tirando com a outra (NUNES, 2011, p. 846). Por fim, a regulamentação das ações coletivas latu sensu também é medida de concretização dos princípios constitucionais processuais e da jurisdição como instrumento de implantação dos objetivos fundamentais da República Federativa. Com a ampliação dos legitimados, e do processo de resultados (uma demanda solucionando a situação jurídica de diversas pessoas), as questões submetidas a julgamento serão solucionadas de forma uniforme para várias pessoas, sem que estas (consumidores) tenham despendido qualquer valor. Ademais, o Código de Defesa do Consumidor contribuiu à criação de um microssistema das ações coletivas. Para Gidi: A parte processual coletiva do CDC,fica sendo, a partir da entrada em vigor do Código, o ordenamento processual civil coletivo de caráter geral, devendo ser aplicado a todas as ações coletivas em defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. Seria, por assim dizer, um Código de Processo Civil Coletivo, como ordenamento processual geral (1995, p. 77). CONCLUSÃO 362 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Hodiernamente muito se debate acerca da propalada crise do Poder Judiciário, cujo foco principal é a inaptidão daquele órgão em emitir o pronunciamento jurisdicional de forma célere e eficaz às milhares de demandas que lhe são colocadas para sua apreciação. Inegável que tal taxa de congestionamento processual deve ser atacada por diversas frentes, dentre elas as imprescindíveis alterações legislativas e o fornecimento de condições pessoais e estruturais adequadas para o bom funcionamento do sistema judiciário. Todavia, pertinente à qualidade da tutela jurisdicional a ser prestada, avulta de importância a noção de neoprocessualismo, não só a nortear a atuação legislativa como a do administrador público e, sobretudo, a do magistrado. De efeito, pensar-se na jurisdição - enquanto manifestação do poder estatal destinada a efetivação dos direitos fundamentais, e dos objetivos fundamentais da República Federativa (art. 3º, CF), é conferir salto qualitativo àquela espécie de atividade estatal. Não é só. O próprio delineamento dos princípios constitucionais processuais, naquela ótica, representa uma nova postura estatal. De mero acesso formal à Justiça transcendese para a necessidade de oferecer um acesso à ordem jurídica justa, célere e eficaz. Nessa ordem de ideias, destaque-se que uma expressiva quantidade das ações judiciais protocolizadas diariamente tem como objeto as relações de consumo. E os institutos do Código de Defesa do Consumidor guardam estreita sintonia com o neoprocessualismo, sendo concretizações deste, aliás. Afirmar-se que a Lei 8.078/90 espelha o neoprocessualismo e por isso é instrumento de acesso à ordem jurídica justa, célere e eficaz tem consequências importantes. A primeira, de ordem jurídica, é a de que o neoprocessualismo e os princípios constitucionais processuais são vetores hermenêuticos indispensáveis na interpretação daqueles dispositivos processuais insertos na Lei 8.078/90. A segunda, de cunho político, consiste na possibilidade de o magistrado – e com ele o Poder Judiciário por aquele representado – ao fazer valer o neoprocessualismo naquela espécie de demanda (que representam uma imensa 363 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor porcentagem das ações ajuizadas), contribuir ao resgate da confiança no Poder Judiciário. Pois depositada na figura imparcial do magistrado a esperança da efetivação dos direitos fundamentais, com a redução das desigualdades sociais e financeiras, com vistas à promoção de uma sociedade mais justa. REFERÊNCIAS ALVIM, Arruda. Tratado de direito processual civil. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. Vol. 1. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. _____. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo. Processo e Constituição: estudos em homenagem ao processor José Carlos Barbosa Moreira. Coord. 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Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da UFF [email protected] RESUMO A situação jurídica do consumidor superendividado torna-se tema atual e latente, sobretudo após a promulgação da CRFB/88, que previu a tutela dos consumidores (artigo 5º, XXXII). Com efeito, diversas alternativas têm sido criadas para buscar solucionar os problemas enfrentados pelo indivíduo superendividado, inclusive no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, o que demonstra uma preocupação em se ter garantido o acesso à justiça dos consumidores nesta situação. Nesse trabalho, almeja-se a análise dos modelos de resoluções de controvérsias atinentes ao consumidor superendividado praticados no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, além de revisão literária sobre o assunto, objetivando a elaboração e estudo de uma proposta que contemple as peculiaridades do consumidor fluminense. PALAVRAS-CHAVES: Direito do Consumidor; Juizados Especiais Cíveis; Superendividamento ABSTRACT The legal situation of over-indebted consumer becomes latent and current theme, especially after the promulgation of CRFB/88, who predicted the protection of consumers (Article 5, XXXII). Indeed, several alternatives have been created to seek resolve the problems faced by over-indebted individuals, including under the Small Claims Courts, which demonstrates a concern in having guaranteed access to justice for consumers in this situation. In this paper, aims to analyze the models resolutions of disputes relating to consumer over-indebted practiced at the Court of Rio de Janeiro, and review the literature on the subject, aiming at developing and studying a proposal that addresses the peculiarities of consumer the state. KEYWORDS: Consumer Law, Small Claims Courts; overindebtedness I. Introdução. II. O consumidor e sua latente vulnerabilidade. III. O Superendividamento e o consumidor. IV. O Consumidor Superendividado e os Juizados Especiais Cíveis. V. Conclusão. VI. Referências Bibliográficas 367 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor I. Introdução A realidade socioeconômica brasileira apresenta, por um lado, uma situação de alarmente possibilidade de crédito fácil e, de outro, ausência de legislação específica sobre a figura do consumidor superendividado, a despeito de outros países que já a possui (EUA, Dinamarca, Suécia, França, Portugal etc.). Tal fato ensejou, no âmbito de alguns tribunais brasileiros, a elaboração de soluções, para que o preceito constitucional da inafastabilidade da jurisdição (Art.5º, XXXV) não restasse prejudicado. É o que se observou com os projetos-pilotos implantados no Rio Grande do Sul (2007) e no Paraná (2010). Em ambos os casos, visou-se o tratamento das situações de superendividamento do consumidor. A possibilidade de haver um tratamento jurídico para os casos em que o consumidor está superendividado torna-se urgente no contexto que se está aqui descrevendo. A oferta fácil de crédito vem acompanhada da oferta de felicidade, bem-estar, prestígio social, que, do ponto de vista da psicologia, são finalidades que muitos seres humanos colocam para suas vidas. Nesse sentido, pode-se dizer que é no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e na Defesa do Consumidor, ambos constitucionais, que está a razão de haver um modo de tratamento específico para uma realidade igualmente específica. Antes de tudo, vale destacar algo que está na base da Defesa do Consumidor, qual seja a sua vulnerabilidade. Está aqui a dizer que, mesmo sem considerar o superendividamento, o consumidor já merece tratamento específico, pudera àqueles que estão nessa situação. II. O Consumidor e a sua latente vulnerabilidade Para que a norma legal incida igualmente sobre determinada relação jurídica, necessário o equilíbrio entre as partes. Se for manifesto o desequilíbrio, o princípio da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a lei, consoante artigo 5º, inciso I da Carta Magna, mostra-se injusto, visto que a igualdade prevista na Constituição não é absoluta, ou 368 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor seja, não se limita à igualdade formal, exatamente para proteger certas finalidades acolhidas pelo Direito. Daí a necessidade da lei tratar de forma desigual os desiguais, na medida em que se desigualam para buscar a igualdade material entre as partes, sendo tal critério exigência do próprio conceito de justiça. Preleciona Rizzatto Nunes (2004, 34-35) que se afere a adequação ou não ao princípio da isonomia material, verificando-se a harmonização dos seguintes elementos: a) a discriminação; b) correlação lógica da discriminação com o tratamento jurídico atribuído em face da desigualdade; c) afinidade entre essa correlação e os valores protegidos no ordenamento constitucional. Destaca-se, contudo, que o constitucionalismo com relação ao princípio da igualdade não está limitado à igualdade perante a lei, mas em garantir a cada cidadão iguais oportunidades para a realização dos seus próprios objetivos. A igualdade material ou substancial vem, portanto, complementar a igualdade formal, conferindo aos cidadãos, além da igualdade em direitos e obrigações, a garantia que o Estado será um ente preocupado em efetivar a isonomia, proibindo aos administrados desigualações injustas e sem motivo (LEMOS, 2004). A tutela do consumidor parte deste princípio constitucional, visto que é manifestamente a parte mais fraca da relação de consumo e, por esta razão, precisa ser tratado de forma desigual, na medida em que se desiguala dos fornecedores, através de garantias previstas em lei. Dessa forma, as garantias dadas aos consumidores não servem para privilegiá-los, mas para igualar a relação jurídica. Portanto, o reconhecimento da vulnerabilidade, nas palavras de Claudia Lima Marques, é o pilar que sustenta a tutela especial dos consumidores. Tanto é assim que a expressão “destinatário final” contida no art. 2o, caput, do CDC deve ser interpretada restritivamente, para alcançar apenas uma parcela dos consumidores considerada mais fraca (vulnerável). Tal interpretação é defendida pela corrente Finalista, segundo a qual a referida tutela especial “só existe porque o consumidor é a parte mais vulnerável nas relações contratuais no mercado, como define o CDC no art. 4o, I. Logo, convém delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não a necessita, quem é consumidor e quem não é.” (MARQUES, 2002, 253-254). Ou seja, consumidor seria aquele que apenas adquire ou utiliza produto ou serviço para satisfazer uma necessidade pessoal que lhe trará um benefício próprio 369 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor ou para outrem e não para revendê-lo ou utilizá-lo como insumo, acrescentando-o a sua cadeia produtiva. Assim, “consumidor seria o não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial um grupo da sociedade que é mais vulnerável” (idem). A vulnerabilidade está ligada ao próprio conceito de consumidor, pois vulnerável todo consumidor é, em face das publicidades, das técnicas de marketing, dos contratos de adesão, que frequentemente são impostos. (GUIMARÃES, 2001, 54). Isto se deve à perda de seu poder de barganha em função da atuação de monopólios e oligopólios compostos pelas grandes corporações, as quais detêm as técnicas de fabricação, de persuasão, de convencimento e as informações sobre qualidade, preço, crédito e outras características dos produtos e serviços. Logo, em virtude do poderio econômico das grandes corporações e das informações que só os fornecedores detêm, os consumidores ficam sujeitos a toda sorte de abusividade, por mais que não sejam hipossuficientes. Nesse diapasão, urge salientar que os termos vulnerabilidade e hipossuficiência não se confundem. A vulnerabilidade, como já tido alhures, pertence ao conceito de consumidor trazido pelo CDC, e, por esta razão, entendemos seja absoluta, inadmitindo prova em contrário. Já a hipossuficiência está ligada à falta de recursos econômicos. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira conceitua hipossuficiente como aquela pessoa que é economicamente fraca, que não é autossuficiente. Portanto a hipossuficiência sempre será econômica. Por óbvio que esta falta de recurso tornará o consumidor muito mais vulnerável. José Geraldo Brito Filomeno (2004,23) ainda nos traz à colação a noção de hipossuficiência dada pelo parágrafo único do art. 2o da Lei 1.060, de 05.02.50, utilizada como sinônimo de necessidade, sendo hipossuficiente aquele que tem direito à gratuidade de justiça por não ter recursos econômicos para arcar com honorários e custas judiciárias. Portanto, poderá haver um consumidor vulnerável, mas não hipossuficiente. Não pode ser outra a explicação, já que o inc. XIII do art. 6o do Código de Defesa do Consumidor prevê a possibilidade de inversão do ônus da prova no caso de verossimilhança na alegação ou quando for o consumidor hipossuficiente. Ora, se o legislador utiliza a expressão ‘quando’, é porque, por óbvio, previu situações em que a hipossuficiência não existirá (GUIMARÃES, 370 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 2001, 55). Assim, pode-se dizer que a hipossuficiência é um plus em relação à vulnerabilidade. Logo, para a conceituação de consumidor e a consequente aplicação do CDC à relação jurídica, necessário sabermos se ele é vulnerável, pois a hipossuficiência poderá ou não estar presente. Há, no entanto, consumidores que são mais vulneráveis que outros, ou seja, cuja vulnerabilidade é superior à média. São os consumidores ignorantes e de pouco conhecimento, de idade pequena ou avançada, de saúde frágil, bem como aqueles cuja posição social não lhes permita avaliarem com adequação o produto ou serviço que estão adquirindo, além, é claro, do superendividado. Assim, a utilização, pelo fornecedor, de técnicas mercadológicas que se aproveitam da fraqueza ou ignorância do consumidor tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social para impingir-lhe seus produtos ou serviços (art. 39, IV, CDC), é considerada prática abusiva. III. O Superendividamento e o consumidor Importa salientar que superendividamento, na conceituação de Cláudia Lima Marques (2006, 256), “é a impossibilidade global de o devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo”. Se o superendividamento - aquela situação brutal de insolvência em virtude da extrapolação da capacidade de consumo de crédito – é considerado consequência da falta de informações relevantes à tomada de decisão consciente, pode-se entendê-lo, sem dificuldades, como risco da atividade de concessão de crédito. Explica-se: O superendividado é aquele que não consegue fazer frente a uma dívida assumida a qual ultrapassa seu ativo. E para análise do superendividamento, necessária a aferição da boafé por parte do consumidor que acredita poder fazer frente à dívida assumida porque foi convencido das facilidades do crédito, concedido inexplicavelmente e sem nenhum critério pela instituição financeira quando o consumidor não tinha patrimônio para garantir à dívida. 371 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Ora, se se concede crédito nestas condições, o superendividamento só pode ser entendido como risco da atividade exercida pelas instituições financeiras. Tal é o fundamento da Teoria do Risco, adotada pelo CDC, ao impor a responsabilidade civil do fornecedor sem a necessidade de aferição de culpa porque este assumiria os riscos do exercício de sua atividade. A concessão de crédito realizado sem critérios se observa nas peças publicitárias que incentivam o consumo de crédito aos aposentados e pensionistas do INSS. O atrativo destas linhas de crédito é exatamente a sua concessão sem a pesquisa necessária sobre a solvabilidade do consumidor interessado. Márcio Mello Casado já atentava sobre a responsabilidade civil das instituições financeiras no fornecimento inadequado de crédito ao prelecionar que “O crédito é um produto nobre. A sua concessão, por isto, deve respeitar critérios altamente especializados. O próprio Banco Central do Brasil, atento a tal situação, editou a seguinte norma: É vedado ao banco comercial (...) b) realizar operações que não atendam aos princípios de seletividade, garantia, liquidez e diversificação de riscos; MNI-Bacen 16.7.2.2.'b' “. Assim, como garantir a liquidez da dívida contraída se não há seletividade? Há nítido abuso do direito de conceder crédito cujo excesso deve responder a instituição financeira. Se há normas técnicas sobre métodos de concessão de crédito e dever imposto pelo CDC ao fornecedor de informar adequada e claramente acerca dos produtos e serviço que oferta, as consequências danosas ao consumidor advindas da ofensa a esses preceitos normativos fazem surgir o dever de indenizar da instituição financeira. Nesse caso, a consequência mais marcante, como já exposto, é o superendividamento do consumidor, que, seduzido pelas vantagens do crédito fácil através de técnicas de persuasão poderosas, acaba comprometendo seu próprio sustento e de sua família. E é por esta razão que o tema do superendividamento toma tamanha proporção. O superendividamento obriga o consumidor a se desfazer de seu patrimônio para fazer frente à dívida em prejuízo de sua sobrevivência com o mínimo existencial, núcleo material elementar da dignidade da pessoa humana. A situação se agrava se a dívida assumida pelo consumidor é descontada diretamente em sua folha de pagamento, o que não lhe dá, como já salientado, nem a possibilidade de inadimplência, agravando-lhe muito mais os meios de sobrevivência dignos. Evidencia-se, portanto, a necessidade de tutela do consumidor 372 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor superendividado elevada a direito fundamental, pois que imprescindível à proteção da própria dignidade da pessoa humana. A análise da literatura jurídica versando sobre o tema do Superendividamento demonstra o quanto as pesquisas ainda precisam avançar nessa área, tendo em vista a escassez de dados empíricos correspondentes às distintas situações de consumidor superendividado possíveis de serem listadas. A doutrina tem classificado o superendividamento em Ativo e Passivo. No primeiro caso, entende-se que o próprio consumidor colaborou para estar na situação de devedor, ou seja, pessoas que não tem controle de suas finanças. Já no segundo caso, considera-se que o consumidor está na situação de devedor não por vontade própria, mas por razões externas (desemprego, falecimento de parentes próximos, divórcio). A necessidade de que haja um tratamento específico é ratificada por GIANCOLI (2008, 123), para quem o tratamento do superendividamento permite "a correção da assimetria de uma ou diversas relações jurídicas contraídas pelo consumidor, em razão da existência de um conjunto de dívidas estruturais ajustadas de boa-fé, capazes de ameaçar ou lesionar sua dignidade pessoal". Com efeito, a qualificação “superendividado” coloca em xeque o modo como o consumidor nessa situação vem sendo tratado, uma vez que, para se ter protegida a Pessoa Humana em sua integralidade (na ótica do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e da Tutela do Consumidor), é preciso considerar um mecanismo que contemple um trabalho conjunto de profissionais de diversas áreas (juristas, economistas, administradores, psicólogos etc.). O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por meio da Resolução nº02/2012 – do Conselho de Supervisão dos Juizados Especiais (CSJEs), criou e disciplinou as atividades concernentes ao Núcleo de Assessoria Psicossocial dos Juizados Especiais do Estado. Já não se pode mais desprezar os dados estatísticos que revelam os fatores que levam ao superendividamento e a proporção em que a renda dos indivíduos superendividados é comprometida. 373 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Nesse sentido, a pesquisa realizada no Rio de Janeiro (2005), coordenada por Rosângela Cavallazzi, professora da UFRJ, e Heloísa Carpena, procuradora do MPE, demonstra que, entre 80 endividados selecionados, 39% comprometiam 60% da renda, ou mais, em dívidas. Em 50% dos casos, o desemprego é a causa para o desequilíbrio financeiro. Além disso, somente 37% receberam a cópia do contrato e em 88%, não se pediu sequer garantia para o empréstimo. IV. O Consumidor Superendividado e os Juizados Especiais Cíveis É verdade que os conflitos envolvendo consumidores superendividados não ficam à margem do Poder Judiciário, até mesmo considerando o Princípio da Inafastabilidade da Jurisdição (Art. 5º,XXXV da CRFB/88 - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito). Contudo, como asseveram Delton MEIRELLES e Marcelo de MELLO (2010, 255), em estudo feito sobre os juizados especiais e a tutela do consumidor, “Diversamente do que se poderia supor, a absorção integral destes conflitos massificados e usuais pelos juizados especiais não significa garantia de pleno acesso à justiça, conceito este mascarado pela realidade de um demagógico acesso aos órgãos judiciários, cujo resultado é, muitas vezes, uma prestação jurisdicional deficiente e de baixa qualidade”. Desde o Direito Romano até a Idade Média, o devedor insolvente tinha como destino tornar-se servo do seu credor, em razão de sua dívida. Em épocas mais remotas da Antiguidade e nos primeiros anos de Roma, admitiu-se até a execução pessoal do devedor. As Ordenações Manoelinas e filipinas chegaram a prever prisão civil por dívida (in DANEMBERG, 2010, 301). A mesma condição já não é mais exposta os consumidores superendividados no Brasil. Com efeito, a partir da legislação consumerista, esse consumidor não precisa passar pelo ultrapassado processo de execução por quantia certa contra devedor insolvente, como apontado no CPC, nos artigos 748 a 748-A. O consumidor pode, por exemplo, antecipar-se e propor uma ação revisional, ação de resolução contratual, entre outras, com fulcro no artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor. 374 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Apesar dessa possibilidade, o que se nota é a falta de utilização desses mecanismos, até pelos custos que eles impõem ao consumidor já superendividado. O Juizado Especial Civil seria uma saída para esse problema, se não fosse o fato de não atentar-se para essa característica de parte de sua clientela, o superendividamento. Com efeito, as causas apresentadas perante os Juizados Especiais Cíveis pertinentes aos consumidores superendividados não são analisadas em sua singularidade como deveriam ser, o que pode significar, em última análise, uma prestação jurisdicional deficitária. Atualmente, no TJRJ, os Juizados Especiais não desenvolvem qualquer trabalho específico com este público, seja previamente às audiências ou no decorrer delas. Isto faz com que propostas conciliatórias plausíveis deixem de existir, visando superar a situação de superendividamento. É certo que a ausência de legislação específica dificulta a realização de procedimentos especiais (tais como a mediação) para solucionar estes litígios. Entretanto, após o Código de Defesa do Consumidor, o consumidor não precisa mais ser compelido ao sistema de execução por quantia certa contra devedor insolvente. Com efeito, o artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor prescreve que “para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela”. Em relação às vantagens e obstáculos encontrados nos JECs, para que haja tutela do consumidor superendividado no âmbito do Poder Judiciário, aponta-se que a desnecessidade de assistência por advogado nos processos instaurados perante os Juizados Especiais Cíveis, no importe de até 20 salários mínimos, representa uma alternativa para o consumidor superendividado que, ao que se entende, não possui condições de arcar com os custos na contratação de um advogado. Além disso, no que tange à competência, o consumidor superendividado deve ficar atento aos órgãos competente para julgar a lide, considerando quem é o seu credor, pois pode estar diante de uma ação a ser ajuizada no âmbito dos juizados especiais federais ou nos estaduais, a depender da condição jurídica do mesmo. 375 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Outro ponto importante de se mencionar diz respeito ao valor da causa, uma vez que a tutela do superendividado nos juizados especiais cíveis ou federais não pode exceder ao montante previsto nas respectivas legislações (9.099/95 e 10.259/01). Ainda, no que tange ao valor da causa, insta salientar que, nas lições de DANEMBERG (2010, 306), “se o consumidor estiver discutindo apenas parte de uma dívida contratual, deverá o valor da causa corresponder a esta, que será o objeto da lide, e não o valor integral questionado”. O Tratamento do Superendividamento no âmbito dos Juizados Especiais do Paraná não guarda qualquer limitação quanto ao valor individual ou global para o fim de fixação da competência, conforme preceitua o artigo 3º, §1º da Resolução 01/2011 – CSJEs. Objetiva-se com a presente pesquisa o aprofundamento teórico do instituto do superendividamento, bem como análise das jurisprudências obtidas dos juizados especiais cíveis do estado do Rio de Janeiro. Alguns julgados do TJRJ trazem a questão do consumidor superendividado em seu bojo, como nesses abaixo selecionados: Agravo de instrumento. Empréstimos bancários. Descontos em conta corrente. Superendividamento. Revisão de contratos. Antecipação de tutela determinando a limitação de tais descontos a 4,28% para cada credor, observando-se a margem consignável de 30% (trinta por cento) dos valores creditados na conta da parte autora. Irresignação por um dos credores.Se a consumidora incorreu em débitos contratuais, deve honrá-los, consoante se aferir no mérito da demanda. Mas em se considerando a natureza alimentar dos vencimentos da mesma, além da prodigalidade com que a instituição financeira oferece contratos de financiamento, correta a limitação dos descontos efetuados. Precedente do STJ.Decisão que se prestigia. Improvimento, liminar, do recurso nos termos do art. 557, caput, do CPC. 2009.002.14132 - AGRAVO DE INSTRUMENTO - DES. PEDRO FREIRE RAGUENET - Julgamento: 14/04/2009 - DECIMA OITAVA CAMARA CIVEL APELAÇÃO CÍVEL. CONSUMIDOR. INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DESCONTO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. LIMITAÇÃO. SUPERENDIVIDAMENTO. Inteligência do art. 6º § 5º da Lei 10820/03. Apelante que se insurge contra a sentença que julgou improcedente o pedido de nulidade de cláusulas contratuais cumulado com limitação dos descontos de débitos em sua conta bancária. Possibilidade da limitação pretendida. Preservação do 376 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor mínimo existencial. Princípio constitucional da dignidade (art.1º, inciso III CF/88). Boa fé objetiva nas relações de consumo que impõe conduta de lealdade e cooperação com o hipossuficiente. Verbas de natureza alimentar que são impenhoráveis. Inteligência do art. 649 IV CPC. Lei do empréstimo consignado que aponta que os descontos e as retenções financeiras relativos aos titulares de aposentadoria e pensão não poderão ultrapassar o limite de 30% (trinta por cento) do valor dos benefícios. Precedentes jurisprudenciais. Recurso a que se dá provimento, na forma do art. 557 § 1º-A CPC. 2009.001.19452 APELACAO - DES. CRISTINA TEREZA GAULIA - Julgamento: 24/04/2009 - QUINTA CAMARA CIVEL 1 Tais julgados demonstram a possibilidade de que o consumidor superendividado pleiteie no âmbito dos JECs, seja renegociação das suas dívidas, proposição de novo parcelamento com maior prazo, ou obtendo um período de carência que lhe permita retomar o pagamento das dívidas, seja reduzindo os encargos. É claro que, em certos casos, o credor poderá até mesmo perdoar parte do débito (DANEMBERG, 2010, 309). Assim, nesses projetos, só são incluídas dívidas resultantes da relação de consumo, não sendo atendidas dívidas de outra natureza. O que se objetiva é a mediação da renegociação de dívidas decorrentes de relação de consumo (não profissionais) do devedor que se vê impossibilitado de pagar todas as suas dívidas. A par dessas considerações, surge o questionamento de como está sendo tratada a problemática do consumidor superendividado no contexto do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro. Mesmo porque, ainda que não haja legislação pertinente, a CRFB/88 e o CDC já possibilitam, de início, a tutela do consumidor nesta situação. Nesse diapasão, torna-se muito importante investigar a forma como vem ocorrendo a tutela do consumidor superendividado nos Juizados Especiais Cíveis, levando-se em conta que este é um grande viabilizador do acesso à justiça, ao lado da tutela do consumidor. Com efeito, a jurisprudência fluminense tem tratado do consumidor superendividado, sobretudo no que concerne aos empréstimos consignados e a limitação dos descontos. Contudo, algumas questões surgem quando se aprofunda o estudo do tema, tais como o a maneira como o judiciário entende o consumidor superendividado que possui diversos credores, ou ainda, os mecanismos adotados para resolução das controvérsias instauradas etc. Disponível em: <http://www.flaviocitro.com.br/v1/index.php/2009/05/17/superendividamento-jurisprudenciatjrj-2009/> Acesso em: 25 fev.2012 1 377 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor V. Conclusão A vulnerabilidade do consumidor, como já extensivamente exposto, justifica a tutela especial conferida pelo Código de Defesa do Consumidor. É, por assim dizer, a razão mesma de sua existência. Essa vulnerabilidade é mais evidente no consumidor superendividado que se apresenta, muitas vezes, abalado emocionalmente, tornando-o alvo de práticas comerciais que se beneficiam deste estado para incentivá-los ao consumo. Por ser uma categoria especial de consumidores, os superendividados merecem tutela específica do Direito, mormente haja algumas iniciativas no âmbito de determinados tribunais, para tratar da sua situação. De fato, o “crédito se apresenta, de um lado, como motor do processo capitalista, financiando a atividade econômica; e por outro, como fonte de abusos por parte do fornecedor (...)” (CARPENA & CAVALAZZI, 2005, 134). Grande é a responsabilidade do fornecedor de crédito que o concede, nessas condições, incentivando o consumo inconsciente, porque dependente de informações claras, capazes de fazer com que o consumidor compreenda os riscos a que se expõe ao adquirir crédito, ainda mais quando as parcelas do financiamento são descontadas em folha. A necessidade de consumir, portanto, leva a aquisição de crédito por vezes irresponsável, porque incompatível com a capacidade econômica do consumidor. O resultado é um estado de superendividamento, comprometendo a possibilidade de se viver dignamente, porque o consumidor pode ser obrigado a fazer frente à dívida assumida, já que essa poderá ser descontada diretamente da sua folha. Necessário, portanto, meios capazes de prevenir tais abusos. A doutrina brasileira já vem sinalizando para formas de tutela do consumidor superendividado, vítima de ofertas enganosas e abusivas de crédito fácil. Quanto às publicidades, assim como ocorre com bebidas e cigarros, produtos estes nocivos e perigosos à saúde e segurança do consumidor, poder-se-ia exigir de seus patrocinadores a inclusão de advertência sobre o risco de superendividamento (“consuma crédito com moderação”) e da importância do planejamento financeiro. Nesse sentido, poderíamos considerar o crédito produto nocivo à saúde e segurança do consumidor porque, 378 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor se consumido de forma indevida, poderá levar à miséria, à fome e à falta de saúde, inviabilizando o acesso a níveis dignos de subsistência. Assim, impor-se-ia ao fornecedor de crédito os deveres previstos nos arts. 8o a 11 do Código de Defesa do Consumidor que tratam da proteção à saúde e segurança do consumidor, sob pena de responderem pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC). Entende-se que, não obstante as dificuldades para se encontrar formas eficazes de tutela do consumidor superendividado, o caminho está na própria hermenêutica constitucional que sinaliza para a necessidade de interpretar todas as normas infraconstitucionais à luz da dignidade da pessoa humana, que elevada à norma jurídica de eficácia plena, impõe ao próprio Estado condutas positivas através de ações afirmativas para fazer cessar qualquer ameaça ou lesão aos direitos da personalidade. 379 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor VI. Referências Bibliográficas AMORIM, Eduardo Antonio Andrade. O superendividamento do consumidor. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2658, 11 out. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/17597>. Acesso em: 25 fev. 2012. CASADO, Márcio Mello. A responsabilidade Civil das casas bancárias no fornecimento inadequado do crédito. In Revista do Consumidor. n. 22. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. CARPENA, Heloísa e Cavallazzi, Rosângela Lunardelli. Superendividamento: proposta para um estudo empírico e perspectiva de regulamentação. in Revista de Direito do Consumidor. n. 55. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. CAVALLAZZI, Rosangela L, Direitos do Consumidor Endividado – O perfil do superendividado: referências no Brasil - Ed. Revista dos Tribunais Pg. 385. DANEMBERG, Roberta Barcellos. Tutela do Consumidor Superendividado no Âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. In: MIRANDA NETTO, Fernando Gama de & ROCHA, Felippe Borring (orgs.). Juizados especiais cíveis: novos desafios. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.281-317. FILOMENO, José Geraldo Brito. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. GIANCOLI, Brunno Pandori. O superendividamento do consumidor como hipótese de revisão dos contratos de crédito. Porto Alegre: Editora Verbo Jurídico, 2008. 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Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoas físicas em contratos de crédito ao consumo: proposições com base em pesquisa empírica de 100 casos no Rio Grande do Sul. In: MARQUES, Cláudia Lima; CAVALLAZZI; Rosângela Lunardelli (Coord). Direitos do Consumidor Endividado: Superendividamento e crédito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. ____________________. Contratos no Código de Defesa do consumidor: o novo regime das relações contratuais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. MEIRELLES, Delton Ricardo Soares & MELLO, Marcelo Pereira de. Tutela do Consumidor: Por que os Juizados Especiais? In: MIRANDA NETTO, Fernando Gama de & ROCHA, Felippe Borring (orgs.). Juizados especiais cíveis: novos desafios. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.247-280. NUNES, Rizzato. Curso de direito do Consumidor: com exercícios. São Paulo: Saraiva, 2004. ______________. Curso de Direito do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Projeto Tratamento de situações de superendividamento do consumidor. Disponível em: <http://portal.tjpr.jus.br/web/je/superendividamento>. Acesso em: 25 de fev.2012. 381 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O DIREITO DO CONSUMIDOR COMO GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL NA CONCEPÇÃO DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA THE CONSUMER LAW AS GUARANTEED MINIMUM OF DESIGN OF JUSTICE IN EXISTENTIAL DISTRIBUTIVE Daniela Ferreira Dias Batista1 RESUMO Este artigo tem como objetivo analisar o direito fundamental do consumidor como garantia do mínimo existencial, dentro da concepção da justiça distributiva, discutindo alguns dos graves problemas sociais causados pelo consumo desequilibrado. A importância do tema é evidenciada no dia-a-dia da atual sociedade capitalista e consumista em que vivemos, na qual o consumo de produtos e serviços se tornou sinônimo de bem-estar pessoal e social. As políticas públicas de diminuição de juros e de facilitação do crédito para aquecer a economia do país, demonstram a preocupação do Poder Público em transformar o consumo em processo de civilização ou cidadania. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), regulamentando as relações jurídicas de consumo, visa garantir a existência digna do ser humano com a distribuição igualitária dos bens de consumo, principalmente aqueles considerados essenciais, evitando graves problemas sociais como o superendividamento das famílias brasileiras, o que, consequentemente, pode levar à exclusão e à marginalização social. O devido reconhecimento do direito do consumidor como garantia do mínimo existencial do ser humano e a efetivação das normas de consumo poderiam trazer a realidade social e econômica da sociedade mais próxima da concepção de justiça distributiva. Palavras-chave: Direito do consumidor; Direito fundamental; Mínimo existencial; Justiça distributiva. ABSTRACT This article aims to analyze the fundamental right of the consumer as a guarantee of existential minimum, within the concept of distributive justice, discussing some of the serious social problems caused by unbalanced consumption. The importance of this issue is the day-to-day current capitalist and consumerist society we live in, in which the consumption of products and services has become synonymous with personal wellbeing and social. The public policy of reducing interest and facilitating credit to boost the economy of the country, demonstrating the concern of the government to transform the consumer in the process of civilization or citizenship. The Consumer Defense Code (CDC), regulating the legal relations of consumption, is to ensure the existence worthy of human beings with equal distribution of consumer goods, especially those considered essential to avoid serious social problems such as over-indebtedness of Brazilian families, which, in turn, can lead to social exclusion and marginalization. Due recognition of consumer rights as guaranteed minimum existential human standards and effective consumer could bring social and economic reality of society closer to the concept of distributive justice. Keywords: Law of the consumer; Fundamental law; Minimum existential; Distributive justice. 1 Aluna do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário Eurípides de Marília – UNIVEM. Professora das disciplinas de Direito do Consumidor, Direito Ambiental e Agrário e Introdução ao Direito Público e Privado na Fundação Educacional Miguel Mofarrej – FIO (Faculdades Integradas de Ourinhos). Membro do Grupo de Pesquisa “A intervenção do Poder Público na vida do indivíduo”. Realiza pesquisa na área de Direito do Consumidor. Advogada, especialista pela UEL – Universidade Estadual de Londrina/PR. 382 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor 1. INTRODUÇÃO O presente artigo foi elaborado com o objetivo de favorecer reflexões sobre a necessidade de reconhecimento do direito do consumidor como direito humano fundamental, bem como sua efetividade para a conscientização da sociedade para o consumo equilibrado e consciente, de pretender trazer conhecimentos sobre o direito ao consumo básico como garantia do mínimo existencial do ser humano e a questão da justiça distributiva, destacando alguns problemas sociais causados pelo consumo desacerbado. Nos dias atuais são evidentes os efeitos que o consumo de produtos e serviços provoca no indivíduo e no meio social em que este convive. A sociedade, de forma geral, rotula as pessoas de acordo com os bens que consomem, incluindo-as ou excluindo-as de sua convivência, e, muitas vezes, esse “rótulo” não condiz com a verdadeira realidade econômica e social do indivíduo. Na sociedade capitalista em que vivemos, o consumo se tornou uma “máxima” de existência digna do ser humano, e o pior é que não estamos falando de produtos ou serviços essenciais, como alimentos, água e energia elétrica. O que realmente preocupa é o consumo de itens desnecessários e supérfluos, que se tornaram ilusoriamente essenciais para se atingir a um determinado status social ou até uma condição de incluído, de aceito socialmente. Ou seja, certo ou errado, temos que lidar com a atual realidade, em que o consumo é visto pela sociedade como um adjetivo líquido e certo de riqueza, de inteligência, de beleza, de força, de popularidade ou de todos os seus antônimos. Segundo o sociólogo Zygmunt Bauman, A sociedade de consumidores é um tipo de sociedade que “interpela” seus membros (ou seja, dirige-se a eles, os saúda, apela a eles, questiona-os, mas também os interrompe e “irrompe sobre” eles) basicamente na condição de consumidores. Ao fazê-lo, a “sociedade” espera ser ouvida, entendida e obedecida. Ela avalia – recompensa e penaliza – seus membros segundo a prontidão e adequação da resposta deles à interpelação. Como resultado, os lugares obtidos ou alocados no eixo da excelência/inépcia do desempenho consumista se transformam no principal fator de estratificação e no maior critério de inclusão e exclusão, assim como orientam a distribuição do apreço e do estigma sociais, e também de fatias da atenção do público. (BAUMAN, 2088, p. 70-71). Sendo assim, na sociedade consumista é pública e notória a inversão de valores, na qual é o produto ou o serviço que dita a existência social de uma pessoa; é o celular mais moderno, a roupa da moda ou de grife, o último modelo de carro, que vai determinar a inclusão do indivíduo na sociedade. Dessa forma, sua existência social e por consequência 383 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor digna, acaba sendo atrelada aos seus bens de consumo e não ao seu valor moral ou ao seu valor como pessoa e como cidadão. A realidade da exclusão ou inclusão social causada pelo consumismo fica muito bem ilustrada na frase da artista norte-americana, Barbara Krugman, citada em um comentário de economia do sociólogo Joelmir José Beting, que, ao resumir o estado de espírito presente nos tempos atuais, arrisca-se a transformar a famosa máxima da filosofia ocidental "Penso, logo existo", em "Consumo, logo existo". (BETING, 2012, online). A sociedade capitalista industrial criou o mito do consumo como sinônimo de bem-estar e meta prioritária do processo civilizatório. A capacidade aquisitiva vai, gradualmente, se transformando em medida para valorizar os indivíduos e fonte de prestígio social. A ânsia de adquirir e acumular bens deixa de ser um meio para a realização da vida, tornando-se um fim em si mesmo, o símbolo da felicidade capitalista. (Disponível em: http://gritodeumabocaemsilencio.blogspot.com.br/2010/06/consumismoproblemas-sociais-e.html. Acesso em: 25 jul. 2012). Com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei Federal 8.078, de 11 de setembro de 1990, surgiu no Brasil uma regulamentação expressa e específica da proteção e defesa do consumidor, que busca primordialmente atingir o equilíbrio nas relações de consumo. As normas consumeristas trazidas nesse estatuto legal são de ordem pública e interesse social, caracterizando os direitos do consumidor como indisponíveis e fazendo com que todo ato ou negócio jurídico contrário às previsões do código, seja considerado nulo de pleno direito, ou seja, sem validade ou efeito no mundo jurídico. O consumo de produtos e serviços está diretamente relacionado à dignidade da pessoa e à sua sobrevivência digna, principalmente em relação aos produtos e serviços essenciais, como os alimentos, o tratamento de esgoto e o fornecimento de água e energia elétrica. Por isso, há a necessidade latente de efetivação das normas de consumo, buscando a conscientização da sociedade e o equilíbrio na relação jurídica de consumo. 2. A PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO CONSUMIDOR O direito consumerista emanou da previsão expressa na Constituição Federal Brasileira por representar grande influência social, visto que o consumo de produtos e serviços pode determinar, mesmo que erroneamente, a existência digna de uma pessoa em sociedade. 384 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Até o advento da Constituição Federal Brasileira de 1988, os direitos do consumidor não contavam com uma tutela constitucional específica. O regime anterior não destinara especificamente qualquer dispositivo à defesa do consumidor, a qual só recebeu consagração constitucional com a atual Carta Magna. A preocupação do constituinte com os direitos do consumidor foi deveras retumbante, o que se revelou pelo significativo destaque que a matéria mereceu, tendo sido, inclusive, situada entre os direitos e as garantias fundamentais indisponíveis, previstos expressamente no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira. Isto é, a proteção do consumidor é elencada constitucionalmente junto com os direitos mais importantes tutelados na hierarquia constitucional, como por exemplo, o direito à propriedade e à igualdade entre homens e mulheres. Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade nos seguintes termos: (...) XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor (...) A Constituição Federal prevê a defesa do consumidor como garantia e direito fundamental, consequentemente, os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor, ganham status de direitos fundamentais, protegidos rigorosamente pela Carta Magna brasileira. O Poder Constituinte mencionou, ainda, de forma expressa a defesa dos diretos do consumidor em outros vários dispositivos da Constituição Federal: Artigo 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Artigo 150. § 5º. A lei determinará medidas para que os consumidores sejam esclarecidos acerca dos impostos que incidam sobre mercadorias e serviços. Artigo 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: (...) II - os direitos dos usuários; (...) IV - a obrigação de manter serviço adequado. 385 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Artigo 48. do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias: O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará código de defesa do consumidor. Destacamos, na previsão constitucional, a defesa do consumidor como um dos princípios gerais da atividade econômica no Brasil, o que elevou a defesa do consumidor à condição de princípio constitucional. Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da Justiça Social, observados os seguintes princípios: V - defesa do consumidor. (Constituição Federal Brasileira de 1988). Comparato (1988, p. 80) entende que não há por que distinguir a defesa do consumidor, em termos de nível hierárquico, dos demais princípios econômicos declarados no artigo 170 da Constituição Federal. Quer isto dizer que o legislador, por exemplo, não poderá sacrificar o interesse do consumidor em defesa do meio ambiente, da propriedade privada, ou da busca do pleno emprego, nem inversamente, preterir estes últimos valores ou interesses em prol da defesa do consumidor. Tendo em vista que a Constituição Federal Brasileira é a lei maior, mais importante do sistema legal brasileiro, base e fonte para todas as demais leis, a previsão nesta, da proteção do consumidor deixa evidente a importância do tema e a preocupação do legislador em amparar de forma específica a relação jurídica de consumo, justamente porque esta gera cada dia mais, efeitos diretos na existência digna do cidadão em sociedade. 3. CONCEITOS DE CONSUMIDOR E DE FORNECEDOR Para que tenhamos um entendimento consistente do tema aqui proposto e para compreendermos a real importância do direito do consumidor, necessário será tecermos alguns comentários quanto aos protagonistas da relação jurídica de consumo, conceituando o consumidor e o fornecedor, sem os quais não teremos a aplicabilidade das leis consumeristas e, consequentemente, não poderíamos assegurar o direito ao consumo dos bens e serviços essenciais a existência digna do ser humano. A relação de consumo é definida legalmente com bastante precisão, como aquela que se forma entre, pelo menos, um fornecedor e um consumidor, tendo como objeto a aquisição 386 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor de produtos ou utilização de serviços disponibilizados no mercado de consumo, devendo ser o consumidor destinatário final destes. Conforme previsão expressa do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.” É exatamente essa expressão “destinatário final” usada pelo legislador que nos remete às teorias que definem o consumidor a ser protegido pela lei consumerista. A primeira teoria é a chamada finalista ou subjetiva que, em suma, define o destinatário final como destinatário fático e econômico do produto ou serviço. Ou seja, o consumidor, nesse caso, é aquele que adquire o produto ou utiliza o serviço para satisfazer uma necessidade pessoal ou familiar, retirando-o definitivamente da cadeia de produção e distribuição de riquezas. Para essa teoria, o consumidor que adquire um produto para uso profissional, com intuito de angariar lucros, mesmo que indiretamente, não terá a proteção do CDC. Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção, cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu. (BENJAMIN, 2010, p. 85). Já a segunda corrente, chamada maximalista ou objetiva, defende que o destinatário final é aquele que retira o produto ou serviço do mercado e o utiliza, o consome, não importando se existe ou não a intenção de obter lucro; seria, por exemplo, o caso de uma escola que adquire aparelhos de ar-condicionado para suas salas de aula. Sendo assim, para os “maximalistas”, será considerado consumidor a pessoa física ou jurídica, profissional ou não, independentemente do fim buscado por ele (o consumidor) ao adquirir o bem ou utilizar o serviço. O que importa na verdade é que não haja a comercialização direta do serviço ou a revenda do bem. A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensamente possível, segundo esta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um número cada vez maior de relações no mercado. (BENJAMIN, 2010, p. 85). 387 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A jurisprudência, em especial do Superior Tribunal de Justiça, para tentar resolver o conflito hermenêutico da doutrina, se posicionou pelo finalismo, ou seja, aplica a teoria finalista ou subjetiva, porém com certos abrandamentos, quando verificada a vulnerabilidade da pessoa jurídica ou da pessoa física profissional que adquiriu o produto ou utilizou o serviço, sem revendê-lo. Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto. - A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. - Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. CDC - São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. - Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal). Recurso especial não conhecido. (476428 SC 2002/0145624-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/04/2005, T3 TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 09/05/2005 p. 390. Grifo nosso). Assim, podemos afirmar que a jurisprudência majoritária entende que as normas consumeristas devem ser aplicadas nos casos de empresas ou profissionais liberais que sejam destinatários finais e que comprovem sua vulnerabilidade em relação ao fornecedor, para que assim, seja alcançado o verdadeiro sentido do CDC, que é buscar o equilíbrio na relação jurídica de consumo firmada entre as partes. O consumidor também pode ser definido de forma coletiva como prevê o parágrafo único, do artigo 2º, do CDC: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Tal extensão conceitual revela a ampla dimensão do conceito de consumidor e destaca sua natureza de direito difuso e coletivo, permitindo-se à coletividade consumidora, seja um conjunto indeterminado de pessoas, seja um grupo, classe ou categoria determinada, abrigar-se da proteção do CDC, facultando-lhes o exercício dos direitos do consumidor. 388 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Na mesma linha, este Código, além de promover a referida equiparação, prevê a defesa coletiva dos direitos do consumidor, instrumentalizando-a com a ação civil coletiva, o que garante a sua efetividade por meio de execução coletiva e individual. Também se equiparam aos consumidores as vítimas do fato do produto ou do serviço objeto de uma relação de consumo, ou seja, as vítimas do evento chamado de acidente de consumo. Essa equiparação, que vem expressa no artigo 17, do CDC, autoriza terceiros, isto é, estranhos à relação entre consumidor e fornecedor, a acionar este pela responsabilidade civil pelas perdas e danos decorrentes de defeitos intrínsecos ou extrínsecos do produto ou serviço. Conforme o artigo 29 do CDC, são também equiparadas ao consumidor as pessoas expostas às práticas comerciais previstas nos Capítulos V e VI, do Título I, desse estatuto legal, as quais compreendem a oferta, a publicidade, as cláusulas gerais dos contratos, as práticas comerciais abusivas, as cobranças de dívidas e os contratos de adesão, bem como os bancos de dados e os cadastros de consumidores. Portanto, os estranhos à relação de consumo podem albergar-se da proteção do estatuto consumerista contra essas práticas comerciais, como se fossem consumidores. Definida uma das partes da relação jurídica de consumo, necessário será agora compreendermos o conceito de fornecedor, o outro protagonista da relação. Prevê o artigo 3º, da Lei Federal nº. 8.078/90 (CDC), a conceituação do fornecedor como um dos participantes da relação de consumo: Artigo 3°. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. Com vistas a se promover a proteção máxima ao consumidor, o conceito legal de fornecedor é de larga abrangência, podendo ser definido sinteticamente como sendo todo ente que coloca à disposição, no mercado, produtos ou serviços destinados ao consumo. É fornecedor quem tenha a atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (GAMA, 2006, p. 39). No conceito de fornecedor, a lei trouxe um elenco de diversas atividades econômicas de provisão do mercado de consumo; o legislador adotou critério econômico e objetivo, ou seja, não há subjetividade, sendo relevante apenas, para a configuração do fornecedor, que 389 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor este, desenvolvendo atividade civil ou mercantil de forma profissional, disponibilize diretamente ou não, produtos ou serviços no mercado. A exigência da profissionalidade vem implícita no termo legal “atividade”, sendo assim, para seja caracterizado como fornecedor, este deve praticar atos de comércio ou de indústria de forma continuada e habitual. Destacamos que esses protagonistas que exercem a mercancia de forma irregular, como, por exemplo, os vendedores ambulantes e os camelôs, também podem ser reputados como fornecedores, sujeitando-se à legislação consumerista. Observamos, ainda, que, no conceito de fornecedor, além de constar a pessoa jurídica privada, são também incluídas as pessoas jurídicas públicas, o que quer dizer que o Poder Público, por meio das empresas públicas, das concessionárias e das permissionárias de serviços públicos (empresas de transporte coletivo, telefonia, radiodifusão, televisão, energia elétrica, fornecimento de água e tratamento de esgoto etc.), se sujeita à disciplina do CDC, na qualidade de fornecedor, quando participar de uma relação de consumo. Assim, podemos afirmar, sinteticamente, que o Poder Público também será considerado fornecedor quando disponibilizar no mercado de consumo produtos ou serviços que possam ser adquiridos pelo consumidor mediante o pagamento de tarifa ou preço público, pois nessa condição, agem à maneira dos fornecedores particulares, isto é, sem que prevaleça o poder de império do Estado, como por exemplo, ocorre na cobrança e pagamento de impostos. Por fim, o conceito legal de fornecedor inclui as pessoas físicas que deverão responder aos termos do Código de Defesa do Consumidor quando disponibilizarem direta ou indiretamente no mercado de consumo produtos ou serviços com intuito de obter lucro, de forma profissional e habitual, caracterizando os atos de comércio, como por exemplo, os vendedores de “porta em porta” ou os popularmente conhecidos como “sacoleiros” ou “biscates”. Conhecendo, então, os conceitos legais, jurisprudenciais e doutrinários de consumidor e fornecedor, podemos tratar de forma mais clara e objetiva do tema proposto. 4. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR Ao conceituarmos o consumidor, ficou muito clara a preocupação latente do legislador consumerista com a vulnerabilidade deste em relação ao fornecedor e, tendo em vista que o direito à igualdade e às questões de justiça social estão diretamente vinculados à condição vulnerável e até de exclusão do consumidor, é necessário fazermos uma breve 390 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor análise do princípio da vulnerabilidade do consumidor, previsto expressamente no estatuto consumerista. O Código de Defesa do Consumidor foi criado com a fundamentação de defender e proteger um segmento de pessoas consideradas vulneráveis, ou seja, o consumidor que, antes do surgimento da lei específica, não conseguia proteger efetivamente seus interesses legítimos contra os danos causados pelos fornecedores, tendo em vista a diversidade de condição entre estes. Sendo assim, prescreve o Código de Defesa do Consumidor: Artigo 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (...) O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é uma das medidas essenciais adotadas pelo estatuto consumerista para efetivação da isonomia garantida na Constituição Federal, sendo o princípio básico mais importante para aplicação dos direitos do consumidor, como bem afirma o Superior Tribunal de Justiça: 4. O ponto de partida do CDC é a afirmação do Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor, mecanismo que visa a garantir igualdade formal-material aos sujeitos da relação jurídica de consumo, o que não quer dizer compactuar com exageros que, sem utilidade real, obstem o progresso tecnológico, a circulação dos bens de consumo e a própria lucratividade dos negócios. (586316 MG 2003/0161208-5, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 17/04/2007, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/03/2009). A vulnerabilidade do consumidor, pessoa física e destinatária final de serviços e produtos, deve ser presumida de forma absoluta, sem que seja necessária prova de sua existência (BENJAMIN, 2010, p. 199). Quando falamos em consumidor vulnerável significa dizer que este é a parte fraca, mais frágil da relação jurídica de consumo, o que provoca claramente um desequilíbrio, uma desigualdade na relação jurídica e, consequentemente, uma afronta ao princípio constitucional da isonomia que busca uma igualdade substancial. O Código de Defesa do Consumidor, prevendo a vulnerabilidade do consumidor, busca assegurar a igualdade entre as partes da relação de consumo, reconhecendo a sempre 391 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor lembrada, Oração aos Moços, de Rui Barbosa que, inspirado na lição secular de Aristóteles, retrata o direito a igualdade devendo-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades. (BARBOSA, 2013, online). Essa “fraqueza” do consumidor em relação ao fornecedor é real, concreta, e pode ser constatada no aspecto técnico, jurídico ou fático. Em relação ao primeiro aspecto que podemos classificar como vulnerabilidade técnica, o consumidor não possui conhecimentos técnicos, específicos o suficiente, sobre o bem que está adquirindo ou o serviço que está utilizando, sendo mais facilmente enganado ou ludibriado quanto às características e, até às qualidades daquilo que está consumindo. A vulnerabilidade técnica está diretamente ligada aos meios de produção, cujo conhecimento é, em regra, monopólio do fornecedor, ou seja, é o fornecedor que escolhe o que, quando e como, produzir um produto ou prestar determinado serviço; nesse caso, o consumidor não tem poder de decisão ou escolha, ficando à mercê daquilo que é colocado à sua disposição no mercado. Já no segundo aspecto, ou seja, na chamada de vulnerabilidade jurídica ou científica, o consumidor é vulnerável por não ter conhecimentos jurídicos específicos como, por exemplo, conhecer o direito contratual ou normas financeiras para debater em pé de igualdade as cláusulas de um contrato de financiamento de veículo, nesse caso. Por fim, no terceiro e último aspecto, temos a vulnerabilidade fática ou econômica, que “é aquela desproporção fática de forças, intelectuais e econômicas, que caracteriza a relação de consumo” (BENJAMIN, 2010, p. 198), isto é, normalmente o fornecedor possui uma maior capacidade econômica que o consumidor e ainda existem aqueles comentários populares, muitas vezes errôneos, que enfatizam a perda de tempo em litigar com uma grande empresa. Por todo o exposto, podemos concluir que a vulnerabilidade do consumidor é o grande fundamento da proteção consumerista, visto que esta busca garantir a igualdade entre as partes, para que a relação jurídica de consumo seja equilibrada a ponto de satisfazer os anseios da sociedade consumista, sem prejudicar a livre iniciativa econômica, necessária ao desenvolvimento socioeconômico do país. 5. O CONSUMO COMO GARANTIA DO MÍNIMO EXISTENCIAL O direito do consumidor é um direito humano, visto que não há possibilidade de existência digna do ser humano sem o consumo de produtos e serviços essenciais, como o 392 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor consumo de alimentos, utilização dos serviços de fornecimento de água e tratamento de esgoto, bem como a distribuição de energia elétrica e, por que não o próprio direito à moradia que também acaba por resultar em uma relação de consumo. O consumismo é uma necessidade inerente da natureza humana desde que, como afirma Colin Campbell, tornou-se “especialmente importante, se não central” para a vida da maioria das pessoas, “o verdadeiro propósito da existência”, E quando “nossa capacidade de ‘querer’, ‘desejar’, ‘ansiar por’ e particularmente de experimentar tais emoções repetidas vezes de fato passou a sustentar a economia” do convívio humano. (BAUMAN, 2088, p. 38-39). Nos artigos XXII, XXIII e XXV da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da ONU (Organização das Nações Unidas), fica evidente a condição de essencialidade e de mínimo existencial do consumo para o ser humano, ao caracterizá-lo como o conjunto de bens indispensáveis ao provimento das necessidades básicas do indivíduo e da família, assegurando que sua existência seja compatível com a dignidade humana e, com um padrão de vida capaz de assegurar saúde e bem-estar, alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis. Artigo XXII. Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade. Artigo XXIII. (...). 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. (...) Artigo XXV. 1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. O direito do consumidor é de suma importância por combater os desequilíbrios nas relações de consumo para aquisição dos produtos e serviços considerados essenciais à condição de existência digna do ser humano, regulamentando principalmente a qualidade, as informações e a eficiência dos bens disponibilizados ao cidadão no mercado, como é o caso, 393 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor por exemplo, dos alimentos, que são produtos vinculados diretamente à saúde do consumidor, à desnutrição e às doenças que podem ser causadas ou agravadas pela ingestão de produtos de má qualidade, sem a devida conservação ou ainda, de produtos com informações incorretas ou imprecisas. Sendo assim, não pode o direito do consumidor ser considerado secundário na ciência jurídica, pois este ramo do Direito lida diretamente com o essencial da vida humana, visando garantir os princípios da dignidade humana e o mínimo existencial, este entendido como “o conjunto de garantias materiais para uma vida condigna”. (SARLET, 2007, p. 103). Como bem destaca Sarlet (2007, p. 94) ao tratar da evolução da doutrina e da jurisprudência germânica quanto à questão do mínimo existencial, “sem os recursos materiais para uma existência digna, a própria dignidade da pessoa humana ficaria sacrificada”. No Brasil não há previsão expressa na Constituição Federal ou nas demais leis que garanta o mínimo existencial ao ser humano, então, é a proteção do consumidor, prevista expressamente no artigo 5º, XXVII, da Carta Magna, que fundamenta e reconhece o direito de cada ser humano ao mínimo essencial dos bens materiais, para que possa viver dignamente, principalmente com saúde e segurança. A defesa do consumidor está diretamente relacionada aos direitos fundamentais, principalmente ao maior deles, que é o direito à vida. O Código de Defesa do Consumidor prevê como direito básico do consumidor, a proteção da sua vida, saúde e segurança (artigo 6º, I), impondo ao fornecedor, em contrapartida, a obrigação de zelar pelo bem maior do ser humano ao dispor no mercado de consumo seus produtos e serviços. Artigo 6º. São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; (...) É evidente que a humanidade não sobrevive mais sem a utilização de certos produtos e serviços considerados essenciais, como a energia elétrica, por exemplo, mas o que ocorre atualmente e, que deve ser preocupante, é que a sociedade está cada vez mais consumista, de forma inconsciente e desequilibrada, adquirindo bens de consumo supérfluos e totalmente desnecessários, motivados apenas por uma “boa” publicidade ou pela ilusão de estar garantindo um reconhecimento na sociedade. 394 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Quando se pensa nas consequências deste cenário, é possível observar uma ampliação nos níveis de consumo de bens duráveis, principalmente dentre aquelas parcelas mais pauperizadas da população. Levantamentos como a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam claramente como houve um aumento no consumo de eletrodomésticos, eletroeletrônicos, gastos com alimentação (principalmente bens supérfluos), além de um incremento na renda mensal das famílias. (SCIRÉ, 2013, online). A prática desse consumo irracional coloca o consumidor, cada vez mais, exposto aos perigos que os produtos e serviços inadequados podem trazer, como por exemplo o risco de morte ou de uma enfermidade grave ao ingerir um alimento vencido ou ao dirigir um veículo com defeito de fabricação nos freios. Fica claro nessa questão que a norma consumerista vai muito além da proteção de relações jurídicas privadas e individuais que tenham por objeto bens materiais, muito pelo contrário, o Código de Defesa do Consumidor estabelece normas de ordem pública e interesse social, que visam proteger e garantir a vida, a segurança, a saúde e a dignidade de cada ser humano. As políticas públicas de diminuição de juros para aquecer a economia do país e a facilitação do crédito no atual cenário econômico, aliadas à falta de efetividade das normas de consumo, acabam gerando um consumismo desequilibrado e desnecessário, o que resulta em graves problemas sociais de exclusão e marginalização, como é o caso, por exemplo, do superendividamento, fenômeno crescente identificado pelos órgãos de proteção e defesa do consumidor e evidenciado pelas pesquisas do Banco Central brasileiro. De acordo com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça brasileiro: [...] o superendividamento pode ser definido como impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos) em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio. (CADERNO de Investigações Científicas, 2012, on line). O Banco Central do Brasil divulgou, em 26 de junho de 2012, que a taxa de inadimplência das pessoas físicas e das empresas, que mede o atraso de pagamento superior a noventa dias, subiu, atingindo 6%, o que demonstra o consumo exacerbado de produtos e 395 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor serviços, sem a conscientização dos consumidores quanto à real necessidade da aquisição dos bens, do comprometimento de sua renda e da responsabilidade de honrar suas dívidas. Tendo por objeto toda aquisição de produtos e toda prestação de serviço, incluindo até mesmo a prestação de serviços públicos, o Código de Defesa do Consumidor se presta a tutelar a qualidade de bens e serviços essenciais à vida digna e saudável de todo ser humano, tais como alimentos, medicamentos, serviços de assistência à saúde em geral, fornecimento de água e de energia elétrica, tratamento de esgoto, vestuário, habitação, educação, crédito, seguros, previdência etc. Desse modo, o Código de Defesa do Consumidor busca evitar graves problemas sociais causados pelo consumo exacerbado, compensando as desigualdades do mercado, ou seja, entre consumidores e fornecedores, regulamentando e equilibrando a relação jurídica de consumo, com o fim maior de garantir a dignidade da existência humana, o que possibilita o acesso justo de todo e qualquer cidadão aos produtos e serviços disponíveis no mercado de consumo, principalmente àqueles considerados essências ao mínimo existencial do ser humano. 6. O DIREITO DO CONSUMIDOR E A JUSTIÇA DISTRIBUTIVA O direito do consumidor, ao contrário do que possa parecer, busca atender rigorosamente ao princípio da igualdade, regulamentando as relações jurídicas de consumo para equilibrá-las, ou seja, para colocar as partes no mesmo nível de capacidade contratual. Como já foi apreciado neste estudo, o consumidor é a parte vulnerável da relação de consumo e assim necessita de uma proteção específica para se igualar de forma técnica, jurídica e econômica em relação ao fornecedor, por isso, as normas consumeristas estabelecem direitos aos consumidores, tratam os desiguais desigualmente, na medida de suas desigualdades. Como explica Luigi Ferrajoli, ao corresponder aos interesses e à expectativa de todos, dado o seu caráter universal, os direitos fundamentais constituem a base da igualdade jurídica e os direitos patrimoniais a base da desigualdade. Por conseguinte, os direitos fundamentais são a dimensão substancial da democracia, que é prévia à dimensão política ou formal. No Estado democrático de direito, a dimensão substancial, que no Estado moderno compreendia apenas os direitos de liberdade e propriedade, ampliou-se na perspectiva do Estado social, incluindo expectativas vitais como a saúde, a educação e a subsistência. (PASQUALOTTO, 2009, p. 71). 396 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A igualdade econômica e social, como objetivo do direito do consumidor, usa como instrumento a justiça distributiva. A teoria da justiça distributiva procura ser uma resposta às desigualdades ou até as injustiças, que se podem verificar no mundo de hoje, nomeadamente nas sociedades de economia de mercado. A teoria define alguns princípios de justiça que permitem identificar quais os aspectos relevantes que devem servir de base para uma distribuição equitativa de responsabilidades e benefícios. John Rawls, filósofo político americano, um dos maiores expoentes da teoria de justiça distributiva, afirma que poderíamos entender a justiça, nos indagando sobre quais princípios concordaríamos em uma situação em que todos estão em condição de equidade, pois somente em um nível exato de igualdade seria possível chegar a um consenso dos princípios que regeriam nossa vida. (SANDEL, 2012, p. 177). Rawls propõe uma experiência mental, na qual, ao nos reunirmos para elaborar um contrato social, definindo então os princípios que regulamentarão nossas vidas, estaríamos em uma posição original de equidade, ou seja, não teríamos conhecimento da classe social, econômica ou profissional da categoria a que pertenceríamos na sociedade, assim, os interesses próprios de cada pessoa não seriam motivação para qualquer decisão. Imaginemo-nos cobertos por um “véu de ignorância” que temporariamente nos impeça de saber quem realmente somos. Não sabemos a que classe social ou gênero pertencemos e desconhecemos nossa raça ou etnia, nossas opiniões políticas ou crenças religiosas. Tampouco conhecemos nossas vantagens ou desvantagens – se somos saudáveis ou frágeis, se temos alto grau de escolaridade ou se abandonamos a escola, se nascemos em uma família estruturada ou em uma família desestruturada. Se não possuíssemos essas informações, poderíamos realmente fazer uma escolha a partir de uma posição original de equidade. Já que ninguém estaria em uma posição superior de barganha, os princípios escolhidos seriam justos. (SANDEL, 2012, p.178). Dessa forma, para Rawls, a sociedade optaria por um sistema cooperativo, cujas decisões dele decorrentes distribuiriam, de modo equitativo, os benefícios pelos seus membros, sem beneficiar interesses particulares de alguns grupos, ou seja, reconhecendo a igualdade de oportunidades e como tal proceder a algumas correções na distribuição dos bens. Esse filósofo americano acredita que desse contrato social hipotético poderiam surgir dois princípios fundamentais que regulamentariam a vida em sociedade: o Princípio da Liberdade Igual e o Princípio da Diferença e da Oportunidade Justa. 397 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O primeiro oferece as mesmas liberdades básicas para todos os cidadãos, como liberdade de expressão e religião. Esse princípio sobrepõe-se a considerações sobre utilidade social e bem-estar geral. O segundo princípio refere-se à equidade social e econômica. Embora não requeiro uma distribuição igualitária de renda e de riqueza, ele permite apenas as desigualdades sociais e econômicas que beneficiam os membros menos favorecidos de uma sociedade. (SANDEL, 2012, p.179). Sendo assim, a concepção de justiça distributiva de Rawls pressupõe que todos os bens sociais primários (liberdades, oportunidades, riqueza, rendimento e as bases sociais da autoestima) devem ser distribuídos de maneira igual, excepcionando uma distribuição desigual de alguns ou de todos os bens, desde que haja um beneficio aos menos favorecidos, o que indiretamente proporcionaria o bem geral da sociedade. Rawls (2008, p. 337-338) entende que “a justa distribuição de bens e serviços depende da existência de instituições políticas e jurídicas adequadas, respeitando-se as peculiaridades de cada sociedade”. Essas instituições devem ser justas, com o fim de garantir as mesmas liberdades de cidadania, a igualdade de oportunidades na educação, na cultura, nas atividades econômicas, na escolha de ocupação, assegurando, por fim, um mínimo social, ou seja, um mínimo existencial do ser humano. Para implantar essas instituições de fundo, Rawls preconiza que o Estado se divida em quatro setores de atividades, que podem ser desenvolvidas por uma diversidade de órgãos: o setor de alocação, responsável por manter um sistema de preços competitivo e pela correção dos desvios de eficiência; o setor de estabilização, que deve responder pelo pleno emprego e pelo acesso ao crédito; o setor de transferências, que deve proporcionar o mínimo social [mínimo existencial], considerando-se que um sistema competitivo de preços não leva em conta as necessidades e, portanto, não pode ser o único instrumento de distribuição; e o setor de distribuição propriamente dito, cuja função é cuidar de uma tributação justa. (PASQUALOTTO, 2009, p. 72). Como já foi elucidado neste trabalho, o direito humano fundamental à proteção e defesa do consumidor, está diretamente vinculado à garantia de um mínimo existencial aos cidadãos, buscando, com seus regulamentos atingir à melhor concepção de justiça possível na distribuição dos bens de consumo, assegurando que as pessoas, independentemente da classe econômica, posição social, nível cultural ou até etnia, tenham acesso aos produtos e serviços necessários a uma existência digna do ser humano, como por exemplo, alimentação, saúde, moradia, fornecimento de água e energia elétrica, sendo assim, fica evidente a fundamentação das normas de consumo na teoria de justiça distributiva. 398 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor A concepção de justiça distributiva apresenta três aspectos distintos: reequilibra as relações de poder, desenvolve uma concepção welfarista2 de justiça contratual e propõe o direito como instrumento de modificação da sociedade e particularmente o direito do consumidor como mecanismo de acesso à cidadania. (MACEDO JÚNIOR, 2007, p. 231). O Código de Defesa do Consumidor prevê expressamente instrumentos que coadunam com a concepção de justiça distributiva, como a responsabilidade civil objetiva do fornecedor por defeito e vícios dos produtos e serviços, a desconsideração da personalidade jurídica, a vinculação da oferta do fornecedor ao contrato de consumo, a vedação de práticas comerciais abusivas, a proteção contratual, dando um destaque especial ao direito de arrependimento do consumidor, a nulidade de cláusulas contratuais abusivas e, no plano processual, a inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Todas essas regulamentações consumeristas buscam equilibrar a relação de consumo, colocando os consumidores no mesmo nível de igualdade dos fornecedores para garantir a distribuição justa das responsabilidades e dos bens de consumo, necessidade latente para a vida digna do ser humano na sociedade atual consumista. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A efetivação das normas de consumo no Brasil é suma importância para o alcance da justiça no acesso e na distribuição dos bens materiais de consumo, principalmente dos produtos e serviços considerados essências, garantindo assim, o mínimo existencial a cada ser humano. De acordo com os dados divulgados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 2011, o consumo de produtos e serviços pelas famílias brasileiras representou 61% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional, comprovando que mais da metade da economia do país depende direta ou indiretamente das relações jurídicas de consumo, o que torna evidente a necessidade da efetividade do direito fundamental do consumidor para que tenhamos uma relação jurídica justa e equilibrada, que possa realmente “sustentar” o desenvolvimento socioeconômico do nosso país. 2 Welfarista: “[...] é a concepção de que as únicas coisas de valor intrínseco para o cálculo ético e a avaliação dos estados são as utilidades individuais." (SEN, Amartya. Sobre ética e economia. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. p. 56). Disponível em: http://verbofilosofico.blogspot.com.br/2012/01/welfarismo.html. Acesso em: 13 jan. 2013. 399 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O principal desafio da proteção e defesa do consumidor contemporâneo não é tão somente a distribuição correta das obrigações e dos direitos do fornecedor e do consumidor, mas sim a conscientização deste último, quanto à necessidade da aquisição de produtos e serviços, muitas vezes supérfluos, de forma exacerbada, desvirtuando a característica de direito humano e fundamental da proteção consumerista. Esperamos que com o reconhecimento da importância do direito do consumidor como fator necessário à existência digna do ser humano, ou seja, como direito fundamental essencial ao cumprimento do princípio da dignidade humana, o objetivo da previsão constitucional da defesa do consumidor seja alcançado, trazendo equilíbrio às relações jurídicas de consumo, diminuindo graves problemas sociais como os índices de inadimplência dos brasileiros. Isso porque, conforme nota da Serasa Experien, empresa de proteção ao crédito com o maior banco de dados da América latina, no primeiro semestre de 2012, registrou alta de 19,1% de inadimplência, comparando com os primeiros seis meses de 2011. De acordo com a empresa Serasa Experien, nos primeiros seis meses de 2012, o consumidor brasileiro estava com sua renda totalmente comprometida com dívidas caras e de vultosos valores, que possuíam juros altíssimos, como o cheque especial, o cartão de crédito e o financiamento de veículos e imóveis. Em média, cada consumidor inadimplente possuía quatro dívidas não honradas e 60% deles tinham compromissos firmados acima de 100% de sua renda. Uma recente pesquisa divulgada pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FEDERAÇÃO, 2012, online), revelou que 62,5% das famílias brasileiras estavam endividadas no ano de 2011, o que demonstra que bem mais da metade das famílias do país estão com seu patrimônio em risco, o que acaba por dificultar e até impossibilitar a aquisição dos bens que realmente são necessários para o desenvolvimento saudável e digno da estrutura familiar. Importante destacarmos que o endividamento causado pelo consumo desequilibrado e, muitas vezes até irracional, traz um grave reflexo negativo na vida social e pessoal do consumidor. Com o inadimplemento de suas obrigações, o consumidor tem seu nome registrado ou “negativado” nos órgãos de proteção ao crédito, como por exemplo, o Serasa e o Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC), os mais conhecidos popularmente. A inclusão no rol de devedores causa, aos consumidores, problemas como a negativa de novos créditos para aquisição de bens essenciais à sua sobrevivência e a dificuldade de inclusão no mercado de trabalho, o que torna quase impossível negociar as dívidas e, consequentemente, honrá-las. Sendo assim, torna-se um círculo vicioso, em que o consumidor 400 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor endividado não consegue renda para quitar suas dívidas e com estas tem seu nome negativado e não consegue emprego. Essa situação do consumidor superendividado, causa no mínimo, um sério desconforto ao cidadão que não consegue viver de forma digna, abdicando de seu próprio sustento e de suas necessidades básicas, o que na sociedade consumista em que vivemos, acaba sendo sinônimo de exclusão e marginalização social. Por todo o exposto, podemos concluir que o direito do consumidor é essencial ao desenvolvimento econômico e social digno de qualquer ser humano, e os problemas causados pelos desacertos das relações de consumo trazem uma realidade social muito distante da concepção de justiça distributiva que seria necessária a uma sociedade ideal. Com o devido reconhecimento da proteção do consumidor como direito humano fundamental para garantia do mínimo existencial e com a efetivação das normas consumeristas, esperamos que o equilíbrio nas relações de consumo seja efetivado, conscientizando as partes envolvidas, consumidor e fornecedor, das consequências de suas ações no mercado de consumo, consequências estas, que afetam suas vidas diretamente e acabam por refletir na sociedade em geral, principalmente nos grupos sociais menos favorecidos e marginalizados. REFERÊNCIAS ALMEIDA, João Batista de. Manual de direito do consumidor. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. BANCO Central do Brasil. 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Acesso em: 14 jul. 2012. 403 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor O ILÍCITO CONSUMERISTA E A POSSIBILIDADE DO DEFERIMENTO DO DANO MORAL NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE THE CONSUMERIST ILLICIT AND THE MORAL DAMAGES IN CONTRACTS OF HEALTH PLANS PASQUALINO LAMORTE1 LEONARDO SANCHES FERREIRA2 RESUMO O presente artigo aborda o ilícito consumerista e a efetiva possibilidade da aplicação do deferimento judicial do pedido de dano moral, na violação dos direitos do consumidor nos contratos de adesão de prestação de serviços de saúde. Demonstrando que, na Contemporaneidade, o contrato possui viés socialmente funcionalizado, aborda aspectos dos direitos essenciais dos consumidores e da política nacional das relações de consumo, passando ao marco teórico conceitual dos contratos de adesão e dos danos morais, o que revela a importância da responsabilidade social dos contratos firmados. Finalmente, adentra ao tema proposto, analisando julgados do Superior Tribunal de Justiça que apreciam a especial ilicitude em comento. Adotou-se a metodologia da revisão bibliográfica e jurisprudencial. PALAVRAS-CHAVE: Direito do Consumidor; Contrato de Adesão; Dano Moral; Plano de Saúde; Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. ABSTRACT: This article addresses the illicit consumerist and the effective possibility of applying judicial approval of the request for moral damages, in violation of consumer rights in the subscription agreements for the provision of health services. Demonstrating that, in Contemporary, the contract has bias socially functionalized, covers aspects of basic rights of consumers and the national politics of consumer relations passing theoretical and conceptual framework of adhesion contracts and moral damages, which reveals the importance of social responsibility contracts. Finally, the proposed theme enters, analyzing judged the Superior Court to appreciate the wrongfulness in special comment. We adopted the methodology of literature review and case. 1 Mestrando em Direito Empresarial e Cidadania pelo UNICURITIBA. Membro do Grupo de Pesquisa “Direito Empresarial e Cidadania no Século XXI”, liderado pela Profª Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr, registrado no CNPQ. Advogado. Professor da PUC/PR. 2 Membro do Grupo de Pesquisa “Direito Empresarial e Cidadania no Século XXI”, liderado pela Profª Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr, registrado no CNPQ. 404 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor KEYWORDS: Consumer Law; Subscription Contract; Moral injury; Health Plan; Decisions by the Superior Court. SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Apontamentos sobre o contratualismo contemporâneo; 3 Política Nacional, Direitos Básicos e os Contratos no Código de Defesa e Proteção do Consumidor; 3.1 As relações consumeristas e os contrato de adesão; 4 Dano moral e os direitos da personalidade à luz do conceito contemporâneo de patrimônio; 5 O ilícito consumerista e o dano moral nos contratos de planos de saúde; 5.1 O dano moral dos contratos de planos de saúde na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; 6 Considerações Finais; Referências Bibliográficas. 1 INTRODUÇÃO O pressuposto deste artigo consiste na demonstração da importância do dano moral e função social dos contratos nos negócios jurídicos realizados entre as empresas de plano de saúde e a sociedade em geral, mediante os contratos em massa. A partir de uma análise histórica da construção do conceito dos contratos de consumo, busca-se evidenciar a importância de haver uma preocupação com o equilíbrio contratual nestes tipos de negócio jurídico, tendo como finalidade a justiça social. A realidade das pessoas jurídicas vem sofrendo uma grande mudança, visto que, a partir do século XX, o caráter individual cedeu lugar a uma visão mais coletiva, o que resultou em uma mudança de perspectiva, pois se deixou de ter uma preocupação somente individual e se passa a ter um olhar social. Logo, o contrato deixa de ter uma finalidade eminentemente econômica e passa a vislumbrar uma atividade com caráter social e a elaboração de contratos que realizem uma justiça social, principalmente nos contratos de consumo, em especial nos contratos de plano de saúde. O presente artigo analisa o dano moral em caso de inadimplemento na jurisprudência, trazendo assim, casos concretos que demonstram a ocorrência de dano moral nos contratos de plano de saúde. Adotou-se a metodologia de revisão bibliográfica e jurisprudencial. 2 APONTAMENTOS SOBRE O CONTRATUALISMO CONTEMPORÂNEO No modelo liberal, a concepção de contrato dava atendimento aos valores individualistas e egoísticos, confirmando o princípio da igualdade formal (segundo o qual, todos são iguais perante a lei), como bastante garantidor do equilíbrio entre os contratantes; 405 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor bem ainda, autorizando a livre atuação da autonomia da vontade, como elemento suficiente para formar obrigações que se tornariam intangivelmente “lei entre as partes”. As profundas alterações econômicas e sociais que advieram das múltiplas lutas sociais afetaram o governo jurídico das relações privadas, modificando inclusive a hermenêutica constitucional, que migra do individualismo proprietário3, para o solidarismo ético, daí emergindo a devida proteção da dignidade da pessoa humana e a prospecção da função social de todas as figuras jurídicas, convertendo-se no valor fundante de toda a praxis normativa, conforme explicita Ana Cecília Parodi (2009, p. 29-30): O solidarismo é um espírito, um princípio de justiça, e não, um simples regramento. Generalismo consistente, que permite, inclusive, o tutelamento das questões genéricas. Ensina Paulo Nalin (2001, p. 125-200) que a dignidade da pessoa humana é um princípio fonte, que influencia, de modo irrevogável, a todas as relações particulares. Essa intervenção estatal na amplitude da vontade das partes decorre, também, do interesse maior da sociedade de que sejam regulados os limites básicos das relações, para que o equilíbrio – material e moral – entre as pessoas, seja preservado, visando ao atingimento do ideário humanista: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, independentemente de preconceitos. Em favor da meta do personalismo ético, aumentando a preocupação com o comportamento solidário, passou a ter maior relevância a denominada função social, segundo a qual todo instituto legal ou doutrinário possui um objetivo/conteúdo, ajustado à finalidade constitucional. Assim, um contrato deixa de ser o arcaico mecanismo de troca entre as partes, para significar um instrumento de consolidação socialmente responsável de direitos materiais, o que equivale a dizer que a transação é efetuada sem lesão financeira ou moral para ambas as partes, desequilíbrio que refletiria, inevitavelmente, em toda comunidade. Do personalismo ético emanam novos princípios orientadores das relações privadas, a saber a boa-fé (objetiva) negocial, o equilíbrio das prestações, a transparência, entre outros. Tudo se resume na solidariedade, fruto do espírito ético, apregoado nesta era. Novos princípios? Nem tanto. Mais valorizados e explicitados no ordenamento? Sem dúvida. Reflexo das diretrizes constitucionais da Carga Magna – norma pública –, no cerne da codificação civilista – de ordem privada. A função social dos institutos jurídicos consiste em um mecanismo interpretativo pré e/ou pósefetividade, em sentido revisional, quer modificando seu conteúdo classicamente conhecido, quer limitando seu campo de atuação. Atinge não penas os instrumentos materializados, mas igualmente os conceitos e abstrações jurídicas. Nessa senda, a moderna autonomia da vontade faz a travessia para a contemporânea autonomia privada, na dicção de Giovanni Etore Nanni (2008, p. 168): 3 Expressão consagrada por BARCELLONA, Pietro. El individualismo proprietário. Traducción de Jesús Ernesto Garcia Rodriguez. Madrid : Edtorial Trotta. 1996. 406 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Sem qualquer dúvida, o princípio da autonomia da vontade é um princípio existente no direito civil, mas que perdeu espaço atualmente para a autonomia privada que possui uma concepção muito mais elaborada, com esteio na teoria do negócio jurídico, entendendo-se esta como o verdadeiro fundamento para a possibilidade de firmarem-se normas jurídicas individuais. Sintetiza Neimar Batista (2012, p. 30): Inicialmente predominou o absolutismo das cláusulas contratuais, que tinham no princípio da autonomia da vontade toda a sua base interpretativa, obrigando as partes a tudo o que fora pactuado sem a possibilidade de intervenção estatal, princípio esse decorrente da análise puramente estrutural da norma baseada na interpretação positivista derivada da teoria pura do direito de Hans Kelsen. Esse modelo perdurou até a metade do século XX, quando surgiu uma nova conformação estatal baseada nas Constituições normativas. A segunda metade do século XX, mais precisamente depois da Segunda Guerra Mundial, marcou a transição entre o Estado Legislativo de Direito e o Estado Constitucional de Direito. O progresso trouxe influências sociais e econômicas aos contratos, principalmente após a Segunda Guerra Mundial, que tiveram de se adaptar às novas regras interpretativas, iniciando com a flexibilização das relações contratuais que envolvem partes economicamente vulneráveis. A adoção de novas teorias interpretativas da legislação, com influências sócio-econômicas e parâmetros axiológicos, mais baseada na função que na estrutura da lei, introduziu alterações na jurisprudência e, consequentemente, acabou por implantar legislações específicas que previam a aplicação da boa-fé, função-social e equidade como parâmetros de validade das previsões contratuais. A teoria funcional do direito, que teve em Norberto Bobbio seu maior defensor, foi relevante na transição do estado repressor para o estado promocional, derivando delas novos parâmetros interpretativos dos negócios jurídicos. Nessa esteira foi promulgada a Constituição Federal de 1988 que é, basicamente em muitas de suas dimensões essenciais, uma Constituição do Estado social. No modelo social, os contratos são revisitados, alterando-se não apenas o seu conceito pelo viés teórico, mas de maneira essencialmente prática, na operabilidade negocial, contando com a salutar intervenção estatal. A esse respeito, Claudia Lima Marques (2006, p. 211): o espaço reservado para que os particulares autorregulem suas relações será reduzido por normas imperativas, como as do próprio Código de defesa do consumidor. É uma nova concepção de contrato no Estado social, em que a vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse social. E na busca pela “redefinição de contratualidade”, César Fiuza (2007, p. 331-332): 407 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor o contrato deve ser percebido como ato jurídico lícito, de repercussão pessoal e socioeconômica, que cria, modifica ou extingue relações dinâmicas de caráter patrimonial, formado pelo encontro de comportamentos típicos socialmente reconhecíveis, levados por duas ou mais pessoas, que, em regime de cooperação, visam atender suas necessidades e seus desejos, orientados pela preocupação fundamental de promoção da dignidade humana. Portanto, na contemporaneidade e pontualmente no sistema brasileiro, vigem o dever ético e o valor da fraternidade como funcionalizadores de toda relação jurídica, autorizando a interferência estatal para a consecução e preservação do interesse social. 3 POLÍTICA NACIONAL, DIREITOS BÁSICOS E OS CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR Em 1988, Constituição Federal contemplou, pela primeira vez no ordenamento jurídico brasileiro, a previsão da tutela e proteção dos direitos do consumidor, em seu artigo 5º, inciso XXXII: “O Estado promoverá, na forma da Lei, a defesa do consumidor”. E na sequência, em 1990, por obediência ao artigo 48 das Disposições Constitucionais Transitórias, promulgou o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, ínsito na Lei 8078, de 11 de setembro de 1990. Desde então, o consumidor e o fornecedor ganham uma personalidade jurídica expressiva e específica. Sob uma ótica econômica, José Geraldo Brito Filomeno (1987, p.12) afirma que consumidor “é todo indivíduo que se faz destinatário da produção de bens, seja ele ou não adquirente, e seja ou não, a seu turno, também produtor de outros bens”. Othon Sidou (1977. p. 2) oferece uma perspectiva jurídica: Consumidor é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que contrata, para sua utilização, a aquisição de mercadoria ou prestação de serviço, independentemente do modo de manifestação de vontade; isto é, sem forma especial, salvo quando a lei expressamente a exigir. Por sua vez, Antonio Herman Benjamin (1988, p. 14): 408 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Consumidor é todo aquele que, para seu uso pessoal, de sua família, ou dos que se subordinam por vinculação doméstica ou protetiva a ele, adquire ou utiliza produtos, serviços ou quaisquer outros bens ou informação colocados à sua disposição por comerciantes ou por qualquer outra pessoa natural ou jurídica, no curso de sua atividade ou conhecimento profissionais. E ainda, por inteligência do artigo 2º do Código de Defesa e Proteção do Consumidor - CDC, o consumidor “é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, equiparando-se a ele as vítimas do fato lesivo4. De acordo com o artigo 3º da Lei 8.078/90, Fornecedor é: Toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. João Batista de Almeida (2003, p. 14) conceitua: Fornecedor é rodo aquele que fornece produtos, praticando uma das seguintes atividades: produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização. Antes do advento desse diploma, o consumidor restava desamparado, em meio a economia de massa e o poderio econômico. E justamente um dos méritos mais relevantes da Lei 8.078/90 foi o estabelecimento das linhas gerais e específicas (conquanto não exaustivas), de uma Política Nacional das Relações de Consumo: A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: a) por iniciativa direta; b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas; c) pela presença do Estado no mercado de consumo; d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho. III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de 4 Conforme parágrafo único, do artigo 2o, do Código de Defesa e Proteção do Consumidor. 409 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores; IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo; V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços (...); VI coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo (...) VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos; VIII - estudo constante das modificações do mercado de consumo. (g.n.) E assim, desde o caput salientam-se as premissas da cidadania consumerista, com especial destaque para o atendimento das necessidades dos consumidores e a proteção de sua dignidade, saúde, segurança, interesses econômicos e melhoria da qualidade de vida. Nos artigos 6º e 7º, o Código de Proteção e Defesa do Consumidor contempla os direitos básicos do consumidor. Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;(...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos (...); X - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral. E registrar o artigo 7º que: Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade. De per si o artigo 7º, CDC, elimina quaisquer questionamentos sobre a prevalência das leis e aplicabilidade sistêmica no âmbito da proteção dos contratos consumeristas. A esse respeito, Ana Cecília Parodi (2009, p. 17): 410 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Dado que não há referências legais, descabe falar da revogação do Código de Defesa do Consumidor e fato é que ambos os códigos coexistem, podendo causar alguns conflitos pontuais, relativo à escorreita aplicabilidade da norma, bem como algumas dúvidas interpretativas – a exemplo da tutela da oferta, promovida pelo artigo 429, Código Civil de 2002, e 30 e 35, Código de Defesa do Consumidor. Incongruências estas, definidas por Sauphanor (2000, p. 31) como antinomias, ou “incompatibilidade entre as diretivas relativas ao mesmo objeto”, perante a abstenção da coerência, em livre tradução do original francês. A proposta de Erik Jayme (1995, p. 259) é a coordenação flexível e útil de ambas as fontes, um solucionamento de diálogo – dialogue de sources –, como mecanismo próprio da Pós-Modernidade apregoada pelo autor, tempo este que é marcado pela comunicação e pela superação de conflitos, pela coexistência pacífica, em busca de unidade e aproveitamento da boa porção que cada sistema tem a oferecer, em sua justa medida. Em livre tradução5: ‘desde que se pensa a comunicação, em direito internacional privado, o fenômeno mais importante é o fato de que a solução dos conflitos de leis emerge como resultado de um diálogo entre as fontes mais heterogêneas. Os Direitos do Homem, as Constituições, as Convenções Internacionais, os Sistemas Nacionais: todas essas fontes não se excluem mutuamente; elas “falam” uma a outra. Os juízes são obrigados a coordenar essas fontes, escutando o que elas dizem’. Heloísa Carpena (2004, p. 29-48) opta pelo critério da flexibilidade e da utilidade, propondo como campo de aplicação do Código de Defesa e Proteção do Consumidor a partir da “ideia de vulnerabilidade, que é o cerne do conceito de consumidor, e princípio que orienta seguramente a interpretação da expressão destinatário final”. Enquanto a hipossuficiência do consumidor é característica que precisa ser perscrutada casuisticamente na sede processual, a vulnerabilidade é qualidade intrínseca do agente, reconhecida de plano, vinculando-se apenas ao enquadramento jurídico da pessoa como consumidora. De acordo com Claudia Lima Marques (2006, p.320): Vulnerabilidade é mais um estado da pessoa, um estado inerente de risco ou um sinal de confrontação excessiva de interesses identificado no mercado, é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação. Segundo Bruno Miragem (2008, p. 62): Associa-se à identificação de fraqueza ou debilidade de um dos sujeitos da relação jurídica em razão de determinadas condições ou qualidades que lhe são inerentes ou, 5 No original: “Dès lors que l’on evoque la communication em droit international prive, le phénomène le plus important est le fair que la solution de lois émerge comme résultant d’um dialogue entre les sources le plus hétérogènes. Les droit[es] de l`homme, les constitutions, les conventions internacionales, les systémes nationaux: toutes ces sources ne s’excluent pas muttulenment; elles ‘parlent’ l’une à l’autre. Les juges tenus de coordonner ces sources en écoutant ce qu’elles disent”. Cf. PARODI, Op. Cit. 411 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor ainda, de uma posição de força que pode ser identificada no outro sujeito da relação jurídica. Compreendido que a Lei 8.078/1990 é, essencialmente, um microssistema, que especializa a proteção do consumidor e dialoga com todo o sistema jurídico, no aspecto contratual, foram trazidos para o bojo da lei, além de instrumentos eficazes em favor do consumidor no tocante a responsabilidade objetiva do fornecedor e a possibilidade de inversão do ônus da prova carreada para o fornecedor, princípios de direito contratual que a doutrina tradicional já adotava há muito, na exegese de proteção do contratante mais fraco. A inversão do ônus da prova caracteriza-se como uma grande conquista para o consumidor. As grandes inovações trazidas pelo codex consumerista afetam ao campo processual, na criação de novos mecanismos de defesa do consumidor, do hipossuficiente e no tocante a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços, que aqui interessa em particular. O Código de Defesa e Proteção do Consumidor tem a função de reequilibrar as partes e atenuar a desigualdade das partes nos contratos, presente de forma inerente em relações contratuais estabelecidas entre partes economicamente desiguais. Conforme Gabriel Saad (2006, p. 31): Na busca do lucro, o que é perfeitamente admissível em nosso regime sócio-político, o empresário tem, nos valores sociais do trabalho, um dos seus limites. Continua ele: Nessa ordem de pensamento, não deixa de ser legítima a conduta do Estado que, por meio de lei, procura coibir eventuais abusos desses empresários (neste código, chamado de “fornecedores”) em dano dos interesses desses consumidores que, na população do país, têm peso maior que o dos trabalhadores. Só nos resta concluir que o CDC é compatível com o artigo 1º, inciso IV da Constituição Federal. Eis estampada a forte relevância do Código do Consumidor para restaurar o equilíbrio entre atores econômicos desiguais, legando à empresa uma necessária visão valorativa-social dos bens que coloca em circulação, e dos meios como presta serviços. 3.1 AS RELAÇÕES CONSUMERISTAS E OS CONTRATO DE ADESÃO 412 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Conforme Anderson Passos dos Santos (2013)6, partes e polos contratuais não se confundem: A doutrina tradicional define o Contrato como um tipo de negócio jurídico que pressupõe a participação de, no mínimo, duas partes. [...] A priori é importante distinguir Parte de Pessoa. A parte se caracteriza por ser um centro de interesses, um pólo de incidência normativa, gerando deveres e obrigações. Já as pessoas, são os entes, individualmente considerados, que participam do contrato. E aduz, Passos dos Santos (2013)7, aos dois elementos inerentes ao instrumento – o estrutural e o funcional. Os Contratos se configuram como o instrumentos criadores, modificadores ou extintores de relações jurídicas obrigacionais. Os contratantes acordam o seu comportamento em relação a determinado objeto em busca de efeitos jurídicos queridos por ambos. Têm como fundamento a vontade humana protegida, que é, pelo ordenamento Estatal. Ante o exposto, pode-se identificar dois elementos fundamentais nos contratos, quais sejam: a) Estrutural – a alteridade: o contrato só é concebido na fusão de duas ou mais vontades contrapostas, ou seja, é negócio jurídico bilateral. (Obs. quando falamos de bilateralidade nos referimos aos contratos que possuem duas partes. O que a doutrina chama de contrato unilateral, seria na realidade contrato bilateral com carga obrigacional unilateral, tal que em todo contrato sempre haverá, no mínimo, duas partes, não obstante, os efeitos obrigacionais estarem a cargo de apenas uma delas). b) Funcional – a composição de interesses contrapostos, mas harmonizáveis, constituindo, modificando e extinguindo direitos e obrigações de caráter econômico2 . É a função social e econômica do contrato, que deste modo representa o elemento legítimo para garantir as relações negociais entre os indivíduos. Se A quer vender algo, e B quer comprar, realizar-se-á contrato de compra e venda, se se quer disponibilizar um bem a outrem, mediante ulterior dever de restituir, far-se-á contrato de empréstimo. Deste modo, o contrato é o instrumento eficaz para a concretização dos interesses patrimoniais dos contratantes3 , compondo interesses não coincidentes. Heloísa Carpena (2004, p. 29-48) explica que o fornecedor e o consumidor formam, ambos, os elos mais relevantes da cadeia produtiva, da qual depende todo o sistema econômico mundial, sendo que, dentre os dois, o consumidor certamente ocupa a posição de 6 PASSOS, Anderson Santos dos. Problema e teoria dos contratos de adesão. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 65, 1 maio 2003 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4012>. Acesso em: 17 mar. 2013. 7 PASSOS, Anderson Santos dos. Idem. 413 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor maior relevância, porque em sua ausência, não haveria escoamento dos produtos e cessaria a prestação de serviços. Mas essa força econômica não ilide sua vulnerabilidade. A propósito da materialização das relações consumeristas, tratando dos contratos de adesão, assim dispõe o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, em seu artigo 54: Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidos unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo. Enquanto a liberdade de contratar pressupõe a livre manifestação da efetiva vontade de todas as partes envolvidas, o contrato de adesão é marcado pela “força”, pela supremacia jurídica da parte dominante (o Fornecedor) sobre a parte vulnerável (o Consumidor), a quem é imposto uma “carta de dispositivos” pré-arranjados, sem a possibilidade de negociação bilateral das cláusulas, comportando, no máximo, algumas adequações pontuais. Conforme Josimar Santos Rosa (1994, p. 31): Perante o contrato de adesão, o processo manipulador tem sido uma constante, fazendo-se por requerer até a intervenção do Estado para conter os abusos. Por meio das decisões, o Poder Judiciário vem prestando considerável contribuição, contando com competentes decisões que visam controlar a prática abusiva no contrato de adesão, meio supressor para a indefinição normativa. Enquanto o contrato tradicional é fruto dos tempos modernos e tem como marca essencial sua intangibilidade em razão da autonomia privada, o contrato na modalidade “por adesão”, em que pese não ser um tipo de instrumento necessariamente novo, contudo certamente guarda profunda intimidade e dá atendimento às imposições da globalização econômica. Eis a lição de Arruda Alvim (2001, p. 37): Marcados [...] pela identidade ou pela similaridade, do que delas deve resultar, pois os textos em que estão estampados destinam-se a inumeráveis contratações; são tais contratos feitos para acudir a grandes quantidades de contratações com a mesma qualidade medular, isto é, com os mesmos elementos contratuais e com efeitos similares ou idênticos, tais como intencionalmente queridos por aquele que elabora o contrato padrão ou modelo. 414 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Todas as cláusulas já estão predispostas por uma das partes. E teoricamente, o Consumidor teria a prerrogativa de se recusar a negociar, contudo, nem sempre existe essa viabilidade, pela dominância econômica do Fornecedor em seu respectivo ramo de atuação, limitando ainda mais a esfera de atuação volitiva do Consumidor, que se vê compelido a contratar, a exemplo dos contratos bancários, dos serviços públicos delegados, de espetáculos públicos, dentre outros (2004, p. 29-48). Ainda que a modalidade “por adesão” seja de per si um ótimo facilitador do cotidiano das transações comerciais contemporâneas, essa contratação tem dado margem para o cometimento de múltiplos abusos clausulados, impostos sobre os consumidores, que são vulneráveis por qualidade intrínseca, como já foi dito. A celeridade da contratação pressupõe, para o atendimento de seus objetivos, um contrato já pronto, pensado de forma a se aplicar ao máximo de pessoas possível, sem considerar as características e/ou necessidades pontuais de cada processo negocial, razão que majora a impendência da intervenção do Estado visando à pacificação das relações e a conferir efetividade para a justiça social e para a função social do contrato, protegendo o consumidor em uma sociedade estruturada nos moldes consumistas. 4 DANO MORAL E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE À LUZ DO CONCEITO CONTEMPORÂNEO DE PATRIMÔNIO Dentre outras prescrições constitucionais que protegem os direitos da personalidade, o inciso X do art. 5º da Constituição da República faz referência a direitos especiais como a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Personalidade não é apenas um direito; é, antes um valor intrínseco, como descreve Pietro Perlingieri (2007, p. 155): “está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente mutável exigência de tutela.” Desde que a própria Constituição Federal previu o tutelamento dos direitos consumeristas, cujo microssistema, por sua vez, estipulou como direito básico do consumidor a efetiva reparação e prevenção dos danos materiais e morais, pouco se deveria, em teoria, debater sobre a sua viabilidade jurisprudencial. Art. 6º São direitos básicos do consumidor: I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos; [...] VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. 415 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Contudo, o panorama ainda demonstra uma desvalorização desse instituto. Mas o dano moral está associado, diretamente, com a preservação dos direitos da personalidade. A noção de dano moral como lesão a direito da personalidade é difundida por grande parte da doutrina. O Professor Sergio Cavalieri Filho (2008, p. 74) descreve-o como uma noção de lesão: “o dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima.” Portanto, o dano moral está relacionado à violação de uma classe especial de direitos: os direitos da personalidade ou personalíssimos. Sobre alguns direitos da personalidade que podem receber o direito de reparação, descreve Caio Mário da Silva Pereira (2000, p. 65): Aludindo a determinados direitos, a Constituição estabeleceu o mínimo. Não se trata, obviamente de numerus clausus, ou enumeração taxativa. Esses, mencionados nas alíneas constitucionais, não são os únicos direitos cuja violação sujeita o agente a reparar. Não podem ser reduzidos, por via legislativa, porque inscritos na Constituição. Podem, contudo, ser ampliados pela legislatura ordinária, como podem ainda receber extensão por via de interpretação, que neste teor recebe, na técnica do Direito Norte-Americano, a designação de construction. Carlos Alberto Bittar (2010, p. 41) ensina que: Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade em que repercute o fato violador, havendose, portanto, como tais aqueles que atingem os aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social. É mister ressaltar que é deveras ultrapassado considerar o dano moral como de natureza “extrapatrimonial”, porque o próprio conceito de patrimônio foi revisitado pela Contemporaneidade. Estes antiquados paradigmas patrimoniais economicistas já não servem para abarcar a totalidade das patrimoniais existentes, colocando em debate a validade do conceito arcaico de patrimônio, e ensejando a sua necessária releitura, revisitando, via de consequência, a 416 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor categorização dos danos civis, conforme os autores da teoria em comento, Carlyle Popp e Ana Cecília Parodi (2009, p. 127)8: [...] reconhece a doutrina que é tempo de transformação do paradigma, resgatando, a todo o discurso jurídico, a visão antropocêntrica individual e coletiva, traduzida nos princípios basilares “dignidade da pessoa humana” e “promoção do bem comum”, constitucionalizando, assim, as normas de Direito Privado, impondo limitação ao uso abuso da livre autonomia da vontade e tratando o discurso jurídico sem dicotomias extremadas, dialogando entre as esferas. Movimentos teóricos buscam essa reforma axiológica, com destaque para os denominados de repersonalização e despatrimonialização. E os paradigmas contemporâneos levam ao reconhecimento de novas categorias patrimoniais intrinsecamente dissociadas da apreciação econômica, seja por natureza, seja por necessidade de preservação. Considerando que os bens imateriais da pessoa humana são tão ou mais importantes do que as suas propriedades materiais, visto serem constitutos de sua personalidade, e que a repersonalização do Direito é fenômeno irrefreável, tendo a constitucionalização como caminho axiológico, então, certamente, é tempo de alargar as tendas dos significados investigados, passando a compreender o patrimônio como o conjunto das titularidades do Homem, independente de possível apreciação econômica, prestando-se a mesma reforma à categorização dos danos civis – todos de gênero patrimonial, subdivididos em espécie econômica e moral. Nesta ordem, portanto, reconhecer que os direitos da personalidade integram o patrimônio imaterial de cada sujeito de direito é forma também de valorizar a dignidade da pessoa humana e tornar mais ampla a dicção do caput do artigo 170 da Constituição Federal, pois garantir a todos uma existência digna passa a significar, ainda, que a atividade econômica deve manter proteção forte e eficaz aos direitos da personalidade. [...] Nesta esteira, patrimônio imaterial deixa de abranger somente marca comercial ou o crédito, assumindo uma concepção ampla, típica da categoria gênero e de magnitude excedente à apreciação econômica do bem ou direito em tela, e, logicamente, a ser especializado pelo campo do conhecimento analisado, desumindo-se, apriorísticamente, que o patrimônio imaterial da pessoa humana diverge do patrimônio imaterial da empresa ou do Estado. Desume-se que o mais adequado é prospectar não a “despatrimonialização”, mas o afastamento da economicização das relações jurídicas. Pelo mesmo viés, é inadequada da categorização dos danos civis em “patrimoniais” e “morais”; o tutelamento do dano patrimonial é gênero (tanto para pessoas físicas, quanto jurídicas), do qual os danos econômicos e morais são espécies. 5 O ILÍCITO CONSUMERISTA E O DANO MORAL NOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE 8 Saliente-se que o artigo citado é uma adaptação do artigo publicado no Conpedi-Brasília, e mereceu menção honrosa no I Concurso de Artigos Científicos Conpedi-Banco do Brasil, em 2008. 417 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Como visto, o Código de Defesa e Proteção do Consumidor, sendo uma lei protetiva, em linhas gerais, abarca e, portanto, não conflitua com os postulados básicos do direito contratual e do direito privado. Ilustrativamente, considera nula cláusula contratual incompatível com a boa-fé ou com a equidade, conforme inteligência do artigo 51, CDC, estabelece um elenco de causas abusivas da contratação, dentre elas: SEÇÃO II - Das Cláusulas Abusivas - Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; [...] XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; [...] De maneira virtuosa, o preceito também estipula limites para a manifestação da vontade, mesmo em sede dos contratos de adesão, formando de per si possibilidades de questionamento judicial, passíveis de risco – para o Fornecedor – de condenação em danos morais, conforme a repercussão e a extensão das ilicitudes: § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. 418 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Inclusive em nome da função social do contrato, existe proteção para a essência pactuada, quando não restar eivada de mortificação pela abusividade perpetrada. E reafirma os poderes para que o Ministério Público atue em favor dos consumidores: § 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. [...] § 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes. Os contratos de prestação de serviço de saúde (planos de saúde) são regidos por duas leis, em específico. Por inteligência da Lei 9.961/2000, a Agência Nacional de Saúde Suplementar possui, dentre outras competências, poderes para “art. 4º, inciso VII - estabelecer normas relativas à adoção e utilização, pelas operadoras de planos de assistência à saúde, de mecanismos de regulação do uso dos serviços de saúde”. E ainda: “XV - estabelecer critérios de aferição e controle da qualidade dos serviços oferecidos pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde, sejam eles próprios, referenciados, contratados ou conveniados”; “XVI estabelecer normas, rotinas e procedimentos para concessão, manutenção e cancelamento de registro dos produtos das operadoras de planos privados de assistência à saúde”; “XXI monitorar a evolução dos preços de planos de assistência à saúde, seus prestadores de serviços, e respectivos componentes e insumos”; “XXIII - fiscalizar as atividades das operadoras de planos privados de assistência à saúde e zelar pelo cumprimento das normas atinentes ao seu funcionamento”; “XXIV - exercer o controle e a avaliação dos aspectos concernentes à garantia de acesso, manutenção e qualidade dos serviços prestados, direta ou indiretamente, pelas operadoras de planos privados de assistência à saúde”. A Câmara de Saúde Suplementar é integrada por diversos membros, dentre eles: “VI por dois representantes de entidades a seguir indicadas: a) de defesa do consumidor; b) de associações de consumidores de planos privados de assistência à saúde”. A Lei 9.656/1998 se tornou um divisor de águas na regulação econômica e jurídica dos planos de saúde, pondo fim a uma era de injustos legais, e trazendo a dignidade da pessoa humana do beneficiário e do consumidor, para o cerne dessa tutela jurídica especial. De acordo o diploma, por definição: 419 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor I - Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor; II - Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo; III - Carteira: o conjunto de contratos de cobertura de custos assistenciais ou de serviços de assistência à saúde em qualquer das modalidades de que tratam o inciso I e o § 1o deste artigo, com todos os direitos e obrigações nele contidos. Visto no tópico anterior que é direito fundamental do consumidor a efetiva reparação e prevenção das lesões morais e materiais de consumo, sendo-lhe assegurada políticas públicas para essa finalidade, ao se tratar de planos de saúde, a questão é ainda mais sensível, uma vez que está em jogo o bem jurídico de maior relevância: a vida humana. Conforme Luciano Brandão (2013)9: É fato notório que os planos e seguros saúde constantemente negam a seus clientes coberturas aos mais variados procedimentos médico-hospitalares, determinados materiais, tratamentos e medicamentos. Normalmente o fazem de modo genérico, informal, verbalmente, com base em cláusulas contratuais de legalidade duvidosa ou dispositivos normativos de interpretação ambígua. Como resultado, é cada vez maior o número de consumidores que recorrem ao Poder Judiciário com forma de buscar tutelar o que entendem ser de direito e, não raro, cumulam-se as ações com pedidos de indenização por dano moral. Durante muito tempo, os tribunais foram reticentes com a fixação de dano moral nesse tipo de caso. O entendimento que prevaleceu durante muito tempo – e ainda é encontrado em algumas cortes -, é no sentido de que o mero descumprimento contratual não gera, por si só, direito à reparação por danos morais. E prossegue o mesmo autor (BRANDÃO, 2013)10: No caso específico de contratos de planos de saúde, no entanto, além de submeterem-se aos ditames do Código de Defesa do Consumidor, cuja aplicabilidade é inconteste diante da edição da Súmula 469, STJ, há que se 9 BRANDÃO, Luciano Correia Bueno. O dano moral e os planos de saúde. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3012, 30 set. 2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20102>. Acesso em: 19 mar. 2013. 10 BRANDÃO, op.cit. 420 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor considerar a natureza dos bens jurídicos discutidos. Com efeito, por trás de ações envolvendo planos de saúde, via de regra há um paciente já debilitado em sua saúde, angustiado, e que se vê obrigado a socorrer-se de advogados, defensores públicos e juizados especiais, como forma de tutelar direitos que, na grande maioria das vezes, são legítimos. Diante disso, tem-se verificado recentemente uma tendência dos tribunais – e especialmente das cortes superiores -, no sentido de reconhecer que as negativas indevidas e injustificadas de coberturas a procedimentos e tratamentos vai além da esfera de simples descumprimento contratual ou mero dissabor, ensejando a ocorrência de danos de ordem moral. Passa-se, agora, no próximo tópico, à análise pontual do tratamento do tema no Superior Tribunal de Justiça. 5.1 O DANO MORAL DOS CONTRATOS DE PLANOS JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SAÚDE NA Retomando as lições de Luciano Brandão (2013)11, o Superior Tribunal de Justiça tem consolidado o entendimento de que o próprio sofrimento impingido ao consumidor, pela própria doença e pela recusa de cobertura materializam o dano moral inerente à má prestação do serviço por parte dos planos de saúde: No Superior Tribunal de Justiça, a tese de que a negativa indevida e injustificada de cobertura a tratamentos e procedimentos enseja dano moral vem se tornando consistente. A ministra Nancy Andrighi, da 3ª Turma do STJ já entendeu que "maior tormento que a dor da doença é o martírio de ser privado de sua cura". No mesmo sentido, a 4ª Turma do STJ recentemente entendeu que "a recusa indevida à cobertura pleiteada pelo segurado é causa de danos morais, pois agrava a sua situação de aflição psicológica e de angústia do espírito". Diante desse novo posicionamento que vem se solidificando nas cortes superiores, também os tribunais de segunda instância têm começado a reconhecer, com maior frequência, a incidência de dano moral nos casos relacionados à negativa de coberturas. Trata-se de um passo significativo no sentido de impor – ainda que indiretamente -, que os planos de saúde preocupem-se em não negar coberturas de forma aleatória, genérica e indiscriminada. Percebe-se que, apesar de alguns julgados contrários à incidência de dano moral em caso de atraso no cumprimento contratual, há uma tendência no sentido de aplicação deste dano moral em caso de mora ou retardamento no cumprimento de obrigações derivadas de contratos de plano de saúde. 11 BRANDÃO, op.cit. 421 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Nos planos de saúde, tem sido reconhecido o dano moral de recusa, por parte das empresas contratadas, de cobertura de tratamento médico ou de internação hospitalar. Conforme análise de decisões jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça verifica-se que, as empresas de Planos de Saúde que recusam o tratamento médico injustificadamente são sujeitas á indenização por dano moral em virtude de tal recusa, conforme poderá ser comprovado pelo tópico abaixo. A jurisprudência tem reconhecido o dano moral em casos de plano de saúde através de inadimplemento contratual. O plano de saúde que se recusa de proceder à internação de associado em UTI, injustificadamente descumpre o contrato entabulado entre partes, gerando assim um dano moral indenizável. PLANO DE SÁUDE, RECUSA INJUSTIFICADA DE PROCEDER INTERNAÇÃO EM UTI. COMA. DESCUMPRIMENTO DE NORMA CONTRATUAL A GERAL DANO MORAL INDENIZÁVEL. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. A recusa injustificada para a internação de associado de Plano de Saúde, em estado de coma, configura abuso de direito e descumprimento de norma contratual, capaz de gerar dano moral indenizável. A angústia experimentada pelo esposo e filhos da paciente, em face do medo de óbito, o temor em não conseguir obter o numerário às despesas de sua internação, acarretando a venda de bem imóvel familiar, caracterizam situações que vão além de mero aborrecimento e desconforto12. Quanto aos contratos de planos de saúde, tem-se reconhecido o dano moral em casos de recusa, por parte das empresas que contratam os contratos de tratamento médico ou de internação hospitalar. Assim, é nesse sentido a decisão de Sergio Cavalieri Filho13: A recusa injustificada de internação dá motivo à indenização por dano moral, arbitrada de forma a refletir a aplicação sensata, justa e equilibrada das regras jurídicas, capaz de compensar a angústia, a aflição e o risco de vida daí decorrentes, além de representar a justa punição, de caráter pedagógico e prevenção geral. No mesmo sentido14: DIREITO CIVIL E CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. INCIDÊNCIA DO CDC. PRÓTESE NECESSÁRIA À CIRURGIA DE ANGIOPLASTIA. ILEGALIDADE DA EXCLUSÃO DE “STENTS” DA COBERTURA SECURITÁRIA. DANO MORAL CONFIGURADO. MAJORAÇÃO DOS DANOS MORAIS. - Conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento 12 REsp 907.655/ES, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 09/12/2010. 13 TJRJ, Apelação Cível nº. 2003.001.24751, 2ª. Câmara Cível. Rel. Des. Sergio Cavalieri Filho. 14 REsp 986947/ RN, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJ de 26.03.2008. 422 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. - A quantia de R$5.000,00, considerando os contornos específicos do litígio, em que se discute a ilegalidade da recusa de cobrir o valor de “stents” utilizados em angioplastia, não compensam de forma adequada os danos morais. Condenação majorada. Recurso especial não conhecido e recurso especial adesivo conhecido e provido. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é o de permitir a reparação moral quando decorre da própria situação de abalo psicológico em que se encontra o doente ao ter negada injustamente a cobertura do plano de saúde que contratou15. Conforme poderá ser comprovado pelas decisões colacionadas, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça é o de permitir a reparação moral quando, os danos não decorrem de simples inadimplemento contratual, mas da própria situação, em geral vexatória, criada pela conduta de determinadas empresas de plano de saúde, conforme verifica-se na presente decisão: AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA INDEVIDA NA COBERTURA DE CIRURGIAS. O reconhecimento, pelas instâncias ordinárias, de circunstâncias que excedem o mero descumprimento contratual torna indevida a reparação moral. Recurso Especial não conhecido16. Para boa parte das decisões do Superior Tribunal de Justiça, a recusa injustificada de Plano de Saúde para cobertura de procedimento médico é capaz de gerar dano moral indenizável. Assim, é o presente julgado: PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDDE CIVIL. PLANO DE SAÚDE. RECUSA INJUSTIFICADA DE COBERTURA DE TRATAMENTO MÉDICO. DESCUMPRIMENTO DE NORMA CONTRATUAL A GERAR DANO MORAL INDENIZÁVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO ACERCA DA NÃO APROVAÇÃO DO MEDICAMENTO PELA ANVISA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1 A recusa injustificada de Plano de Saúde para cobertura de procedimento médico e associado, configura abuso de direito e descumprimento de norma contratual, capazes de gerar dano moral indenizável. Precedentes. 2 As cláusulas restritivas ao direito do consumidor devem ser interpretadas de forma mais benéfica a este, não sendo razoável a seguradora se recusar a prestar a cobertura solicitada. 3 Agravo regimental não provido17. 16 REsp 714.947/S, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA. Quarta Turma, DJ 29.05.2006. 17 AgRg no REsp 1253696/SP, 2011/0108765-4. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, T4 – Quarta Turma. Julgamento: 18/08/2011. Dje 24/08/2011. 423 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor Quando o inadimplemento contratual ensejar uma aflição psicológica ou alguma ofensa anormal à personalidade, verifica-se que a maioria das decisões do Superior Tribunal de Justiça entende ocorrer dano moral indenizável em favor do contratante consumidor. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Dignidade da pessoa humana é valor fundamental, a ser preservado em toda e qualquer relação jurídica, em nome do solidarismo ético constitucional. Com o estabelecimento moderno de uma sociedade de consumo, e, posteriormente, na contemporaneidade, com a globalização criou a necessidade do tutelamento de novas espécies de contratação, a exemplo dos contratos de adesão, modalidade em que as cláusulas negociais estão previamente estabelecidas, permitindo pouca ou nenhuma interferência do aspecto modificativo do exercício da vontade do consumidor. O Código de Defesa e Proteção do Consumidor dispôs sobre garantias importantes para o ator econômico mais importante da cadeia produtiva, dentre elas assegurando o direito à plena reparação e à efetiva prevenção dos riscos e das lesões consumeristas. Contemporaneamente, a lesão moral é reputada também como espécie do gênero patrimonial, porque em risco estão aspectos inclusive de seu patrimônio imaterial, dentre eles, o bem da vida. De nada serviria, no entanto, haver leis salutares, se as mesmas não encontrarem eco de efetividade na atuação do Poder Judiciário. Desta sorte, é imperiosa a consolidação da jurisprudência nos tribunais superiores, em favor do deferimento do dano moral em face do descumprimento contratual e da má prestação dos serviços de planos de saúde. A sociedade de hoje é imediatista e consumista. Os bens e serviços são adquiridos para serem prontamente utilizados e consumidos. Por isso, deve-se perceber a tendência em nosso sistema jurídico em atender ás necessidades do consumido em especial nos contratos de planos de saúde, conforme bem descrito nas decisões analisadas no presente artigo. Para que um determinado contrato de adesão de planos de saúde, oriundo de uma relação entre fornecedor e consumidor, ou de uma determinada empresa, seja declarado como socialmente responsável, deverá este ter conhecimento do seu papel na sociedade. Desta forma, emerge a necessidade de o ordenamento jurídico acompanhar esta realidade social e buscar, por meio de seus operadores e institutos, resolver os conflitos derivados das relações consumeristas, não se esquecendo de sua finalidade: a promoção da paz social e do bem coletivo. 424 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, José Batista de. A proteção Jurídica do Consumidor. 4ª ed. rev e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. ALVIM, Arruda. Cláusulas abusivas e seu controle no direito brasileiro. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 20, p. 24-69, 2001. BARCELLONA, Pietro. El individualismo proprietário. Traducción de Jesús Ernesto Garcia Rodriguez. Madrid : Edtorial Trotta. 1996. BATISTA, Neimar, POPP, Carlyle. O Abuso de Direito nos Contratos de Distribuição empresarial e suas Repercussões Jurídicas. Dissertação apresentada perante o Programa de Pós-Graduação de Mestrado em Direito. 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Dje 24/08/2011. 426 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor POR UMA INTERPRETAÇÃO TÓPICA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR FOR A TOPICAL INTERPRETATION OF RULES OF CONSUMER PROTECTION Ana Caroline Noronha Gonçalves Okazaki1 Anderson de Azevedo2 RESUMO A presente análise busca compreender as normas de defesa do consumidor bem como a efetivação de seus direitos, a partir da hermenêutica. Verifica-se que o CDC é dotado de normas abertas, ou seja, que se mostram disponíveis a várias formas interpretativas conforme as necessidades que surgem no âmbito das relações consumeristas, bem como o período social que se vivencia a sua aplicabilidade. Assim, muito mais essencial que ter conhecimento deste conjunto de regras que tratam sobre a defesa do consumidor é aplicá-las fazendo uso de meios hermenêuticos adequados a concretizar as soluções que são dadas para os problemas que surgem e decorrem em cada momento social. Por tal motivo é que se torna benéfica a utilização da técnica tópica para a interpretação das normas entabuladas no CDC, vez que, esta se volta para o problema concreto, para o caso em exame, e dele, segundo as suas especificidades, busca trazer soluções adequadas. Isto é, partindo-se do topois se desenvolvem a fórmula genérica para o caso concreto, pois somente assim será possível o alcance do fim maior que se traduz no interesse coletivo, no bem comum, logo, na defesa do consumidor. PALAVRAS-CHAVE: Normas; Consumidor; Interpretação; Técnica; Tópica ABSTRACT This analysis seeks to understand the rules of consumer protection and the realization of their rights, from hermeneutics. It is found that the CDC is provided with open standards, or which show interpretive available in various forms according to the needs that arise in relations consumeristas, and the period social experience that their applicability. So much more essential to have knowledge of this set of rules that deal with consumer protection is to apply them 1 Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, especialista em Direito Previdenciário pela UEL, graduada em Direito pelo Centro Universitário Filadélfia – Unifil –Londrina. E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Direito negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, especialista em Filosofia Política e Jurídica pela UEL, formado pela Escola Superior da Magistratura do Paraná, professor de Direito das Relações de Consumo em cursos de MBA de Gestão Empresarial e Pós-graduação no Estado do Paraná e São Paulo, professor de História do Direito, Direito Civil e Direito das relações de consumo em instituições de ensino superior no Paraná, professor da Escola Superior do Ministério Público do Paraná (Londrina). E-mail: [email protected] 427 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumidor making use of the appropriate hermeneutic means to implement solutions that are given to the problems that arise and arise in every social moment. For such reason is that it is beneficial to use the technique for topical interpretation of rules consultations undertaken at CDC, since this turns to the specific problem, for the case at hand and it, according to their specificities, seeks to bring solutions appropriate. That is, starting from the topois develop a generic formula for the case, because only then can the higher end of the range that translates the collective interest, the common good, therefore, the consumer. KEYWORDS: Standards; Consumer; Interpretation; Technique; Topical SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E A INTERPRETAÇÃO. 2. DA TÉCNICA TÓPICA DE INTERPRETAÇÃO. 3. A RELAÇÃO DE CONSUMO E A HERMENÊUTICA TÓPICA DO DIREITO DO CONSUMIDOR COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. INTRODUÇÃO É certo que os sistemas jurídicos visam refletir as novas tendências ocorridas nas relações sociais, pois, caso contrário, seriam inexeqüíveis. Assim, não poderia ser diferente com as normas que protegem as relações de consumo, que, devido à dinâmica das transformações sociais, demandam uma reestruturação constante das suas instituições jurídicas, de modo a equilibrar os novos modelos de convivência social e as novas situações do mundo da vida. Mas também é certo afirmar que esses mesmos sistemas devem disponibilizar mecanismos de interpretação e aplicação das normas que o compõe. Em se tratando do Direito das Relações de Consumo, há praticamente um consenso de que se trata de um microssistema jurídico, dotado de autonomia, não apenas legislativa, mas principalmente axiológica. Isto significa a presença de um conjunto de princípios que lhe outorgam identidade, diferenciam esse ramo dos demais ramos da Ciência do Direito, e proporcionam uma maneira especial de interpretação jurídica. Essa diferenciação pode ser verificada pelos signos lingüísticos de estruturação das regras integrantes do seu núcleo legislativo, o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 428 COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 8 - Direito do Consumido