Prefácio A obra que a autora nos apresenta suscita, logo após a leitura do seu título fora do comum, a curiosidade do leitor, o qual se interroga imediatamente sobre do que se trata. Num longo percurso, tão perseverante como pessoal, a autora meditou trabalhos de fenomenologia, leu Merleau-Ponty, analisou obras diversas, de filosofia, de poesia ocidental ou oriental, de crítica de arte. E eis-nos perante o resultado. Numa palavra, poderia dizer que este trabalho me aparece como fenomenologicamente estimulante, intelectualmente sedutor, redaccionalmente desconcertante. Quem lê esta obra assiste a tudo salvo a uma linguagem seca própria dos trabalhos filosóficos. As imagens surgem num autêntico fogo-de-artifício, as metáforas encadeiam-se numa valsa sossegada e desassossegada – eis que estou a deixar-me levar pelo seu caminho imagético – e interrogamo-nos sobre o sentido da obra. Este projecto obriga-nos todos a um certo esforço, ao esforço de a acompanhar num terreno que a filosofia não costuma pisar, o da metáfora. Com certeza, poder-se-ia dizer, houve nesta linha ilustres predecessores, por exemplo Nietzsche com o seu Zaratustra. Portanto, está em boa companhia, embora não se trate de realizar um prolongamento desta obra. O que pessoalmente me levou a apreciar mais o seu texto foi a compreensão de que a autora tinha de certo modo a capacidade de pensar e de se exprimir de modo activamente fenomenológico. Activamente, na medida em que não se trata de buscar conceitos chaves inovadores, mas de descrever o mundo fenomenologicamente. E é verdade que, para quem abre Le Visible et L’Invisible de Merleau-Ponty, obra incompreensível sem entrar na evocação do seu poder metafórico, se oferece um exemplo que a autora retoma, prolonga, explora até à exaustão. É por isso que o carácter redaccionalmente desconcertante da sua obra é precisamente o reverso do seu aspecto intelectualmente sedutor. Esta sedução não invade o leitor desde o princípio, pois o espanto assim como a dificuldade de a seguir no seu caminho metafórico aparece no princípio como um obstáculo, mas, pouco a pouco, instala-se a convicção de que o seu trabalho é o resultado de um pensamento sólido, forte e insinuante, fortemente insinuante, precisamente pela fragilidade dominada da sua dimensão simbólica. Eis a explicação das minhas três impressões dominantes, acerca da obra, redaccionalmente desconcertante, intelectualmente sedutora, e fenomenologicamente estimulante. Que me seja contudo permitido lembrar alguns traços da sua personalidade, personalidade rica e multifacetada. Quem diria que a autora é uma jurista, formada na arte rigorosa da interpretação de textos legais, que não brilham especialmente pelo seu poder de encanto metafórico? Quem diria que esta jurista é também autora de várias obras poéticas, que já fizeram falar de si? Quem diria que a mesma pessoa é possuidora de um Mestrado em literatura, Mestrado que não consiste em fazer nem romances nem poesia? Em resumo, a obra parece corresponder perfeitamente à sua autora, na medida em que se situa num permanente entre-deux. Em conclusão, esta obra, com páginas admiráveis, move-se num entrelaçado de filosofia, de literatura e poesia contemporânea. E, para honrar o gosto da autora pelas metáforas, as minhas últimas palavras serão, a seu respeito, uma citação do místico Angelus Silesius: “Vai onde não podes; olha onde não vês; escuta onde nada tina; estarás onde Deus fala”. Julgo, depois do seu percurso, que disso o seu caminho não está longe. Isabel Carmelo Rosa Renaud Professora Catedrática da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa