Pereira LC et al. RELATO DE CASO Tratamento cirúrgico de anquilose de articulação temporomandibular em criança: relato de caso Surgical treatment to temporomandibular joint ankylosis in child: case report Lucas Cavalieri Pereira1, Sérgio Henrique de Oliveira Brandt Filho2, Cláudio Maldonado Pastori3, Larissa Gonçalves Luciano Gomes4 RESUMO SUMMARY Introdução: Casos de anquilose da articulação temporomandibular promovem discussões quanto ao diagnóstico e à modalidade de tratamento cirúrgico. Relato do caso: O presente trabalho expõe a resolução de um caso de anquilose verdadeira a partir da reconstrução articular com enxerto costocondral, sem interposição de material artroplástico. Conclusão: O acompanhamento em longo prazo para análise do crescimento facial, da movimentação funcional mandibular e das alterações oclusais é fundamental para sucesso do tratamento. Introduction: Temporomandibular joint ankylosis cases promote discussion about the diagnosis and surgical treatment modality. Case report: The present paper exposure the resolution of a true ankylosis case to joint reconstruction with costochondral graft without alloplastic material interposition. Conclusion: Long term follow up to analysis facial growth, mandibular functional movement and occlusion alterations is important to treatment success. Descritores: Anquilose. Articulação temporomandibular. Reconstrução. Descriptors: Ankylosis. Temporomandibular joint. Reconstruction. 1. Professor do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Santa Casa de Misericórdia de Marília, Cirurgião Assistente. 2. Cirurgião Buco-Maxilo-Facial do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial da Santa Casa de Dracena. 3. Professor Doutor do Serviço de Cirurgia e Traumatologia Buco-MaxiloFacial da Santa Casa de Misericórdia de Marília, Cirurgião Chefe. 4. Fisioterapeuta do Centro de Reabilitação Oral e Maxilofacial – CROM, Pós-graduanda em Dermato-Funcional da UNIMEP – Piracicaba. Correspondência: Lucas Cavalieri Pereira CROM –Centro de Reabilitação Oral e Maxilofacial Av. Benjamin Constant, 408 - Flandria - Pompéia, SP, Brasil CEP 17580-000 E mail: [email protected] / [email protected] Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(3): 196-200 196 Tratamento cirúrgico de anquilose de ATM em criança (Figura 2), observou-se encurtamento de ramo mandibular esquerdo e sinal de anquilose em ATM esquerda, com adesão óssea, diagnóstico compatível com os achados clínicos. O paciente foi submetido a procedimento cirúrgico por equipe multidisciplinar, que englobou a participação da equipe da Cirurgia de Cabeça e Pescoço, para realização de traqueostomia, sendo via de acesso para anestesia gera; da Cirurgia Torácica, para retirada de enxerto costocondral (6º arco costal) com aproximadamente 2 cm de cartilagem e 4 cm de tecido ósseo (Figura 3); e da Cirurgia Buco-maxilo-facial. Foram utilizados dois acessos para o procedimento: préauricular descrito por Rowe10, em 1972, e submandibular descrito por Risdon11, em 1934 (Figura 4). A massa anquilosada foi removida com auxílio de serra oscilatória e cinzéis (Figuras 5 e 6), seguida de coronoidectomia bilateral (Figura 7). Assim, observou-se abertura bucal intra-operatória de 36 mm (Figura 8). O paciente foi submetido ao bloqueio maxilomandibular (BMM) e a ATM foi reconstruída com o enxerto costocondral, sendo esse fixado com parafusos de titânio de 2,0 mm de diâmetro (Figura 9). Após 12 dias de BMM, o paciente foi submetido ao tratamento fisioterápico profissional. Associou-se acompanhamento psicológico e nutricional. No pós-operatório de 219 dias, o paciente apresentou aproximadamente 24,5 mm de abertura bucal, estando sob controle rigoroso do tratamento fisioterápico, discreto laterognatismo para esquerda devido ao centro de crescimento condilar direito associado, com menor taxa de crescimento da área enxertada com costela (Figura 10). Em exame radiográfico, observou-se aspecto de normalidade de cicatrização óssea em ATM esquerda, com os parafusos de fixação em posição. O paciente se encontra em tratamento até o término do crescimento para correções secundárias de deformidades dentofaciais remanescentes. INTRODUÇÃO O termo anquilose é originário do prefixo grego anquil, que significa aderência, e pelo sufixo ose, que é relativo à articulação. Uma classificação advogada por Kazanjian1 para as anquiloses de articulação temporomandibular (ATM) as divide em duas variedades: anquilose verdadeira e falsa. A primeira é representada pela adesão fibrosa ou óssea entre as superfícies articulares da ATM, sendo que a segunda é representada pela limitação dos movimentos mandibulares consequente de patologia extra-articular. Dentre as causas predisponentes estão a doença de Still, distúrbios inflamatórios, síndrome de Felty2, traumas, infecção3, artrite reumatoide, distúrbios neurogênicos, miogênicos e psicogênicos e tumores4. A anquilose pós-traumática se origina a partir hematomas intra-articulares, com subsequente fibrose e calcificação5, sendo essa teoria a mais aceita atualmente. Quando a anquilose ocorre na infância ou na adolescência há um comprometimento do desenvolvimento normal da mandíbula no lado da ATM afetada. O resultado normalmente é assimetria facial, micrognatismo, má-oclusão e deficiência funcional do sistema estomatognático. O método de reconstrução é controverso e uma grande variedade de técnicas é relatada. Dentre elas citam-se os enxertos autógenos de fíbula, metatarso, clavícula e costocondral, e os implantes alopláticos, como acrílico, fibras sintéticas, prótese ulnar, silicone e sistemas articulares totais6. A técnica mais empregada e aceita é a reconstrução com enxerto costocondral, como relatada por Macintosh, que cita como principais vantagens a compatibilidade biológica, fácil manuseio, adaptabilidade funcional, e mínimo detrimento para o paciente7. O crescimento potencial do enxerto costocondral torna-o a principal escolha em casos de anquilose em crianças8. Problemas potenciais com esses enxertos incluem fraturas, reanquilose, morbidade do sítio doador e variabilidade da taxa de crescimento do enxerto9. O objetivo do presente trabalho é expor a resolução de um caso de anquilose de ATM a partir da reconstrução com enxerto costocondral sem qualquer interposição artroplástica e ressecção seguida de artroplastia. DISCUSSÃO A anquilose da ATM é a restrição do movimento normal da mandíbula por alterações patológicas dentro da cápsula ou suas adjacências, comprometendo a função mandibular, a oclusão dental e a estética facial. Pode ser classificada em verdadeira ou falsa1. O caso apresentado é exemplo de anquilose verdadeira óssea por ser intra-articular. Os principais fatores causais da anquilose são o trauma e a infecção. Verifica-se que, com o advento da antibioticoterapia, a infecção passou a ser um fator menos frequente12. Como observado no caso relatado, o trauma normalmente é a etiologia das anquiloses. O tratamento da anquilose é cirúrgico, embora procedimentos fisioterápicos possam ser aplicados em casos iniciais8. Basicamente tem de ser realizada a ressecção da massa anquilosada, através de acesso cirúrgico pré-auricular e, se necessário, submandibular. No presente caso, utilizou-se o acesso préauricular descrito por Rowe10 com o submandibular de Risdon11. As técnicas cirúrgicas empregadas nos casos de anquilose são bastante discutidas na literatura. Três técnicas básicas foram desenvolvidas para correção da anquilose da ATM: artroplastia, que consiste na ressecção da massa anquilosada entre a cavidade articular e o ramo mandibular sem interposição de material; artroplastia interposicional, onde há a criação de um RELATO DE CASO Paciente M. I. S., 10 anos de idade, gênero masculino, leucoderma, com peso de 16 kg, compareceu ao Serviço de Cirurgia Buco-Maxilo-Facial relatando importante limitação de abertura bucal há 9 anos. Relatava cirurgia abdominal com aproximadamente 1 ano de idade, sob anestesia geral, com intubação orotraqueal, sendo a possível causa de trauma na região da ATM. Em exame físico observava-se má-oclusão classe II de Angle bilateral, com importante limitação de abertura bucal (mensurado 3 mm com espessímetro), laterognatismo para esquerda gerando grande assimetria facial (Figura 1), dentição do tipo mista e hipotonia acentuada dos músculos da mastigação. Em exames imageológicos, incluindo radiografia panorâmica póstero-anterior de mandíbula e tomografia computadorizada Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(3): 196-200 197 Pereira LC et al. Figura 1 – Vista frontal, limitação de abertura bucal, laterognatismo para esquerda devido à deficiência de crescimento do côndilo esquerdo. Figura 4 – Acessos pré-auricular e submandibular. Figura 2 – Tomografia computadorizada demonstrando massa anquilótica em articulação temporomandibular esquerda. Figura 5 – Anquilose da articulação temporomandibular esquerda. Figura 3 – Enxerto costocondral. Figura 6 – Ressecção da anquilose com serras e cinzéis. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(3): 196-200 198 Tratamento cirúrgico de anquilose de ATM em criança Figura 7 – Coronoidectomia bilateral. Figura 9 – Reconstrução articular com enxerto costocondral sem interposição de material e fixação com parafusos de titânio. Figura 8 – Abertura bucal transoperatória de 36 mm, após a ressecção da anquilose e das coronoidectomias. Figura 10 – Pós-operatório de 219 dias, demonstrando melhora do laterognatismo. espaço pela massa óssea ressecada, seguida pela interposição de um material biológico13 ou não biológico14; e, reconstrução articular, onde a massa anquilosada é removida e a reconstrução é realizada com enxerto ósseo autógeno7 ou prótese articular. Devido às características da anquilose (óssea), da micrognatia importante, da assimetria facial e do tempo de evolução, optou-se pela reconstrução articular com enxerto costocondral, associada com miotomia dos músculos mastigatórios e coronoidectomia bilateral, no intuito de se devolver a função mastigatória ao paciente, facilitar a abertura bucal e promover algum crescimento facial adicional pelo emprego do enxerto ósseo associado com cartilagem. A interposição artroplástica é um fato que provoca bastante divergência entre os autores. O objetivo de sua utilização está na prevenção de recidivas, contudo, há contestação pelo fato de haverem casos relatados de recidivas com emprego de material de interposição9. No presente trabalho não foi utilizado qualquer tipo de material interposicional, de acordo com alguns autores14,15. Esses autores observaram em suas casuísticas que houve crescimento mandibular. A fisioterapia pós-operatória é preconizada na maioria dos casos, independente da técnica cirúrgica utilizada5. A fisioterapia foi realizada de forma supervisionada e intensiva, sendo procedimento importante no auxílio da prevenção de recidivas e resolução da doença. CONCLUSÃO Com a técnica utilizada, o objetivo do tratamento da anquilose foi alcançado: estabelecimento de movimentos mandibulares, prevenção de recidivas, obtenção de crescimento facial e obtenção de oclusão normal. A proservação é de grande importância para correção de qualquer desvio no crescimento em tratamento de anquilose em crianças. REFERÊNCIAS 1.Kajanjian VH. Ankylosis of the temporomandibular joint. Am J Orthodont. 1938;24:1181-206. Rev Bras Cir Craniomaxilofac 2010; 13(3): 196-200 199 Pereira LC et al. 2.Silagi JL, Schow CE Jr. Temporomandibular joint arthoroplasty: review of literature and report of case. J Oral Surg. 1970;28(12):920-6. 3.Kruger GO. Textbook of oral and maxillofacial surgery. 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