A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO GEOGRAFIA CULTURAL: MÚSICA E DANÇA FOLCLÓRICA GAÚCHA, CONSTRUINDO IDENTIDADES NOS DEPARTAMENTOS TRADICIONALISTAS CULTURAIS ESTUDANTIS DE SANTA MARIA – RS DEISE CAROLINE TRINDADE LORENSI 1 MERI LOURDES BEZZI 2 Resumo: A presente pesquisa visa identificar a contribuição da música e da dança folclórica gaúcha para a construção da identidade cultural sul-rio-grandense na contemporaneidade, a partir de análises das relações vivenciadas nas Invernadas Artísticas dos Departamentos Tradicionalistas Culturais Estudantis (DTCEs) de Santa Maria (RS). A pesquisa é de natureza qualitativa quanto à forma de abordagem e o método empregado é o fenomenológico. Em relação aos procedimentos metodológicos, além da revisão bibliográfica, foram utilizadas conversas informais, priorizando discussões em grupos relacionadas à interação e vivências cotidianas. O trabalho desenvolvido nas invernadas artísticas contribui na preservação cultural, na consolidação dos saberes e das vivências tradicionalistas, que valorizam, na contemporaneidade, a cultura sul-rio-grandense. Palavras-chave: Geografia cultural; invernadas artísticas; tradicionalismo gaúcho. Abstract: This research aims to identify the contribution of music and dance of gaucho folk for the construction of sul-rio-grandense cultural identity in contemporary society, from analyzes of relations experienced in the Invernadas Artistic of Student Cultural Traditionalists Departments (DTCEs) Santa Maria city (RS). The research approach is qualitative and the method used is the phenomenological. Regarding the methodological procedures, in addition to literature review, informal talks were used prioritizing discussion groups related to the interaction and daily experiences. The work in the Artistic Invernadas contributes to cultural preservation, to consolidate the knowledge and experiences of traditionalists which value, in contemporary times, the of sul-rio-grandense culture. Key-words: Cultural geography; invernadas artistic; gaucho traditionalism. 1 – Introdução A Geografia Cultural adquiriu expressividade a partir da década de 1970, privilegiando, em seus estudos, a imaterialidade da cultura, com a denominação de Geografia Cultural Renovada, a qual resgata e amplia as bases epistemológicas desenvolvidas pela geografia cultural de Sauer e dos geógrafos europeus. Amplia, também, o temário de estudo, incluindo em suas análises a dimensão não-material da cultura (CORRÊA, 1998). Neste sentido, o estudo do espaço geográfico, a partir 1 - Acadêmica do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, nível de mestrado. E-mail de contato: [email protected] 2 Docente do Programa de Pós Graduação em Geografia da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.E-mail de contato: [email protected] 1675 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO dos aspectos culturais, revela que a prática de diferentes tradições interfere nas singularidades espaciais. Essa manifestação ocorre através do patrimônio material (histórico, arqueológico, bibliográfico, entre outros) e dos imateriais (literários, musicais, lúdicos, religiosos e outros comportamentos da vida social). Estes patrimônios e/ou códigos culturais estão enraizados no cotidiano de determinada comunidade, bem como, proporcionam um sentimento de pertencimento sociocultural. Os códigos culturais contribuem na construção de identidades, estabelecendo o sentimento de pertencimento sociocultural a um específico recorte espacial. Neste sentido, a identidade cultural pode ser entendida como o “[...] conjunto dos repertórios de ação, de língua e de cultura que permitem a uma pessoa reconhecer sua vinculação a certo grupo social e identificar-se com ele” (WARNIER, 2003, p. 16), uma vez que a construção da identidade cultural manifesta no compartilhamento de relações sociais, históricas e simbólicas, que compõem as práticas culturais de um determinado grupo social, influenciando na nossa formação, no modo de agir e de pensar, conferindo, a este grupo social, sua identidade e particularidades locais/regionais. No Rio Grande do Sul, existem diversos códigos culturais que identificam o gaúcho, entre eles salientam-se os valores morais, a religiosidade, o artesanato, a culinária, a vestimenta, a lida campeira, a música, entre outras. Dentre estes códigos gaúchos, pode-se destacar a influência da música e da dança folclórica na construção da identidade cultural. Ambos os códigos constituem-se em um importante campo de pesquisa para a Geografia Cultural, pois possuem uma dimensão imaterial, formada em diferentes contextos e que se difundiram no tempoespaço. Desta maneira, objetivou-se identificar a contribuição da música e da dança folclórica gaúcha para a construção da identidade cultural sul-rio-grandense na contemporaneidade, a partir de análises das relações vivenciadas nas Invernadas Artísticas dos Departamentos Tradicionalistas Culturais Estudantis (DTCEs) de Santa Maria (RS), assim como, compreender a função social destas entidades na preservação da cultura gaúcha. 1676 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 2 – Desenvolvimento O Rio Grande do Sul foi colonizado por diferentes grupos étnicos, que trouxeram consigo as suas características culturais e foram introduzindo-as nos povos que aqui viviam. A vivência destes diferentes grupos étnicos propiciou a consolidação da cultura gaúcha, diferenciando-a dos países vizinhos – Argentina e Uruguai – tornando-a única no contexto mundial. O Rio Grande do Sul estabeleceuse culturalmente através da ação humana que ocupou e organizou o território gaúcho até o século passado. Primeiramente, influenciada pela cultura indígena (Jês, Pampianos e Guaranis) e, posteriormente, pelos colonizadores portugueses e espanhóis, assim como pelos escravos e pelos imigrantes, principalmente os açorianos, os alemães e os italianos. O gaúcho, como forma de expressividade cultural, em termos regionais, não é o único grupo étnico que o formou, uma vez que, devem-se considerar as variações regionais que o compõem e que contribuíram para sua constituição. Pode-se afirmar, então, que a partir das bases socioculturais que configuraram o espaço rio-grandense o gaúcho apresenta particularidades intrínsecas ao contexto regional (BRUN NETO; BEZZI, 2008, p. 136). Portanto, a tradição sul-rio-grandense incorporou as particularidades étnicoculturais, resultado de diversos costumes que se agregaram e recriaram a sociedade gaúcha durante séculos. Na atualidade, ainda permanece características marcantes das culturas de origem nas regiões de colonização e/ou migração. Entretanto, existem hábitos e costumes usuais entre a população sul-rio-grandense, como o hábito do chimarrão, o churrasco, o arroz carreteiro, as danças, a música, entre outros, que foram disseminados, através da convivência e do contato permanente das distintas etnias que se estabeleceram no Rio Grande do Sul, criando uma identidade cultural que o identifica perante os outros estados brasileiros. A música folclórica articulada com a dança apresenta-se como um suporte cultural importantes da tradição sul-rio-grandense. Estas duas formas de arte auxiliaram na consolidação da imagem do gaúcho enquanto um tipo distinto e inconfundível, ou seja, a música e a dança folclórica gaúcha originaram-se das 1677 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO antigas danças brasileiras e das trazidas pelos imigrantes europeus, sendo que no Rio Grande do Sul “agaucharam-se”, adquirindo duas características marcantes do gaúcho: a teatralidade e o respeito à mulher (OURIQUE et. al, 2010). A teatralidade refere-se às habilidades campeiras do gaúcho, evidenciada pelos movimentos livres e largos na lida com o gado xucro, no tiro de laço, na doma; e pela destreza e habilidade nas guerras. “Se o gaúcho é teatral em seu trabalho campeiro, se o gaúcho grita e exulta na hora da avançada ou no entrechoque da cavalaria, por que agirá diversamente na hora de se divertir, de bailar, de mostrar seu donaire3 à gauchita?” (CÔRTES, 1987, p. 63). Neste sentido, os bailes revestem-se de expressões contagiantes, uma vez que os gaúchos, na atualidade representados pelos peões das Invernadas Artísticas, procuram mostrar que são os melhores sapateadores, recitam os versos mais criativos e enfeitam seus passos de danças com variações difíceis e peculiares. O respeito à mulher é o modo cortês que o gaúcho referencia as prendas, ou seja, os bailes gauchescos envolveram-se em um clima de respeito e moralidade. “Com o advento das danças em conjunto, tornou-se comum o costume dos gaúchos tomarem nas mãos um lencinho (que estava no bolso ou preso a guaiaca) no momento de convidarem as moças para a dança” (CÔRTES, 1987, p. 59). Esse gesto respeitoso perdura até nossos dias, sendo interpretado nas danças folclóricas, como a quero-mana, o pezinho e o xote inglês. As músicas e as danças folclóricas gaúchas possuem características peculiares dos colonizadores e dos imigrantes que se inseriram no estado, tornando estes códigos culturais as principais formas de expressão cultural sul-rio-grandense. A mais antiga representação musical gaúcha é o fandango. Conforme Côrtes; Lessa (1961, p. 3) chamou-se “Fandango”, no antigo Rio Grande do Sul, a uma série de cantigas entremeadas de sapateios. O primeiro fandango rio-grandense foi formado pelo hibridismo dos lundus, que desciam das Capitanias brasileiras com o fandango que a Espanha enviava às cidades sul-americanas. Daí resultou uma série de sapateados entremeados de cantigas brasileiras, às quais se vieram unir cantos europeus, como a tirana, que gozava de larga popularidade na época (CÔRTES, 1987, p. 53 – 54). 3 Atitude de graça e gentileza. 1678 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO O fandango, assim como, outras músicas e danças típicas entram em decadência com a chegada de novas danças vindas da Europa, principalmente após a I e a II Guerra Mundial. Assim, após 1948, devido à criação do primeiro Centro de Tradição Gaúcha (CTG) – o 35 CTG, Paixão Côrtes, Barbosa Lessa e Glaucus Saraiva percorrerem o interior do estado para recuperar alguns traços culturais que estavam sendo esquecidos pelos gaúchos, principalmente as músicas e as danças folclóricas. Após, em 1955, Côrtes e Lessa publicaram o livro “Manual de Danças Gaúchas”, contendo vinte e cinco músicas e danças folclóricas (OURIQUE et. al, 2010), como chimarrita, maçanico, tatu de volta no meio, chico sapateado, balaio, cana verde, havaneira marcada, entre outras. Na atualidade, as entidades tradicionalistas procuram preservar a música e a dança, através do trabalho realizado pelas Invernadas Artísticas, participando de eventos e competições em torno das danças tradicionais gaúchas, como no caso do Encontro de Arte e Tradição (ENART) e outros rodeios artísticos, bem como em apresentações em escolas, empresas, órgãos públicos e na própria entidade. Dessa forma, a música pode ser considerada uma fonte de identidade geográfica, favorecendo um sentimento de orgulho pelo lugar e um sentimento de ligação com ele (CARNEY, 2007). O caráter simbólico expresso na música e na dança folclórica se revela, ao ser humano, como algo que precede a linguagem, enfatizando as relações entre o simbólico e os aspectos do real. Estas relações são enfatizadas pelos códigos culturais exaltados nas letras das músicas, principalmente as crenças, as lendas e a lida diária, bem como, pelas atitudes pessoais e coletivas na cadência da dança. A música é um dos códigos culturais que expressa de forma significativa à identificação do gaúcho com as „coisas do pago‟, enfatizando os aspectos físiconaturais e sociais do Rio Grande do Sul (BRUN NETO; BEZZI, 2008). Permite também, descrever as características socioespaciais e consolida as identidades engendradas pela imaterialidade e materialidade da cultura. A música local é uma proveitosa fonte para se compreender o caráter e a identidade (KONG, 2009), pois é através da música e das danças, em especial as 1679 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO folclóricas, que os gaúchos manifestam sentimentos comuns de pertencimento sociocultural e exaltam suas crenças, valores, hábitos e costumes, contribuindo para o sentido e o entendimento dessa herança cultural, sua preservação, importância e adaptação na atual sociedade. Além disso, é uma manifestação de ideias, sentimentos e situações que enaltecem o Rio Grande do Sul e as vivências do povo gaúcho, despertando o interesse do geógrafo cultural devido à inserção de aspectos históricos, geográficos e culturais da sociedade em suas composições. 2.1 – Marcas do Pampa e Alma Gaúcha: conhecendo os DTCEs de Santa Maria (RS) Em 1947 foi criado, em Porto Alegre, o primeiro Departamento Tradicionalista Gaúcho, a partir de um movimento estudantil em favor das tradições gaúchas. Côrtes (2001) salienta que este movimento começou no Colégio Estadual Júlio de Castilhos e visava, basicamente, à preservação da cultura popular sul-riograndense. Após, em 24 de abril de 1948, foi fundado o primeiro Centro de Tradição Gaúcha do Rio Grande do Sul – o „35 CTG‟, composta por 24 estudantes secundários, a maioria do Colégio Estadual Júlio Castilhos e, quase todos, oriundos do interior do estado, mais precisamente da campanha (MARIANTE, 1976). Inicialmente, era uma associação constituída unicamente por rapazes. O movimento tradicionalista começou a conquistar sentido cultural e espaço geográfico e histórico na sociedade gaúcha a partir da fundação do 35 CTG. Paulatinamente esta ideia se estruturou e ganhou novos adeptos, multiplicando a criação de entidades tradicionalistas, dentro do estado e além de suas fronteiras. Na atualidade, o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) congrega as entidades legalmente constituídas e estas podem receber diferentes denominações, como piquetes de laçadores (PLs), Associações Tradicionalistas (ATs) e Departamentos de Tradição Gaúcha (DTGs). Também existem os Departamentos Tradicionalistas Culturais Estudantis (DTCEs), que recebem esta denominação por estarem vinculadas com instituições 1680 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO de ensino. Na cidade de Santa Maria (RS) existem dois DTCEs, o Marcas do Pampa e o Alma Gaúcha (figura 1). Figura 1: Mapa de localização dos Departamentos Tradicionalistas Culturais Estudantis (DTCEs) de Santa Maria, RS. Elaboração: LORENSI, D. C. T. O primeiro DTCE a ser fundado em Santa Maria (RS), foi o Marcas do Pampa, anexo a Escola Municipal de Ensino Fundamental Irmão Quintino, em 16 de maio de 2000. O DTCE Alma Gaúcha localiza-se no Colégio Estadual Tancredo Neves e foi fundado em 05 de junho de 2004. Os DTCEs procuram cultuar e difundir as tradições sul-rio-grandenses (os costumes, a arte, a dança, a música, a poesia, o artesanato e a culinária), despertando na comunidade escolar o interesse pela cultura do povo gaúcho. É importante destacar que os DTCEs organizam-se através das invernadas. A Invernada Social, de cunho administrativo (secretária, organização de eventos, etc.), a Invernada Cultural que se preocupa com os ensinamentos relacionados com a 1681 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO história e cultura do Rio Grande do Sul, a Invernada Campeira promove treinos e rodeios relacionados com a lida do gaúcho (tiro de laço e gineteadas, principalmente) e, a Invernada Artística colabora com a preservação das músicas e das danças folclóricas gaúchas, através de ensaios semanais, apresentações e competições. O ensino das músicas e das danças folclóricas gaúchas dentro dos DTCEs possibilita o desenvolvimento integral dos indivíduos, através do resgate histórico, da vivência do grupo (na entidade e nas viagens que realizam no estado), reconstruindo valores e preservando a cultura gaúcha, e, consequentemente, valorizando o regionalismo. 3 – Metodologia O presente estudo começou a ser realizado no ano de 2015, impulsionado pela inquietação e pela necessidade em compreender a construção da identidade cultural nos DTCEs, visto que a cultura e o folclore do estado gaúcho são um legado vivenciado especialmente nas entidades tradicionalistas. Assim, a presente pesquisa é de natureza qualitativa quanto à forma de abordagem que, segundo Minayo (2008), responde a questões muito particulares e trabalha com um universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. O método empregado é o fenomenológico, uma vez que foi considerada a percepção e a experiência manifestada pelos indivíduos que convivem com os espaços de análise (DTCE Marcas do Pampa e o DTCE Alma Gaúcha). Em relação aos procedimentos metodológicos, além da revisão bibliográfica, foram utilizadas conversas informais, com as patronagens dos DTCEs, com os pais dos dançarinos (das invernadas mirim e juvenil) e com os corégrafos. Realizar-se-á, no segundo semestre de 2015, entrevistas com os dançarinos. Para debater com os dançarinos será priorizando discussões em grupos relacionadas à interação e vivências cotidianas. Para isso, será necessária dispor de um roteiro de debate, composto por questões que guiaram a discussão, a fim de encorajar os participantes 1682 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO a falarem uns com os outros, a se perguntarem e a trocarem experiências (TURRA NETO, 2011). 4 – Resultados Como o presente estudo ainda está em fase de desenvolvimento, será apresentado resultados preliminares, baseada nos diálogos estabelecidos com as patronagens, com os pais e com os coreógrafos (do DTCE Marcas do Pampa), bem como, das observações realizadas nas invernadas artísticas durante a visitação dos ensaios. O DTCE Marcas do Pampa apresenta um perfil de dançarinos diferenciados, pois em sua maioria, são carentes e necessitam de doações para permanecerem atuantes nas invernadas. Aqui no Marcas a maior dificuldade de manter as crianças participando nos grupos de danças é a financeira, pois eles são muito carentes. Entretanto, os pais atuam ativamente com a patronagem buscando patrocínios e realizando rifas, risotos para que seus filhos permaneçam aqui. Os pais entendem que é melhor para seus filhos estarem dentro do DTCE, para estarem escutando música, dançando e participando da invernada, do que estarem na rua (Depoimento A). Nas invernadas artísticas os dançarinos aprendem a cooperar com os demais integrantes do grupo, assumindo responsabilidades, aprendendo a ter consideração e respeito para com os outros e a valorizar a sua própria cultura. Tudo o que se aprende com a dança pode e deve ser inserido na vida cotidiana. Isto fica evidente por depoimentos que se referem às mudanças de comportamentos após o ingresso dos alunos nas Invernadas Artísticas. Sinto orgulho quando as invernadas daqui do DTCE Alma Gaúcha propagam a cultura gaúcha e repassam seus conhecimentos adquiridos no meio familiar e tradicionalista. Eles fortalecem os vínculos afetivos, apresentam um ganho pessoal e intransferível de valores que vem a contribuir com a vida social (Depoimento B). O respeito pelo que se faz e pelo próximo, a valorização da música e da dança que se aprende, dos esforços individuais e de todo o grupo auxiliam na formação da identidade cultural, trazendo para o seu espaço de dança, características típicas do gaúcho, como a teatralidade e o respeito à mulher (figura 2). Esta relação fica evidente entre os pares enquanto os meninos sapateiam e 1683 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO meninas sarandeiam com toda a sua graciosidade e delicadeza, deixando evidente, a harmonia e integração do grupo, assim como, o trabalho em equipe. Figura 2: Apresentação da Invernada Mirim, DTCE Marcas do Pampa, no I São Pedro em Dança, em São Pedro do Sul (RS). Fonte: Arquivo pessoal. Historicamente, as identidades culturais gaúcha passaram por transformações necessitando reinventar-se para atender as necessidades atuais, ou seja, no passado as músicas eram aprendidas no meio familiar e as danças eram típicas dos bailes nas estâncias. Atualmente, ambas são aprendidas através das vivências nas entidades tradicionalistas e apropriam-se simbolicamente dos espaços por meio das apresentações e das competições (rodeios artísticos). Os DTCEs podem ser considerados um lugar topofílico, uma vez que demonstra as experiências e aspirações das pessoas, e passam a ser compreendido sob a perspectiva dos grupos sociais que lhe dão significado (TUAN, 1983). Nesta perspectiva, as músicas e as danças folclóricas envolvem múltiplas dimensões e simbologias que possibilitam consolidar a identidade gaúcha na atual sociedade, através das experiências vividas. Da mesma forma reafirma a noção de pertencimento ao lugar, cultuando os sistemas sociais que foram produzidos e praticados pelas gerações passadas. 5 – Conclusão Este estudo teve como foco a construção de identidades culturais nos Departamentos Tradicionalistas Culturais Estudantis de Santa Maria (RS) e a função social destas entidades. Neste sentido, percebeu-se o envolvimento comprometido 1684 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO dos DTCEs com as questões ligadas à cultura sul-rio-grandense e o tradicionalismo gaúcho, através das vivências coletivas proporcionadas pelas Invernadas. Sugere-se a ampliação do número de DTCEs, a fim de promover a partilha de saberes entre as entidades tradicionalistas e a comunidade escolar, expandindo a inserção da cultura gaúcha, tornando este processo permanente dentro das instituições educacionais e não apenas componente curricular dos 5º anos do Ensino Básico ou abordada apenas na Semana Farroupilha. Por fim, o trabalho desenvolvido nas invernadas artísticas contribui na preservação cultural, na consolidação dos saberes e das vivências tradicionalistas, que valorizam, na contemporaneidade, a cultura sul-rio-grandense. 6 – Referências Bibliográficas BRUN NETO, Helena; BEZZI, Meri Lourdes. Regiões culturais: a construção de identidades culturais no Rio Grande Do Sul e sua manifestação na paisagem gaúcha. Sociedade e Natureza (Uberlândia. Online), vol. 20, n. 2, p.135 - 155, 2008. CÔRREA, Roberto Lobato. Geografia Cultural: uma bibliografia. Espaço e Cultura (Rio de Janeiro. Online). vol. 5, n. 1, p. 67 – 71, 1998. 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