FAMÍLIA E ESCOLA: RELAÇÃO NECESSÁRIA? Maria Celi Chaves Vasconcelos Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil) Universidade Católica de Petrópolis (Brasil) [email protected] Thaís de Oliveira Trindade Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Brasil) [email protected] Resumo O presente trabalho trata de uma análise sobre algumas pesquisas que pretendem apresentar as relações estabelecidadas entre a família e escola, com ênfase na importância dada pela família e pela escola à participação familiar nos processos escolares. Não obstante seja recorrente a ideia de que a família tem grande responsabilidade sobre o rendimento, a disciplina e a postura dos alunos na escola e que a sua participação pode alterar os comportamentos escolares, nem todos os autores concordam com essa premissa. O estudo parte da análise teórica dos antecedentes históricos da educação no Brasil oitocentista, particularmente, a educação doméstica, para analisar suas implicações na consolidação do sistema de ensino nesse país. O objetivo geral é demonstrar e confrontar conclusões referentes aos estudos citados, no que diz respeito às relações estabelecidas entre a família e a escola e a distribuição das funções de instruir e educar, conceituadas e entendidas de forma diferenciada. Em um plano mais específico, buscou-se verificar as pesrspectivas de ambos os protagonistas, família e escola, sobre o papel de cada uma dessas instituições em relação à educação escolar. A metodologia remete a uma pesquisa bibliografica, que discute a opinião de pesquisadores dessa temática, sinalizando pontos convergentes e divergentes entre eles. Os resultados demonstram que, embora a família tenha mudado, substancialmente, ao longo do último século, a concepção de família, por parte da escola, permaneceu inalterada e, muitas vezes, causa julgamentos depreciativos e preconceituosos que interferem, de maneira significativa, nas relações estabelecidas entre ambas às instituições. Conclui-se, ainda, que, em pese a importância da família na escola, inscrevê-la como co-responsável pelos resultados relativos ao rendimento escolar dos alunos, o comportamento observado em sala de aula e as manifestações no ambiente da escola, de certo modo, isenta o estado de suas responsabilidades quanto à promoção de medidas que elevem a qualidade social do atendimento escolar. Palavras-chave: Relação família e escola, Educação doméstica, Educação escolar, Casa e escola. Abstract The present study deals with an analysis on research that intends to present the relationships established between family and school, emphasizing the importance given by the family and school to family participation in school processes. Notwithstanding the recurring idea that the family is greatly responsible for the performance, discipline, and posture of the students in school and that their participation can change school behaviour, not all authors agree with this premise. This study is based on the theoretical analysis of the historical antecedents of education in Brazil, at the end of the eighteenth and the beginning of the nineteenth centuries, 1 particularly, home education, so as to analyze its implications in the consolidation of the educational system in this country. The general objective is to demonstrate and confront conclusions referred to the cited studies, as to the relationships established between the family and the school and the distribution of the functions of instructing and educating, deserving and understood in a differentiated manner. At a more specific level, verifying the perspectives of both protagonists, the family and school, was sought after concerning the role of each of these institutions in relation to school education. The methodology refers to bibliographical research, which discusses the opinions of researchers on this theme, indicating both convergent and divergent points among them. The results demonstrate that, although the family had substantially changed throughout the last century, the conception of the family, from the school´s point of view, remained unaltered and often causes depreciative and prejudiced judgements that interfere, significantly, with the relationships established between both institutions. Furthermore, it may be concluded, in spite of the importance of the family is in school, which considers it as co-responsible for results relative to the scholarly performance of the students, the behavior observed in the classroom and the school environment, in a certain way, the state frees itself of its responsibilities as to the promotion of measures that elevate the social quality of the school´s services. Key-words: Family and school relationship, Home education, School education, Home and school. 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho trata de uma análise sobre pesquisas já realizadas, que pretendem apresentar as relações estabelecidadas entre a família e escola, com ênfase na importância dada pela família e pela escola à participação familiar nos processos escolares. Não obstante seja recorrente a ideia de que a família tem grande responsabilidade sobre o rendimento, a disciplina e a postura dos alunos na escola e que a sua participação pode alterar os comportamentos escolares, nem todos os autores concordam com essa premissa. O estudo parte da análise teórica dos antecedentes históricos da educação no Brasil oitocentista, particularmente, a educação doméstica, para analisar suas implicações na consolidação do sistema de ensino nesse país. O objetivo geral é demonstrar e confrontar conclusões referentes aos estudos citados, no que diz respeito às relações estabelecidas entre a família e a escola e a distribuição das funções de instruir e educar, conceituadas e entendidas de forma diferenciada. Em um plano mais específico, buscou-se verificar as pesrspectivas de ambos os protagonistas, família e escola, sobre o papel de cada uma dessas instituições em relação à educação escolar. A metodologia remete a uma pesquisa bibliografica, que discute a opinião de pesquisadores dessa temática, sinalizando pontos convergentes e divergentes entre eles. Os resultados demonstram que, embora a família tenha mudado, substancialmente, ao longo do último século, a concepção de família, por parte da escola, permaneceu inalterada e, muitas vezes, causa julgamentos depreciativos e preconceituosos que interferem, de maneira significativa, nas relações estabelecidas entre ambas às instituições. 2 2. ASPECTOS HISTÓRICOS DA RELAÇÃO FAMÍLIA E ESCOLA A fim de estudar e compreender a relação da família com a escola, como ela se organiza para atender às exigências escolares e quais as dificuldades enfrentadas nessa relação, inicialmente, torna-se necessário voltar aos primórdios da escolaridade sistematizada na sociedade brasileira. No Brasil oitocentista, a educação que se dava na casa era uma prática muito comum nas elites. Como afirma Vasconcelos, “a educação doméstica para as elites no século XIX era amplamente aceita e reconhecida como a modalidade mais adequada para o ensinamento dos filhos, principalmente das meninas e dos meninos até certa idade” (Vasconcelos, 2005, p.195). Tal fato ocorria devido, não só ao temor de muitos pais colocarem seus filhos nas escolas existentes, por questões de saúde, preconceito, disciplina, mas também a diferenciação social que a educação na casa denotava. Com isso, enquanto o estado imperial lutava pela centralização das práticas educacionais existentes, a elite dominante inaugurava o processo de resistência a essa interferência. Logo, o século XIX transformou-se em um palco de discussões entre governo da casa e o governo do estado (Mattos, 1994; Vasconcelos, 2005, 2007, 2008). De acordo com Vasconcelos, os Governantes da Casa não podiam supor, até então, a educação de seus filhos como responsabilidade de outra instância que não a do poder privado, ou seja, sob a escolha, vigilância, observância e espaço da própria Casa (VASCONCELOS, 2005, p.196). Nesse sistema de educação doméstica, os pais eram os responsáveis por todas as etapas, desde a contratação de mestres, escolha de conteúdos, livros, idiomas, até a dispensa dos serviços educacionais quando consideravam que as aprendizagens adquiridas já eram suficientes. Outro aspecto muito comum na educação brasileira oitocentista, e que foi motivo de discussões, era a grande influencia da Igreja Católica em todas as áreas da vida pública e privada, entre elas a educação. A Igreja Católica, desde os seus primórdios, constitui-se como guardiã dos conhecimentos, baseando sua doutrina na leitura e interpretação dos ensinamentos contidos nas escrituras, bem como na pregação dos mesmos. Para tanto, fazia-se necessário que seus membros tivessem suficiente competência e conhecimentos de línguas, teologia, oratória, entre outros (Vasconcelos, 2005, p.1). Com isso, encontra-se mais uma dificuldade para os governantes do estado, ou seja, a constituição de um corpo de funcionários e a redefinição das relações sociais do estado tanto com o governo da casa, como também com a Igreja Católica. 3 A par desse contexto de influência e tensão, o governo do estado adotou a estratégia, de buscar privilegiar, por diferentes meios, os empregados públicos, valorizando a escolaridade pública. Outra estratégia foi diferenciar os professores do estado dos professores domésticos, ou seja, constituir um quadro especializado e, portanto, diferenciado da educação que era dada na casa. Nesse sentido, a fim de instruir pessoas para o magistério, é criada a Escola Normal. A partir desse momento, começa-se a estabelecer, estruturalmente, os prédios públicos e um deles era a escola. Todavia, a escola pública implementada pelo estado não era acessível a todos, mas, ao contrário, sob uma perspectiva política, a escola pública estatal emerge como afirmação do governo do estado sobre o governo da casa. Muda-se o conteúdo e o método de ensino, porém a essência permanece a mesma, ampliando-se, em termos de acesso, apenas "aquilo que não ameaçava o lugar dos privilegiados" (Vasconcelos, 2005, p. 201). Com a discussão da legitimidade dos espaços educacionais, surgem outras questões referentes às possibilidades da casa e do estado. Além da disputa da ordenação para instituíla, havia uma questão principal trazida por Vasconcelos (2005), a diferença entre instruir e educar, ou seja, o que seria incumbência do estado e o que cabia a casa. Debatia-se em que medida, a partir da instrução, também cabia ao Estado a educação, dentro do seu projeto de formação de cidadãos, para o qual não bastava aos alunos adquirirem conhecimentos de língua portuguesa, línguas, música, geometria, aritmética, história, geografia e doutrina cristã. Era preciso ainda fazê-los adquirir princípios éticos e morais considerados fundamentais à convivência social, introjetar-lhes os ‘germes de virtude e a ideia dos seus deveres como homem e cidadão’ (Vasconcelos, 2005, p. 203, apud Mattos, 1994, p.21). Cabia à casa oitocentista, os princípios éticos, morais e o ensinamento dos deveres como homem e cidadão. Essa definição do que era incumbência da casa e o que deveria ser do estado, ou seja, a divisão de tarefas constitui-se em um dos principais embates entre tais instituições. Uma das dificuldades era a resistência da casa em passar o que antes era totalmente de sua responsabilidade para a esfera do estado. Para o governo da casa, suas atribuições estariam ligadas à educação propriamente, enquanto o estado poderia apenas responsabilizarse pela instrução. Por outro lado, o governo do estado pretendia muito mais do que a instrução. “A casa e seus mestres não pretendiam abrir mão da educação imputada na esfera doméstica, nem transferir para a escola emergente todas as funções da educação domestica, mas dar estatutos diferenciados a cada uma das esferas, permitindo a sua coexistência" (Vasconcelos, 2005, p. 204). Mas o que significava “educar” na segunda metade de oitocentos? Segundo Vasconcelos (2005, p. 205), educar era “estabelecer princípios morais, desenvolver, formar e instruir os sujeitos a partir dos conhecimentos acumulados pela humanidade, preparando-os 4 para os seus devidos papéis sociais”. Portanto, tais aspectos deveriam estar sob a incumbência dos próprios familiares. Com isso, apesar das modificações trazidas pelo governo do estado, a casa resistia em sua vigilância e responsabilidade. Outro aspecto característico da época oitocentista brasileira era a visão trazida pela redatora do jornal O Sexo Feminino, de 1873, de que “somente” a mãe estaria apta a educar o filho, mas a instrução poderia ser dada pelo mestre nos colégios. Assim, o mestre deveria instruir, porém jamais educar. A educação, entendida como a formação do caráter, carregada de valores e senso moral, era prerrogativa exclusiva da família. Além disso, um dos principais problemas enfrentados na época, século XIX, era a pouca frequência dos alunos à escola. Em consequência dessa frequência, muitas escolas já criadas não funcionavam. Dessa forma, a segunda metade de oitocentos será palco no Brasil, do temor das classes dominantes relativo à interferência e à centralização do estado em relação à educação, além de sua ascendência, cada vez maior, sobre a esfera doméstica. Amplia-se, assim a discussão acerca da liberdade de ensino e de seus agentes para ensinar. A obrigatoriedade do ensino propagada pelo estado, especialmente do ensino primário, preocupava as famílias no sentido de quem seriam os sujeitos contratados pelo estado para ensinar e quem atestaria suas habilidades para proceder à ordenação legal. Todavia, mesmo com a propagada obrigatoriedade de mandar educar os filhos, os pais ainda optariam, durante muitas décadas, por uma educação que fosse realizada na casa, particularmente, para as filhas mulheres (Vasconcelos, 2005, 2007, 2008,). Diante do exposto, a autora acrescenta: A educação discutida, polemizada e dissecada em aspectos como a distinção entre educar e instruir, o papel da família e da escola na educação das crianças e jovens, a competência dos mestres para ensinar, a licença que estes deveriam possuir para atestar sua aptidão, a autorização e fiscalização necessária aos estabelecimentos públicos e privados, a uniformização de conteúdos e métodos de ensino, a obrigatoriedade do ensino e da escolarização, a gratuidade daquilo que era instituído obrigatoriamente, além de outros, fez com que o projeto do Estado ganhasse adeptos e mesmo os pais de família, vendo tanta polêmica em torno das questões educacionais, começam a se preocupar e a repensar o sistema educacional no qual iriam educar os filhos (Vasconcelos, 2005, p. 222). Nesse contexto, origina-se o sistema de educação brasileiro, que vai tornar-se hegemônico no século XX. Ou seja, quando se consolida, a sistematização da educação pública no Brasil já está marcada pela tensão do governo do estado com o governo da casa, além da dificuldade na distribuição de responsabilidades entre a escola e a família. Contudo, as profundas mudanças que alteraram o novecentos, particularmente o ingresso definitivo das mulheres no mercado de trabalho, fazem com que novas relações tenham que ser estabelecidas entre essas duas instituições, casa e escola, revendo concepções e conceitos sobre o que era responsabilidade de uma e de outra. Consequentemente, são estabelecidas delimitações e perspectivas que fazem com que a família seja considerada partícipe da educação dos filhos, ainda que nem sempre sua presença na escola seja bem-vinda. 5 3. A FAMÍLIA E SEUS MÚLTIPLOS CONCEITOS De acordo com o dicionário Michaelis (1998) de língua portuguesa, a definição de família envolve um "conjunto de ascendentes, descendentes, colaterais e afins de uma linhagem; Pessoas do mesmo sangue, que vivem ou não em comum; Descendência, linhagem; O pai, a mãe e os filhos". A partir da definição entende-se a complexidade de formar um conceito sobre família, sem levar em consideração a cultura em que ela está inserida, o tempo e o espaço de que se fala. Como exemplo, durante o período da ditadura militar no Brasil, ocorrido entre 1964 e 1985, de acordo com Santos (2010), houve a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, dirigida à defesa da "família" como núcleo balizador da moral vigente. Nesse contexto, falavase em famílias de modo genérico, como se fossem todas iguais em forma e conteúdo. Todavia, não se pode falar de família desse modo, visto que as formas de viver e participar das famílias são determinadas por um conjunto de fatores que as tornam diferentes entre si. Um termo usado equivocadamente pelo senso comum, como assinala Santos (2010), é a expressão família desestruturada. Este designa famílias monoparentais ou famílias cujos filhos não apresentam o comportamento desejado. Portanto, cabe resaltar que a ideia de estrutura familiar precisa ser esclarecida, pois tal termo não se refere ao estabelecimento de algum padrão e não objetiva defender a ideia de família nuclear, em que pai, mãe e filhos correspondam a uma atuação relacional fixa, cuja função seja garantir a reprodução de um sistema dado. Dessa forma, torna-se necessário caracterizar as famílias, contextualizando sua existência do ponto de vista histórico, situando as condições materiais e culturais nas quais estabelecem suas relações. Pode-se perceber, atualmente, que a concepção de família que tem como referência as relações entre gêneros opostos, laços cosanguíneos, compromisso perpétuo e vínculos legais, não corresponde às novas formas de organização e estilos de vida de casais que têm reivindicado o reconhecimento de suas uniões. Um exemplo trazido por Santos (2010) é com relação à organização da Rede LatinoAmericana de Católicas pelo Direito de Decidir, que em uma publicação1, datada de 1996, propõe a revisão da definição de família e apresenta famílias formadas monoparentalmente por uma mulher ou um homem como provedor/a e cuidador/a, ou por casais homossexuais, com ou sem filhos, que adotaram ou geraram seus filhos para constituir suas famílias e que agora reivindicam o reconhecimento legal de suas uniões. Por outro lado, isso não quer dizer que estejamos vivendo algum tipo de "vale tudo" e que qualquer conjunto de pessoas possa ser considerado uma família. Como sinaliza Santos 1 A revista chama-se Consciência Latinoamericana e é uma publicação da Red Latinoamericana de Católicas por el Derecho a Decidir, cuja edição teve apoio financeiro da Fundação Ford. 6 (2010), o que cabe considerar como sendo uma "família", em geral, é a manutenção de vínculos, a partir de alguns elementos de ligação, projetos comuns, entre outros. Além disso, a família, em sua constituição histórica, é marcada pela mudança no que se refere aos elementos que compõe esta instituição. O modelo tradicional, na maioria composto por pai, mãe e filhos vem se reorganizando em novos arranjos familiares. Atualmente, encontram-se vários tipos de conformação, como explica Samara (1992), ao se referir a nove tipos de composição familiar que podem ser consideradas “família”: família nuclear, incluindo duas gerações, com filhos biológicos; famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações; famílias adotivas temporárias; famílias adotivas, que podem ser bio-raciais ou multiculturais; casais; famílias monoparentais; chefiadas por pai ou mãe; casais homossexuais com ou sem crianças; famílias reconstituídas depois do divórcio; várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo. Quanto a esse conceito, Glat afirma que: Independente da cultura, período histórico, localização geográfica ou composição interna, a família é o primeiro grupo social ao qual o ser humano pertence. Desempenhando, portanto, um papel fundamental e determinante no desenvolvimento da personalidade, atitude e modo de agir do individuo, mesmo em idade adulta. Pois, é através das relações estabelecidas com os integrantes de sua família – mãe, pai e demais membros – e das reações destes ao seu comportamento, que a criança tem seu primeiro contato com o mundo e aprende a desenvolver os papeis e atitudes essenciais ao seu processo de socialização (Glat, 1995; Glat & Duque, 2003). Assim sendo, nessa pesquisa a família é considerada como um conjunto de pessoas residentes na mesma casa e que compartilham, ainda que em diferentes níveis, de um projeto de vida comum. 4. PESQUISAS SOBRE A IMPORTÂNCIA DA PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA A questão da participação da família na escola é algo que tem sido recorrentemente citado através das gerações e por diferentes estudos, que pretendiam comprovar um melhor rendimento escolar do aluno quando a família participada sua vida escolar. Como afirma Santos (2010): As famílias de classe média têm alinhado tradicionalmente a educação doméstica ao currículo escolar, sobretudo no contexto das escolas privadas. Atualmente, porém, a política educacional está expandindo seu raio de ação para além da escola, formalizando as interações família-escola na escola pública, especificando a contribuição educacional da família para o sucesso escolar, e regulamentando as relações família-escola de acordo com um modelo particular de participação dos pais/mães na escola: o de classe média, baseado na divisão de gênero tradicional (Santos, 2010, p. 37). Além disso, sobre o conceito de participação, recorre-se a Bordenave (1983). Para esse autor, participar significa fazer parte, ser parte, tomar parte, ter parte em atividades 7 organizadas dos grupos com o objetivo de expressar necessidades ou demandas, defender interesses comuns, alcançar determinados objetivos econômicos, sociais ou políticos, ou influir de maneira direta nos poderes públicos (Bordenave, 1983). Desse modo, pode-se entender que o objetivo da participação é influir nas decisões que dizem respeito ao destino dos grupos sociais, de modo a garantir-lhes condições favoráveis. Sob essa linha de argumentação, alguns autores defendem a ideia que há necessidade de um processo de participação social no ensino, isto é, no caso dos espaços escolares, além dos educadores, escolares e alunos é preciso haver a participação dos pais e da comunidade. Segundo Santos (2010), pressupõe-se que os pais sejam os maiores interessados na educação de seus filhos, o que contribuiria para "otimizar" o rendimento educativo, disciplinar e exercer certo controle sobre o ensino, e que, ao confrontarem-se com os professores, estes atenderiam às demandas postas pelos pais, qualificando suas ações no cotidiano escolar dos alunos. Nesse sentido, as pesquisas de Gasonato (2006), Tancredi e Reali (2001) e Lahire (1997), trazidos por Silva (apud Silva, 2008, p. 78 - 79), confirmam o interesse dos pais em manter os filhos na escola, bem como a disposição de participar da vida escolar dos filhos, contribuindo para a compreensão de que a omissão parental de fato é um mito. A pesquisa de Silva (2008), com 26 famílias em suas casas, sete professoras e quatro diretores de escola, conclui que é pertinente a problemática vivida na relação escola-família, mas que o tema da omissão parental é um mito criado pelos professores. A autora diz que os mesmos, ao ignorarem as configurações familiares e sua lógica, deduzem que o comportamento inadequado do aluno é devido ao fato de que os pais não se incomodam com eles. Através dos relatos trazidos nas entrevistas feitas pela autora, é evidenciado que os pais se incomodam sim com a vida escolar do filho, ora almejando para ele um futuro melhor, ora tomando atitudes, como por exemplo, o controle das tarefas e, assim, demonstram um grande cuidado com sua escolaridade. Percebe-se, na pesquisa de Santos (2010), que esta autora também defende a ideia da importância da participação da família na escola, todavia descreve essa participação como se, em alguns casos, ela não ocorresse, diferentemente dos estudos trazidos por Silva (2008). Para justificar tal ideia, Santos (2010) apresenta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394/1996 (BRASIL, 1996) que instituiu o Conselho de Escola para a rede pública, a fim de estimular a participação da família na escola e, ainda, a autora destaca os programas governamentais para esse fim, dos quais chama atenção o anúncio feito pelo Ministro da Educação, em 2001, quando lançou o Programa do Dia Nacional da Família na Escola. Não temos bem a ideia de quantas escolas realmente abrem as portas, recebem os pais e conversam com os professores. Mas dentro do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) conseguimos identificar que naquelas escolas, nas quais a família conversa com os professores, as crianças apresentam um desempenho melhor. O estudo mostra que alunos de 4ª a 8ª séries de escolas onde há troca de informações entre pais, diretores e professores, têm pontuação melhor em português e em matemática. E é 8 importante ressaltar que comparamos escolas com as mesmas condições financeiras. Isso não porque os pais saibam mais português e matemática – muitas vezes a escolaridade deles é mais baixa do que a dos filhos. O melhor desempenho dos estudantes acaba sendo fruto da participação, do incentivo e da cobrança da família (apud Santos, 2010, p. 39). 2 Por meio desse pronunciamento, observa-se a família como co-responsável pelos resultados relativos ao rendimento escolar dos alunos, o que de certo modo isentaria o estado se suas responsabilidades quanto à promoção de medidas que elevem a qualidade social do atendimento escolar. Com isso, pode-se pensar, até que ponto e com base em que interesses, é conveniente ao estado estimular a participação da família no cotidiano escolar de seus filhos. Nessa perspectiva, corrobora-se a ideia de Silva (2008) quando a autora diz que: A escola, não levando em conta a situação vivida e enfrentada pela família, com seus modos específicos de educar, acaba por considerar com muita frequência que ela é a culpada pelo comportamento de sucesso ou fracasso do aluno. Desconhecendo as peculiaridades das diferentes famílias, algumas características pontuais são generalizadas, por parte da escola, criando crenças coletivas que as consideram como sendo desestruturadas, violentas ou droga ditas (Silva, 2008, p.13). Mesmo os estudos que apontam as questões familiares como interferindo quase que diretamente no comportamento e no desempenho dos alunos na escola, ressalvam que essa não é a causa determinante do seu fracasso ou do seu sucesso. Contudo, grande parte dos professores atribui ao desinteresse familiar, causado pelo que consideram desestrutura ou desorganização familiar, a responsabilidade na falta de colaboração com as solicitações feitas pela escola, como afirma Silva (2008). Segundo a autora, também, esta concepção de família, por parte da escola, é bastante difundida e vem causando julgamentos depreciativos e preconceituosos que interferem de forma significativa nas relações estabelecidas entre ambas às instituições. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ainda hoje, grande parte das escolas vê na família nuclear – abordada anteriormente por Samara (1992) – o arranjo mais adequado para atender às solicitações da escola, e ainda atribui à "família desestruturada" a causa das dificuldades dos alunos. Com isso, a escola inspira-se neste modelo nuclear para julgar e responsabilizar as famílias pelo que a criança manifesta no ambiente escolar, em forma de comportamento inadequado ou dificuldade de aprendizagem, e desconsidera que a sociedade contemporânea apresenta diferentes arranjos familiares. As relações da escola com a família não deveriam ser permeadas pela busca de "culpados" e "inocentes", mas sim por relações de confiança e respeito mútuo, nas quais 2 Entrevista publicada no jornal Diário Catarinense, em 9 de abril de 2001 e reproduzida na página eletrônica do MEC por sua Assessoria de Comunicação Social. Disponível em http//www.mec.gov.br. Acesso em 20 de abril de 2004. 9 pudessem ser estabelecidas ações compartilhadas para auxiliar os alunos em seu período de escolaridade. Os diretores e professores das escolas, por sua vez, não precisariam estabelecer um único parâmetro de família, conceituada como "estruturada", e atribuir a todas as demais formas em que os indivíduos se reúnem para conviver parentalmente, responsabilidades sobre as ocorrências no espaço da escola. A visão simplista que atribui à participação familiar a capacidade de alterar o rendimento dos alunos na escola é ingênua e acaba por deslocar o foco das responsabilidades do estado, muitas vezes, isentando-o de medidas de interação entre essas duas instituições: família e escola. REFERÊNCIAS: Dicionário Michaelis de Língua Portuguesa http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php (1998). Retirado de Brasil. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394 de 26 de dezembro de 1996. Retirado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Glat, R. (1995). A integração social dos portadores de deficiência: uma reflexão. Rio de Janeiro: Sete Letras. Glat, R. & Duque, M. 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