O ANO DO PENSAMENTO MÁGICO Não foi a noite gelada do Inverno que impediu a minha ida ao teatro, nem a de muitos outros. A sala do teatro estava cheia, não apenas com alunos dos cursos nocturnos, mas também com pessoas que não deixam passar uma oportunidade destas para assistir a uma peça de teatro com tão distinta actriz, Eunice Muñoz. Algum público estava agitado, curioso talvez, e cheio de expectativas. Eis que a luz apagou, silêncio absoluto, que era cortado pela tosse persistente de alguns espectadores. Aguardava a entrada da actriz, mas ela já estava lá, apareceu discretamente sentada numa poltrona com uma mesa ao lado onde se encontrava um copo com água um lenço azul e o livro que deu origem ao monólogo de Eunice Muñoz. Numa posse teatral, começou a narrar a história pausadamente, com uma linguagem muito perceptível. Começou por pela pergunta: Querem que vos conte? Eis uma pergunta crucial! Quem já passou por situações idênticas relativas à dor da perda por morte, entende como esta pergunta é tão significativa, não só pela pouca disponibilidade que os nossos conhecidos têm para ouvir, mas também o difícil que se torna mostrar o que nos vai na alma, as recordações que se amontoam, algumas mais marcantes do que outras, o que se disse, e o que ficou por dizer. Todos os problemas difíceis de resolver que às vezes parecem tão grandes tornam-se tão minúsculos comparados com tão imensa dor. Esta personagem Eunice Muñoz com toda a sua arte, transmitiu de uma forma esplêndida. O meu pensamento imediato foi saber quem seria o autor do livro. Fiz uma pesquisa e agora sei que foi Joan Didion, escritora e jornalista norte-americana nascida em 1934, personalidade importante do Novo Jornalismo, com obra publicada e distinguida pelas mais respeitadas instituições. O Ano do Pensamento Mágico tornou-se texto dramático pela mão da própria autora, que ofereceu ao palco o seu monólogo interior e deixou que se estreasse na Broadway e no National Theatre, em Londres. Traduzida agora por Pedro Gorman e encenada por Diogo Infante. O tema musical, composto por João Gil e interpretado 1//2 ao piano por Ruben Alves, vai surgindo ao longo da peça, para pontuar as diferentes emoções que preenchem o monólogo. A actriz faz transparecer uma grande emoção, utiliza tons de voz ora mais altos, ora mais baixos, até o próprio corpo parece estar posicionado de acordo com o que está a sentir. Gostei muito da peça, penso que o que foi transmitido ajuda quem já sentiu a dor da perda, tentando mostrar que vale a pena continuar a viver e a sonhar. Cecília Rodrigues, EFA-NS1 2//2