“CARTAGO: UMA OUTRA HISTÓRIA”. AS GUERRAS PÚNICAS.

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LUCIANO MARCOS FERREIRA
“CARTAGO: UMA OUTRA HISTÓRIA”.
AS GUERRAS PÚNICAS.
Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado e
Licenciatura em História do Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná.
Orientador : Profª. Dr. Renan Friguetto.
CURITIBA
2000
LUCIANO MARCOS FERREIRA
“CARTAGO: UMA OUTRA HISTÓRIA”.
AS GUERRAS PÚNICAS.
Monografia apresentada ao Curso de Bacharelado e
Licenciatura em História do Setor de Ciências Humanas,
Letras e Artes, da Universidade Federal do Paraná.
Orientador : Profª. Dr. Renan Friguetto.
CURITIBA
2000
ii
Agradeço aos meus amigos que muito me ajudaram para o término deste trabalho, a
aqueles que me deram força e estímulo durante todos esses anos de faculdade, ao professor
Renan, meu orientador, que soube entender minhas dificuldades e muito útil foram seus
esclarecimentos.
iii
RESUMO
“CARTAGO: UMA OUTRA HISTÓRIA”. AS GUERRAS PÚNICAS.
Desde os primeiros registros do homem na história, percebe-se a necessidade de aproximação desse com
o seu semelhante. Da necessidade de se proteger e garantir a sobrevivência, o homem buscava o abrigo e
a proteção nos seus respectivos clãs.
Com o avanço do tempo e o surgimento da “cultura agrícola” do homem, o ser nômade cedeu lugar ao
sedentário. Baseado em uma sociedade matriarcal, o homem foi adquirindo cada vez mais sua condição
de ser sociável.
Ao longo da história, viu-se erguer e vir à terra grandes sociedades humanas.
Várias dessas sociedades tornaram-se grandes civilizações, clãs de famílias que tornaram-se cidades,
essas que viraram reinos, que se transformaram em países, em impérios.
Como é do caráter humano, a movimentação dessas sociedades em busca de melhores condições de vida,
no ímpeto de assegurar sua existência, na busca por riquezas e enfim, no simples fato de coexistirem
muitas dessas ao mesmo tempo e tão próximas, suas diferenças e seus interesses muitas vezes tornavamse conflituosos.
Durante o suceder das épocas, essas civilizações foram se alternando em poder e influência. Todos
deixaram em maior ou menor grau alguma contribuição para a história. Houve um império que formouse sobretudo através de conquistas e de guerras, mas que foi marcante para a civilização ocidental,
sobretudo, a civilização romana.
A história não faz-se pelo “talvez” e nela não cabe os “ses”, daquele exercício mental que insistimos em
fazer, mesmo a contragosto. Mas deve-se sobretudo pensar que o revisionismo histórico ajuda-nos a
entender o próprio percurso dos acontecimentos. Como disse o historiador Tito Lívio, somente pelo
estudo de todas as particularidades, semelhanças e diferenças ficamos capacitados a
fazer uma apreciação geral e assim tirar da história ao mesmo tempo proveito e prazer.
No estudo dessas particularidades, “colide-se” com a história de Roma, uma outra história: a da cidade de
Cartago.
Há muito já se sabia que o Mediterrâneo era a fonte de ligação e influência, sobretudo no mundo antigo,
e justamente á através dele que essas duas civilizações a romana e a cartaginesa, terão contato.
Devido a política expansionista desses dois povos, surgirá na disputa primeiramente pela ilha da Sicília, a
primeira das guerras púnicas, tendo Roma como vitoriosa nessa guerra, vai surgir Aníbal Barca, que
comanda Cartago para um novo império e a deixará pronta para disputas com os romanos, o controle de
todo o mundo mediterrâneo.
SUMÁRIO
RESUMO......................................................................................................................................iii
INTRODUÇÃO.............................................................................................................................1
PRIMEIRA GUERRA PÚNICA: SURGIMENTO DOS BARCA..........................................3
SEGUNDA GUERRA PÚNICA: FIM DOS PLANOS DOS BARCA.....................................8
CONCLUSÃO.............................................................................................................................13
BIBLIOGRAFIA........................................................................................................................15
1
1. INTRODUÇÃO.
Desde os primeiros registros do homem na história, percebe-se a necessidade com o seu
semelhante. Mesmo na usa época nômade, na qual seu destino errante era guiado pela caça e coleta, o
homem vivia em grupos.
Da necessidade de se proteger e garantir a sobrevivência, o homem buscava o abrigo e a
proteção nos seus respectivos clãs.
Com o avanço do tempo e o surgimento da “cultura agrícola” do homem, o ser nômade
cedeu lugar ao sedentário. Baseado em uma sociedade matriarcal, o homem foi adquirindo cada
vez mais sua condição de ser sociável.
Ao longo da história viu-se erguer e vir à terra grandes sociedades humanas. Como já
dito antes, na necessidade da sobrevivência o homem descobriu a importância de viver em
conjunto, optou pelo que muitos chamam de “mal necessário”.
E foi justamente dessa necessidade de viver em conjunto que o homem criou sua
história, deixou seu registro formado dentro dessas sociedades que o abrigaram e o tornaram ao
mesmo tempo igual e diferente. Igual nos costumes, nas crenças, na cultura de viver, morrer e se
perpetuar.
Essas sociedade coletizavam o homem e ao mesmo tempo o individualizavam, criava o
seu aliado e o seu inimigo, o seu “deus” e o seu “demônio”, enfim as sociedades humanas são a
coletização do individualismo humano.
Dessa maneira, o homem aceitou a imposição do seu destino e formou muitas e diversas
sociedades, grandes e pequenas, eternas e efêmeras, de guerra e de paz.
Várias dessas sociedades tornaram-se grandes civilizações, clãs de famílias que
tornaram-se cidades, essas que viraram reinos, que se transformaram em países, em impérios.
Como é do caráter humano, a movimentação dessas sociedades em busca de melhores
condições de vida, no ímpeto de assegurar sua existência na busca por riquezas e enfim, no
simples fato de coexistirem muito dessas ao mesmo tempo e tão próximas, suas diferenças e
seus interesses muitas vezes tornaram-se conflituosos.
Os mesopotâmicos, os egípcios, os gregos, os persas todos foram sociedades marcantes
na história do homem, constituíram grandes impérios e promoveram grandes homens como
Alexandre o Grande, Dario, Xerxes, sem falar o grande número dos faraós egípcios e todos os
grandes reinados. Foi através dessas civilizações que o homem conquistou e foi conquistado,
construiu e destruiu, deixou grandes legados e apagou tantos quanto.
2
Durante o suceder-se das épocas, essas civilizações foram se alternando em poder e
influência. Todas deixaram em maior ou menor grau alguma contribuição para a história do
homem, mas existiu uma em especial que delimitou e deu um perfil a essa história, podendo-se
dizer que a história do homem está marcada no antes e no depois do que foi com certeza o maior
império formado por esse.
Esse império formou-se sobretudo através de conquistas, de guerras. Porém sob filtrar e
adaptar-se a novas situações e realidades, fez-se através da força e dominação, mas soube
condensar e aproveitar o que lhe servia e era útil de seus inimigos conquistados, de suas
civilizações sobrepujadas. Fala-se aqui do império formado pelos romanos que aglutinou sobre
suas legiões, três quartos do que se conhecia como mundo na sua época.
Até os dias atuais, o legado desse povo é muito marcante, toda a civilização ocidental
tem os traços romanos, seja na cultura, na política, enfim a história do ocidente começa em
Roma.
Porém Roma como todas as civilizações humanas nasceu dessa necessidade coletiva do
homem, formou-se enquanto cidade e teve que antes de conquistar, lutar para não ser
conquistada e foi tornar-se senhora do mundo antigo somente depois de sobrepor-se a uma outra
sociedade tão brilhante e imponente na sua época quanto ela própria.
A história não faz-se pelo talvez e nela não cabe os “ses”, daquele exercício mental que
insistimos em fazer, mesmo a contragosto.
Mas deve-se sobretudo pensar que o revisionismo histórico ajuda-nos a entender o
próprio percurso dos acontecimentos. Não tendo a pretensão desse revisionismo, tão pouco o
interesse de se formar uma “nova história”, mas sim pensando que só se tem um grande
vencedor quando a batalha é grande e se tem um oponente à altura.
No percurso da história do Império Romano, muitos povos e reinos foram conquistados e
assimilados, muitos deles porém não representavam ou não viriam representar nenhum tipo de
alteração na trajetória dos dias de hoje. Podiam continuar suas vidas normalmente que mais cedo
ou mais tarde seriam suplantados por uma cultura maior e dominante como era a romana. Mas
houve uma em especial que merece ser citada e que talvez tenha sido o fiel da balança da
história que, realmente tenha contribuído e em muito para a grandiosidade do império romano.
Uma civilização que somente vemos como um obstáculo a trajetória dos romanos, mas que, e
aqui recorro ao que falei que não faz parte da história e do historiador, talvez pudesse ter dado
novos rumos a essa história que conhecemos; a civilização cartaginesa.
3
1. PRIMEIRA GUERRA PÚNICA : SURGIMENTO DOS BARCA
Já se havia a muito tempo, descoberto que o Mediterrâneo era a fonte de ligação e
influência no mundo antigo. Tanto os gregos e principalmente os fenícios já se utilizavam dele
com esse propósito.
Os gregos logo cedo aprenderam a fazer o que se conhece como navegação de
cabotagem, dessa forma, mesmo que timidamente, começaram a singrar o velho mar. Primeiro
até onde seus olhos conseguissem visualizar o ponto de partida, em seguida começaram a se
tornar mais ousados e aumentarem os seus horizontes.
Os fenícios muito mais por necessidade que por um espírito aventureiro, logo se
lançaram ao mar e melhor que ninguém, souberam dele tirar proveito.
Com uma geografia desfavorável e um solo pouco generoso para o plantio, a natureza
oferecia apenas, em quantidade e qualidade, a madeira que logo começou a ser utilizada na
“indústria” naval.
A Fenícia tinha um sistema político semelhante ao grego, suas cidades- estados eram
independentes entre si, nas quais, o comércio era a principal atividade. Os fenícios comerciavam
de tudo, uma de suas cidades conhecida como Biblos, tinha como principal atividade a
distribuição do papiro egípcio.
Houveram muitas cidades importantes na Fenícia, mas uma delas teve um destaque
maior, principalmente por sua colônia no norte da África, essa cidade chama-se Tiro.
Tiro tinha um forte comércio no mar mediterrâneo, em suas jornadas ia fundando
colônias e mercados pelas costas continentais. Uma dessas colônias de Tiro foi a cidade de
Cartago, situada no norte da África.
“De todas as cidades fenícias, Cartago é a mais importante para a nossa história. A
História deu-lhe maior renome do que à cidade de Tiro, da qual descendeu, e sua soberania
sobre todos os fenícios do oeste foi incontestada, pelo menos desde o século VI até sua queda
em 146 a. C”.1
A fundação de Cartago tem como base o século VIII a.C., situada no norte africano,
desenvolveu-se rapidamente e parece que muito cedo se transformou na cidade fenícia mais
preparada para enfrentar o empório grego no ocidente.
Neste mesmo século, no continente vizinho, outra cidade também de grande importância
para a História, era fundada.
1
HARDEN, Donald. Os Fenícios. Lisboa : Verdo, 1968 p. 64.
4
A data tradicional da fundação de Roma vária entre 754 e 750 a .C. A cidade fundada
constituía-se como uma monarquia.
Entre 654 e 653, Cartago fundou a colônia de Ibiza, cinqüenta anos mais tare, seu
general Malcus, derrotou os gregos na Sicília, mas vencido por sua vez na Sardenha foi banido.
Esse voltou anos depois e apoderou-se do governo de Cartago, juntamente com Magon, o qual
com seus filhos Asdrúbal e Amílcar, vieram novamente combater os gregos.
Em 535, aliada aos etruscos, Cartago venceu os Fócios na batalha naval de Alalia, na
Córsega. Mas o poder dos etruscos estava em declínio.
Roma havia expulsado os reis Tarquínios (etruscos ) em 510 e transformado-se numa
república independente, e no ano seguinte fez um tratado com Cartago, definindo as suas
esferas de influência e mostrando sua propensão a conquistas.
Mal sabiam essas duas cidades que logo estariam envolvidas em uma grande rivalidade
na disputa pela hegemonia do mundo Mediterrâneo.
Ainda nessa época, os inimigos de Cartago, continuavam sendo os gregos. Os persas
haviam dominado toda a Fenícia e preparavam-se para atacar a Grécia.
Em 480 os cartagineses, instigados pelos persas ou por sua cidade de origem, armaram
uma expedição para o ataque a Grécia. Os gregos venceram não somente os persas, mas também
os cartagineses. Essa derrota fez com que os cartagineses voltassem todas as suas atenções,
agora para o ocidente.
Para abrir esse novo caminho ao ocidente, Cartago teve que superar alguns problemas
“domésticos”. Por ocuparem o território da Líbia, os colonos deveriam pagar tributos a esses,
por que esses tributos não serem pagos, os cartagineses invadiram áreas de alimentação,
garantindo abastecimento de sua população que não parava de crescer, e ainda tornaram os
Líbios seus mercenários de guerra.
Mesmo ainda no ocidente, os gregos eram os grandes inimigos dos cartagineses. Foi
somente em 297, quando Pirro, rei do Epiro, ao combater os romanos, que por esse tempo
tinham estendido o seu domínio ao sul da Itália, quis também enfrentar Cartago, mas esse
morreu demasiadamente cedo, sem ver seus planos realizados.
Dessa maneira, nunca mais houve conflitos entre cartagineses e gregos, esses últimos
seriam substituídos por outro povo inimigo.
Na Segunda metade do século IV, a cidade de Roma, graças as suas conquistas, havia
engrandecido-se rapidamente na península.
Em 348 e 306, Cartago e Roma haviam feito dois tratados comerciais, e um terceiro
tratado havia sido feito em 279, esse contra um inimigo comum, Pirro. Com a morte de Pirro em
5
272, Roma ficou com o domínio de quase toda a península italiana, incluindo o sul que tinha
sido grego.
Como conseqüência de sua política expansionista, Roma voltou-se para a Sílica e oito
anos depois, no ano de 264 a.C., confrontou-se com Cartago pelo domínio da ilha.
Tem-se aqui o início do que ficou registrado na história como a 1ª Guerra Púnica.
No momento em que Roma dificilmente impunha sua dominação a Itália do sul, sentiu ela todo
o interesse, comercial e estratégico, representado pelo estrito de Messina, e julgou-se ameaçado
de cerco; com a posse das ilhas (Córsega, Sardenha, Lípare, Sicília do ocidente), suas intrigas
com Hierão de Siracusa e os mamertinos de Messina, e uma vã tentativa junto aos tarentinos,
Cartago tornava-se cada dia mais perigosa.
Antigos tratados (em 348, 306 e mesmo – contra Pirro – em 278) estipulavam, sem dúvida, o
respeito mútuo a duas zonas de influência, a Sicília para Cartago, a Itália do sul para Roma, mas
sublinhavam a importância vital do estreito de Messina: os romanos, com má fé mais “púnica”
ainda que os cartagineses, começaram a guerra para impedi-los de se apoderar de Messina em
2642.
O fim da Primeira Guerra Púnica aconteceu no ano de 241, com a vitória de Roma na
batalha naval das ilhas Egatas.
Com a derrota, Cartago submeteu-se aos termos de paz impostos pelos romanos, esses
termos obrigavam Cartago a pagar uma indenização durante vinte anos, a qual tinha o objetivo
de esgotá-la e enfraquecê-la, e por demais a privava de todo o domínio na Sicília. Depois dessa
derrota, Cartago teve seus interesses restritos ao norte da África e a Espanha. Como se não o
bastasse as sanções impostas por Roma, Cartago começou a ter problemas dentro de seu
território.
Algumas cidades ligadas a Cartago, como por exemplo Útica, quiseram romper seus elos
de ligação. Além do fato dos Líbios começarem a se tornar hostis.
Uma boa parte do contigente militar de Cartago era formada por mercenários recrutados
dentre os vários povos sob a influência cartaginesa.
Devido o custo da guerra, mais o tributo agora pago a Roma, Cartago não pagou os seus
mercenários, o que lhe foi a causa de uma sangrenta batalha “civil” que perdurou durante três
anos. Somente em 238, Cartago conseguiu impor-se aos mercenários, restaurando a ordem.
A única forma de recuperação para Cartago, era o desenvolvimento de seu império na
Espanha e para lá foi enviado Amílcar Barca*, seu mais notável general, vitorioso na luta contra
os mercenários, com ele foi seu filho Aníbal de nove anos.
2
*
PETIT, Paul. História Antiga. São Paulo : Difel, 1976.
Filho de Magon.
6
Nesse contexto, relata Tito Lívio3 que “Aníbal, então com cerca de nove anos, acariciando qual
criança seu pai Amílcar a fim de que esse o levasse para a Espanha – no momento em que
terminada a guerra da África**, preparava-se para conduzir até lá seu exército -, o pai fê-lo
estender a mão sobre a vítima e jurar que, tão logo pudesse, seria inimigo do povo romano”.
Entre 235 e 220, Cartago garantia a exploração de minas de prata, alegando ser a forma
de obter os meios para o pagamento das indenizações impostas pelos romanos, seu império na
península Ibérica, rica em homens e prata, base de partida para os Pirineus, campo de manobras
para as tropas e seus chefes, compensava completamente as perdas anteriores.
Segundo Lívio, Aníbal agia com tal destreza e cuidado, que de fato “se houvesse vivido
por mais tempo seria com ele no comando que os cartagineses levariam contra a Itália as armas
para lá levados por Aníbal”4.
De fato, a cerca dos acontecimentos parece que realmente Aníbal planejava a desforra
contra os romanos, porém ele veio a morrer no ano de 229. Sucedeu-lhe no comando, seu genro
Asdrúbal que em 228 fundou Nova Cartago (Cartagena).
Devido aos interesses romanos no nordeste da Espanha, sobre os minerais, o Ebro foi
reconhecido como fronteira entre as duas esferas de influência, num acordo feito em 226, o qual
consolidava as vastas conquistas feitas pelos generais cartagineses.
Cartago ia recuperando suas forças gradualmente, quando em 221 Asdrúbal foi
assassinado e em seu lugar ascende ao comando cartaginês o jovem Aníbal, filho de Amílcar e
que tinha como juramento, o ódio eterno aos romanos.
Cartago teve Aníbal, incontestavelmente o herói da luta e seu animador. As qualidades normais
de um grande chefe, mas elevadas ao mais alto grau, resistência física e moral, gênio militar
(senso da surpresa, ciência logística, concentração dos meios técnica de manobra envolvente,
destruição do adversário), patriotismo indomável, inteligência diplomática, acrescenta a ele ( o
que é mais raro) a imaginação capaz de conceber grandes coisas e a preocupação com o detalhe
minucioso que possibilitava a sua realização (...).5
Enviado a Espanha, logo ao chegar Aníbal atraiu a atenção geral do exército:
era, pensavam os veteranos, Aníbal jovem que voltava para eles.
Percebiam nele a mesma vivacidade de expressão, a mesma energia no olhar, na
postura, dos traços.
Mas não tardou que Aníbal transformasse sua parecença com o pai no menor dos
motivos de admiração: jamais alguém se mostrou tão apto a ações inteiramente opostas,
a obedecer e a comandar. Não era fácil decidir que o amava mais, se o general ou o
exército. Para a ação corajosa e enérgica, não havia outro chefe que Asdrúbal preferisse,
3
LÍVIO, Tito. História de Roma. AB URBE CONDITA LIBRI. São Paulo : Paumape, 1990. p.366
guerra contra os mercenários.
4
Ibid., p. 368.
5
PETIT, op. cit., p. 214.
**
7
nem comandante em que os soldados depositassem mais confiança (...). Entretanto
vários vícios enormes contrabalanceavam essas virtudes de Aníbal: crueldade
desumana, perfídia mais púnica, para ele não havia verdades, coisas sagradas, medo dos
deuses, fé de juramento ou religião6.
Num prazo de três anos, Aníbal aproveitou um conflito com Roma, sobre Sagunto, e
começou a Segunda guerra púnica.
Desta feita, Aníbal põe em prática os planos de seu pai, como se tivesse a Itália como
província e Roma como inimiga, resolveu atacar os sagutinos.
É fato que Roma venceu também esta guerra, das guerras púnicas saíram grandes
generais romanos, mas sem dúvida esse só se fizeram grandes por terem como oponente um dos
maiores estrategistas da antigüidade.
6
LÍVIO, op. cit., p.368-369.
8
2. SEGUNDA GUERRA PÚNICA: FIM DOS PLANOS DOS BARCA.
A Segunda Guerra Púnica, como já foi dito anteriormente, tem como início a batalha em
Sagunto.
Os romanos, ao se perceberem dos acontecimentos, enviaram uma embaixada para
Sagunto, a qual deveria levar junto ao general cartaginês, os acordos estabelecidos entre Roma e
Cartago. Se a sorte os privasse de qualquer êxito em sua missão, esses deveriam rumar direto
para Cartago, a fim de prevenir aquela dos perigos a que corria se persistisse o ataque de seu
general a um aliado de Roma.
Como fosse previsível essa manobra romana, Aníbal recusou-se a receber os
embaixadores e enviou ao mesmo tempo, antecipando-se às ações romanas, mensageiros aos
chefes da facção Barca, pedindo a esses que preparassem o espirito de seus partidários a fim de
que o partido contrário não pudesse fazer nenhuma concessão ao povo romano.
E assim se fez, excluindo-se Hanão*, desafeto da família Barca, os senadores
cartagineses recusaram-se a dar ouvidos aos romanos, apoiando as manobras de seu general.
Dessa forma o poder de Aníbal consolidava-se gradualmente na cidade de Cartago.
A tomada da cidade de Sagunto por Aníbal, após dez meses de campanha, trouxe
profunda inquietações ao senado e ao povo romano. Nunca houve tamanho alvoroço a cerca de
um inimigo.
Os sentimentos se misturavam, tanto a vergonha por deixarem o povo aliado de Sagunto
sem auxílio e renegado à própria sorte, como o ódio agora mais exaltado aos cartagineses, além
de um súbito pavor por parte de alguns, pois além do fato de se verem diante de um inimigo tão
hostil e determinado, as lembranças da primeira guerra púnica e tudo o que ela representou
ainda era fresco na memória dos romanos, pensava-se que com o avanço de Aníbal através do
Ebro, esse logo estaria às portas de Roma.
Nunca até então, Roma mobilizara tal exército para a defesa da cidade, a presença de
Aníbal em território romano aguçou pavor nunca antes experimentado pelos romanos, nunca
houve tamanho perigo à república romana. Habituado ao cerco, jamais poderia se imaginar a
hipótese de ser sitiada.
Fez-se então os preparativos para a guerra, o povo foi convocado a declarar guerra aos
cartagineses, fez-se preces públicas aos deuses, para que esses trouxessem a melhor das sortes
para os romanos, os quais estavam por enfrentar tamanha ameaça.
*
Senador cartaginês.
9
Nota-se pelo empenho romano em mobilizar todo o seu esforço de guerra, o perigo que
representava Aníbal e os cartagineses. Mais de vinte e cinco mil infantes e cavaleiros foram
divididos entre os dois cônsules, aos quais coube a missão de parar Aníbal e defender a cidade
de Roma.
Ainda, numa tentativa de evitar tamanha guerra Roma envia uma vez mais uma
embaixada, agora formada por cidadãos de alta idade e representatividade, a fim de através da
diplomacia formar um acordo. A intenção desses ao chegarem a Cartago era a de manipular o
senado cartaginês a fim de que esses isolassem Aníbal, tirando seu apoio e provisões e tornar
seus atos contrários e avessos ao povo cartaginês.
Um desses embaixadores se coloca diante do senado cartaginês e apresenta sua missão,
em seguida um dos cartagineses declara:
Bem temerária, romanos, foi já vossa primeira embaixada, pela qual pediéis que vos
entregássemos Aníbal, o qual supostamente atacava Sagunto por decisão própria. Mas a de
agora, embora até aqui se tenha mostrado mais branda, é no fundo ainda mais dura. A outra
apenas acusa e reclamava Aníbal; esta pretende arrancar de nós a confissão de uma falta, e, como
de réus confessos, exigir imediata reparação (...)
Então o romano, fazendo uma dobra na toga, disse:
Aqui vos trazemos a guerra e a paz; escolhei qual vos apraz!
A essas palavras, gritaram-lhe com igual ferocidade que desse o que quisesse.
E o embaixador, desfazendo a dobra, declarou que dava a guerra. Todos responderam que a
aceitavam e que ao mesmo ardor que punham na aceitação, poriam também na execução7.
E sendo assim, a guerra agora já inevitável, vinha a concretizar os planos de Aníbal
Barca. Ele sabia que agora a sua guerra, era a guerra do povo de Cartago e incumbiu-se de tal
maneira que a glória e a vitória seriam o único fim aceitável.
Conta Lívio que certa vez após deixar seu irmão Asdrúbal para proteger a cidade de
Cádis, deixando com esse grande frota de navios e maior ainda o número de soldados, ao rumar
para Cartagena** teve um sonho.
Apareceu-lhe um jovem de aspecto divino dizendo-se enviado por Júpiter a fim de
conduzi-lo a Itália: devia Aníbal segui-lo sem jamais apartar os olhos dele. Assombrado, o
cartaginês de início o acompanhou sem olhar em volta; depois, num assomo de natural
curiosidade para saber o que lhe fora interdito ver atrás de si, não pôde refrear os olhos: percebeu
então, às suas costas, uma serpente de enorme grossura avançando a derrubar galhos e árvores;
seguido de um furacão fragoso. Indagando o que vinha a ser semelhante mostro, semelhante
prodígio, ouviu que era a devastação da Itália; quanto a ele, continuasse a avançar sem perguntar
mais nada, deixando os destinos envoltos no mistério.8
7
LÍVIO, op. cit., p.383-384.
cidade fundada pelo seu cunhado Asdrúbal.
8
Ibid., p. 388.
**
10
Agora Aníbal tinha seu ímpeto aprovado pelos deuses, e assim se fez marchar sem temer
seu destino. Ele tinha na estratégia uma de suas grandes virtudes, soube ser “diplomático”
quando assim se fez necessário, procurava poupar suas tropas de qualquer conflito
desnecessário, ele próprio intermediou a passagem de seu exército pela Gália, estes além da
hospitalidade, pegaram em armas e se juntaram a Aníbal, mais uma vez contra os romanos.
Sendo assim, Aníbal marcha pela Itália, sofre alguns revezes para poder atravessar o rio
Ródano, seus cavaleiros númidas entram em confronto com a cavalaria romana e após alguns
combates Aníbal consegue atravessar o rio com o seu exército de homens e elefantes e ruma
para os Alpes.
Nas montanhas, Aníbal sofreu grandes perdas, mais pelo terreno acidentado do que por
oposição do inimigo, aqui vale lembrar sua ousadia de contornar as montanhas com mulas,
cavalos e elefantes.
Existem controvérsias a respeito do exército cartaginês que venceu a travessia dos Alpes,
mas a conta que mais merece credibilidade é a de Aníbal despontou na Itália, cinco meses
depois da partida de Cartagena e a travessia dos Alpes com seis mil homens9. Ainda existem
autores que possuem números diferentes para esse efetivo, segundo Lívio, Lúcio Cíncio
Alimento***, o exército cartaginês chegou a Itália com oitenta mil infantes e dez mil cavaleiros,
sendo que Aníbal, somente na travessia do rio Ródano perdera trinta e seis mil homens. Um
número que parece ser exagerado, mas esse fato torna-se irrelevante se pensarmos que oitenta
mil ou seis mil, a façanha de contornar os Alpes e descer a Itália pelo norte na tentativa de
alcançar Roma, é algo surpreendente para o contexto da época.
Segundo Políbio, foi quando os romanos perceberam que a Itália estava sendo devastada
pela campanha de Aníbal, viram a necessidade de “afastar” a guerra de seu território10.
Na primeira guerra púnica, os romanos conseguiram vencer os cartagineses nas ilhas
Egates. Seu triunfo contra Amílcar havia sido abrilhantado pelo fato de que os romanos
venceram uma nação com grande tradição e experiência naval, logo os romanos que tinham no
combate em terra a sua especialidade.
Dessa forma, o senado romano providenciou a construção de um grande número de naus.
A guerra na Itália já prosseguia por muitos anos e Aníbal preparava-se para investir
decisivamente contra Roma. Além da Itália, a guerra se fazia sentir também na Espanha, onde
9
Ibid., p. 404-405
Lúcio Cíncio Alimento, foi prisioneiro de Aníbal.
10
POLÍBIOS. História 200 – 120 a .C. Brasília : Editora da UNB, 1985. p. 86.
***
11
Asdrúbal, irmão de Aníbal, dava segmento aos planos cartagineses, os quais eram de unir-se a
Aníbal na Itália.
Temerosos, pois se o exército de Aníbal já representava grave ameaça a Roma, a união
desse com Asdrúbal certamente seria o fim da URBS romana. Para evitar a passagem do
exército de Asdrúbal pelos Alpes é enviado ao seu encontro e com a missão de impedir a união
dos exércitos, o então cônsul romano Cláudio Nero.
Após um sangrento combate, nunca visto antes, morreram mais de cinqüenta e seis mil
homens cartagineses
11
e o General Asdrúbal, segundo a honrosa tradição dos Barca, lançou-se
ao combate, já quase numa tentativa suicida e foi morto pela infantaria romana. A notícia da
morte de Asdrúbal e o triunfo do exército exaltaram o ânimo na cidade de Roma, enquanto era
um desalento para Aníbal.
Roma, nesse ínterim, promovia a guerra contra Siracusa, que havia se aliado a Cartago, o
exército romano, apesar de toda a engenhosidade de Arquimedes empregada na defesa da ilha,
caiu sob o poder de Marcelo, general romano, em 214 a. C.
Como já dito anteriormente, escolhido em 210 para comandar os exércitos romanos na
Espanha, havia conquistado e destruído Nova Cartago (Cartagena) em 209, conquistou também
toda a Bética, incluindo Cádis, em 206.
Roma com as crescentes conquistas e após muitos anos tendo seu território assediado
pelo inimigo, começa a ter sua sorte mudada.
Aníbal encontrava-se agora isolado na Itália, Roma havia reconquistado muitas cidades,
tanto na Espanha quanto na Itália. O cerco ao exército cartaginês parecia inevitável. Porém
agora não só Aníbal corria riscos impostos pelos exércitos de Roma, mas a própria Cartago
estava sendo assediada pelo inimigo. Após muitos revezes no mar, com grandes perdas para
ambos os lados, o jovem Públio Cornélio Cipião é investido da missão de invadir Cartago, após
seus sucessos na Espanha.
Aníbal agora é convocado para defender Cartago e abandona seu ideal de conquistar
Roma. Em 204, Cipião invadiu a África, Aníbal havia sido chamado para defender Cartago,
após grandes combates, a batalha final teve lugar em Zama em 202. As condições de paz mais
uma vez foram reduzidos à Tunísia.
Massinissa, rei dos Líbios que combateu ao lado dos romanos, foi confirmado rei dos
Númidas, de onde vinha grande parte da cavalaria de Aníbal.
A indenização da guerra, assim como no final da primeira guerra púnica, foi enorme e
pior, Cartago não poderia empreender nenhuma guerra sem o consentimento de Roma. Aníbal
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foi exilado. Massinissa, rei dos Númidas, assediou Cartago e seus domínios, à sombra do tratado
de paz.
Cartago atacou-o em 150 d.C. na tentativa de impedir a continuação das suas investidas,
mas foi vencida – e o que foi pior – Roma declarou-lhe guerra, em 149, em virtude de violar o
tratado de paz.
O resultado era inevitável, apesar de sua determinação e a força de suas defesas terem
afastado Roma até 146 d.C, Cartago sucumbiu aos romanos.
A cidade foi completamente pilhada e incendiada até os alicerces, e a terra “arada”
pelos romanos vitoriosos comandados por Cipião Emiliano, neto de Cipião o “Africano”,
vencedor de Aníbal.12
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12
LÍVIO, op. cit., p. 433.
HARDEN, op. cit., p. 73.
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CONCLUSÃO
Provavelmente a imparcialidade já tinha sido o maior sonho dos historiadores, à essa
utopia muitos se empenharam e a buscaram com afinco e perseverança. Passou-se o tempo e,
enfim, o historiador percebeu que o seu ideal de ser apenas (e esse apenas, no sentido de não
inserir no seu trabalho os valores que poderiam distorcê-lo) o narrador aquele que transmite os
acontecimentos era uma missão impossível.
Uma inútil busca, com certeza, pois antes de ser um historiador, esse é um homem e
como todo homem, é dotado de paixão, de emoção de vida.
Por mais objetiva que possa se pretender ser uma história, ela jamais resistirá ao “filtro”
de quem a conta. Por mais recursos e artifícios que se possam usar, a história que chega aos
nossos ouvidos e que nossos olhos contemplam são carregados de símbolos, de sentimentos.
Essas poucas observações que fiz nesse início do que se pretende ser o final de um
trabalho, vem como tentativa de nos fazer lembrar que a nós resta essa consciência.
Grandes são as dificuldades daqueles que não se fizeram ouvir, que não fizeram sua
própria história. Dificuldade esse no sentido de que coube a outros contar a sua história. Grandes
foram também as dificuldades na tentativa de “sair” à margem do história que todos conhecem.
De olhar pelos olhos de outros historiadores e ver através desses o que eles próprios não
conseguiram. Muita pretensão eu sei, trabalho que consumiu vidas inteiras e, não seria em um
tímido trabalho acadêmico que poderia se fazer.
Devo confessar sim que, mais por um desejo pessoal, movido pela curiosidade e ao
mesmo tempo admiração, talvez aqui grandes intelectuais dissessem que seria por uma questão
de “justiça e dever”, buscar uma visão ainda que mínima, de uma história tão imparcial.
Desde Ranke, o historiador busca se firmar enquanto um artufície dos feitos do homem
no tempo, através de documentos, do que convencionamos “as nossas fontes”, buscamos montar
os fatos, os acontecimentos na sua mais pura realidade possível.
Saímos de nossas vidas, fugimos (ou tentamos) do nosso contexto, ingressamos em
outras épocas, tudo a fim de presenciarmos essa história como se dela fizéssemos parte.
A forma de se lidar com a história avançou, e não falo aqui num sentido de progresso,
com o passar dos tempos. Devemos sobretudo, a historiografia inglesa, a consciência de
pensarmos na história daqueles que foram vencidos, calados ou até mesmo dos quais as suas
histórias não se fizeram ouvir.
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Foi movido por esse tipo de pensamento que busquei realizar esse trabalho. Sei que esse
corre o risco de não cumprir seu objetivo principal, porém como já foi dito antes, é apenas um
tímido trabalho acadêmico
Nessa tentativa, buscou-se através da leitura de duas “testemunhas” dessa história, as
aspas são em virtude de não serem testemunhas de fato, pois não foram contemporâneas de tais
acontecimentos, visualizar através do embate dessas duas formas de história uma forma menos
parcial dos acontecimentos.
O homem é provido de sentimentos e paixões que o impossibilitam de ausentar a sua
opinião. A minha com certeza não esteve ausente nesse trabalho.
Cartago enquanto reino, Amílcar e Aníbal enquanto personalidades, são tão ilustres para a
história da humanidade quanto Roma, quanto César, Augusto, Cipião, porém suas grandezas
contribuem quase que de uma única maneira, engrandecer aqueles que protagonizavam a
história que consumimos todos os dias. Suas histórias são algumas cenas dentro do espetáculo
maior da história do homem enquanto espécie que registra seus feitos.
Para concluir, e a intenção de todas as palavras é esta, a importância da história não está
no grau que damos a essa ou aquela, sua importância está no fato de que todas, independente de
quem as conte ou transmita, seja considerada como tal.
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BIBLIOGRAFIA
FINLEY, M.I. Aspectos da Antigüidade. São Paulo : Livraria Martins Fontes Editora Ltda.,
1991.
HARDEN, Donald. Os Fenícios. Lisboa : Verbo, 1968.
PETIT, Paul. História Antiga. São Paulo : Difel, 1976
POLÍBIOS. História 200-120 a. C. Brasília : Editora da UNB, 1985.
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