REPORTAGEM Fábio Fonseca o teclado no Sambajazz Um pouco de música pop aqui, uma pitada de música brasileira ali, um jazz acolá, Hammond, Moogie, estúdio com sala grande e 22 anos de carreira musical: estes são os ingredientes do Opus Samba, o novo disco do tecladista Fábio Fonseca Miguel Sá [email protected] O tecladista, compositor, arranjador e produtor Fábio Fonseca é daqueles músicos que, quando tem um disco que nós gostamos dos arranjos, ou da produção, ou de alguma música, e resolvemos ver quem fez, acabamos encontrando o nome dele na ficha técnica. A extensa “folha corrida” de Fábio, seja como produtor, arranjador ou músico, inclui Lulu Santos, Ed Motta, Fernanda Abreu, Paralamas, Marina Lima, Leila Pinheiro, Toni Platão, Leo Jaime, Gabriel o Pensador, Claudio Zoli, Luiz Melodia, Dom Um Romão e Ithamara Koorax, entre muitos outros. Pelos nomes, dá para perceber que a experiência do músico é ampla, da música pop ao jazz brasileiro. Tudo isso começou com o compacto Não me Iluda, da banda Cinema a Dois, em 1985, que estourou nas rádios brasileiras. Depois, Fábio Fonseca lançou o disco solo Fábio Fonseca, pela WEA, em 1988. Um dos maiores sucessos do pop brasileiro – a música Manoel, cantada por Ed Motta – é uma composição de Fábio de 1989. O álbum Tradução Simultânea, de 1992, mostra o prestígio do tecladista no meio musical com os convidados Fernanda Abreu, Marina Lima, Claudio Zoli, Luiz Melodia e João Donato. Ainda na década de 90, lançou diversos trabalhos de sua autoria no exterior pelo selo londrino Far Out Recordings. 58 www.backstage.com.br Opus Samba, produzido por Arnaldo DeSouteiro para o selo Jazz Station Records, é um trabalho inédito para Fábio. Este é o primeiro disco do músico fundamentado na música instrumental. O repertório é baseado no Sambajazz, tocado por Fábio no órgão Hammond e teclados, Pedro Leão no baixo elétrico e Mac William na bateria. A gravação, feita quase toda ao vivo, apenas com poucos overdubs de teclados vintage em estúdio com pé direito alto, tem como resultado uma sonoridade que reproduz perfeitamente o entrosamento dos músicos. O disco ainda contou com a luxuosa participação da cantora Ithamara Koorax na faixa A Mulher de 15 Metros. O CD tem 12 faixas; dez são de autoria de Fábio Fonseca com parceiros como Mathilda Kovak, Arnaldo DeSouteiro e Pedro Leão. As outras são Cochise, composta por Ray Santos e gravada por Ed Lincoln nos anos 70, e Too High do Stevie Wonder, também dos anos 70. A revista Backstage conversou com Fábio sobre música e a gravação do álbum Opus Samba. O músico contou detalhes do seu trabalho com teclados analógicos. Revista Backstage Qual a sua intenção ao gravar este disco? Fábio Fonseca - Ele é, ao mesmo tempo, fruto de um amadurecimento musical e um resgate da minha formação dos anos REPORTAGEM 70, quando ficava horas improvisando com o trio que eu tinha na época, com o Sérgio Naidin na bateria e o Fabrício no baixo. Nesse período, eu ouvia jazz, rock progressivo e músicos brasileiros como Eumir Deodato, Hermeto Paschoal e Egberto Gismonti. Durante a década de 70, usei pianos elétricos Rhodes e Wurlitzer, sintetizador Mini-Moog e um órgão Yamaha que pertenceu à minha mãe. Continuo usando basicamente os mesmos instrumentos, exceto pelo órgão Yamaha que foi substituído pelo Hammond B-3, que é muito superior. O Mini-Moog que uso agora é o mesmo da época, tem 31 anos de idade. Revista Backstage - Como foi construída a proposta do álbum? Fábio Fonseca – Em 1992 eu tive a chance de trabalhar com o João Donato A gravação do Opus Samba, feita quase toda ao vivo, apenas com poucos overdubs de teclados vintage em estúdio com pé direito alto, tem como resultado uma sonoridade que reproduz perfeitamente o entrosamento dos músicos que fez arranjo de uma música minha, “A Mulher de 15 Metros”, para o meu CD “Tradução Simultânea” (Polygram). Na época viajei para Londres, onde conheci o famoso DJ Gilles Peterson, que me apresentou ao Joe Davis, do selo Far Out. Este contato com o Joe me levou a algumas gravações decisivas em 1997, ano de inauguração do meu estúdio Jardim Magnético, entre elas, a do CD “Woodland Warior”, do Azymuth, e algumas faixas minhas para o CD “Friends From Rio Vol. 2”. Isso amadureceu mais um pouco em 1998, quando trabalhei com o produtor Arnaldo DeSouteiro em dois discos: no arranjo e gravação de “Un Homme et Une Femme” para “Serenade in Blue”, da Ithamara Koorax, lançado mundialmente pela Milestone/Fantasy, e logo depois o “Rhythm Traveller”, do Dom Um Romão, lançado pela JSR, ambos gravados no meu estúdio Jardim Magnético. A gravação com o Dom Um foi a largada oficial para o conceito do Opus Samba. Isso, pelo fato de ter sido também produzido pelo Arnaldo e por www.backstage.com.br 59 REPORTAGEM ter sido gravado ao vivo no estúdio, à moda antiga. Desde então comecei a enviar alguns CDRs para o Arnaldo e este processo culminou com a gravação do álbum para o selo JSR. Revista Backstage -De que forma aconteceu o processo de composição e seleção deste álbum? Fábio Fonseca - Esse sim foi um processo demorado. Foram alguns anos até o Arnaldo ficar satisfeito com as músicas que eu enviava para ele. A certa altura ele teve a idéia genial de regravarmos três músicas do Tradução Simultânea, feitas originalmente com arranjos pop. Eu nunca teria tido essa visão, é aí que entra o produtor. No final, resultou num “mix” de inéditas com regravações, incluindo “Cochise” do Ray Santos, gravada nos anos 60 pelo Ed Lincoln e “Too High”, tema do Stevie Wonder safra 73. Revista Backstage - Como foi feita a escolha do local de gravação? O que tinha em mente? Fábio Fonseca - Dois fatores eram prioritários para essa gravação: o som da bateria ser “grande”, no sentido de ambiência, ou seja, uma sala com pé direito alto; e a interação do trio durante a gravação; o som vazar do canal de um instrumento para outro. Não é interessante que, num disco desse tipo, o som de cada instrumento fique muito separado e limpinho, soa 60 www.backstage.com.br artificial. Se gravássemos numa sala pequena, como um som “morto”, nunca teríamos obtido o resultado de “ambiente” que conseguimos com a reverberação natural da sala. Acho muito difícil - para não dizer impossível - reproduzir essa reverberação com equipamentos eletrônicos. Revista Backstage - Por que a gravação ao vivo? Vocês ensaiaram para gravar? Fábio Fonseca - Decidimos gravar ao vivo para o som ficar quente, como nas gravações de jazz e bossa dos anos 60 e 70. Acredite se quiser: não houve ensaio al- “Acredite se quiser: não houve ensaio algum! O Arnaldo fez a escolha do repertório, eu fiz os arranjos em casa, e o Pedrinho e o Mac deram uma estudada em casa, o resto foi na hora” gum! Basicamente foi o Arnaldo quem fez a escolha do repertório, eu fiz os arranjos em casa, com o Hammond e uma bateria eletrônica bem antiga (Roland CR5000) com ritmos pré-programados, gravei um CDR comigo tocando Hammond e essa bateria, o Pedrinho e o Mac deram uma estudada em casa, o resto foi na hora. Revista Backstage - Que equipamentos utilizou na gravação? Para quê? Fábio Fonseca - Utilizamos uma mesa Otari Status 18R de 48 canais. Essa é uma mesa híbrida ou seja, analógica mas controlada por computador, permitindo que, na hora da mixagem, se faça uma automação através de VCA (Voltage Controlled Amplifier). Sou pessoalmente adepto (ainda) do analógico sem, de forma alguma, desmerecer as facilidades e vantagens dos equipamentos digitais. Daí a intenção de equilibrar os dois. O gravador digital que usamos foi o Tascam MX-2424, uma grande paixão minha, devido ao som dos conversores e à sensação de se estar usando um gravador de fita - mas com as facilidades de edição que um gravador digital proporciona. O disco foi primordialmente gravado pelo Marco Aurélio Oliveira, que conheci nos anos noventa. Nos tornamos amigos e ele foi uma peça chave na gravação do CD ao preservar um som bem natural. O Marcio Werderits, que fez a re-instalação do estúdio para essa gravação, também participou no “setup” inicial para a gravação, além de ter mixado comigo o disco. Uma observação: quando digo re-instalação, é porque a instalação original do Jardim Magnético foi feita pelos meus amigos da Ground Control. Revista Backstage - Costuma tocar piano também ou os instrumentos eletrônicos se adaptam mais à sua proposta de trabalho? Fábio Fonseca - O piano acústico ficou no meu passado. Estudei aproximadamente seis anos de piano clássico na minha adolescência, algo fundamental na minha formação. Porém, me considero um tecladista. Os músicos que mais me influenciaram, como George Duke, Deodato e Joe Zawinul, dentre muitos REPORTAGEM e dar um colorido diferente. Em termos de som, o Rhodes tem um som mais “doce”, e o Wurlitzer é um pouco mais “sujinho”. Ambos têm aplicações diferentes. Não sou muito fã da ação das teclas do Wurlitzer, prefiro a do Rhodes. outros, todos usavam pianos elétricos e sintetizadores. Na verdade gosto muito dos instrumentos eletromecânicos como o Hammond, o Rhodes e o Clavinet, ou seja, o som desses instrumentos não é gerado por componentes eletrônicos (transistores, chips, etc.), e sim por barras de ferro, cordas ou geradores mecânicos, o que os torna mais “vivos” e orgânicos. Revista Backstage - Desde quando toca o Hammond? Fábio Fonseca - Meu primeiro contato (de perto) com um Hammond foi num ensaio dos Paralamas na EMI, no início dos anos 90. O João Fera estava usando o recém-lançado XB-2, uma versão digital feita pela Suzuki japonesa, que há muitos anos fabrica Hammonds. Logo depois, comprei um XB-2. Mas em 1994 tive a chance, por meio da indicação do meu professor de orgão Renê Terra, de comprar o B-3 que havia sido do Ed Lincoln, e estou com este instrumento desde então. Para mim é o nº. 1 dos meus teclados, seguido pelo Rhodes, Clavinet, Mini-Moog e ARP Odyssey. Revista Backstage - As simulações são satisfatórias? Em que elas ainda pecam? Fábio Fonseca -Fica muito difícil - a não ser para certas bandas pop nacionais que têm uma estrutura maior - levar um Hammond para shows. Claro que seria maravilhoso tocar sempre ao vivo com um B-3, mas o peso é enorme. Sou totalmente favorável aos “clones” nos shows. 62 www.backstage.com.br Não sou fã dos Hammonds fabricados pela Suzuki, mas já testei alguns modelos da Roland e Korg e gostei. Ao vivo, uso o Nord Electro que me agrada bastante, “Estou muito feliz com o resultado do disco em todos os aspectos, inclusive com as boas vendas que já começam a acontecer nos Estados Unidos e no Japão” embora falte aquela “sujeirinha” que ajuda no som e na “pegada”. É claro que a Leslie é parte fundamental no som do Hammond. Portanto, a não ser que vá se levar uma caixa Leslie de verdade, é importante que se teste também a simulação de Leslie contida nesses “clones”. Revista Backstage - Quais são as diferenças entre o Wurlitzer e o Fender Rhodes que fizeram você optar por um ou outro em momentos diferentes da gravação? Fábio Fonseca - Já tive fase de um e fase de outro. No meu CD anterior (Tudo – 2002) usei exclusivamente Wurlitzer. Já no Opus Samba, nas faixas que têm piano elétrico, a estrela é o Fender Rhodes. O Wurlitzer foi usado apenas em uma faixa, Dormideira, para dobrar o órgão Hammond Revista Backstage-Que microfones foram usados? Com que intenção? Fábio Fonseca - O “set” de microfones é relativamente padrão: AKG D-122 no bumbo, Senheiser 421 nos tons, Shure SM57 na caixa, AKG 414 TLII para ambiente e um par de Crowns PZM de “overs”. Revista Backstage - De que forma foram controlados os vazamentos entre os instrumentos, já que a gravação foi ao vivo? Você gosta de utilizá-los, ou prefere isolar os instrumentos com biombos ou em casinhas? Fábio Fonseca - Talvez eu possa definir como um semivazamento. A bateria ficou no andar térreo, com o set do Mac incorporando alguns instrumentos de percussão. No andar superior, na técnica, eu com os teclados, Pedro com o baixo, Arnaldo e Marco. Sendo que a porta da técnica era uma porta grande de correr, com frestas por onde o som escapava; ou seja, o som da Leslie vazou na bateria e o da bateria vazou nos microfones da Leslie. Revista Backstage – Quais são os planos agora, com o disco lançado? Fábio Fonseca - Estou muito feliz com o resultado do disco em todos os aspectos – execução musical, qualidade de som, capa, masterização, as boas vendas que já começam a acontecer nos Estados Unidos e no Japão, enfim, tudo mesmo. Agora é trabalhar na divulgação e cair na estrada! Para saber mais www.myspace.com/fabiofonsecatrio