PERDIDOS NO ESPAÇO

Propaganda
PERDIDOS NO ESPAÇO
Celso Piedemonte de Lima
(Biólogo e autor de vários livros em sua área de atuação)
e-mail : [email protected]
“Se estivermos sozinhos, que desperdício de espaço!”
(a atriz Jodie Foster, no filme “Contato”)
Nos últimos vinte anos mais de duas centenas de planetas extra-solares foram
descobertos, inclusive um que parece ser muito semelhante à Terra, reforçando a
antiga suspeita de que nosso planeta não é uma excepcionalidade cósmica e ampliando
a possibilidade de que, na desconhecida vastidão do Universo, haja muitos planetas
semelhantes ao nosso. Parece, portanto, inevitável que nosso planeta não seja o único a
ter vida, e que, da mesma forma como a vida surgiu espontaneamente na Terra, ela
deve ter aparecido em qualquer outro planeta com condições semelhantes às do nosso
lar. Contudo os números gigantescos que envolvem a imensidão do Universo, o grande
número de planetas e as enormes distâncias que separam esses mundos impedem que,
no nosso atual estado de desenvolvimento tecnológico, se possa comprovar a existência
de vida extraterrestre e estabelecer contato com possíveis parceiros espaciais.
______________________________________________________________________
Palavras-Chave: Astrobiologia. Planetas extra-solares (exoplanetas). Casualidade.
Ciência. Religião.
______________________________________________________________________
A frase da atriz ressalta a imensidão do Universo cujos números, situados muito além
das dimensões humanas, são lições de humildade que tornam insignificantes nossa
galáxia, nosso sistema solar, nosso planeta, nós.
Douglas Adams (1952-2001), em O Guia do Mochileiro das Galáxias, oferece a
seguinte imagem:
tão totalmente grande que, em comparação a ele, a grandeza parece ínfima.
Gigantesco multiplicado por colossal multiplicado por estonteantemente
enorme, é o tipo de conceito que estamos tentando passar aqui.
Os números gigantescos do Universo e a recente descoberta de planetas semelhantes
à Terra fora do Sistema Solar nos levam a acreditar que pode haver vida extraterrestre e
que pode haver civilizações extraterrestres inteligentes mais adiantadas que a nossa.
Contudo, não há evidências sobre a vida extraterrestre e não podemos afirmar que a
vida tenha se organizado em outros planetas; só nos cabe calcular probabilidades,
relacionar argumentos favoráveis e contrários e aceitar que, mesmo se não estivermos
sozinhos no Universo, para fins práticos é como se estivéssemos.
Recorro novamente a O Guia do Mochileiro das Galáxias:
é fato conhecido que há um número infinito de mundos, simplesmente porque há um espaço infinito para que esses mundos existam. Todavia, nem
todos são habitados. Assim, deve haver um número finito de mundos
habitados. Qualquer número finito dividido por infinito é tão perto de zero
que a população de todos os planetas do Universo pode ser considerada
igual a zero.
Ciência e religião são dois sistemas de pensamento que nada têm a ver entre si. Nem
sempre houve essa divergência, pois até o século XVIII Igreja, Estado e Ciência
caminhavam juntas. Sir Isaac Newton (1643-1727), por exemplo, apesar de ter sido um
precursor da ciência moderna e ter colaborado para solidificar o racionalismo científico,
era profundamente religioso e, até por falta de alternativas para a época, defendia que a
Bíblia era fonte de conhecimentos verdadeiros onde se encontravam as leis que Deus
estabeleceu para o funcionamento do Universo. O divórcio teve início quando o
Iluminismo desafiou a importância da religião como processo para explicar o mundo e
gerou as três grandes teorias generalizadoras do final do século XIX: a psicanálise
freudiana, o materialismo dialético marxista e o evolucionismo darwiniano, que se
propuseram a explicar, numa abrangência crescente, os mistérios da mente, da
sociedade e da natureza. A cisão aprofundou-se quando o evolucionismo rejeitou a
necessidade de agentes sobrenaturais para explicar a origem dos seres vivos e negou a
versão bíblica de que eles foram criados exatamente como se apresentam hoje. O
choque foi tamanho que em 1860, um ano apenas após a publicação de Origem das
espécies, realizou-se em Londres o primeiro debate público entre defensores do
evolucionismo e do criacionismo bíblico. Ao longo do século XX, o sucesso do Estado
laico na política e as conquistas da ciência e da tecnologia na compreensão da natureza
e na aplicação dos conhecimentos científicos fizeram com que a religião deixasse de ser
um assunto público e passasse a ser tratada apenas como assunto que diz respeito à
nossa vida individual. Infelizmente, neste inicio de século XXI, fanatismos e fundamentalismos religiosos reagem e procuram recolocar a religião como fator político,
intrometendo-se nos assuntos pessoais e nos negócios de Estado e promovendo a
retomada de um debate que parecia já estar encerrado.
Por outro lado, é preciso ressaltar que a cosmologia, embora não possibilite uma
compreensão completa sobre as origens, ela nos abriu a visão de um Universo muito
mais belo e imenso do que a oferecida pelas lendas do passado. E que a ciência avança,
preenchendo as lacunas do conhecimento porque se recusa a admitir que o desconhecido
pertence a um terreno situado além de seus limites de atuação.
A questão hoje colocada é sobre a existência ou não de vida alienígena para ressaltar
que, quando não há evidências, a ciência não presume, não pressupõe, não oferece
respostas e convive tranqüilamente com a dúvida, reconhecendo nossa compreensão
incompleta da realidade. Ao aceitar essa limitação não se está colocando em dúvida a
importância do conhecimento científico que temos em um dado momento, mas
assinalando que, embora ele seja verdadeiro, não constitui uma verdade absoluta. É
nesse sentido que a ciência se opõe às superstições dos que oferecem (ou vendem) o
discutível conforto das verdades finais e definitivas.
PODE HAVER VIDA
NOS EXOPLANETAS?
A “nossa” galáxia, a Via Láctea, é apenas uma dentre centenas de bilhões de galáxias
que constituem o Universo observável. Nela, há 100 bilhões de estrelas, uma das quais
é o Sol. A partir de 1995, foram identificados mais de 200 planetas girando em torno de
outras estrelas, o que confirma a antiga suspeita de que sistemas planetários semelhantes
ao nosso Sistema Solar, longe de serem uma raridade no Universo, talvez sejam a regra.
A maioria dos exoplanetas que se conhece assemelha-se mais a Júpiter do que à
Terra, pois são gigantes gasosos e gelados, onde não há água líquida e onde a
probabilidade de haver seres vivos é mínima. Por isso a descoberta, em abril de 2007,
de um planeta semelhante à Terra causou grande excitação. Batizado de GL 581c, ele é
rochoso, tem temperatura superficial amena que lhe possibilita ter água líquida e gira
em torno de uma estrela anã vermelha, que constitui uma fonte estável de energia para
ele. Contudo, é preciso conter o excesso de entusiasmo ao falar sobre a possibilidade de
vida nesse planeta, pois, perdido no espaço na constelação de Libra a 20 anos-luz de
nós, seriam necessários 300 mil anos de viagem nos nossos foguetes mais rápidos para
alcançá-lo, uma distância e um tempo situados muito além dos parâmetros humanos, já
que nós existimos como espécie há apenas 150 mil anos. Mesmo se conseguíssemos
atingir a limitação física de viajar a 10% da velocidade da luz, chegar até ele demoraria
200 anos.
Novos instrumentos, incluindo telescópios orbitais e as cinco naves do Projeto
Darwin, com lançamento previsto para 2015, abrem a perspectiva da descoberta de
vários planetas parecidos com o nosso. Essas missões pretendem também estudar a
atmosfera dos exoplanetas, pois, caso se identifiquem água, carbono e oxigênio, a
possibilidade de que abriguem vida aumenta.
Embora a Terra não seja uma exceção cósmica, isso não quer dizer que ela seja
apenas “mais um” planeta dentre tantos outros iguais ou semelhantes; ao contrário, ela é
um dos raros planetas que reúnem as condições que possibilitam o surgimento da vida:
a) nosso planeta encontra-se na pouco comum zona habitável onde pode haver água
líquida, ou seja, nem está tão perto da estrela central a ponto de ela evaporar, nem tão
longe a ponto de ela congelar;
b) há um planeta relativamente próximo de nós, Júpiter, que exerce uma forte atração
gravitacional sobre os asteróides diminuindo a possibilidade de que eles colidam
conosco;
c) embora a órbita da Terra seja elíptica como a dos demais planetas, ela é quase
circular, o que possibilita que nosso planeta esteja ao longo de todo o ano numa região
de temperatura amena;
d) a Lua, nosso satélite natural, ajuda a estabilizar o eixo de rotação do planeta,
possibilitando a alternância das estações.
No entanto não existem conhecimentos verdadeiros quanto à vida extraterrestre e a
ciência limita-se a exercícios de probabilidades que envolvem valores desconhecidos e
avaliados com enormes margens de erros, que geram produtos com erros ainda maiores.
Se admitirmos que ao redor de cada uma das 100 bilhões de estrelas da Via Láctea
giram, em média, 10 planetas, haveria um trilhão de planetas na nossa galáxia. Se
apenas um de cada 100 dos planetas da Via Láctea for semelhante à Terra, seriam 10
bilhões de “Terras” “vizinhas” de nós. Como o Sol é a única estrela em torno da qual há
um planeta com vida que conhecemos, vamos restringir nossa busca às estrelas que, em
termos de temperatura, estabilidade gravitacional, massa e idade, se assemelhem ao Sol
e procurar em torno delas planetas que estejam numa zona habitável, o que constitui
uma situação bastante incomum, tanto que a Terra é o único planeta do Sistema Solar
que reúne condições para a vida. Se apenas 0,01% (um em cada dez mil) dos 10 bilhões
de “Terras” da Via Láctea apresentar condições amigáveis para a vida, haveria um
milhão de planetas em nossa galáxia com possibilidade de apresentar alguma forma de
vida simples. O surgimento de vida microscópica mais complexa, com estrutura celular,
deve ser ainda mais raro; mas, se a vida evoluiu para esse nível em apenas 0,01% dos
planetas onde ela surgiu, seriam 100 mundos na Via Láctea com alguma forma de vida
celular. Ampliando essas conclusões para as 100 bilhões de galáxias que,
possivelmente, formam o nosso Universo, fantásticos 10 trilhões de planetas poderiam
ter vida evoluída. Fica à vontade do leitor acrescentar ou retirar zeros a esses números
gigantescos mas, seja como for, fica cada vez mais difícil responder “por que só na
Terra?”, do que “onde mais além da Terra?”.
Continuando no exercício de probabilidades: seria essa vida inteligente? Se em
“apenas” 500 milhões de anos a vida se diversificou em nosso planeta até produzir seres
como nós, a nossa galáxia com 10 bilhões de anos teria tempo suficiente para
desenvolver civilizações até mais avançadas em outros planetas. Também sobre isso não
dispomos de informações, de modo que nada podemos afirmar, mas, como além de
nossa galáxia existem outras e como, além do Universo observável pode ser que
existam outros Universos, o fato de não termos, até o momento, encontrado vida
alienígena pouco significa, já que quando se considera a dimensão cósmica, tudo é
possível, sendo razoável supor que, havendo condições adequadas e tempo suficiente, a
vida sempre surge e evolui.
A principal razão para não dispormos de informações sobre a existência de vida
extraterrestre inteligente é a distância que nos separa de outra possível civilização, tão
imensa que está muito além da nossa possibilidade de contatá-la com a tecnologia de
que dispomos. Isso ocorre porque, embora nada seja mais rápido do que as radiações
eletromagnéticas (como a luz e as ondas de rádio), a velocidade dessas radiações não é
infinita, ou seja, elas demandam certo tempo para alcançar regiões remotas do espaço.
Por exemplo, a luz do Sol, situado a oito minutos-luz de nós, saiu dele oito minutos
atrás e a luz da estrela em torno da qual gira o planeta GL 581c, situada a 20 anos-luz de
nós, saiu dela há 20 anos. Isso significa que, quanto mais distante for o objeto, mais
para o passado estamos observando, que aquilo que vemos hoje é algo que aconteceu no
passado e que uma eventual comunicação por ondas de rádio demoraria muito; com GL
581c, por exemplo, demoraria 40 anos, 20 para a mensagem chegar lá e mais 20 para a
resposta voltar.
A VIDA É INEVITÁVEL
Desde 1953, sabe-se que aminoácidos e outros compostos que se encontram na base
da vida podem ser produzidos a partir de compostos simples. Mais recentemente
verificou-se que na presença de sulfureto de carbonilo (COS), um gás expelido por
vulcões, os aminoácidos reúnem-se em cadeias maiores formando proteínas. Além de
avançar um passo no entendimento de como surgiram as substâncias diretamente
envolvidas com a vida, isso sugere que ela pode originar-se em ambientes radicais, tais
como perto de vulcões ou em fossas oceânicas, um cenário alternativo ao tradicional,
que admite seu aparecimento no ambiente ameno representado por acúmulo de água
morna. Seja em ambientes mais radicais ou mais tranqüilos, há cerca de três bilhões de
anos surgiram na Terra as primeiras cianobactérias que começaram a realizar
fotossíntese e, em um Grande Evento de Oxidação, libertaram o oxigênio, que mudou
radicalmente a composição da atmosfera. Dessa forma, há 2,5 bilhões de anos, já havia
oxigênio livre em abundancia na atmosfera do planeta, possibilitando o surgimento dos
seres mais complexos que utilizam esse gás para respirar.
O surgimento da vida é uma improbabilidade estatística, mas, da mesma forma como
a vida surgiu espontaneamente na Terra, ela pode surgir em qualquer astro que reúna as
condições necessárias. Um argumento forte a favor da existência de vida fora do nosso
planeta é sua enorme resistência e criatividade, que origina seres extremófilos, capazes
de viver em condições extremas tais como em cavernas profundas, em acúmulos de
água extremamente salgada, no solo congelado a -40°C (permafrost) do Alasca, Canadá
e Sibéria, em fontes que expelem água fervente e em ambientes ricos em ácido
sulfídrico ou repletos de radiação. Assim, o conceito de zona habitável é elástico, de
modo que as condições das luas geladas de Júpiter e Saturno, à primeira vista
incompatíveis com a vida, mas que se assemelham aos ambientes mais radicais do
nosso planeta, podem permitir a existência de formas simples de vida. Além disso,
como as leis físicas, químicas e biológicas que nos governam devem ser as mesmas em
todo o Universo, o surgimento e evolução da vida em outros planetas podem ser
considerados acontecimentos inevitáveis.
UMA CONDIÇÃO
NECESSÁRIA: ÁGUA LÍQUIDA
A vida exige água líquida, que atua como solvente em que os compostos químicos
podem espalhar-se, encontrar-se e reagir. Formada por dois elementos abundantes no
universo, hidrogênio e oxigênio, a água também deve ser comum. Várias substâncias,
como o metano, a amônia e o etano, são encontradas no estado líquido em outros astros,
tal como em Titã, a maior das luas de Saturno, mas elas só se encontram nesse estado
em baixíssimas temperaturas; apenas a água é líquida nos ambientes aquecidos onde as
reações químicas se processam mais rapidamente. Por isso, quando se busca vida
extraterrestre, uma condição necessária é a presença de água líquida, o que implica
ambientes com temperaturas semelhantes às da Terra.
No Sistema Solar cada vez mais se conhecem ambientes que podem ter água líquida.
Os astros mais aptos nesse sentido são Marte e Europa, uma das luas de Júpiter. Em
Europa, acredita-se que haja um oceano profundo coberto por gelo. Marte é, hoje, um
planeta inóspito, com frio e ventos terríveis, mas sua história mineralógica indica que
desde o seu nascimento, 4,6 bilhões de anos atrás, até há 3,5 bilhões de anos o planeta
tinha condições semelhantes às da Terra, com água líquida na superfície, atmosfera
densa e clima ameno. Os famosos canais marcianos podem ter sido rios do passado e as
estruturas geológicas lineares visíveis no norte do planeta podem ter sido antigas faixas
litorâneas, vestígios de uma época em que uma terça parte de Marte era coberta por
oceanos. No entanto, a partir dos 3,5 bilhões de anos, erupções vulcânicas determinaram
uma mudança climática radical no planeta, conduzindo a um clima cada vez mais seco,
mais árido e mais ácido, cada vez mais inabitável para qualquer forma de vida, mesmo
microscópica. Enquanto isso a Terra começava a se tornar habitável a partir de 3,8
bilhões de anos.
Muitos cientistas acreditam que, quando a vida surgiu na Terra, ela também pode ter
surgido em Marte, mas, no curto espaço de tempo em que as condições do planeta
vermelho foram amigáveis para a vida, ela não teve tempo para evoluir. É possível, no
entanto, que hoje formas simples de vida subsistam no permafrost marciano.
Em fins de 2004, a Agência Espacial Européia informou que a sonda Mars Express
detectou sinais de água no permafrost marciano e de gás metano e vapor de água na
atmosfera do planeta. O metano pode ter resultado da atividade metabólica de bactérias
que existem ou tenham existido numa camada líquida sob o solo marciano, ou ter sido
produzido pela reação química entre o hidrogênio liberado das rochas e o carbono.
Visando efetuar análises químicas no solo congelado de Marte e buscar compostos
orgânicos relacionados com a vida, no dia 4 agosto de 2007, a NASA (National
Aeronautics and Space Administration) lançou a sonda Phoenix, prevista para pousar
em abril de 2008 em solo marciano; com isso será dado um passo gigantesco na busca
de vida fora da Terra, pois se avançará da pesquisa geológica para a pesquisa
bioquímica em outros planetas.
Viajando no sentido oposto, no final de 2007 a orbitadora européia Venus Express
confirmou que Vênus, hoje um ambiente infernal com temperaturas de até 500°C e
ventos com a força de furacões, também teve um passado ameno, bastante semelhante
ao da Terra, com grandes oceanos e possibilidade de abrigar vida.
Em janeiro de 2005, a sonda européia Huygens pousou em Titã, onde constatou
temperaturas inferiores a -180ºC. Embora esse seja um argumento contrário à existência
de vida no satélite, a sonda constatou que na sua atmosfera há água e metano. O metano,
tal como em Marte, provavelmente tem origem em alguma atividade geológica, mas não
se pode descartar que ele tenha sido produzido por formas de vida que libertam esse gás
em seu metabolismo. Em 2006, a sonda Cassini, da NASA, encontrou em um pequeno
satélite de Saturno, Encélado (nome do gigante que, segundo a mitologia grega,
habitava o monte Etna, onde produzia o fogo expelido pelo vulcão), indícios de gêiseres
que expelem água líquida, o que constituiria a primeira evidência visual de água líquida
fora da Terra, já que em Marte e em Europa só encontramos evidências indiretas que
sugerem a existência de um oceano líquido coberto de gelo.
Mesmo que não se tenha encontrado vida, a descoberta de água líquida em outros
astros é sensacional, pois reforça a suspeita de que a vida não dever estar restrita a nosso
planeta. No aspecto prático, se for encontrada água subterrânea em quantidade, ela
poderá ser usada para manter uma biosfera no planeta e para produzir hidrogênio e
oxigênio necessários para o retorno de espaçonaves.
SETI E SETA
Na busca por possíveis parceiros cósmicos, agora animada com a descoberta de um
planeta irmão da Terra, o Instituto SETI, sigla em inglês de busca por inteligência
extraterrestre, vem sendo mantido há mais de 40 anos pela agência espacial americana
(NASA). Ele orienta as gigantescas antenas parabólicas de seus radiotelescópios para o
céu, na busca de sinais de rádio de origem distante, na esperança de detectar sinais ou de
efetuar alguma comunicação com eventuais seres extraterrestres. Embora os cientistas
envolvidos com o SETI trabalhem mais com suas crenças e convicções do que com
evidências, não desanimam de encontrar sinais de vida extraterrestre inteligente e de,
usando novas tecnologias digitais, contatar Ets.
Apesar de recente redução nas verbas da NASA, o SETI anunciou a instalação de um
novo conjunto de radiotelescópios muito mais rápidos do que os atuais, o que aumentará
sua capacidade de busca em centenas de vezes. O SETI vem descartando como bons
candidatos a ter vida os planetas que giram em torno de estrelas anãs vermelhas – essas
estrelas pequenas, menos brilhantes que o Sol e bastantes comuns no Sistema Solar,
porque são explosivas e lançam enormes quantidades de radiação ultravioleta que é letal
para a vida desprotegida –, mas, curiosamente, foi em torno de uma delas que se
encontrou o planeta irmão da Terra, o GL581c.
A busca por sinais de vida alienígena é um assunto que suscita tanto interesse que
recebeu, em outubro de 2007, o apoio de mais 42 antenas, de um projeto que prevê 350
e que conta com o apoio de Paul Allen, um dos fundadores da Microsoft.
A maior dificuldade para os contatos com eventuais civilizações distantes é que a
emissão das ondas de rádio demanda muita energia, tanto maior quanto mais distante
elas devam alcançar. Uma alternativa à emissão de ondas eletromagnéticas é enviar ao
espaço pequenas sondas capazes de ser impulsionadas com menos energia do que a
necessária para enviar ondas de rádio; por isso, alguns propõem um projeto SETA, de
busca por artefatos extraterrestres, nada que se assemelhe ao monólito negro de 2001Uma Odisséia no Espaço ou a discos voadores, mas um programa de busca por objetos
minúsculos produzidos por nanotecnologia.
Como a probabilidade de fazer contato com eventuais seres extraterrestres é remota,
muitos criticam a existência desses projetos e o gasto de tanto dinheiro com sua
manutenção, dinheiro que poderia ser mais bem aplicado em benefício do nosso planeta.
Porém a grande probabilidade de haver vida alienígena constitui uma boa justificativa
para esses investimentos.
SEM PRECONCEITOS
Como seriam os possíveis seres extraterrenos?
O surgimento e o desenvolvimento da vida dependem de uma história de acasos que
inclui mutações aleatórias, adaptações a ambientes específicos e cataclismos
imprevisíveis, tanto locais (explosões vulcânicas catastróficas), como cósmicos
(choques com asteróides e cometas). Esses cataclismos podem modificar a atmosfera e
extinguir a vida já existente, criando condições para o aparecimento de novas formas de
vida. Como cada planeta tem uma história de mutações e cataclismos próprios, a vida
que venha a desenvolver-se em cada um deles segue caminhos evolutivos próprios,
imprevisíveis e diferentes dos de qualquer outro lugar.
O que define a sobrevivência ou não das espécies é o acaso (casualidade) e não um
propósito (teleologia ou causalidade). Um exemplo da ação do acaso no
desaparecimento ou na sobrevivência das espécies pode ser dado com a crise ocorrida
há 250 milhões de anos em nosso planeta, no final do período Permiano em sua
fronteira com o Triássico, possivelmente provocada por milhões de anos de atividades
vulcânicas que acarretaram aumento de calor e diminuição acentuada de oxigênio. Essas
mudanças provocaram uma devastação da natureza com eliminação, ao acaso, de mais
de 70% das espécies terrestres e de mais de 90% das marinhas; as espécies que, por
acaso, tinham as adaptações que lhes permitiram escapar da mortandade sobreviveram e
deram continuidade à vida no planeta. De forma similar, há 60 milhões de anos a
colisão de um asteróide com a Terra provocou a extinção dos dinossauros e criou
condições para o desenvolvimento dos mamíferos; não fosse esse acidente cósmico
casual, possivelmente nós não estivéssemos aqui e a Terra poderia continuar a ser
dominada pelos dinossauros, um grupo de muito sucesso.
Como esses acidentes planetários e a história da vida em nosso planeta jamais
ocorreram exatamente da mesma maneira em nenhum outro lugar, podemos afirmar que
os seres que habitam a Terra são únicos e especiais no Universo, pois resultam de uma
cadeia de acasos, de acontecimentos aleatórios que não se repetem.
Por outro lado, nós só conhecemos uma forma de vida: a que existe na Terra e tem o
carbono como base. O carbono é um elemento eclético que pode ligar-se com vários
outros átomos, como hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e a outros átomos de carbono
com os quais forma moléculas grandes e complexas. Ele é produzido nas estrelas e é
abundante no Universo, de modo que, se houver vida fora da Terra, ela, provavelmente,
baseou-se nesse tipo versátil de átomo, não havendo necessidade de admitir que outros
elementos semelhantes ao carbono, como silício e chumbo, estejam na base da vida
extraterrestre. Porém nossa possibilidade de reconhecer um sistema como sendo vivo
baseia-se no que conhecemos e poderemos não reconhecer algo extremamente bizarro
como sendo vivo. É possível que existam formas de vida totalmente estranhas, com
metabolismos que não se encaixam em nossa definição de vida e que não seriam
reconhecidas como tal pela ciência, demandando uma nova conceituação do que seja
vida; porém, o mais provável é que a seleção natural tenha agido nesses planetas de
forma similar à da Terra, escolhendo organismos semelhantes aos que conhecemos, por
exemplo, com olhos (simples, compostos, dois, quatro, seis?) e estruturas locomotoras
(anéis contráteis, barbatanas, dois, quatro, seis membros?), produzidos por evolução
convergente, o mesmo processo que faz golfinhos e tubarões terem formas semelhantes.
ARCA DE NOÉ ESPACIAL
O sentimento de solidão cósmica que provém da falta de evidências sobre a
existência de parceiros extraterrestres estimulou a criação dos primeiros cursos
superiores de astrobiologia, ciência multidisciplinar que envolve o trabalho de
astrônomos, astrofísicos, químicos, geólogos, biólogos e que se dedica ao estudo da
origem da vida na Terra e em outros planetas.
Independentemente de a astrobiologia demonstrar que existe ou não vida alienígena,
maior do que o possível abatimento por estarmos, até onde se sabe, sozinhos, isolados
no cosmo, maior do que o previsível sentimento de orgulho por sermos únicos ou tão
raros no Universo, deve ser a nossa responsabilidade de preservar esse acontecimento
especial que é a vida terrestre, que levou bilhões de anos para atingir o estágio atual de
biodiversidade, mas que pode ser aniquilada por eventos apocalípticos.
Algumas ameaças para a vida na Terra dependem de nós, como o aquecimento do
planeta e a manutenção de arsenais nucleares; outras são imprevisíveis, como pestes
devastadoras, explosões vulcânicas, terremotos, maremotos e colisões com corpos
celestes. Por isso, nossa responsabilidade não se resume em preservar a vida na Terra,
mas inclui nos prepararmos para disseminar esse evento tão raro pela galáxia. Japoneses
e chineses já têm planos de juntar-se aos veteranos americanos e russos na corrida
espacial e a NASA planeja iniciar em 2020 a construção de uma base lunar onde seriam
criados um arquivo de nossas realizações culturais, científicas e tecnológicas, um banco
biológico constituído de genes, óvulos, espermatozóides e sementes congelados e uma
biosfera habitável capaz de abrigar plantas, animais e humanos. Assim, se a tecnologia
conseguir destruir a vida na Terra, talvez ela possa salvá-la em outro lugar. Para o
astrônomo americano Carl Sagan (1934-1996), criador da série Cosmos e incentivador
da busca por inteligência extraterrestre, a situação chega a ponto de que “em longo
prazo, ou colonizamos os planetas, ou seremos uma espécie extinta”.
Download