as diferentes concepções de música nacional segundo mário

Propaganda
NOTAS DISSONANTES: AS DIFERENTES CONCEPÇÕES DE MÚSICA
NACIONAL SEGUNDO MÁRIO DE ANDRADE E O GRUPO MÚSICA
VIVA (1920 – 1950)
Lucas Dias Martinez Ambrogi
Prof. Rogério Ivano (Orientador)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo apresentar algumas considerações
sobre a utilização da música no processo de construção de identidades
culturais, sobretudo a identidade nacional, tratando especificamente dos
eventos relacionados ao nacionalismo musical no período de 1920 até
1950, analisados por historiadores como Arnaldo Daraya Contier e André
Acastro Egg. O debate acerca do nacionalismo musical, pesquisado por
esses historiadores foi corrente durante as primeiras décadas do século
XX, estendendo-se até por volta da década de 1950. Mário de Andrade
publica em 1928 sua obra, “Ensaio sobre a música brasileira”, que
apresenta sua concepção de música nacional, bem como sugestões para
se produzir a música erudita brasileira a partir do aproveitamento do
folclore nacional. Porém, durante a década de 1940, um grupo de músicos
questiona essas diretrizes propostas por Mário de Andrade para a
produção da música nacional, trata-se do grupo Música Viva, fundado no
Rio de Janeiro em 1939 pelo flautista alemão, Hans-Joachim Koellreutter.
Palavras chave: nacionalismo musical; Mário de Andrade; grupo Música
Viva.
1304
O presente trabalho tem por objetivo apresentar algumas
considerações sobre a utilização da música no processo de construção de
identidades
culturais,
sobretudo
a
identidade
nacional,
tratando
especificamente dos eventos relacionados ao nacionalismo musical no
período de 1920 até 1950, analisados por historiadores como Arnaldo
Daraya Contier e André Acastro Egg.
O debate acerca do nacionalismo musical, pesquisado por esses
historiadores, foi corrente durante as primeiras décadas do século XX,
estendendo-se até por volta da década de 1950541. Algumas datas são
representativas, como 1928, ano de publicação da obra de Mário de
Andrade, Ensaio sobre a música brasileira; 1939, ano de fundação do
grupo Música Viva na cidade do Rio de Janeiro por Hans-Joachim
Koellreutter; 1944 e 1946, anos em que o grupo Música Viva publica seus
dois manifestos e também começa a divulgar sua concepção de
nacionalismo baseado na estética dodecafônica, e 1950, ano em que
Camargo Guarnieri publica sua “Carta aberta aos músicos e críticos do
Brasil”.
Elaborado e consolidado durante a década de 1920, contexto
onde surgem inquietações sobre a produção artística de uma forma geral,
o nacionalismo musical objetivado por Mário de Andrade fundamentava-se
na utilização da música folclórica do país. Segundo Contier, Mário em sua
crítica com relação à forma com que se produzia música no Brasil, naquele
momento supostamente influenciada por modelos europeus, objetivava a
541
O debate sobre a construção do nacional é extenso e complexo, remete ao século XIX, período em que as
artes, como por exemplo, a música e a literatura desempenharam papeis fundamentais para fortalecer uma idéia
de nação. Sobre o assunto ver, por exemplo: FERLIM, Uliana Dias Campos, A polifonia das modinhas:
diversidade e tensões musicais no Rio de Janeiro na passagem do século XIX ao XX. Dissertação de
mestrado, Universidade Estadual de Campinas . Campinas, SP. 2006, p. 01- 171. E também, ABREU, Martha,
“Histórias da „música popular brasileira‟: uma análise da produção sobre o período colonial”. In: JANCSÓ,
István e KANTOR, Íris (orgs), Festa: cultura e sociabilidade na América Portuguesa, São Paulo Edusp,
Fapesp, 2001; RICUPERO, Bernardo. O romantismo e a idéia de nação no Brasil (1830 – 1870). São Paulo:
Martins Fontes, 2004.
1305
construção de um discurso sobre identidade cultural fundamentado por
uma idéia de brasilidade. Dessa forma,
Mário de Andrade defendia a pesquisa do
folclore (música popular) como fonte de
reflexão temática e técnica do compositor
erudito preocupado, num primeiro momento,
com a criação de uma música nacional e, num
segundo, com a sua universalização através da
difusão nos principais pólos culturais do
exterior, em especial, da Europa. (CONTIER,
2004:01)
Em 1928, Mário de Andrade publica sua obra Ensaio sobre a
música brasileira, na qual defende seu projeto nacionalista e apresenta
sua insatisfação com a relação à produção musical brasileira sujeita ao
padrão europeu. Nesse ensaio, o autor expõe a necessidade e a
importância
da
constituição
da
identidade
nacional,
apontando
os
caminhos para tal através da música. Para ele, a arte brasileira naquele
momento deveria estar pautada por critérios sociais,e não filosóficos.
Escreve:
O critério atual de Música Brasileira deve ser
não filosófico mas social. Deve ser um critério
de combate. A fôrça nova que voluntariamente
se disperdiça por um motivo que só pode ser
indecoroso (comodidade própria, covardia ou
pretensão) é uma fôrça antinacional e
falsificadora. (ANDRADE, 1972:19)
E continua, já no final do texto: “Todo artista brasileiro que no
momento atual fizer arte brasileira é um ser eficiente com valor humano.
O que fizer arte internacional ou estrangeira, si não for gênio, é um inútil,
um nulo. E é uma reverendíssima bêsta”. (1972:19)
1306
Dessa forma, o autor enfatizava a função social que os músicos
brasileiros, e todos aqueles envolvidos com a produção artística no país,
deveriam adotar. Egg ressalta que essa concepção de função social do
artista tornou-se base central para Mário de Andrade, que se colocava
contra o “[...] individualismo do artista romântico, e contra o conceito do
intelectual e literato em sua “torre de marfim”, comum no Brasil da
Primeira República. (2004:15)
Essa função social a ser desempenhada pelo artista pressupõe
um caráter “missionário”, também analisada por Egg:
[...] Esta concepção de intelectual isolado do
mundo já era problematizada por autores
como Euclides da Cunha e Lima Barreto, mas
foi o Modernismo que criou a identidade do
intelectual como grupo independente, com um
forte senso de missão, elegendo-se como
consciência iluminada da nação.
A função social que Mário de Andrade
preconizava para a criação artística no Brasil
era a da formação de uma nação através da
alta cultura. Ao contrário dos países europeus,
que Mário de Andrade considerava avançados
culturalmente, o Brasil ainda não havia
desenvolvido sua arte culta de caráter
nacional.
Cabia
então
a
todo
artista
responsável preocupar-se com esta questão.
(EGG, 2004: 15)
Nesse sentido, observamos que Mário de Andrade vai além ao
desenvolver seu projeto de música nacional. Ele constrói um discurso
idealizado sobre a nação brasileira almejando a “civilização” internalizada
no povo “inculto”, e assume o papel da pessoa responsável por
conscientizar e instrumentalizar os indivíduos do país. Sendo assim, o
escritor e musicólogo pretendia fornecer subsídios para que esse povo
participasse
da
produção
da
música
erudita
nacional
modernista,
buscando o desenvolvimento “civilizatório” aflorado pelo sentimento
nacional: “[...] nós só seremos civilizados em relação às civilizações o dia
1307
em que criarmos o ideal, a orientação brasileira. Então passaremos da
fase do mimetismo, pra fase da criação. E então seremos universais,
porque nacionais”. (ANDRADE apud CONTIER, 2004:20)
Mário de Andrade criticava nesse momento a concepção de
civilização que era proposta pelas elites da Belle Époque, as quais tinham
como ideal e modelo de civilização Paris e boa parte da cultura européia.
(CONTIER, 2004)
O envolvimento do poder público, aos olhos dos intelectuais que
militavam a favor da construção de uma identidade cultural brasileira e
incentivavam a produção artística nacional, era o único meio para se
efetivar a construção de um ambiente propício para se produzir arte
nacional. Antes da Revolução 1930 esse grupo já criticava a política
realizada durante a 1° República, bem como o ambiente cultural
permeado por música romântica542 italiana, russa, francesa e germânica,
patrocinado pela burguesia, evidenciando a omissão do governo no
financiamento da arte e da cultura (EGG, 2004: 10).
Em fevereiro de 1922 esse grupo de artistas e intelectuais se
organizou em torno da Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro
Municipal de São Paulo. Esse evento foi um marco do movimento em favor
de uma arte nacional que deveria ser apoiada pelo Estado. A Semana de
Arte Moderna trazia em seu bojo um espírito renovador que se colocava
contra a concepção de arte vigente naquele contexto, além de representar
uma oportunidade para que esses intelectuais reivindicassem maior
participação na política nacional. O evento
[...] Consistiu em uma série de conferências,
exposições, concertos e eventos literários
realizados em comemoração ao centenário da
542
Refere-se à produção artística do período Romântico que compreende um período de 1815 até o início do
século XX.
1308
Independência do Brasil. A Semana foi
também uma manifestação dos intelectuais
contra sua marginalização política, afastados
que eram do Estado durante a república
liberal, e contra a visão da música como
atividade inútil que servia ao lazer esporádico
da burguesia. Mário de Andrade foi um dos
organizadores e participou ativamente da
programação do evento, que visava o
rompimento com a tradição acadêmica,
atualizando as técnicas de criação artística.
Nos diversos concertos realizados na Semana,
foi executada principalmente música de
compositores modernistas franceses. O único
compositor brasileiro a ter obras executadas
foi Heitor Villa-Lobos. (EGG, 2004:11)
A partir da revolução de 1930, um grupo de artistas e intelectuais
encontrou uma oportunidade para a efetivação de seu projeto de criação
de uma música erudita nacional colaborando com o governo de Getúlio
Vargas (1930-1945) e assumindo cargos em instituições públicas de
ensino. Orientado por um projeto geral que consistia na criação de um
Estado moderno, que visava a consolidação de uma identidade nacional
brasileira, o governo Vargas, a princípio, apresentou um programa que
coincidiu com o ideário de construção de uma música erudita nacional:
A música de concerto servia a este projeto,
coincidindo com seu viés conservador, ao
favorecer valores como ordem e disciplina, e
ao promover uma visão paternalista da música
às classes populares.
Este
grupo,
a
que
chamaremos
de
nacionalistas, defendia o projeto de criação de
uma linguagem brasileira de composição
baseada no folclore. O que se pretendia era
uma
“substituição
de
importações”:
o
consumidor de música de concerto deveria
trocar a preferência pelo repertório europeu do
século XIX, principalmente ópera, por um
gosto pela música feita por compositores
nacionalistas brasileiros. (EGG, 2004: 3)
1309
Mário de Andrade, como um dos principais formuladores teóricos
do nacionalismo musical nesse período, participou de cargos públicos do
governo Vargas durante a década de 1930. Também ocupou cargos no
Ministério de Capanema543, onde se encontrava a maioria dos intelectuais
modernistas trabalhando no projeto de construção de um nacionalismo
brasileiro (EGG, 2004:30). Trabalhou como docente no Instituto de Artes
da Universidade do Brasil544 onde, no papel de diretor, lhe coube a
responsabilidade de reformular os currículos. Participou da criação do
Instituto Nacional do Livro e da Secretaria de Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN) (2004:30). Mário de Andrade logo apresenta
sua insatisfação com relação à política varguista e torna-se um dos seus
críticos. O autor, em sua obra O Banquete, publicada em capítulos a partir
de 1943 em uma coluna semanal do jornal Folha da Manhã, intitulada
Mundo Musical, expressa sua frustração com o governo Vargas, que
gerenciava seus projetos culturais de forma superficial e autoritária. (EGG,
2004: 31)
Seu projeto demandava um custo elevado e exigia mudanças
estruturais. Para o governo era mais fácil viabilizar projetos culturais
somente para satisfazer os modernistas do que realmente implantar
projetos nacionais como o idealizado por Mário de Andrade, que tinha
como um dos objetivos despertar “a consciência de uma nacionalidade”
nos brasileiros. Dessa forma, as mudanças no sistema de produção e
difusão de música erudita foram superficiais. Segundo Egg,
Com uma mão o governo apoiava o projeto
modernista de música erudita nacional, e com
a outra sancionava o crescimento da música
comercial. O projeto dos modernistas era de
difícil
implantação
porque
demandava
investimento
alto
na
manutenção
de
orquestras, companhias de ópera e instituições
543
544
Refere-se a Gustavo Capanema, ministro da Educação e Saúde de Getúlio Vargas no período de 1934 a 1945.
Atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
1310
de ensino musical. Por outro lado, esbarrava
no
desinteresse
do
público
de
elite,
acostumado à música internacional, e na falta
de tradição de música de concerto entre as
classes populares (EGG, 2004:30).
O projeto desenvolvido por Mário de Andrade era um tanto
quanto ambicioso e complexo. Seu livro, Ensaio Sobre a Música Brasileira,
1928, continha as diretrizes para a produção de uma música nacional e
um levantamento “científico” da música folclórica brasileira, objetivando a
orientação de músicos e artistas para se tornarem conscientes de sua
função social e motivados em produzir arte nacional “interessada”. O
projeto estético-ideológico proposto exerceu forte influência de cunho
nacionalista em compositores do país, como Camargo Guarnieri, que
[...]
conseguiu
organizar
uma
Escola
Nacionalista,
formando
um
grupo
de
compositores de relativa importância no
panorama
da
música
brasileira
contemporânea: Nilson Lombardi, Osvaldo
Lacerda, Marlos Nobre, Aylton Escobar, Sérgio
Vasconcellos Corrêa, Almeida Prado, Kilza
Setti, entre outros (CONTIER, 1985:33).
Mário de Andrade, ao buscar uma estética musical genuinamente
brasileira
objetivando
um
rompimento
com
uma
estética
musical
importada, realizou pesquisas sobre vários temas musicais considerados
como parte do folclore brasileiro. Para o autor, a produção musical
nacionalista consistiria no acréscimo da “folcmúsica” pelos compositores
em suas obras, porém sem transformar seu uso em ato considerado
banal:
É preciso rejeitar o aproveitamento do folclore
como um mero elemento exótico. Por esse
motivo, Mário havia se recusado a valorizar os
primeiros trabalhos de Villa-lobos, fortemente
marcados pelo emprego de cantos indígenas,
enfatizando estruturas rítmicas e melódicas de
1311
características
puramente
exóticas.
O
compositor deveria sentir o inconsciente
coletivo de uma determinada comunidade,
sem se preocupar aprioristicamente com os
críticos,
em
especial
franceses,
que
valorizavam obras de autores brasileiros
voltados para os aspectos exóticos da
folcmúsica brasileira. (CONTIER, 1985:30).
Para Mário de Andrade, a música nacional deveria aproveitar-se
de fontes folclóricas e para alcançar o nível “inconsciente coletivo”, citado
a pouco, os compositores deveriam seguir três processos, como nos
lembra Contier:
a) empregar integralmente melodias folclóricas
em suas peças (Luciano Gallet, por exemplo);
b) modificar um ou outro trecho de uma
música folclórica (variações sobre um tema de
cana-fita, de Sérgio Vasconcellos Corrêa);
c) inventar uma melodia folclórica própria...
Não se trata do folclore “puro”, mas da música
erudita de inspiração popular. As melodias não
são simples pastiches dos documentos
folclóricos, mas de livre criação do artista
imbuído dos caracteres nacionais, conforme o
pensamento
esboçado
no
Ensaio
[...]
(CONTIER, 1985:27).
No ano de 1937 chegou ao Brasil, fugindo da perseguição
nazista, o jovem flautista alemão Hans-Joachim Koellreutter. Sua vinda
para o país proporcionou ao músico a possibilidade de compartilhar as
experiências da agitação cultural da qual participou de forma efetiva na
Alemanha e na Suíça. O flautista fundou no ano de 1939 o grupo Música
Viva, na cidade do Rio de Janeiro. Publicando mensalmente boletins
informativos sobre a produção musical, entre outras atividades, o grupo
objetivava o incremento da atividade musical no Brasil (EGG, 2005:60).
1312
Nesse período, o grupo formado por Koellreutter era composto
por
músicos
que
foram
fortemente
inspirados
pelo
movimento
nacionalista, responsável por modernizar a música no Brasil. A proposta
era promover e valorizar a música nova, principalmente a música
contemporânea
brasileira
(EGG,
2005:61).
Sendo
assim,
a
única
possibilidade de Koellreutter apresentar uma música de vanguarda era a
sua união com o grupo composto por músicos nacionalistas, os quais
representavam no momento a música contemporânea, “o modernismo
brasileiro” (EGG, 2005:61).
No ano de 1944 Koellreutter rompeu definitivamente com o
movimento nacionalista fundamentado pelas idéias de Mário de Andrade,
e, dois anos depois, em 1946, juntamente com Eunice Catunda, Cláudio
Santoro, César Guerra-Peixe, entre outros, lançou o manifesto “Música
Viva” em contraposição à tendência nacionalista inspirada pelo Ensaio
sobre a música brasileira (CONTIER, 1985:37).
Segundo o historiador e músico André Egg, Koellreutter, uma vez
fugitivo de um país que possuía naquele momento um regime fundado em
um
nacionalismo
extremado,
insistia
no
“[...]
valor
universal
e
humanístico da música [...]”, preferindo promover uma música de
vanguarda sem relações com o nacionalismo musical (2005:61).
A técnica de composição dodecafônica ou serial, utilizada por
esses compositores e “músicos de vanguarda”, foi desenvolvida pelo
compositor austríaco Arnold Schöenberg545, que “[...] fundamenta-se
numa série de doze sons (escala cromática). A partir dessa técnica de
545
O historiador Carl E. Schorske, ao fazer uma reflexão sobre o caráter social e filosófico da arte “subversiva”
de Schöenberg, identifica as permanências e rupturas na arte e também nas estruturas da sociedade. Ver:
SCHORSKE, Carl E. Viena fin-de-siècle: política e cultura. Tradução Denise Bottmann. São Paulo:
Companhia das letras, 1990.
1313
composição todo sistema tonal foi colocado em xeque originando-se uma
nova linguagem musical”
Essa
nova
546
(CONTIER, 1985:37).
linguagem
musical
divulgada
no
Brasil
por
Koellreutter, segundo os nacionalistas inspirados por Mário de Andrade,
inibia qualquer tipo de inspiração que o compositor viesse a ter, mantendo
o mesmo em um jogo de regras matemáticas, além de se apresentar
como
“[...]
excessivamente
formalista,
impessoal
e
nitidamente
antinacionalista” (CONTIER, 1985:37).
O conflito que se estabeleceu durante a década de 1940 foi entre
esse novo grupo de jovens alunos que Koellreutter conseguiu reunir em
torno de si e a antiga geração de músicos nacionalistas. Segundo Egg,
havia surgido, com esses jovens alunos como César Guerra-Peixe e
Cláudio Santoro, uma nova concepção da idéia de nacionalismo, não mais
apenas sobrevalorizando o folclore brasileiro, mas sim dedicando uma
importância às técnicas de vanguarda, à música contemporânea e à nova
música popular urbana:
O grupo Música Viva passou a defender um
novo nacionalismo, baseado na pesquisa
científica do folclore para compreensão de sua
estrutura técnica (Santoro) e na assimilação
da nova música popular urbana (Guerra
Peixe). Folclore e música popular urbana
deveriam, na ótica destes dois compositores,
ser devidamente reelaborados mediante uma
lógica composicional coerente e com técnicas
atualizadas (EGG, 2005:69).
546
Ver também: WISNIK, José Miguel S. O coro dos contrários: a música em torno da Semana de 22. São
Paulo: Duas Cidades. 2ª edição, 1983, p. 133. O termo “atonal” também refere-se ao dodecafonismo. O
musicólogo Jean-Jacques Nattiez faz uma reflexão sobre as definições das técnicas tonal e atonal apresentando
as diferentes concepções ao longo da história, recuperando o debate acerca dos conceitos tom, tonal e tonalidade.
Ver: NATTIEZ, Jean-Jacques. Tonal/Atonal. In: Enciclopédia Einaudi, Vol. 3. (Artes/Tonal-Atonal). Lisboa:
Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1984, p.331-356.
1314
Nesse sentido não houve uma negação da necessidade de se
produzir uma música nacional; a questão que estava colocada era de que
forma ela seria feita. Para Egg, as críticas de Guerra-Peixe e Santoro
[...] à relação dos compositores nacionalistas
com o folclore eram motivadas por uma
tentativa de redefinir o nacionalismo musical
em novas bases no País. O conflito aberto por
eles não era um conflito contra o nacionalismo
musical,
mas
um
conflito
dentro
do
nacionalismo musical (EGG, 2005:69).
Esses músicos encontraram através das aulas de Koellreutter a
oportunidade de romper com um academicismo “[...] estéril e desligado
da realidade local [...]” (EGG, 2005:65), fundamentado em antigas
tradições, e de buscar uma formação mais livre e flexível no sentido de
incorporar novas tendências estéticas à sua música, redefinindo o conceito
de nacionalismo musical.
Estes compositores vinculavam suas fundamentações ideológicas
a determinadas técnicas musicais; portanto, era através da linguagem
musical que definiam e posicionavam seus pressupostos ideológicos
referente ao nacionalismo no Brasil. Pode-se dizer, assim, que para além
de uma discussão sobre teoria e estética musical, esses eventos tratam do
embate entre diferentes projetos de nacionalidade entre grupos de
indivíduos que cada qual ao seu modo, procuravam legitimar a construção
de uma determinada identidade cultural.
Por outro lado, é importante termos em mente que os diferentes
discursos, analisados pelos historiadores André Egg e Arnaldo D. Contier,
foram construídos em contextos distintos e, portanto, carregam em si
toda a influência de seu tempo. Ao construírem discursos próprios sobre o
nacionalismo musical nacional, esses grupos fundamentaram-se, ora
somente no folclore, ora no folclore somado às técnicas de vanguarda, ora
1315
à música popular. O interessante é notar que em cada período da história
a idéia de nacional se constrói e reconstrói; porém, permanece como uma
maneira de se produzir e fortalecer laços identitários, transmitindo a
sensação de uma nação unificada.
Referências bibliográficas
ANDRADE, Mário de. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo:
Martins Ed., 3ª edição, 1972.
CONTIER, Arnaldo Daraya. Música e ideologia no Brasil. São Paulo:
Novas Metas, 1985.
___________. O Nacional na música erudita brasileira: Mário de Andrade
e a questão da identidade cultural. Fênix - Revista de história e
estudos culturais, outubro/novembro/dezembro 2004, vol. 1, ano 1, n°
1. pp. 01-21.
EGG, André. O debate no campo do nacionalismo musical no Brasil
dos anos 1940 e 1950: o compositor Guerra Peixe. Dissertação de
mestrado, UFPR. 2004, pp. 01-236.
___________. O grupo Música Viva e o Nacionalismo musical. In: Anais,
III Fórum de pesquisa científica em arte. Escola de Música e Belas
Artes do Paraná. Curitiba. 2005. pp. 60 -70.
1316
Download