De olhos postos no céu

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REPORTAGEM
De olhos postos no céu
Planetário de Lisboa
Tal como os relógios, também os calendário medem o tempo que passa. Sentados,
frente ao renovado sistema de projecção do Planetário de Lisboa, olhamos para o céu
S
à procura de orientação.
ubir as escadas do Planetário de
Lisboa é, para muitos, uma espécie
de revisitação ao passado. Pouca
coisa mudou, desde as décadas de
setenta e oitenta, quando integrávamos o grupo
de miúdos que saía da sessão em alvoroço depois
de sobreviver à trovoada, quase real. Ainda hoje,
cerca de setenta por cento dos visitantes «são
alunos, porque há programas de acordo com os
anos escolares, que servem de complemento à
teoria que aprendem nas aulas» explica o Comandante Monteiro dos Santos, director do Planetário. Pouca coisa mudou, mas só à primeira
impressão. O cérebro das missões intra-galácticas dos últimos quarenta anos é hoje uma peça
do Património Cultural da Marinha, sem espaço
t e x t o Va n d a J o r g e > f o t o s A n a B a i ã o
a dúvidas uma das relíquias mais valiosa, agora
exposta no corredor principal. Foi um dos projectores mais avançados do seu tempo: o filtro
opaco com orifícios micro-perfurados, permitia
simular um céu estrelado com cerca de 7200 estrelas. No seu posto, ao centro da sala cilíndrica,
ergue-se agora o moderníssimo Modelo Universárium IX, um projector topo de gama de fabrico alemão que, com os projectores suplementares distribuídos pela sala, consegue criar um
espectáculo ainda mais envolvente. «Já não existem peças sobresselentes para o projector antigo»
justifica o director, apontado para o histórico
aparelho que mostrou o céu estrelado a mais de
três milhões de visitantes. «Foi aberto um concurso internacional, tivemos o apoio do Minis-
Planetário mecânico, um instrumento de relojoaria que representa o Sistema Solar, tal como era conhecido em 1924.
Na página do lado o director do Planetário o comandante Monteiro dos Santos.
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Planetario de Lisboa
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mável que para os Sumérios, Acádios e Caldeus, o
Sol, a Lua e os Planetas eram Deuses que tinham
influência sobre a vida que levavam na Terra.
Na galeria de acesso à sala de projecção, estão expostos
os instrumentos que fazem a história do Planetário.
Há muitos filmes e debates com
questões ligadas à astronomia
com a apresentação de um
céu estrelado, são necessários
outros meios para tornar
as sessões interessantes
Jorge Farinha conferencista do Planetário há 18 anos. Ao lado,
antigo projector Modelo UPP 23/4, da pioneira Carl Zeiss Jena,
é hoje uma das mais importantes relíquias exposta no
Planetário. O aparelho óptico-mecânico fisicamente constituído
as extremidades, projectava 7200 estrelas na cúpula da sala.
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< ESPIRAL DO TEMPO
Cerca de 1000 estudantes conhecem diariamente o céu,
as estrelas, as constelações, os movimentos da Terra e
da Lua numa viagem ao sistema solar conduzida pelo
novo projector.
Jorge Farinha dá as indicações ao novo projector, dando
início a mais uma sessão na sala de projecção.
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por um corpo cilíndrico com duas grandes esferas, em ambas
Quando a luz se apaga
Nos vinte e três metros de diâmetro da Cúpula, o
céu está estrelado. A sensação de infinito faz o
tempo recuar. Na sala já não estão jornalista e entrevistado, os papeis são novamente, o de aluna e
o de conferencista, de outros tempos. De caneta
laser na mão, Jorge Farinha guia-nos pelas
Estrelas, fá-lo quase diariamente, há mais de
dezoitos anos. A experiência e a investigação levam-no a acreditar que há efeitos produzidos
pelos Astros que podem ser sentidos na Terra, «é
lícito perguntar, porque não influenciar a própria
vida?» lança. «Há provas de que a vida é influenciada pela Fases da Lua, as desovas dos corais dão-se sempre em Lua Cheia, e em França, por
exemplo, concluiu-se que o vinho de maior qualidade era de anos de grande actividade do Sol»
exemplifica. «Se os Astros influenciam os vegetais
e os corais, porque não nos hão-de influenciar
também a nós? Até onde ninguém sabe!» brinca
o o conferencista. As certezas de hoje foram uma
simples questão de sobrevivência para os povos
antigos. No Egipto e na Mesopetânia, regiões do
globo onde floresceu a astrologia, é facto insofis-
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que já não se compadecem
tério da Ciência e do FEDER e substituiu-se o
anterior sistema que tinha as limitações típicas
de uma tecnologia dos anos sessenta» acrescenta.
Apenas há três anos no cargo, o Comandante
sente que a mudança surge no momento certo,
até porque, «o público está mais esclarecido e
exigente» diz. «Há muitos filmes e debates com
questões ligadas à astronomia que já não se compadecem com a apresentação de um céu estrelado; são necessários outros meios para tornar as
sessões interessantes» acrescenta.
Na época dos primeiros calendários
É impensável começar um novo ano sem olhar
para a agenda pessoal e planear o Tempo. Os
meses, os números e os nomes dos dias da semana são referências actuais, organizadas numa escala de contagem do tempo, a que a sociedade
convencionou dar o nome de Calendário. O que
hoje usamos, foi aperfeiçoado ao longo de milhares de anos e terá sido o conhecimento do movimento da Terra e o aparecimento diário do Sol
e da Lua que levou à criação destas primeiras
formas organizacionais. Numa fase primária seriam construídos em dois ou mais discos perfurados e marcados que, quando na posição correcta,
indicavam o dia ou o mês.
No Egipto, a primeira cronologia de 3000
A.C. estabelecia um ano de 360 dias, determinado pelo retorno do nascer Helíaco de Sirius –
‘Sothis’. Com o laser apontado para a Estrela
Sirius, Jorge Farinha recorda que «o mais importante para o egípcios era o dia em que ela nascia
quase em simultâneo com o Sol, altura das inundações no Nilo e da fertilização dos campos que
cultivavam». Tal como o povo das margens do
Nilo, ao longo de séculos, a humanidade desenvolveu calendários que serviram para prever as
estações, determinar as épocas ideais para o plantio e colheitas e para assinalar as cerimónias
religiosas. Faziam-no através da «observação de
constelações, e a partir do nascimento dos astros
mais importantes, como o Sol e a Lua. Por exemplo, Stonehenge seria um monumento criado
para prever os solestícios, os equinócios e os
eclipes da Lua» explica. Sem relógios ou outros
meios de medição, os antigos assumiam um
evento físico que se repetia sempre da mesma
forma e no mesmo intervalo de tempo, como
referência: a luz dava a noção de ontem, hoje e
amanhã; os 29,5 dias de uma nova Lua determinava o novo mês, e a sequência das estações ditava os anos. Povos como os romanos, fizeram da
Lua uma máquina do tempo; em Atenas, Jeru-
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Planetario de Lisboa
de Júlio César, o Papa Gregório XIII assina a bula do Calendário
Gregoriano com 365 dias, 5 horas 48 minutos e 20 segundos.
salém e na Babilónia, um novo mês era anunciado quando ao anoitecer surgia nos céus a Lua
Crescente, e ainda hoje, cumprindo a tradição,
para os judeus o dia começa ao pôr-do-sol. O
princípio parecia simples: para ocorrer 12 lunações eram necessários 354 dias, o mês lunar medido com precisão tem 29,53059 dias, ou seja,
um ano de 354,36708 dias, menos que o ano
solar de 365,2422199 dias.
Mas quer nos calendários solares como nos
lunares, a fórmula ainda não era perfeita. O Ano
Trópico corresponde a 365,242199 dias. Como
nos calendários o ano é estabelecido em anos
inteiros, surge a diferença de 0,242199 dias se o
calendário for de 365 dias, que acumulado ao
longo de anos se transforma num erro de dias
inteiros, ou mesmo semanas. Para corrigir a diferença foram criados os anos bissextos. «Há povos,
como os árabes, que ainda hoje usam o calendário Lunar, já os judeus organizam-se por um
lunissolar. No mundo ocidental, usamos o calendário Solar», embora tenhamos herdado dos antigos calendários lunares, os 12 meses originários
das 12 lunações.
Quando Roma conquista o Egipto, os conhecimentos desse povo são usados na elaboração do novo calendário, caminhava-se para os
calendários dos nossos dias.
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Calendae: O primeiro dia do mês
Terá sido Rómulo, fundador de Roma, o responsável pelo primeiro calendário romano datado de 753 a.c. Um calendário lunar de 10 meses:
Martius, Aprilis, Maius, Junius, Quintilis, Sextilis, September, October, November e December, que compreendia 304 dias. Segundo a história, só em 700 a.c., o rei de Roma, Numa
Pompilio, acrescenta Januarius e Februarius, o
ano cresce para 355 dias e perde-se o sentido inicial dos nomes dos meses – Setembro de sétimo;
Outubro de oitavo, Novembro de nove e Dezembro de décimo mês. No calendário romano,
o equinócio civil tinha três meses de diferença do astronómico, os meses de Inverno surgiam no Outono e os de Outono no Verão, um
desvio que levou à intervenção de Júlio César.
Com a ajuda do astrónomo Sosísgenes, o Imperador passou o primeiro dia do ano de Março
para Janeiro e os dias foram aumentados para
365, com um dia adicionado de 4 em 4 anos. O
Senado Romano, em homenagem, mudou o
mês Quintilius para Julius (Julho) e Sextilius
para Augustus (Agosto), toda a Europa Cristã
adopta o calendário de Júlio César. Em 1582,
passados 1627 anos desde a proclamação do
Calendário de Júlio César, o Papa Gregório XIII
assina a bula do Calendário Gregoriano com
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Em 1582, passados 1627 anos desde a proclamação do Calendário
365 dias, 5 horas 48 minutos e 20 segundos,
Calendário que ainda hoje é usado no mundo
ocidental. Com este Calendário admitiram-se
três anos de 365 dias, seguidos de um de 366 –
os ano bissextos; só de 400 em 400 anos três
anos bissextos são suprimidos e o Ano Novo
passa para 1 de Janeiro. Para efeitos de acerto de
calendário, foram suprimidos dez dias ao calendário Juliano, o dia 5 de Outubro de 1582
passou a ser dia 15 desse mês, eliminando-se o
erro acumulado e o equinócio da Primavera
voltava a coincidir com o dia 21 de Março. Universal e aperfeiçoado ao longo de décadas, persiste um pequeno erro residual de 0,1204 dias
em cada 400 anos, o mesmo será dizer, um dia
em cada 3322 anos.
Perpétuos até quando
Dos três calendários em vigor – Gregoriano,
Muçulmano e Israelita – o primeiro é o mais
«aperfeiçoado que existe, mas não é eterno e terá
que ser mexido» adverte Jorge Farinha. A questão
não é fácil de explicar, mas o conferencista
recorre à Cúpula, que permanece estrelada, para
mostrar duas linhas: A eclíptica, (que representa
a trajectória aparente do Sol ao longo do ano) e a
do Equador Celeste (projecção na Esfera Celeste
do Equador na Terra), ambas envolvidas no erro
do Calendário. «Estas duas linhas encontram-se
inclinadas, uma em relação à outra, porque a
Terra está inclinada em relação ao Sol. Por isso,
elas encontram-se em dois pontos importantíssimos que são os pontos equinociais». Estes
dois pontos que marcam o início da Primavera e
do Outono não são fixos devido a um movimento da terra – conhecido pela comunidade científica como Movimento de Pressão da Terra – que
sendo muito lento, nem se dá por ele. «Neste
momento o eixo da Terra aponta para uma zona
próxima da Estrela Alrrukaba (a última da cauda
da Ursa Menor) ou do Norte, por isso ela é, na
actualidade, a nossa estrela Polar, pois está muito
próxima do actual Pólo Norte Celeste.
Na época dos egípcios, a Estrela Polar foi a
Estrela Thuban (ou Alfa do Dragão), e no ano
14 mil será Vega (da Constelação da Lira). Ao
Relógio astronómico de Giovanni de Dondi, que demorou
16 anos a ser concluido (cerca de 1348).
Desde a última reforma em
1582, regista-se o atraso de
um dia em cada 3322 anos.
Os astrónomos calculam, por
isso, que no ano de 2100, 518
anos passados, o calendário
gregoriano terá que ser
reajustado três horas e trinta
e seis minutos.
Uma complicação com várias soluções
O calendário perpétuo é uma das mais complexas e elaboradas sofisticações relojoeiras. Um
relógio de pulso com calendário perpétuo está
dotado de um mecanismo composto por várias
centenas de peças – e que não só fornece a
indicação do ano, do mês, da data, do dia e das
fases da lua, mas também tem em conta os
meses de 28, 29, 30 e 31 dias sem que seja
necessário proceder-se ao acerto do calendário.
A peça essencial de um mecanismo relojoeiro
com calendário perpétuo é a ‘came’ dos meses,
longo destes 25 mil e 600 anos, tempo que a
Terra demora a completar este movimento de
pressão, o seu eixo faz com que balance, descrevendo, muito lentamente, uma circunferência
em torno do chamado Pólo da Eclíptica. Este
movimento do Eixo da Terra é responsável pelo
facto do Equador Celeste baloiçar, o que, por
sua vez, faz com que o ponto vernal vá escorregando sobre a Eclíptica e ao fim de um ano este
ponto mude de posição» explica Jorge Farinha.
Estes acontecimentos que se passam acima do
nosso campo de visão, e dos quais nem nos apercebemos, são os responsáveis pela variação que o
calendário não vai acompanhando. O ano sideral (tempo que o Sol que nós vemos demora
entre duas passagens consecutivas por uma
Estrela ou por outro ponto fixo da Esfera Celeste, 365,226 dias) é ligeiramente maior que o ano
trópico (tempo decorrido entre duas passagens
consecutivas do Sol Médio pelo ponto vernal,
365,242 dias). Esta pequena diferença que o calendário não acompanha, é consequência da
retrogradação do ponto vernal 50,24 segundos
de arco por ano. Valores quase insignificantes
mas com efeitos a longo prazo. Desde a última
reforma em 1582, regista-se o atraso de um dia
em cada 3322 anos. Os astrónomos calculam,
por isso, que no ano de 2100, 518 anos passados, o calendário gregoriano terá que ser reajustado três horas e trinta e seis minutos.
sobre a qual são programadas as diferentes durações mensais. As secções salientes da sua circunferência representam os meses de 31 dias,
enquanto as côncavas representam os de 30
dias; para além disso, apresenta uma reentrância
Calendários à medida de cada um
Na antiguidade sempre foi difícil a comunicação
entre os povos, as distâncias e a inexistência de
transportes atrasavam a troca de informação entre os sacerdotes das diferentes nações. Esse foi
um dos motivos para que cada povo desenvolvese formas próprias de organizar o seu tempo,
mas os Calendários eram também uma espécie
de autoridade, e cada Rei ao chegar ao poder impunha um Calendário. Entre os Calendários
mais estudados está o Babilónico, com o ano dividido em 12 meses Lunares de 29 ou 30 dias,
num total de 354 dias. Também o Calendário
Egípcio é um dos mais referenciados, baseado no
movimento do Sol, o ano tinha para o povo do
Nilo 365 dias, organizados em 12 meses de 30
dias, somando 360 dias, mais cinco dias de festa
depois das colheitas. O Calendário Grego seguia
os movimentos do Sol e da Lua e era semelhante
ao Babilónico, já as civilizações Maias, Astecas e
Incas baseavam-se no mês Lunar. ET
circular na qual a ‘came’ bissexta é deslocada 90
graus uma vez por ano pelo mecanismo do calendário – três lados desse ‘came’ definem os
anos não bissextos (mês de Fevereiro de 28
dias), enquanto o quarto, descentrado relativamente ao eixo da peça, indica os meses de Fevereiro de 29 dias dos anos bissextos. A estrela
dos meses dá uma volta por ano; o pequeno rectângulo apenas uma de quatro em quatro.
Na esmagadora maioria dos casos, os calendários perpétuos mecânicos têm a possibilidade de
funcionar acertadamente até 28 de Fevereiro de
2100 – porque é nessa altura que o ciclo normal
de três anos, intercalados de um bissexto, se
quebra. Ou seja, os calendários perpétuos dos
relógios de pulso não podem ser tão perpétuos
assim e requerem esse tal acerto no ano 2100.
No entanto, há pelo menos um instrumento do
tempo que tem em conta todos os cálculos para
poder funcionar acertadamente como calendário
perpétuo (além de dar obviamente as horas, minutos e segundos) até ao ano 3000: o Atmos
Millenaire, o célebre relógio da Jaeger-LeCoultre.
Miguel Seabra
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