Científica Ano 1 . Nº2 Publicação Mensal Abril 2006 O que astrônomos fazem nas horas vagas? Alguns vão ao cinema, alguns lêem, alguns passeiam com a família. A grande maioria faz isso tudo e mais: fica pensando em Astronomia. Essa escolha profissional -- Astronomia -- é tão inusitada que quem a faz é, por definição, um apaixonado. E, movidos por essa paixão, um grupo de amigos criou a Facção Científica, uma publicação mensal de divulgação de Astronomia. Aqui o leitor encontrará de tudo um pouco, desde textos despretensiosos e bem-humorados até discussões profundas sobre o céu e seus mistérios. Bem-vindos à Facção Científica. Opinião: Nesta edição: Astronomia Crônica, por Leandro Lage dos Santos Guedes. Pág. 12. Refrações, por Alexandre Cherman. Pág. 13. E mais: StarTech. Astronomia e tecnologia, por Nuno Caminada. Pág. 11. Céu do Mês , por Fernando Vieira. Pág. 3. Imagem do eclipse de 29/3/2006, gentilmente cedida pelo astrônomo J. M. Santos Jr. Eclipses No bem ordenado balé celeste, às vezes o Sol, a Terra e a Lua se alinham. Quando isso acontece, temos os eclipses. Pág. 4. História da Astronomia. A Astronomia foi a primeira ciência? Bruno Mendonça conduz uma breve discussão sobre isso. Pág. 5. Três Perguntas. A equipe da Facção Científica responde: Quando? Quem? Por quê? Pág. 10. Os 350 Anos dos Anéis de Saturno Em 1656, um dos mais belos corpos do Sistema Solar foi finalmente desvendado. Saiba um pouco mais sobre os bastidores dessa fascinante descoberta. Pág. 7. Deixa Que Eu Leio. A equipe da Facção Científica lê um livro ou um artigo e comenta. Pág. 6. Nem Big nem Bang Uma das idéias mais famosas da Astronomia é a Teoria do Big Bang. Mas será que o nascimento do Universo foi mesmo uma “grande explosão”? Pág. 9. O Alienígena. Um convidado da equipe fala sobre o que bem quiser. Neste mês, Ricardo Ogando nos dá a receita de uma galáxia. Pág. 14. Biografia. Nesta edição, Aristóteles. Pág. 8. Conversa Particular. Um jeito divertido de divulgar a Ciência. Pág. 13. É proibida a reprodução do conteúdo* desta publicação, total ou parcial, de qualquer forma ou por qualquer meio físico ou virtual, sem a autorização prévia e expressa dos editores da Facção Científica e, quando permitida, desde que citada a fonte. Os textos aqui publicados são de total responsabilidade de seus autores, não podendo ser copiados, alterados ou distribuídos, salvo com autorização expressa dos mesmos. A violação dos Direitos Autorais é punível como crime. Os infratores destes Termos de Direito de Uso serão passíveis de enquadramento na Lei dos Direitos Autorais - número 6.910/98. * Entende-se por “conteúdo”, toda a informação presente nesta publicação, nomeadamente texto, imagens, ilustrações, fotografias, logos e personagens. © Facção Científica 2006. Todos os direitos reservados. Esse é o segundo número da recém-nascida Facção Científica, e a melhor maneira de iniciá-lo é com um grande e sincero agradecimento. Muito obrigado pelos comentários e pelas idéias enviadas por quem teve em mãos (ou em tela) a edição inaugural do mês passado. Graças às opiniões de alguns leitores, uma modificação já está sendo feita nessa segunda edição: todo o conteúdo estará disponível em HTML em nosso site, além do arquivo PDF para download. Por falar em modificações, no último número, Alexandre Cherman mostrou que seria interessante utilizarmos a palavra revolução em vez de translação para nos referirmos ao movimento que a Terra executa ao redor do Sol. Neste mês, ele vai fazer o leitor pensar sobre o nome da teoria mais aceita para explicar a origem do Universo. Como dizia Henri Poincaré, o cientista só estuda a natureza porque ela é bela. Nosso homem da História da Astronomia, Bruno Rainho, traz nessa edição um artigo falando sobre os 350 anos da descoberta dos anéis de Saturno, que formam uma das mais belas estruturas visíveis num pequeno telescópio. Ainda falando em belezas da natureza, aproveitamos o recente eclipse solar ocorrido em 29 de março, visto em algumas partes do Brasil, e explicamos em linhas muito gerais como esses belos fenômenos acontecem. Fechando a edição, temos o Alienígena deste mês, o astrônomo Ricardo Ogando. Ele nos dá nada menos que a receita de uma galáxia! Nosso objetivo é levar aos leitores textos de teor científico escritos de maneira bastante leve. Esperamos que vocês se divirtam lendo a Facção Científica da mesma forma como nós nos divertimos escrevendo! Agradeço, mais uma vez, todas as opiniões e idéias, e não hesitem em nos escrever. Boa Leitura! Leandro Lage dos Santos Guedes Facção Científica Editor-chefe: Alexandre Cherman. Editores: Bruno Rainho Mendonça e Leandro Lage dos Santos Guedes. Editor convidado: Fernando Vieira. Colaboradores: Ricardo Ogando e Nuno Caminada. Revisão de texto: Angela Almeida. Programação visual: Damarquinho Camilo e Filipe Pereira. Webmaster: Sandro Gomes. Fernando Vieira As constelações de Órion (Orion), Cão Maior (Canis Major) e Gêmeos (Gemini), que se destacavam no verão, já estão próximas ao poente no começo da noite em abril. Nossas referências principais em abril são as constelações do Navio, Cruzeiro do Sul (Crux) e Leão (Leo). A antiga constelação do Navio (Argo), atualmente subdividida em três constelações Quilha, Popa e Vela, se encontra alta no céu. Sua identificação é facilitada pelo asterismo (conjunto formado por relativamente poucas estrelas que formam uma figura característica e de fácil identificação) “Falso Cruzeiro” e pela estrela Canopus, a segunda mais brilhante do céu, só superada por Sirius. N ã o muito longe de Argo vemos o Cruzeiro do Sul, que é, sem dúvida, a constelação mais conhecida por nós. No começo das noites de abril, é visível a sudeste. Não obstante ser a menor dentre as 88 constelações, nenhuma outra apresenta tantas estrelas brilhantes numa área tão pequena. Este grupo é também um dos raros que podemos associar facilmente o nome à figura. A estrela Alfa do Cruzeiro do Sul, na base da cruz, chama-se Magalhães, em homenagem ao navegador Fernão de Magalhães. A gama pode ser localizada no topo e é conhecida como Rubídea, por causa de sua cor avermelhada. Uma estrela mais fraca, a Épsilon, parece atrapalhar a simetria da figura; é por isso chamada de Intrometida. Duas estrelas brilhantes Alfa e Beta Centauri podem ser identificadas próximas ao Cruzeiro do Sul. A estrela Alfa Centauri, também conhecida como Rigel Kent o pé do Centauro , é a estrela mais próxima de nós, depois do Sol. Ao norte identificamos um grupo com estrelas de médio brilho. A parte mais destacada lembra uma foice; é a constelação de Leão. Sua estrela mais brilhante é Regulus. Os gregos viam ali um leão gigante possuidor de força descomunal, cuja pele era impenetrável a lanças ou flechas. Foi vencido pelo herói Hércules, que o estrangulou. As duas estrelas mais brilhantes nesta constelação são Regulus e Denebola; significam pequeno rei e cauda. A constelação de Caranguejo (Cancer) é uma das mais difíceis de se identificar devido à ausência de estrelas brilhantes nessa região. Destaca-se aí o aglomerado do Presépio, visível a olho nu, se o céu estiver bem transparente. Contudo, toda a sua beleza só é revelada por meio de telescópios. Na mitologia, o Caranguejo foi enviado pela deusa Hera para atrapalhar Hércules enquanto ele lutava com a Hidra de Lerna. Três planetas são visíveis no começo das noites de abril: Marte, próximo ao poente, em Gêmeos; Saturno, em Caranguejo; e Júpiter, próximo ao nascente, em Balança (Libra). 3 Eclipse da Lua Eclipse Penumbral Terra Sol Sol dia noite Lua Eclipse Total Fig. 1 - Esquema fora de escala Eclipses Eclipse do Sol Eclipse Parcial Assim como as fases da Lua, os eclipses são causados unicamente pela configuração geométrica das posições de Lua, Terra e Sol no espaço. Na Lua cheia, temos o alinhamento Sol, Terra e Lua, e vemos toda a parte de nosso satélite voltada para a Terra sendo iluminada pelo Sol. Na Lua nova, temos Sol, Lua e Terra, e a face da Lua voltada para a Terra não recebe a luz solar. São nessas duas fases que acontecem os eclipses. Constantemente, a Terra tem uma metade iluminada pelo Sol, onde está dia, e outra metade que não recebe sua luz, onde está noite. A metade escura (noite) está sempre voltada para um permanente cone de sombra projetado no espaço. Essa região do cone de sombra não recebe nenhuma luz vinda diretamente do Sol. Circundando o cone de sombra, há uma região que ainda recebe luz de alguns pontos do Sol, mas não de todos, conhecida como penumbra. Eventualmente, a Lua cheia atravessa essas regiões de sombra ou penumbra. Com a entrada da Lua na penumbra acontece o eclipse penumbral, difícil de se perceber devido à pouca alteração ocorrida em seu brilho. Mas se ela entrar na região da sombra, teremos o eclipse total da Lua, e sua cor torna-se visivelmente avermelhada. A figura 1 mostra um esquema dessas duas situações. Vistos da Terra, a Lua e o Sol têm aproximadamente o mesmo tamanho aparente no céu, porque, apesar de o Sol ser muito maior que a Lua, ele está muito mais distante. A diferença entre os tamanhos é compensada pela diferença entre as distâncias, e ambos aparecem no céu como discos de tamanhos praticamente idênticos. Em algumas Luas novas, o disco lunar pode encobrir o disco solar. Se o encobrimento é apenas de uma parte do disco solar, temos o eclipse parcial do Sol. Se a Lua encobrir por completo o Sol, acontece o eclipse total do Sol, um dos fenômenos astronômicos mais impressionantes que podem ser vistos sem telescópios, apenas com filtros Sol Lua Eclipse Total Terra Fig. 2 - Esquema fora de escala 4 apropriados para proteger os olhos da radiação solar. Assim, os eclipses da Lua só podem ocorrer na Lua cheia, e os eclipses solares, na Lua nova. Podemos traçar no céu uma linha imaginária por onde o Sol se desloca ao longo do ano. O Sol está sempre confinado a essa linha, que passa pelas famosas constelações do zodíaco. Podemos também traçar outra linha que mostre por onde se desloca a Lua em sua órbita ao redor da Terra. Essas duas linhas imaginárias estão inclinadas entre si por um ângulo de pouco mais que 5º. Para que ocorra um eclipse, é necessário que a Lua esteja próxima a um dos pontos em que a linha que desenha sua órbita intercepta a linha do deslocamento anual do Sol. Essa última recebeu, por isso, o nome de eclíptica, e ela indica também o plano da órbita da Terra ao redor do Sol, conhecido como plano na eclíptica. Se a órbita da Lua coincidisse com o a órbita da Terra, ou seja, se não fossem inclinadas por cerca de 5º, teríamos eclipses todo mês! Devido ao fato de a órbita da Lua ao redor da Terra não ser um círculo centrado na Terra, assim como a órbita da Terra ao redor do Sol não é um círculo centrado no Sol, nosso satélite aproxima-se e afasta-se de nós em sua trajetória ao redor do planeta. Com a Lua mais afastada, pode acontecer um eclipse cuja sombra projetada não chegue à superfície da Terra, e o que se vê é um disco maior, o do Sol, encoberto por outro menor, o da Lua. O resultado é um brilhante anel no céu. Esse é o eclipse anular. L.L.S.G. Bruno Rainho Mendonça aproximadamente 15 mil anos, os habitantes da Terra passaram a registrar as observações de objetos celestes que apresentavam um ciclo bem definido. Eles faziam marcações em pedras, ossos, ou até mesmo cascas de árvores, referentes à sucessão de dias e noites. Desta forma, surgia o calendário primitivo. A princípio, parecia não haver pretensão alguma nesses atos, até que começaram a notar uma certa regularidade, principalmente no que diz respeito aos movimentos da Lua e do Sol. Baseados no ciclo lunar (cerca de 30 dias) e no solar (aproximadamente 365 dias), os antigos passaram a tirar conclusões a respeito de fenômenos sazonais que, quando bem interpretados, poderiam contribuir, e muito, com as práticas exercidas naquela época. Assim, através da indução, vinculada à repetição da experiência e à manutenção de seus resultados, nossos antepassados começavam a produzir aquilo que o Aurélio define como ciência. Obviamente, era algo ainda bastante incipiente, mas havia uma metodologia centrada em observações, e a partir delas foi possível tirar conclusões melhorando ainda mais a relação dessas civilizações com a natureza que os cercava. Como exemplo desse êxito, podemos citar o conhecimento adquirido sobre as estações do ano. Com ele, previsões sobre o melhor período para o plantio, bem como a época da colheita, poderiam ser feitas com uma precisão deveras satisfatória para sua subsistência. A consolidação desta prática científica só ocorreu mesmo com os povos que habitavam a Mesopotâmia, onde hoje se encontra o Iraque, e se deu aproximadamente em 5.000 AEC. Vale ressaltar que para eles a religião e a ciência caminhavam juntas, algo que serve como argumento para que alguns estudiosos afirmem que a primeira vez que se fez ciência na história da espécie humana foi na Grécia Antiga. Sem dúvida, foi nessa época que houve uma abordagem racional e sistemática da Astronomia. Todavia, isso não dá aos gregos a prioridade sobre tal questão. Existem ainda aqueles mais radicais que garantem que somente com o desenvolvimento do Método Científico no século XVII é que a ciência começou a ser praticada. Mais uma vez, essa é uma interpretação de um grupo de pensadores, e se formos analisar seus argumentos, veremos até que eles fazem sentido, mas não detêm a verdade absoluta. Enfim, apesar de admitir que o teor desse texto é meio tendencioso (afinal, eu sou astrônomo), e acompanha a opinião da maioria, devo destacar que essa não é uma discussão encerrada. Muito pelo contrário! Acredito que alguns de vocês tenham uma visão diferente, e gostaria muito de ouvir outras idéias diferentes da minha. Portanto, deixo aqui uma pergunta para você: a Astronomia foi a primeira ciência? A Primeira Ciência? Quantas vezes você já ouviu que a Astronomia foi a primeira ciência praticada pelos nossos antepassados? Se sua resposta é “nunca”, saiba que essa é uma informação bastante disseminada no meio científico. Entretanto, não é algo estabelecido. Como várias coisas em ciência, está aberto a questionamentos e nos propicia uma boa discussão a seu respeito aqui nesse humilde espaço. Inicialmente, contudo, faz-se necessário definirmos o que vem a ser ciência, efetivamente. Segundo o Dicionário Aurélio, ciência é um “conjunto organizado de conhecimentos relativos a um determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a observação, a experiência de fatos e um método próprio”. Com esse conceito em mente, podemos agora partir para uma análise mais profunda sobre as primeiras aventuras “científicas” da humanidade. Algumas pessoas defendem a idéia de que a primeira ciência exercida na Terra foi a Biologia. Isso porque, a fim de melhorar a carga genética de sua prole, principalmente quando seus descendentes apresentavam algum problema de causa genética, os seres humanos primitivos passaram a buscar parceiras saudáveis em outras tribos. Evidentemente, eles não sabiam que tipo de problema era aquele e sequer buscavam sua solução conscientemente, o que acaba enfraquecendo a idéia de termos como prática primordial a Biologia, apesar de alguns biólogos interpretarem diferentemente. Já outros estudiosos acreditam que o domínio do fogo representa a primeira prática científica da história. Não há dúvidas de que quando o Homo erectus realizou essa importante experiência físico-química, há cerca de 500 mil anos, uma grande revolução se seguiu. Porém, é óbvio que eles descobriram que o atrito gerava calor sem a menor noção do que são forças dissipativas, isto é, sem qualquer base científica. Mas, para aqueles que consideram esse processo rudimentar como o marco inicial científico, a Física seria então a primeira ciência. A Matemática é um caso mais complicado, pois o simples fato de se contar qualquer coisa, deve ser considerado o exercício desta ciência. Porém, não podemos deixar de lado a necessidade de se tirar uma conclusão a partir dos fenômenos contabilizados metodologicamente. E aí, veremos que, muito provavelmente, a primeira vez que algo foi contado, registrado e analisado a ponto de se obter uma conclusão através disso foi com a Astronomia. Analisemos, então, o lugar da Astronomia nesse longínquo cenário pré-científico. Há 5 e a massa do asteróide se atraem, e controlando a nave podemos alterar o deslocamento do asteróide. A figura mostra uma concepção artística do reboque gravitacional. Os motores são direcionados para fora, obliquamente, para que sua propulsão não afaste o asteróide nem provoque rajadas que causariam a agitação indesejada de íons (partículas carregadas) e poeira. Esse método é indiferente às pouco conhecidas propriedades da superfície do asteróide, assim como a sua constituição interna e rotação ou outros movimentos. Basta apenas que a nave mantenha sua posição na direção em que deve alterar a velocidade do asteróide, enquanto este executa sua rotação e outros movimentos logo abaixo. A nave pode ser colocada de maneira estável se for desenhada como um pêndulo, com a parte mais pesada colocada mais perto do asteróide, e os motores colocados na parte mais afastada. Os cálculos do modelo proposto no artigo mostram que uma espaçonave de 20 toneladas pode rebocar um asteróide típico de 200 metros de diâmetro mantendo uma força igual a 1 Newton, o equivalente ao peso gerado por 100 gramas. O reboque gravitacional realizaria a tarefa em cerca de 20 anos. Os autores citam ainda que em casos especiais de uma aproximação seguida de um retorno com chances de impacto, a mudança na velocidade necessária para prevenir a colisão pode ser muito menor, se aplicada antes da máxima aproximação. A mídia noticiou, recentemente, que o Asteróide 99942 Apophis (2004 MN4), de 329 metros, passará a uma distância de aproximadamente 30.000 quilômetros em 2029, e tem uma pequena probabilidade (uma em dez mil) de retornar para se chocar com a Terra em 2035 ou 2036. Um trator gravitacional de uma tonelada com o convencional combustível químico poderia cuidar disso, pois um impulso de apenas cerca de 0,1 Newtons seria necessário por cerca de um mês, alguns anos antes da máxima aproximação em 2029. L.L.S.G. Um Reboque Gravitacional para Asteróides Neste mês, falaremos sobre um artigo científico escrito por dois astronautas da Agência Espacial Americana (NASA). Nele, é proposta uma espécie de reboque gravitacional para alterar a trajetória de um asteróide que ofereça risco de colisão com a Terra. Muitos métodos já foram propostos, e todos pressupõem a constatação do perigo com antecedência de vários anos, décadas de preferência. O reboque gravitacional não é diferente. Um dos métodos já propostos é ancorar no asteróide um foguete para empurrá-lo diretamente. Problemas: precisamos conhecer bem a superfície do asteróide para saber como fixar o mecanismo, e os impulsos têm que ser sincronizados com os movimentos do asteróide. Asteróides podem ser pouco densos, tornando difícil um acoplamento estável. Se o impulso fosse contínuo, ele mudaria de direção constantemente devido à rotação e aos movimentos do eixo, dificultando demais o controle da manobra. Parar a rotação do asteróide, reorientar o eixo, ou provocar o impulso apenas quando o asteróide estiver na posição desejada para ser empurrado, acrescentaria complexidade, perda de tempo e de combustível à missão. A sugestão dos dois astronautas é utilizar uma nave pairando sobre a superfície do asteróide, sem tocá-la. A nave rebocaria o asteróide utilizando a gravidade. A massa da nave Artigo: A Gravitational Tractor for Towing Asteroids Autores: Edward T. Lu e Stanley G. Love Disponível em: http://arxiv.org/ftp/astro-ph/papers/0509/0509595.pdf 6 Os 350 anos dos Anéis de Saturno Curiosamente, um dos maiores especialistas do mundo no assunto, o professor Albert van Helden afirma, em dois artigos distintos, que muito provavelmente Huygens também não “viu” um anel ao redor de Saturno, mas chegou a esse resultado através de um belo raciocínio lógico. Segundo ele, Huygens utilizou seu conhecimento sobre vórtices invisíveis, que lhe fora transmitido por seu amigo René Descartes, para chegar à solução. A concepção cartesiana para o Sistema Solar foi proposta em 1644, e postulava que os planetas se moviam em um vórtice cujo centro era o Sol, e que eles mesmos ocupariam a posição central de vórtices menores. Ainda de acordo com Descartes, quanto mais próximo um corpo estivesse do centro de seu vórtice, maior seria a velocidade com que ele giraria ao seu redor, e esta diminuiria conforme a distância fosse aumentando. Como, em 1655, Huygens havia descoberto o primeiro e maior satélite de Saturno, Titã, que se afastava visivelmente do planeta e seus apêndices com o passar dos dias, ele aplicou uma analogia desse sistema com a Terra e a Lua para chegar a sua conclusão. A idéia era bem simples: sabendo-se o tempo que a Lua leva para dar uma volta em torno da Terra (aproximadamente 30 dias), e conhecendo também o período de rotação terrestre (cerca de 24 horas), Huygens aplicou uma regra de três para obter o tempo que Saturno levaria para completar uma volta ao redor do seu eixo, já que o período de revolução de Titã havia sido obtido nos dias que se seguiram a sua descoberta (pouco mais de 16 dias). Concluindo que a rotação do planeta era algo em torno de meio dia, a pergunta óbvia que surgia era: qual a forma que um corpo deveria ter para girar em um vórtice que duraria entre meio dia e 16 dias sem mudar sua aparência nesse intervalo? O único corpo que apresenta tal simetria rotacional e explica todas as aparências já assumidas por Saturno (inclusive aquela em que seu globo aparece solitário, quando essa estrutura fica de perfil para observadores na Terra) é um anel!. AAAAACCCCCDEEEEEGHIIIIIIILLLLMMNNN NNNNNNOOOOPPQRRSTTTTTUUUUU. Não, isso não é um problema no teclado do computador! Esse amontoado de letras foi o método encontrado no início de 1656 pelo astrônomo holandês Christiaan Huygens para assegurar a precedência da descoberta dos anéis de Saturno, ou melhor, do “anel” de Saturno. A utilização de anagramas era uma prática bastante difundida no século XVII, e Huygens pretendia com isso ganhar tempo para poder desenvolver um trabalho mais completo sobre o planeta Saturno, sem precisar revelar a verdadeira natureza de sua descoberta. Tanto que a solução para essa criptografia foi publicada apenas em 1659, em sua obra intitulada Systema Saturnium. (Como o próprio nome indica, seu objetivo era explicar todo o sistema saturniano.) Nesse trabalho, Huygens finalmente reagrupou as letras do anagrama divulgando sua aguardada solução: Annulo Cingitur, tenui, plano, nusquam cohaerente, ad eclipticam inclinato, que no bom e velho português quer dizer: “Ele [Saturno] é circundado por um anel fino e plano, que não o toca em lugar algum, e é inclinado em relação à eclíptica”. Essa frase deixa clara sua crença numa estrutura anelar rígida, ou seja, um único anel, algo que só mudou em 1675, quando Giovanni Cassini descobriu uma divisão nos anéis, posteriormente batizada em sua homenagem. (Cabe aqui uma importante observação: neste ano comemoram-se os 350 anos da descoberta dos anéis de Saturno e não de sua divulgação para a sociedade que, conforme já foi dito, ocorreu apenas três anos depois). Hoje em dia parece simples identificar um corpo em forma de anel no espaço, mesmo quando este ainda é totalmente desconhecido pelos astrônomos, mas naquele tempo era algo inimaginável de se propor. Aqueles cientistas estavam impregnados pela visão grega de que os corpos celestes seriam todos esféricos. Galileu, que foi o primeiro a observar Saturno com o que ele chamou certa vez de “orelhas”, chegou a esboçar algo muito semelhante a um anel ao redor do planeta, mas nunca propôs a sua existência, ou alguma teoria que explicasse aquela aparência estranha. Figura 2 - Ilustração de Christiaan Huygens, publicada em 1659, na qual ele apresenta o “anel”. de Saturno. Figura 1 - Esboço de Saturno com suas “orelhas” feito por Galileu Galilei em 1623. 7 Embora não tenha usado explicitamente esse raciocínio em seu trabalho, van Helden acredita fortemente que Huygens considerou, não oficialmente, esse artifício cartesiano para chegar a sua solução. Atualmente, sabe-se que a teoria de Descartes não condiz com a realidade (a Teoria da Gravitação Universal, de Isaac Newton, é muito mais completa e coerente com a natureza), mas ainda assim fica bastante claro que, nesse caso particular, ela elucidava de forma satisfatória o problema da aparência de Saturno. Atualmente, mesmo já bastante familiarizados com a exuberância dos anéis de Saturno é, de fato, relevante que se preste as devidas homenagens ao grande passo dado por Christiaan Huygens ao quebrar o axioma grego, e propor o que naquela época ficou conhecida como Hipótese Anelar. Para todos aqueles que tiveram a oportunidade de contemplar através de um telescópio, mesmo que modesto, a bela imagem de um pequeno globo ladeado por seus anéis, fica clara a importância de sua descoberta, principalmente ao se levar em conta todo esse contexto histórico. E para os que nunca observaram o planeta Saturno fica aqui um conselho: aproveite para observálo por esses dias, pois ele está no céu assim que anoitece, e poderá ser visto pelos próximos dois meses neste horário (dependendo apenas que o horizonte oeste esteja desimpedido). Você não se arrependerá! B.R.M. Referências: Estes são os dois artigos do professor Albert van Helden citados no texto acima. Infelizmente, ambos estão em inglês, o que pode ser um problema para alguns. Mas, para aqueles que conseguem ler neste idioma e quiserem se aprofundar um pouco mais nessa fascinante história, fica aqui a sugestão de leitura: VAN HELDEN, A. “'Annulo Cingitur': The Solution of the Problem of Saturn”. In: Journal for the History of Astronomy 5, 1974, p.155-174. “Rings in Astronomy and Cosmology, 16001900”. In: Planetary Rings (R.J. Greenberg e A. Brahic, eds.). Tucson: University of Arizona Press, 1984, p. 12-22. Biografia Aristóteles dividido em dois domínios distintos: o mundo sublunar, abaixo da Lua, e o mundo supralunar, além da Lua. O mundo sublunar era composto por quatro elementos: frio, quente, seco e úmido. (A mistura destes elementos aristotélicos daria origem aos quatro elementos propostos anteriormente por Empédocles: ar, água, terra e fogo.) O mundo supralunar era feito de um quinto elemento: o éter (ou quintessência, de “quinta essência”). Quase dois mil anos se passaram até que Isaac Newton derrubasse esse mito aristotélico. Outros conceitos aristotélicos errados que perduraram durante muito tempo: “a natureza odeia o vácuo”, que defendia que não era possível a existência de espaço vazio (hoje, graças ao Princípio da Incerteza de Heinsenberg, até podemos defender que isso está correto…); “pára o motor, pára o movente”, que pregava que se algo se movia graças a um motor, esse corpo pararia imediatamente assim que o motor parasse (ou seja, Aristóteles simplesmente ignorava a inércia); e, último exemplo, “a luz se propaga com velocidade infinita”. Apesar de muitas idéias equivocadas, Aristóteles foi a pedra fundamental dos estudos em Física durante aproximadamente dois mil anos e, com isso, ocupa um lugar destacadíssimo na História da Ciência. A.C. Aristóteles foi o pensador que mais influenciou a ciência ocidental. Estudou na famosa Academia de Platão e foi tutor de Alexandre, o Grande. Em Atenas, fundou sua própria escola, o Liceu. Após a morte de seu famoso aluno, os atenienses se voltaram contra Aristóteles, que abandonou a cidade para não sofrer o mesmo destino de Sócrates. Morreu um ano depois, em sua cidade natal, Khalkis, na ilha de Eubéia, no Mar Egeu. Entre tantas coisas que Aristóteles fez, destaca-se a crença de que o Universo estava 8 Em português, costumamos traduzir a expressão como “Grande Explosão” (o certo seria usarmos uma onomatopéia, como Hoyle: “Grande Bum”). E, claro, o que ocorreu no passado não foi nem grande nem explosão. Independentemente da semântica, o conceito proposto por Gamow caiu no gosto popular por conciliar a crença de que o Universo surgiu a partir de um determinado instante (e era isso o que mais desagradava Hoyle). As escrituras sagradas, de diferentes religiões, pareciam ter agora o aval da ciência. De fato, durante muito tempo a ciência entendeu o instante do Big Bang, o início da expansão do Universo, como o momento inicial, como a criação de tudo o que existe. Uma das perguntas mais difíceis de serem respondidas, especialmente para o público leigo, era “o que havia antes do Big Bang?” Na visão clássica, não há sentido em falar em “antes do Big Bang”. O Big Bang é o início do Universo e, portanto, é o início do espaço-tempo. Não há antes, pois não há tempo. O exemplo clássico e imediato convida o leitor a pensar em um ponto geográfico na superfície da Terra que esteja ao Sul do Pólo Sul. Não existe. Se alguém está no Pólo Sul, só há uma direção possível: o Norte. Se alguém está no instante do Big Bang, só há uma direção temporal possível: o futuro. Não há antes do Big Bang. Só depois. O avanço da Física e da Astronomia começa a derrubar este argumento lógico. Hoje já não podemos afirmar que o Big Bang seja o instante da criação do Universo. Não há dúvidas de que é o instante inicial da expansão. Podemos dizer que é o instante inicial desta fase do Universo que estamos vivendo. Se houve algo antes disso, só podemos especular… Há cenários que pregam que realmente o Big Bang é o início de todas as coisas. Há hipóteses que defendem que o Universo é cíclico, expandindo-se e contraindo-se infinitas vezes. Se estamos agora em uma fase de expansão, é porque antes dela o Universo se contraiu. E há idéias das mais selvagens, misturando outras dimensões, defendendo a existência de outros Universos. Qual dessas novas idéias está certa, se é que alguma está certa? Não sabemos. E ainda não temos como saber. Por isso mesmo é tão importante que as idéias continuem surgindo. Vivemos, sem sombra de dúvidas, em tempos interessantes. A.C. Nem Big nem Bang O paradigma científico a respeito do Universo jovem atende por um nome bastante sugestivo: Modelo do Big Bang. Sua semente foi plantada pela equação de Einstein, colhida na árvore da Relatividade Geral. Esta equação prevê um Universo dinâmico (algo que até o próprio Einstein duvidou, mas isso por si só seria o assunto de um artigo inteiro!). O solo que abrigou a semente foi arado por vários teóricos, notadamente o russo Alexander Friedmann. Mas foram as observações do astrônomo americano Edwin Hubble, que em 1929 constatou que o Universo estava em expansão, que tornaram fértil o solo. Na década de 40 do século passado, a idéia em si germinou na mente do cientista George Gamow. Ele argumentou, muito logicamente, que se o Universo estava em expansão, no passado ele teria sido muito menor. Se todos os seus constituintes estavam concentrados em um espaço menor, a pressão e a temperatura do Universo antigo eram muito maiores do que são hoje. As condições ambientais eram completamente diferentes, permitindo a ocorrência de processos que hoje não vemos. Por exemplo, a transformação espontânea de matéria em energia e vice-versa. O grande opositor desta idéia foi o astrônomo inglês Fred Hoyle. Para ele, a pedra fundamental da Cosmologia (o Princípio Cosmológico que diz que o Universo é homogêneo e isotrópico, ou seja, igual em todos os pontos e em todas as direções) deveria ser aplicada também para o tempo, e não somente para o espaço. Para Fred Hoyle, o Universo deveria ser igual em todos os instantes de tempo. Assim, Hoyle criou um modelo de Universo que estava sempre em expansão, mas onde novas galáxias surgiam do nada para preencher os vazios deixados pelas galáxias que se afastavam entre si. Como essas galáxias eram criadas, Hoyle não conseguiu explicar. Para Gamow, o Universo era, no passado, bem menor do que é hoje, e muito mais quente. Para Hoyle, o Universo sempre foi como é hoje. Tentando desacreditar Gamow, Hoyle cunhou um apelido pejorativo para a teoria concorrente: Big Bang. Para o seu desgosto, o nome caiu no gosto popular e é usado até hoje. Mas isso, além de irônico, induz ao erro: um Universo muito menor não deveria ser chamado de Big. E, claro, se não havia matéria como a conhecemos, não pode ter havido barulho; não pode ter havido um Bang. 9 3 ?erguntas QUANDO é o Dia da Astronomia? de todas as cores) entram na atmosfera e são espalhados. Devido à composição do ar na verdade, devido ao tamanho médio das moléculas que compõem a nossa atmosfera , o espalhamento é mais intenso para as freqüências mais altas: a luz vermelha passa sem maiores problemas, enquanto a luz azul é mais fortemente espalhada. Assim, a incidência direta da luz solar contém todas as cores, mas o azul é espalhado e nos parece vir de todas as direções. Por isso o céu é azul. Em tempo: quando o Sol está baixo no céu (nascente ou poente), a camada de atmosfera a ser trespassada é maior; o vermelho, que normalmente conseguiria passar sem problemas, é espalhado na baixa atmosfera. Por isso o céu, nessas horas do dia, fica avermelhado. A. C. O Dia da Astronomia é comemorado no dia 2 de dezembro de cada ano, em homenagem ao imperador Dom Pedro II, que nasceu neste dia e era um verdadeiro entusiasta dessa ciência. Dom Pedro II é considerado o patrono da Astronomia brasileira por ter contribuído significativamente com seu desenvolvimento no Brasil. Recentemente, foi levado ao plenário da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro o projeto de lei que cria, no calendário oficial do estado, o Dia do Astrônomo, a ser comemorado também no dia supracitado. B.R.M. QUEM foi Mestre João? POR QUE o céu é azul? Foi o astrônomo e também físico, engenheiro e médico da expedição de Pedro Álvares Cabral que chegou ao Brasil em 1500. João Emeneslau, que entrou para a história como Mestre João, efetuou a determinação da latitude do local desse histórico desembarque. Em carta ao rei D. Manuel I, descrevendo o céu do hemisfério sul, deu especial ênfase a um grupo de estrelas considerado parte da constelação do Centauro naquela época. Tais estrelas pareciam marcar as extremidades de uma cruz. Essa foi a primeira descrição oficial do grupo de estrelas que conhecemos hoje como a constelação do Cruzeiro do Sul. A resposta curta e pouco elucidativa é: devido ao espalhamento de Rayleigh. Sir John Rayleigh (1842 - 1919), físico britânico, desenvolveu uma teoria sobre o desvio de raios de luz causado por partículas de gás, na década de 70 do século XIX. Ele se apoiou fortemente no trabalho pioneiro de outro físico britânico, John Tyndall (1820 1893). Quando um raio de luz atinge uma molécula de um gás, ele é geralmente absorvido. A energia é armazenada na molécula e, logo depois, é devolvida ao meio. As características básicas do raio de luz não se alteram, com a notável exceção da sua direção de propagação (por isso o fenômeno é chamado de espalhamento). Raios de luz vindos do Sol (que produz luz L.L.S.G. 10 Nuno Caminada Na última edição falamos um pouco sobre o sistema de coordenadas celestes que utilizaremos, com as definições de ascensão reta e declinação. Hoje vamos conhecer os seis parâmetros necessários para efetuar a localização dos astros. Desde Kepler, sabemos que as órbitas dos astros em torno do Sol, e da Lua em torno da Terra são elípticas. Elipses são círculos achatados que podem ser caracterizados por dois dados: o achatamento, ou excentricidade, e o tamanho do semi-eixo maior. descobrir esta inclinação podemos definir todas as outras órbitas planetárias. Segue abaixo a tabela 1 com os parâmetros orbitais médios dos planetas. Note que o semieixo maior é medido em relação à distância média Terra-Sol, ou Unidade Astronômica; a excentricidade é uma proporção e não tem unidade, e a inclinação é dada em graus em relação ao plano de nossa órbita. Com estes números, podemos recriar computacionalmente as órbitas de nosso sistema solar. A estes números acrescentaremos números de correção para compensar movimentos próprios da Terra como a precessão. Bom, uma coisa é saber a forma da órbita, e outra é saber como achar um astro nesta órbita. Para isso, precisaremos de mais três parâmetros: Longitude do nodo ascendente W W: no sistema de coordenadas eclípticas (tendo a eclíptica como plano base), é o ângulo compreendido entre o Ponto Vernal (primeiro ponto de Áries, lembram-se?) e o ponto em que a projeção da órbita do astro cruza a eclíptica vinda do sul para o norte. w no plano da órbita Longitude do periélio w: do planeta, é o ângulo compreendido entre o nodo ascendente e o ponto de maior proximidade com o Sol, o periélio. L numa data de referência Longitude média L: o (em nosso caso 1 /01/2000), é a posição do planeta na órbita, dada em graus, contada a partir do nodo ascendente. Não se preocupe se não tiver tempo ou paciência de entender estes parâmetros. Eles são encontrados em efemérides prontos e já calculados (tabela 2). Na próxima edição, uma visão geral do método de cálculo e mãos à massa no software! O semi-eixo maior, assinalado em vermelho, é a metade da linha que cruza a elipse em seu sentido maior, passando pelos dois focos da elipse. A excentricidade é a razão entre a distância c, mostrada em azul, e o semi-eixo maior. c excentricidade = semi-eixo maior TABELA 2 TABELA 1 Sem transformar isso numa aula de matemática, o importante é entender que a excentricidade será sempre um número entre zero e um. Com o semi-eixo maior e a excentricidade, conseguimos definir uma elipse. Como sabemos que as órbitas solares são elípticas, com o Sol em um dos focos, e estão levemente inclinadas em relação ao plano de revolução da Terra, ao Mercúrio Vênus Terra Marte Júpiter Saturno Urano Netuno Plutão Semi-eixo maior 0.387098 0.723331 1.000000 1.523662 5.203363 9.537070 19.191263 30.068963 39.481686 Excentricidade 0.205630 0.006773 0.016710 0.093412 0.048392 0.054150 0.047167 0.008585 0.248807 7.00487 3.39471 2.48446 0.76986 1.76917 17.14175 Inclinação Mercúrio Vênus 0.00005 Terra 1.85061 Marte 1.30530 Júpiter Saturno Urano Netuno Plutão W 48.33167 0.723331 1.000000 1.523662 5.203363 9.537070 19.191263 30.068963 39.481686 w 77.45645 0.006773 0.016710 0.093412 0.048392 0.054150 0.047167 0.008585 0.248807 L 252.25084 3.39471 1.30530 2.48446 0.76986 1.76917 17.14175 0.00005 1.85061 11 Leandro Lage dos Santos Guedes são bastante bem fundamentadas. Mas ainda que a contribuição para a ciência no país seja pequena, existe o aspecto cultural que é de extrema importância. Teremos um brasileiro que já foi para o espaço. Você acha que os Estados Unidos foram os primeiros a pisar na Lua porque estavam interessados no progresso científico? Não, eles fizeram isso porque a União Soviética já tinha colocado o primeiro satélite em órbita, já tinham mandado ao espaço o primeiro animal, e também o primeiro homem. Do outro lado do mapa-múndi, Tio Sam andou nervosamente de um lado para o outro, tirou a cartola, coçou a cabeça e pensou inquieto: o que podemos fazer que esses caras ainda não fizeram? Claro! Mandar homens à Lua! Alguém perguntou: mas o que eles vão fazer lá? Tio Sam respondeu: Sei lá... eles colocam alguns aparelhos de medida, tiram fotos, trazem algumas pedrinhas... Ah! E mande o primeiro que for colocar os pés lá dizer uma frase bem impactante! E foi assim que um homem americano deu o pequeno passo que foi um salto gigantesco para a humanidade. Hoje, o programa Apollo é um grande orgulho americano. Fizeram apenas porque podiam fazer e porque acreditavam que eram capazes. Isso é propaganda para o mundo, e propaganda atrai investidores e estimula a auto-confiança da nação. Através dos fracassos, aprenderam, em uma atitude bem diferente da dos brasileiros quando um foguete nosso explodiu depois do lançamento, e também depois da tragédia na base de Alcântara. Críticas ásperas nos jornais e nas conversas informais. Se tivéssemos a cultura de acreditar, teríamos feito nosso luto, aprendido com os erros, e continuaríamos em frente. Verbas foram cortadas, e o que se aprendeu até aquele momento está guardado em gavetas e em HD's, tornando-se tecnologia obsoleta e de pouca utilidade para quando forem retomados os projetos. A propaganda brasileira para os brasileiros é tão ineficaz que conquistas importantes, principalmente na área da genética, não são informadas ao público. Isso deveria ser uma preocupação maior para o Ministério da Ciência e da Tecnologia. Então, que vá Marcos Pontes e nos orgulhemos dele. Tudo bem, ele vai plantar um fejãozinho num pedaço de algodão, mas e daí? O principal aspecto da viagem de Marcos Pontes não é científico, mas o de mostrar aos brasileiros do que são capazes. Como brasileiros, ficamos mais satisfeitos com um bom resultado de um jogo de futebol do que com a viagem de um astronauta nascido em nossas terras. Façamos como os primeiros americanos e colonos norteamericanos e vamos nos convencer de que estamos criando uma super potência. Vamos repetir isso como um mantra. Essa pode ser uma mentira como à que se referiu Humberto Gessinger na música O Sonho é Popular: “uma mentira repetida, até virar verdade”. Pontes no Espaço Em meio às comuns notícias de corrupção no serviço público e a recente intervenção do exército na busca de armas roubadas no Rio de Janeiro, estamos assistindo a uma massiva divulgação da viagem do primeiro astronauta brasileiro, Marcos Pontes. É uma diversidade de motivações. Mas se a motivação nobre que pode ser criada pela viagem de Marcos Pontes tivesse sido explorada em inúmeros outros eventos nacionais do passado, provavelmente teríamos menos das motivações que aparecem nas notícias políticas dos jornais de hoje. Ainda que cada país tenha tido sua história, o que provocou a grande diferença econômica mundial que vemos hoje é o que os habitantes fizeram com seu próprio país. Independentemente de guerras, catástrofes naturais ou colonização predadora, o que é feito depois disso é que determina, no futuro, como vai ser uma nação em termos econômicos e políticos. Isso está relacionado a como uma nação olha para a realidade. Está relacionado à cultura. Os Estados Unidos são um exemplo próximo e evidente. O que determinou o grande sucesso econômico desse país foi, principalmente, sua autopropaganda. Acertaram em cheio! Desde o início, resolveram que estavam construindo um Novo Mundo, literalmente. O sentimento nacionalista pela nação que surgia foi desde cedo estimulado e divulgado para todo o planeta, inclusive, e principalmente, para os próprios recém-chegados. Mais tarde, mas com a mesma motivação, criaram e venderam para o mundo de além Estados Unidos o american way of life. A conseqüência dessa atitude é o firme patriotismo americano que vemos hoje e que criou a super potência. E, assim como a Coca-Cola que nunca pára de fazer anúncio de seu refrigerante, ainda vemos nos filmes de Hollywood a imagem da bandeira americana, inocente, em cenas aparentemente sem importância para o enredo, como se estivesse ali por puro acaso. Pois sim... Aqui, abaixo do Equador, fizemos piada com a corrupção brasileira, aceitando-a como algo inerente e imutável em nossa realidade. Nós mesmos nos convencemos de que o brasileiro é corrupto e que é normal um policial aceitar suborno para liberar um motorista irregular. Nada que dez ou vinte reais não resolvam, não é mesmo? Essa atitude gerou ao longo de nossa história uma enorme falta de fé em nós mesmos como nação, o que desembocou numa economia que parece estagnada, simplesmente porque o povo (isso inclui autoridades) não acredita nela. Se já consumimos tanto dos “enlatados dos USA”, como diz Renato Russo em Geração Coca-Cola, por que não imitarmos o que eles têm de mais profundo, o que realmente fez dos Estados Unidos o que são hoje? No meio científico, inúmeras críticas estão sendo feitas ao vôo de Marcos Pontes, e muitas delas 12 Alexandre Cherman O que dizer da viagem do astronauta brasileiro? Como inicialmente pensada, ela era parte importante da inserção do Brasil no círculo espacial. A presença de um brasileiro na Estação Espacial Internacional (ISS, da sigla em inglês) estava vinculada à participação do Brasil em sua construção. O Brasil deixou de honrar seus compromissos e nosso astronauta foi mandado para o final da fila. Quanto mais o Brasil deixava de cumprir metas, mais remota ficava a viagem do “nosso” astronauta. (“Nosso”?!? Com certeza não é meu…) Em genuína patriotada, o governo decidiu que não podíamos mais esperar; precisávamos colocar “nosso” astronauta em órbita. Para isso, optou-se por um atalho: pagar pela viagem. O Tenente-Coronel Pontes, por sérios erros de planejamento, foi transformado em um turista espacial como alguns milionários que vemos nas notícias. Pior: sua passagem neste vôo mais do que especial foi paga com dinheiro do contribuinte. A grande maioria das pessoas não se importa com isso. Estão felizes porque haverá um astronauta brasileiro. Pela última vez, insisto: acho esse sentimento tolo. Certamente o Brasil não ficará melhor graças à chegada de Marcos Pontes ao espaço. Mas, de volta aos esportes, o que melhora no Brasil quando nos vemos campeões mundiais? Torcemos para ganhar a Copa do Mundo assim como torcemos pelo astronauta brasileiro. Não o fazemos com a razão, mas sim com a emoção. Mas, diferentemente de um campeonato de futebol, a Ciência deveria primar pela razão. Sempre. Por isso não me emociono com o astronauta brasileiro. Acho que o dinheiro gasto seria mais bem aplicado de outra maneira, ainda em prol da Ciência, ainda a favor do país. Continuo torcendo. Não exatamente pelo astronauta brasileiro, não exatamente pelo Brasil. Torço pelo avanço da Ciência e pela melhoria da humanidade. Até a próxima! O que é um país? Seu povo? Seu território? Sua cultura? Isso tudo e mais alguma coisa? Confesso que não sei… e confesso mais: não estou interessado. Aos dezessete anos fiz intercâmbio cultural e morei um ano em outro país. Desde aquela época passei a ver o mundo com outros olhos. Não que eu não me orgulhe de ser brasileiro; apenas não acho que isso me defina. Vejo-me, isso sim, como uma pessoa que, por acaso, nasceu e mora no Brasil… Digo isso tudo apenas para explicar como acho tolo o ufanismo nacionalista que vez por outra nos assola. Para ficar no âmbito dos esportes, invocando uma figura querida aos da minha geração, sempre torci pelo Ayrton Senna. Mas fazia isso não porque ele fosse brasileiro, mas porque ele era bom. Mas, insisto, acreditar que algo é bom só porque é do Brasil me parece tolo e sem sentido. Perturba-me o clima de oba-oba que tem se construído ao redor do astronauta brasileiro. Certamente a ida do Tenente-Coronel Pontes ao espaço é uma vitória. Mas é uma vitória para quem? Sem dúvida é uma vitória para o próprio Marcos Pontes. Vê-lo feliz me deixa feliz. Quisera eu poder ir ao espaço… Com certeza não é uma vitória da humanidade. Se não é corriqueiro o fato, inédito também não é. E para o Brasil? Sim, Marcos Pontes vai para o espaço (enquanto eu escrevo, ele ainda não foi) e sim, ele é brasileiro. Mas seria isso uma vitória para o Brasil? O programa espacial brasileiro vai avançar com isso? A ciência brasileira vai avançar com isso? Creio que não. O primeiro homem no espaço, Yuri Gagarin, entrou em órbita em 1961. O primeiro homem na Lua, Neil Armstrong, lá chegou em 1969. Para ambos, o êxito da viagem era o maior resultado científico que se podia alcançar. CONVERSA PARTICULAR Tales de Mileto, há quase 2.500 anos, percebeu que o âmbar, ao ser esfregado na lã de carneiro, passava a atrair pequenas folhas de grama. Como âmbar, em grego, é elektron, Tales batizou este e outros fenômenos semelhantes de “eletricidade” (“fenômenos do âmbar”). Quando, em 1897, o físico J. J. Thomson descobriu que a eletricidade era transportada por partículas, batizou-as de elétrons. Posteriormente, as partículas positivas que compõem o núcleo, Rutherford chamou de “prótons” (“primeiros”, em grego). 13 respeito disso? Antes, cabe uma pequena digressão. O fato de a luz ter uma velocidade finita, ou seja, de não ir instantaneamente de um ponto a outro, nos permite ver o passado quando observamos galáxias distantes, já que a luz que recebemos delas agora partiu há muito tempo. É assim que conseguimos seguir a trilha que conduz à origem das galáxias e ao início do Universo. Receita de uma galáxia por Ricardo Ogando* Junte cinco colheres de sopa da misteriosa energia escura com duas colheres de sopa da enigmática matéria escura fria e apenas uma colher de chá de matéria bariônica, a mesma que compõe eu, você, planetas e estrelas. Guardadas as devidas proporções, esses são os principais ingredientes do Universo, como o conhecemos hoje. Desses, o mais importante para o crescimento das galáxias, o verdadeiro fermento das estruturas no Universo é a matéria escura fria. Esse material intangível só se deixa perceber através da gravitação, afetando o movimento das galáxias Universo afora. Levantamentos recentes de galáxias revelam que o número de galáxias “massivas” e “maduras” observadas na juventude do Universo é muito maior do que o previsto nos modelos de aglomeração hierárquica. Esse resultado é a confirmação de algo há muito já conhecido. As estrelas em galáxias elípticas no universo local são velhas, com idades da ordem da idade do Universo. Isso significa que elas se formaram há muito tempo em um processo rápido de formação, e não através do lento canibalismo de pequenas galáxias. De acordo com os modelos atuais de formação de estruturas no Universo, a matéria escura fria tende a se concentrar inicialmente em pequeninos bolos. Como ela interage gravitacionalmente com a matéria bariônica, acaba por atraí-la, dando início à formação de pequenas galáxias, provavelmente ricas em gás e poeira como a Via Láctea, mas bem menores. Essas minigaláxias, por sua vez, eventualmente se juntam a outras para então formar as gigantescas galáxias elípticas que observamos em nosso universo local, cujas massas alcançam até cerca de cem bilhões de massas do Sol. Este cenário de formação é conhecido por Aglomeração Hierárquica, pois a formação das galáxias obedece a uma ordem, indo do menor ao maior. Mas então o que está acontecendo? Parece que o problema é que justamente a componente conhecida, que vemos e tocamos, a matéria bariônica, é a mais difícil de se tratar nos modelos. Ela está sujeita a complexos processos termodinâmicos e interações, como ventos estelares produzidos por estrelas de grande massa, explosão de supernovas e a ejeção de matéria acelerada por buracos negros com bilhões de massas solares nos núcleos das galáxias. Enquanto isso, a matéria escura segue incólume, sendo mais fácil de se modelar. Não é à toa que apenas recentemente modelos sofisticados começaram a incorporar todos esses efeitos. Construir galáxias de grande massa, a partir de outras menores, é um processo demorado. De fato, os primeiros modelos de formação de galáxias sem energia escura previam que até hoje deveríamos assistir a esse fenômeno com certa freqüência. A adição da energia escura à receita estendeu a época de aglutinações a períodos mais remotos do Universo. Mas o que as observações nos dizem a À medida que novos sabores são adicionados à receita, a curiosidade é aguçada e aumenta a vontade de decifrar os segredos da cozinha maravilhosa do Universo. * Ricardo Ogando é astrônomo e doutorando em Física no Instituto de Física da UFRJ 14 Alexandre Cherman --Astrônomo da Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro desde 1997. Mestre em Física pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. É professor-visitante do Centro de Instrução Almirante Graça Aranha e autor de dois livros: “Cosmo-o-quê?” (Fundação Planetário, 2000) e “Sobre os Ombros de Gigantes” (Jorge Zahar, 2004). [email protected] Bruno Rainho Mendonça - Astrônomo da Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro desde 2004, formado pela UFRJ e com pós-graduação em Ensino de Astronomia pelo Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET). [email protected] Fernando Vieira -- Astrônomo da Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro desde 1982. Atualmente é gerente de Pesquisa e Documentação. É também DiretorPresidente da Associação Brasileira de Planetários. Leandro Lage dos Santos Guedes -Astrônomo da Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro desde 2004, e Tecnólogo em Processamento de Dados. Faz mestrado em Astronomia no Observatório do Valongo (OV/UFRJ), e possui pós-graduação lato sensu em Ensino de Astronomia pelo Centro Federal de Educação Tecnológica (CEFET). [email protected] Nuno Caminada -- Desistente do curso de Astronomia, mestrando de Engenharia de Sistemas e Computação no IME e responsável pela manutenção do Museu do Universo do Planetário. [email protected] Visite nosso site www.faccaocientifica.org e cadastre-se para receber informações sobre nossa publicação, ou mande uma mensagem para [email protected]. Se você é membro do Orkut, participe da comunidade da Facção Científica em http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=8082765. 15