O que os cientistas descobriram na Gronelândia pode aumentar

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O que os cientistas descobriram na
Gronelândia pode aumentar ainda
mais o nível do mar
CHELSEA HARVEY (The Washington Post) 11/01/2016 ­ 08:32
Pensava­se que uma camada de 80 metros de gelo poroso na
Gronelândia estava a reter parte da água derretida à superfície. Mas nos
últimos anos, descobriu­se agora, este mecanismo tem estado a
desaparecer.
MICHAEL KAPPELER/AFP
A subida da temperatura global pode estar a afectar a camada de gelo da
Gronelândia – e a sua contribuição para o aumento do nível médio do
mar – de uma forma mais grave do que os cientistas imaginavam, revela
um novo estudo. As alterações recentes no gelo parecem ter afectado a
sua capacidade de armazenar o excesso de água, o que significa que uma
maior quantidade de gelo derretido poderá estar a ir para o oceano.
Os cientistas dizem que a camada de gelo da Gronelândia já perdeu mais
de nove biliões (milhões de milhões) de toneladas de gelo no último
século – e a rapidez do derretimento continua a aumentar à medida que
as temperaturas vão subindo.
A agência espacial norte­americana NASA estima que a camada de gelo
da Gronelândia está a perder anualmente cerca de 287.000 milhões de
toneladas, em parte por causa do derretimento superficial e em parte por
causa de pedaços de gelo que se partem dos glaciares e caem para o
oceano. Como esta enorme camada de gelo tem o potencial de aumentar
bastante o nível médio do mar [se todo o gelo da Gronelândia derretesse,
o nível médio do mar subiria cerca de sete metros], os cientistas têm
estado especialmente atentos ao seu comportamento e aos fenómenos
que podem acelerar o seu derretimento.
O novo estudo, publicado na revista Nature Climate Change, centrou­se
numa parte do gelo designada por firn (uma palavra alemã). [Este é o
nome dado à neve endurecida, que vai ficando tapada pela neve que cai
por cima e volta a cristalizar nos anos seguintes, tornando­se mais densa,
mas não alcançando ainda a densidade do gelo. A camada de “firn” é
porosa e atinge os 80 metros de profundidade, de acordo com o artigo.]
O firn é considerado uma parte importante da camada de gelo porque
consegue capturar e acumular o excesso de água antes de ela escoar da
superfície dos glaciares. [Até agora, os cientistas estimavam que o firn
pudesse sequestrar entre 30 e 40% do gelo derretido.] Este serviço da
natureza acaba por ser essencial porque ajuda a mitigar o aumento do
nível médio do mar que de outro modo aconteceria, se toda a água
derretida fugisse do glaciar.
“Como esta camada é porosa e como os poros estão ligados entre si, em
teoria todos os poros nesta camada de gelo recente poderão ser usados
para acumular a água derretida que percola para o interior do ‘firn’
sempre que o gelo derrete à superfície”, explicou Horst Machguth, do
Centro de Investigação Geológica da Dinamarca e da Gronelândia, ao
jornal The Washington Post. Ao longo do tempo, a água derretida que
escorreu para os poros pode ir para os aquíferos que existem na camada
de gelo do firn ou pode voltar a congelar.
Até há pouco tempo, muitos cientistas assumiam que a maior parte desta
camada ainda estava disponível para capturar água líquida. Mas o novo
estudo mostrou que é provável que isso já não seja assim. Através de
observações em 26 sítios na região Oeste da Gronelândia, os
investigadores mostraram que formações recentes de densas camadas de
gelo junto à superfície estão a dificultar a entrada de água líquida – o que
faz com que esta seja forçada a escoar para o oceano.
“Os outros estudos defendiam que havia uma capacidade ilimitada de
retenção de água naquele gelo, mas este novo estudo mostra que não é
verdade”, disse Kurt Kjær, curador e investigador do Museu de História
Natural da Dinamarca, que estudou as dinâmicas da camada de gelo na
Gronelândia mas não esteve envolvido no novo trabalho.
Os cientistas examinaram amostras do gelo obtidas por perfuração
naqueles locais da Gronelândia entre 2009 e 2015. A equipa procurou
descobrir como é que uma série de Verões particularmente quentes, que
causaram vários fenómenos de derretimento muito significativos em
2010 e 2012, afectou o firn.
Criadas “lentes de gelo” “Acho que o resultado mais notável do nosso estudo é mostrar que aquela
camada de gelo recente reage mais rapidamente do que o esperado ao
aumento da temperatura atmosférica”, disse Horst Machguth. Ao
analisar as amostras de gelo, os investigadores descobriram que o dilúvio
de água derretida dos últimos anos escorreu para o gelo e congelou em
camadas superficiais chamadas “lentes de gelo”. Estas lentes impedem
que a água derretida escorra mais para baixo, o que significa que a água
começa a acumular­se e a congelar logo junto da superfície, aumentando
o número e a grossura de lentes de gelo num ciclo vicioso.
As amostras de gelo mostravam que as lentes de gelo ficaram
rapidamente mais grossas entre 2009 e 2012, disse Machguth. Depois, a
partir de 2012, ocorreu uma nova mudança. “No local onde estávamos, o
derretimento muito intenso dos gelos que ocorreu no Verão de 2012 não
resultou num aumento forte da camada de gelo no ‘firn’, porque já havia
uma camada de gelo presente”, explicou o cientista. “Em vez disso,
observámos que a camada de gelo obrigou a água derretida a escorrer
pela superfície.”
Este fenómeno foi mais pronunciado nas zonas mais baixas do Oeste da
Gronelândia, onde a água se infiltrou mais rapidamente nas camadas de
gelo, e ficou lá acumulada na sua forma sólida. Mas Machguth e os seus
colegas prevêem que o mesmo processo de formação de lentes de gelo irá
ocorrer em locais cada vez a maior altitude – e a quantidade de água
derretida forçada a escorrer para o oceano, não tendo onde infiltrar­se,
irá também aumentar.
[Os peritos do Painel Internacional para as Alterações Climáticas das
Nações Unidas estimam que até 2100 o derretimento de gelos em toda a
Terra vá fazer aumentar o nível médio do mar entre 0,44 e 0,74 metros
face ao período compreendido entre 1986 e 2005, no melhor e no pior
cenário de emissões de gases com efeito de estufa. No ano 2500, esta
amplitude entre o melhor e o pior cenário exacerba­se muito: é entre 0,5
metros, se os países controlarem a sério as emissões de dióxido de
carbono e outros gases como o metano, e 6,6 metros, se as emissões
continuarem descontroladas. Neste cálculo, conta também o
derretimento dos glaciares que existem nos continentes e a grande massa
de gelo que a Antárctica alberga.]
No caso da Gronelândia, a equipa do novo estudo não está só preocupada
com a possível contribuição que este excesso de água vai ter no aumento
do nível médio do mar – também sugere que o aumento de escoamento
de gelo derretido possa provocar certos processos de reforço positivo que
causem um derretimento ainda maior no futuro. Segundo o artigo
científico, a água que vai escoando poderá esculpir canais na superfície
da camada de gelo criando assim áreas lamacentas [mais escuras], o que
poderá reduzir o albedo – a capacidade de a camada de gelo reflectir a luz
solar. Por isso, com mais luz solar a ser absorvida pelo gelo, a
temperatura à superfície poderá ficar ainda mais alta, acelerando o seu
derretimento.
Além disso, estas mudanças no firn são em grande medida irreversíveis.
Apesar de ser possível a formação de uma nova camada de gelo à medida
que a neve vai caindo durante o Inverno e vai se acumulando à superfície
na Gronelândia, o processo pode demorar décadas – e pode não
acontecer de todo num clima cada vez mais quente.
Este estudo particular foi realizado apenas na região Oeste da
Gronelândia, por isso os cientistas não têm a certeza se estes resultados
reflectem o que está a acontecer em toda a ilha. Seria importante fazer as
mesmas análises noutros locais, considerou Machguth.
Mas até lá, estas observações representam um importante passo na
compreensão dos processos que afectam a Gronelândia, e podem ajudar
os cientistas a melhorar as simulações utilizadas para prever o que irá
acontecer no futuro àquela enorme massa de gelo. “Quando se obtém
este tipo de informação, onde há um novo tipo de conhecimento, ela
deverá ser integrada nos modelos”, defendeu, por sua vez, Kurt Kjær.
Exclusivo The Washington Post/PÚBLICO
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