Justificativa

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Portugal – Terra mãe gentil deste gigante chamado Brasil
Justificativa
Mar Português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos,quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador.
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa
É impossível mensuramos a contribuição de Portugal para a história do ocidente. Com
sonhos povoando a mente e a coragem pulsando no peito, os navegantes lusitanos
desbravaram o oceano, enfrentando mitos, lendas, perigos e doenças. Ao se aventurarem
pelas incertezas do mar, deixaram para trás a dor da saudade, mas trouxeram glórias, poder
e riqueza para este pequeno país da península ibérica.
Valeu a pena? Tudo vale a pena quando se tem na alma a vocação para a grandeza. O
vasto domínio português uniu povos da Europa, Ásia, África e América. Difundiu sua
cultura e, como conseqüência, cidadãos de várias partes do mundo hoje se expressam pela
língua portuguesa. Contudo, de todo o imenso legado da bravura lusitana, o mais belo e
importante é, sem dúvida, o povo brasileiro.
A herança portuguesa na formação do nosso povo está presente em todos os aspectos
de nossas vidas. Está em nossas características biológicas, ou seja, em nosso sangue
miscigenado, e em alguns de nossos principais aspectos culturais. Herdamos, sobretudo, um
rico acervo de hábitos e costumes que foram compartilhados desde o primeiro encontro
com os indígenas, em uma paradisíaca praia do litoral baiano, e continuaram pelos anos
seguintes, em que foram implantadas as bases da colonização e da organização política e
econômica do Brasil.
Ao longo do período colonial, algumas particularidades históricas estreitaram ainda
mais os laços entre Brasil e Portugal. Em uma estratégia sem precedentes, a Família Real
portuguesa, fugindo do conturbado momento da Europa, atravessou o mar e aportou na
colônia, aqui permanecendo por mais de uma década. D. João, Príncipe Regente, em terras
brasileiras é coroado Rei, assumindo o título de D. João VI. É o único caso de um monarca
europeu coroado em solo americano. Mesmo o processo de nossa independência,
diferentemente do que ocorre no restante da América, foi comandado pelo principal
herdeiro do trono português. Os destinos destes dois povos estarão para sempre
entrelaçados.
Neste carnaval, o minuano enfuna as velas do Império da Zona Norte, que se espelha
na coragem e na determinação lusitana para cruzar a avenida e fincar, no solo sagrado dos
sambistas, sua bandeira amarela, branca e prata. As lágrimas de Portugal hoje são apenas de
alegria, como a do componente anônimo que, no início do desfile, após meses de ensaios e
trabalho no barracão, chora orgulhoso ao perceber que todo o esforço, apesar da
dificuldade, valeu a pena.
Sinopse
Tens a vocação para o mar. No peito de teus filhos, Portugal, inflama a chama da
coragem para enfrentar desafios. Pelas mãos de D. Henrique, a História foi escrita no
balanço das caravelas que desbravaram o oceano, levando para terras distantes o poder da
coroa lusitana. Ao retornarem, traziam riquezas que construíram glórias e alimentaram
sonhos, incentivando novas conquistas. Como a aventura que começou naquela manhã, às
margens do Tejo, em que, diante de D. Manuel e sua Corte, a esquadra de Cabral partia. O
vento do descobrimento soprava, empurrava as naus rumo à linha do horizonte, em direção
às terras do oeste. Carregavam consigo, além dos desejos de poder e riqueza, a sorte de dois
povos unidos pela força do destino.
Após mais de um mês enfrentando os imprevistos do oceano, os marujos, ao longe,
avistaram o Monte Pascoal e o verde da natureza selvagem. Terra Firme! Seguiram em
direção à praia, desembarcando diante da densa floresta tropical. Teus marinheiros,
Portugal, estavam em meu solo. Encontraram os gentis tupinambás, indígenas que aqui
viviam. Ficaram encantados com a exuberância da flora e da fauna, especialmente com os
pássaros multicoloridos e barulhentos, papagaios e araras, que voavam sobre a copa das
árvores. Estavam na Terra dos Papagalli. Tudo isso Pero Vaz de Caminha descreveu para o
conhecimento do Rei. Contou, entre outras coisas, que Frei Henrique, aos pés da cruz
fincada na terra, rezou a missa diante dos olhares curiosos dos indígenas. Difundir a fé
cristã sempre foi uma das tuas missões!
Os anos passaram, Portugal, mas aqui tu permaneceste. Do troca-troca com os
nativos, política da boa vizinhança implantada desde o primeiro instante, iniciaste anos
mais tarde a colonização. Na terra que, como disse Caminha, “se plantando tudo dá”, a cana
foi cultivada, trazendo a doce riqueza do açúcar. Ciente de que desta terra também brotaria
ouro e pedras preciosas, como tua vizinha Espanha já havia encontrado, incentivaste a
exploração do interior, permitindo a descoberta das minas gerais. Do outro lado do oceano,
de ti vinham as decisões que orientavam os passos do meu povo. Porém, em uma
reviravolta da História, quando o exército de Napoleão ameaçou a tua paz, foi a vez da
própria Família Real e da Corte, comandadas pelo Príncipe Regente D. João, se lançarem
ao mar, enfrentando a turbulenta travessia do Atlântico para aportarem, como destino final,
no Rio de Janeiro.
No desembarque, sob o forte sol dos trópicos, o fascínio estava no rosto de cada um
dos populares. A antiga capital do meu país estava enfeitada, preparada para festejar a
chegada dos ilustres visitantes. Não demorou a começar, em sinal de respeito, a cerimônia
do beija mão. Sob as flores que eram arremessadas, os nobres seguiram em cortejo pelas
estreitas ruas cariocas. A partir de então, Portugal, minha terra abriu as porta para o mundo,
em medidas como a abertura dos portos para as nações amigas, e experimentou novidades
importantes, como a criação do Banco do Brasil. Quando D. João, que aqui fora coroado
Rei, retornou para o velho mundo, deixou seu filho Pedro como regente. Foi ele quem deu
o grito da nossa independência e se fez imperador. Desde aquele momento, Portugal,
seguimos nossos passos sozinhos, mas tua presença em nossos hábitos e costumes
permanecerão para sempre. Eis a essência da minha história. Os pilares da minha cultura.
Hoje, o fado e o samba se unem em uma só canção. Uma canção que comunga
lamento e alegria, que mistura saudade e folia. A canção que exalta a herança que me
deixaste. Um rico legado que faz parte da minha vida, como nos momentos lúdicos, nos
jogos de baralho, dados e damas, e no prazer da boa mesa, comendo bacalhau e tomando
um vinho do Porto. Os botequins, que parecem tão brasileiros, também herdamos de ti,
assim como o cavaquinho e muito do nosso carnaval, que foi inspirado em teus Zé Pereiras.
Tua presença está nas cores verde-amarela, nas festas religiosas que expressam a fé de
norte a sul do meu país, nos livros e histórias que lemos e ouvimos. Teu legado está em
minha língua, minha forma de expressão, que aprendo desde o pioneiro dicionário Morais,
o primeiro no Brasil.
Para nós, gaúchos, merece destaque especial a saga dos casais açorianos que, após
atravessarem o mar, se estabeleceram e povoaram Porto dos Casais, nossa amada e querida
Porto Alegre. Eu, o Império da Zona Norte, gaúcho e brasileiro, legítimo herdeiro de teu
legado, ergo orgulhoso as bandeiras do Brasil, do Rio Grande do Sul, do Império e de
Portugal. O mesmo vento que te trouxe até aqui agora sopra na avenida, tremulando nossas
bandeiras nesta homenagem que dedico a ti, Portugal, terra mãe gentil deste gigante
chamado Brasil!
Texto Fábio Pavão:
Doutor em Antropologia, pesquisador e colunista de carnaval
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