Universidade Federal da Bahia Faculdade de Direito Programa de Pós-Graduação em Direito Doutorado em Direito Disciplina: Metodologia da Pesquisa Profs.: Rodolfo Pamplona Nelson Cerqueira QUESTIONÁRIO VII DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974. DERRIDA, Jacques. A escritura e a diferença. São Paulo: Perspectiva, 1995. Rafael Marcílio Xerez Salvador, Outubro/2010 01) Explique o paradoxo da neutralidade do sentido na obra de DELEUZE? As pré-concepções ou prenoções correspondem às crenças a priori do sujeito acerca de determinado objeto, ou seja crenças construídas anteriormente à própria investigação científica deste objeto pelo pesquisador. DURKHEIM alerta sobre o perigo representado pelas pré-concepções ou prenoções para a investigação científica. Afirma o sociológo que “as prenoções são suscetíveis de dominar os espíritos e de se substituir à realidade” e que as “prenoções fazem com que os fatos sociais pareçam uma mera manifestação de idéias inatas, como se não tivessem uma realidade senão nas e pelas idéias que são os seus germes” (DURKHEIM, 2006, p. 44). Para combater as prenoções, DURKHEIM estabelece como regra fundamental de seu método sociológico “considerar os fatos sociais como coisas” (DURKHEIM, 2006, p. 42). Explica o sociólogo que “tratar os fenômenos como coisas é tratá-los na qualidade de data que constituem o ponto de partida da ciência. Os fenômenos sociais apresentam incontestavelmente esta característica” (DURKHEIM, 2006, p. 51). Entender os fenômenos sociais como coisas significa considerá-los em si, “[...] desligados dos sujeitos conscientes que deles têm representações” e, por conseqüência, “[...] estudá-los de fora, como coisas exteriores, porque é deste modo que se nos apresentam. “O caráter convencional de uma prática ou de uma instituição nunca deve ser presumido” (DURKHEIM, 2006, p. 52). O pesquisador, portanto, não deve permitir que a investigação científica seja contaminada por prénoções. Nas palavras de DURKHEIM, “[...] necessário que o sociólogo, quer no momento em que determina o objeto de suas pesquisas, quer no decurso das suas demonstrações, se abstenha resolutamente de empregar esses conceitos formados fora da ciência e em função de necessidades que nada têm de científico. (DURKHEIM, 2006, p. 55). Conclui o sociólogo, de forma peremptória: “devemos afastar sistematicamente todas as prenoções” (DURKHEIM, 2006, p. 54). 02) Indique, tanto no texto de DERRIDA, quanto na vida prática, exemplos de aplicação da “desconstrução”? O método sociológico de DURKHEIM tem como regra fundamental “considerar os fatos sociais como coisas” (DURKHEIM, 2006, p. 42). Conforme dito, entender os fenômenos sociais como coisas significa considerá-los como “[...] desligados dos sujeitos conscientes que deles têm representações” (DURKHEIM, 2006, p. 52). Para o referido sociólogo, os fatos sociais, “[...] consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo e dotadas de um poder coercivo em virtude do qual se lhe impõem” (DURKHEIM, 2006, p. 33). Nesta concepção, o fato social seria fenômeno dissociado e independente do indivíduo considerado em si. “Fato social é toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior: ou então, que é geral no âmbito de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existência própria, independente das suas manifestações individuais” (DURKHEIM, 2006, p. 40). Da natureza de coisa do fenômeno social, resulta seu caráter objetivo. Por caráter objetivo do fenômeno social deve ser entendido que sua existência independente da subjetividade do indivíduo isoladamente considerado. “Devemos, portanto, considerar os fenômenos sociais em si mesmos, desligados dos sujeitos conscientes que deles têm representações; é preciso estudá-los de fora, como coisas exteriores, porque é deste modo que se nos apresentam” (DURKHEIM, 2006, p. 52). O método defendido por SARTRE, por sua vez, é denominado de progressivoregressivo. Para o filósofo, o homem é ao mesmo tempo produtor e produto da História. Explica SARTRE: [...] os homens fazem a sua história sobre a base de condições reais anteriores (entre as quais devem-se contar os caracteres adquiridos, as deformações impostas pelo modo de trabalho e de vida, a alienação, etc), mas são eles que a fazem e não as condições anteriores: caso contrário, eles seriam os simples veículos de forças inumanas que regeriam, através deles, o mundo social. Certamente, estas condições existem e são elas, apenas elas, que podem fornecer uma direção e uma realidade material às mudanças que se preparam; mas o movimento da práxis humana supera-as conservando-as (SARTRE, 1987, p. 150). Existe, portanto, uma relação dialética entre o homem e as condições sociais em que existe. “[A História] se faz cada dia por nossas mãos diferente do que acreditamos fazê-la e, por um imprevisto movimento de retorno, nos faz diversos daquilo que acreditamos ser ou tornar-nos” (SARTRE, 1987, p. 151). A existência do homem caracteriza-se pela realização de um projeto individual. Nas palavras de SARTRE: Para nós, o homem caracteriza-se antes de tudo pela superação de uma situação, pelo que ele chega a fazer daquilo que se fez dele, mesmo que ele não se reconheça jamais em sua objetivação. Esta superação, encontramo-la na raiz do humano e de início na carência [...] ela exprime uma situação na sociedade e contém já um esforço para superá-la; a conduta mais rudimentar deve ser determinada ao mesmo tempo em relação aos fatores reais e presentes que a condicionam e em relação a certo objeto a vir que ela tenta fazer nascer. É o que denominamos o projeto. [...] É superando o dado em direção ao campo dos possíveis e realizando uma possibilidade entre todas que o indivíduo se objetiva e contribui para fazer a História: seu projeto toma, então, uma realidade que o agente talvez ignore e que, pelos conflitos que ela manifesta e que engendra, influencia o curso dos acontecimentos (SARTRE, 1987, p. 151-153). Em face da relação dialética entre o indivíduo e as condições materiais que o cercam, o estudo da História deve envolver a compreensão do indivíduo e da coletividade. O dado que superamos a cada instante, pelo simples fato de o vivermos, não se reduz às condições materiais de nossa existência, é preciso fazer entrar nele, já o disse, nossa própria infância. Esta, que foi ao mesmo tempo uma apreensão familiar e uma superação cega, um esforço canhestro para nos arrancar daí, acaba por inscrever-se em nós sob a forma de caráter. [...] Assim, pode-se dizer ao mesmo tempo que superamos sem cessar a nossa classe e que, por esta superação mesma, nossa realidade de classe se manifesta (SARTRE, 1987, p. 156). Portanto, no método proposto por SARTRE, para análise dos fatos sociais, tão importante quanto o elemento coletivo é o elemento individual. No dizer do filósofo, “[...] sem homens vivos, não há história” (SARTRE, 1987, p. 170). Este método é denominado progressivo- regressivo porque se desenvolve em um movimento de ir e vir entre o indivíduo e a coletividade, no qual somente é possível entender um através do outro. Explica o filósofo: Nosso método é heurístico, ele nos ensina coisa novas porque é regressivo e progressivo ao mesmo tempo [...] Não terá outro meio senão o ‘vaivém’: determinará progressivamente a biografia (por exemplo), aprofundando a época, e a época, aprofundando a biografia. Longe de procurar integrar logo uma à outra, mantê-las-á separadas até que o envolvimento recíproco se faça por si mesmo e ponha um termo provisório na pesquisa. [...] um vaivém se estabelece entre as historietas singulares que esclarecem estas condições difusas (porque as reúnem em uma só e as fazem eclodir) e a determinação geral das condições de vida que nos permite reconstruir progressivamente (porque elas já foram estudadas) a existência material dos grupos considerados. O conjunto destes passos, a regressão e o vaivém nos revelaram o que denominarei a profundidade do vivido” (SARTRE, 1987, p. 170-171;175). Entendemos que o método sociológico proposto por DURKHEIM e o método progressivo-regressivo proposto por SARTRE são inconciliáveis. De fato, na concepção de DURKHEIM o estudo dos fenômenos sociais deve ser feito de forma inteiramente independente do elemento individual, ou seja, do indivíduo considerado em si. Já na concepção de SARTRE, o fenômeno social resulta da interação entre o elemento coletivo e o elemento individual, o que torna necessário, para a compreensão da História, o estudo simultâneo do homem e do grupo social. Entendemos que o método proposto por SARTRE é o mais adequado para o estudo dos fenômenos sociais, já que o fenômeno social, embora transcenda a esfera do indivíduo em si, surge na subjetividade dos indivíduos e se manifesta nas condutas individuais. Entretanto, no estudo do elemento coletivo que participa para formação do fenômeno social, entendemos que o método proposto por DURKHEIM pode ser útil, no sentido de permitir a caracterização do fenômeno social como algo que transcende a esfera puramente individual para atingir todo um grupo de indivíduos. 03) Qual a distinção proposta por JEAN PAUL SARTRE entre Noção e Conceito? Para SARTRE, o conceito se pretende objetivo e, neste sentido, se apresenta como universal e atemporal. O conceito, portanto, corresponde a algo que é exterior ao objeto que define. O conceito, por ser objetivo, permanece imutável ao longo da História. A noção, por sua vez, se refere ao objeto considerado em seu devir, ou seja, como algo em desenvolvimento ao longo da História, incluindo suas contradições e superações sucessivas. (Marton, 2007, p. 14). BIBLIOGRAFIA DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martin Claret, 2006. MARTON, Scarlett. “Sartre: ontologia e historicidade” in O que nos faz pensar. N. 21, maio/2007. Disponível em http://www.oquenosfazpensar.com/adm/uploads/artigo/sartre,_ontologia_e_historicidad e/artigos519.pdf. Acessado em 14.10.2010. SARTRE, Jean Paul. “O método progressivo-regressivo” in Os pensadores: Sartre. 3 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1987.