As tempestades no percurso de Pedro Alvares Cabral em 1Soo

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JOSÉ CUSTÓDIO DE MORAIS
As tempestades no percurso
de Pedro Alvares Cabral em 1Soo
entre as Ilhas de Cabo Verde
e o Brasil
·.
NAS COMEMORAÇOES HENRIQUINAS
MARÇO
1960
JOSÉ CUSTÓDIO DE MORAIS
As tempestades no percurso
de Pedro Alvares Cabral em 1Soo
entre as Ilhas de Cabo Verde
e o Brasil
NAS COMEMORAÇOES HENRIQUINAS
MARÇO
1960
u
Separata da
Revista da Universidade de Coimbra
Vol. 19. 0
Composto e impresso na Imprensa de Coimbra, L.da
Largo de S. Salvador, I a 5- Coimbra
AS TEMPESTADES NO PERCURSO DE PEDRO
ALVARES CABRAL EM 1500, ENTRE AS ILHAS
DE CABO VERDE E O BRASIL
Está hoje assente, e por várias razões, que a chegada de P. A. Cabral ao
Brasil em 1500 não foi casual, mas intencional, tendo a tempestade sido inventada pelos autores (1).
O oficial de Marinha Baldaque da Silva (2) para mostrar a impossibilidade desta tempestade apresenta, entre outros, argumentos meteorológicos
que não estão de harmonia com o que se sabe hoje da meteorologia da região
entre Cabo Verde e a Baía Cabrália 17° S, onde aportou P. A. Cabral. São
já passados muitos anos depois do seu estudo e das citações que aponta e
natural é haver melhores argumentos.
Depois do testemunho de ordem histórica de Pero de Magalhães de Gandavo de 1575: « ... e havendo já um mês que hiam naquela volta navegando
com vento prspero foram dar na costa desta Provincia». Diz que as tempestades da costa do Brasil, na estação considerada (Abril) sopram de NW e de
SW afastando portanto da costa os navios de Cabral.
Cita trabalhos franceses de 1864, onde se diz que na Monção de SW os
ventos gerais são muitas vezes substituídos por ventos variáveis do S a W.
Eles trazem tempo sombrio e chuva e um pouco de mau tempo, mas quando
chegam a esta latitude [vindos do S, entendo] entre a Baía (13. 0 ) e Rio de
Janeiro (23. 0 ) , perdem toda a sua força, isto entre 30 a 40 léguas ao largo
da costa.
Esta região fica já no extremo sul da região que estudamos, mas notamos que não deixam de ser registadas nas cartas actuais e perto de 30° S,
excepcionalmente, ventos do SW, como veremos.
Como Cabral chegou ao Brasil é claro que não houve tal tempestade.
Continua o mesmo autor: «para o desvio ser causado por temporal, e
este atirar os navios para o lado da costa deveria a tempestade provir dos
quadrantes de fora, pelo menos compreendida entre os rumos de NE e SE».
Citando uma publicação da Academia Real das Ciências de 1893 diz que as
Monções são determinadas pelo Equinócio; a de S reina de Março a S~tem­
bro, e a do N de Setembro a M:trço, com ventos gerais de ESE a SSE na primeira, e de ENE a NNE na segunda, mas s'omente ao latgo, porque a experiência mostra que a vizinhança das terras perturba esta lei.
Assim os navegadores contam com vento de E nos meses em que a Monção do N dá NNE e ENE. Diz ainda que vento de SE a SW só se encontra
além de 31° S (Lagoa dos Patos) e estes já nos não interessam , pelo motivo
já visto.
4
Conclui Baldaque da Silva que estas circunstâncias não autorizam a
hipótese duma tempestade que levasse as naus à costa do Brasil.
Pondo de parte outras razões, que não são de ordem meteorológica
achamos a sua conclusão mal fundada, embora o resultado a que chegou seja
o mesmo a que levam as cartas modernas, isto com muito grande probabilidade. Destas cartas modernas reproduzimos dois fragmentos (3) um relativo a Abril para a viagem de Cabral, e outro de Agosto para a viagem de
Vasco da Gama.
Nos pequenos círculos, que correspondem a quadrados com 5° de lado,
estão resumidas as características dos ventos e que resultam de muitos milhares
de observações, como mostram os números superiores dentro dos círculos.
Só as cartas americanas resultam, em Abril, assim como em Agosto, de cerca
de 27.000 observações, para todo o Atlântico Sul.
O número de observações em cada quadrado, vai de 66 a 1.700 na área
percorrida por Cabral. Nas cartas que copiamos esse número ia de 300
a 1.900.
Na nossa cópia de Abril não figuram ventos de força 7 ou superior (Veloc.
= 45 km. p. hora), tão poucos eles são, mas noutro carta só com ventos fortes
vê-se uma área com a frequência de 1 °/0 numa região que se estende para NNE
do extremo oriental do Brasil, zona a W da linha que apresentamos como rota
provável de Cabral.
Os únicos temporais que poderiam aparecer a N do Equador seriam os
ciclones tropicais que muitas vezes se originam na região do Cabo Verde,
mas estes ciclones só aparecem de Maio por diante (4).
Nesta região os ventos são do quadrante NE, excepto na região das calmarias, onde são fracos e variáveis.
Para o S do Equador também não aparecem com frequência digna de
nota ventos de força 7 ou superiores, até à latitude de 25° S.
A carta especial para ventos de força 8 ou superior (velocidade= 56 km.
p. h.), que são já considerados de tempestade, pois são ventos muito fortes
indica a percentagem de 1 °/0 , mas para os três meses de Março, Abril e Maio,
o que dá uma fraquíssima probabilidade só para Abril.
Na área que percorreu Cabral não aparece registo de ventos desta força,
mas unicamente numa área elíptica, que indicamos, na carta, na lat. 10° S.
Nas latitudes extra-tropicais os temporais são caracterizados por ventos
fortes cujas direcções varü:m com a posição dos observador em relação ao
centro de baixas pressões.
Esta rotação dos ventos é causada pela força de Coriolis que, como se
sabe, é proporcional ao seno da latitude. Junto do equador não tem por
isso importância alguma.
A linha de encontro dos alisados dos dois hemisférios é que constitue
uma fraca frente, pois as diferenças de temperatura das duas massas de ar
são pequenas.
Esta linha, ou antes zona, que se ch2ma zona de convergência intertropica/ (5) atinge em Agosto a Outubro a sua máxima latitude N (10°-8°) e em
5
Fevereiro a Abril a máxima S (0°-4°). É nesta frente que excepcionalmente
se podem formar pequenas tempestades.
Nas áreas das costas que estudamos não figuram as tempestades com
ventos de vários rumos pois quando numa área de um rectângulo de 5° de
lat. por 20° de long. a percentagem destes ventos fortes é inferior 1/2 °/0
não os registam. Há unicamente a indicação «poucos ou nenhuns». Para
comparação, indicamo-las em pequenos rectângulos, um junto da Costa N
de Portugal, ao largo, e outro junto do Cabo da Boa Esperança, onde,
como diz o Poeta na boca do Gigante Adamastor, ameaçando os portugueses
«Com ventos e tormentas desmedidas».
Não há, pois, na região considerada, tempestades dos quadrantes de W,
que não levariam Cabral ao Brasil, podendo raríssimas vezes aparecerem ventos fortes dos quadrantes de E que o poderiam ter arrastado até à costa.
É claro que não devemos excluir a hipótese muitíssimo pouco provável
de aparecer nestas baixas latitudes uma tempestade de vento muito forte.
dos quadrantes de E, dada a variabilidade dos fenómenos meteorológicos.
Os milhares de observações feitas nesta região não nos permitem afirmar,
em absoluto, que não houve ou não há por aqui uma tempestade.
Unicamente com argumentos de ordem meteorológica ela não se pode
negar em absoluto, unicamente se pode dizer que ela é muitíssimo pouco
provável, e na vida prática, esta probabilidade torna-se como nula - isto é afirma-se que não houve tempestade, embora se não demonstre em absoluto,
que a não houve.
ROTA DE PEDRO ÁLVARES CABRAL
Apesar dos poucos elementos que há sobre este rota, podemos fàcilmente
imaginar qual ela seria, pois pouco há que variar neste percurso.
Tendo passado pela Ilha de S. Nicolau supomos que não guinaria muito
para SW com medo de ir ter à costa N do Brasil segundo afirma G. Coutinho
a propósito de Vasco da Gama, e unicamente teria em vista fugir o mais possível à região das calmarias, para então, na altura do Equador rumar mais para
SW, para atingir a costa do Brasil.
As instruções de Vasco da Gama lá dizem (6), «A popa fazerem seu caminho pelo Sul, e se houverem de guinar seja sobre a banda de Sudueste».
C. Malheiro Dias (7) citando Mouchez que diz: «Pour parcourir cette
distance de 800 lieues au milieu desquelles on a a traverser la zone des calmes
de l'equateur, beaucoup de navires encore de nos jours, employent plus de
temps. Ce _premier voyage du Bresil peut donc être cité aussi comme le
premier exemple qui existe de l'avantage de couper la ligne dans 1'0.».
Passando perto de S. Nicolau a 22 de Março e atingido o Brasil a 22 de
Abril gastou quase um mês, pelo que podemos imaginar um percurso com
poucas curvas.
6
Até ao equador, em tempo normal , o vento era sempre favorável embora
diminuindo de velocidade ao aproximar-se das calmarias. É um percurso
de cerca de 280 léguas que levaria (8), segundo o roteiro de Gaspar Manuel,
cerca de 7 dias com a singradura de 40 léguas. Daqui à costa do Brasil são
perto de 420 léguas,.e com o vento pela bolina a velocidade andaria por metade,
(20 léguas) o que perfaz 21 dias ou seja no total cerca de um mês.
Duarte Pacheco (9), aí por 1520, diz no Esmeraldo, como já notou Carlos
Coimbra (10): «Todo o navio que estiver no Cabo Verde e houver de ir para
J/ .li/
(!J'@
(8)
.H
(b)
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1-J" 4
) _,
(c)
ç=pft
(d)
(e)
--3:)
Abril- Carta dos ventos, segundo «Meteorological Office», de Londres, com indicação
dos rumos, frequência e força.
A escala (a) indica a frequência; (b) indica a força na escala de Beaufort;
(c) indica os rumos e frequência dos ventos de força 8 ou maiores. Aqui os números indicam a percentagem para os 3 meses: Março, Abril e Maio; (d) limite da
área onde a percentagem dos ventos de força = 8 é I para os três meses indicados.
Nas restantes áreas a percentagem é menor que I. Para comparação inclue
dois rectângulos, de coordenadas a[ indicadas, um deles junto à costa N. de Portugal e outro junto ao Cabo da Boa Esperança; (e) Rota provável de Cabral.
7
a lndia, se lho vento servir a seu prazer, deve fazer o caminho do Sul seiscentas Jeguas».
Cabral ao entrar na região dos ventos de SE tinha necessidade de rumar
um pouco a SW, por o vento lhe escacear, como notou Gago Coutinho.
Mas, como na carta se vê, mais para o Sul o vento vai rodando para Este,
e deixava então de ser necessário rumar tanto para SW, se se não levasse a
intenção de atingir o Brasil.
A ROTA DE VASCO DA GAMA
Dos já citados Atlas Meteorológicos publicamos também, como já dissemos, a parte equatorial do Atlântico para o mês de Agosto, por onde passou
Vasco da Gama na sua célebre viagem. Vê-se nesta cópia, a grande dife-
(a)
(b}
í-J.' •.T-"tT. "
(c)
-;o
(d)
(e)
Agosto - Carta dos ventos seguundo as mesmas indicações da Carta de Abril.
Aqui (c) e (d) referem-se aos meses de Junho, Julho e Agosto; (e) Rota de
Vasco da Gama, segundo Gago Coutinho.
8
rença que há entre o regimen dos ventos nos dois meses de Abril e Agosto.
Neste mês o alisado SE quase chega à latitude 10° N, mas já aí modificado
para S, sendo então a zona das calmarias mais pequena, e situada mais a N.
O almirante Gago Coutinho que bem conhecia a região, pelas cartas, e
pelas navegações que fez também em veleiros, assentou numa rota que parece
definitiva, e que bastante se aproxima da de Ravenstein. Reproduzimos
essa rota tirada de Fontoura da Costa (11) e assinada por G. Coutinho. Como
este autor diz, esta rota é diferente de que foi aconselhada a Cabral, porque
em Agosto era necessário evitar os ventos do S, ao N do equador, para evitar
de irem parar à costa N do Brasil, como tem acontecido a outros navegadores.
Como vimos já em Abril não aparece este vento S, podendo Cabral, para
ir ao Cabo da Boa Esperança, rumar só a S, como diz Duarte Pacheco, se não
aparecesse o vento SE, o que não é frequente, como mostra a carta. Nesta
carta incluímos também uns pequenos rectângulos dos ventos fortes (força 8
ou maior), e limitamos por linha tracejada a área com a probabilidade 1 °/0
para os 3 meses de Junho, Julho e Agosto, segundo as cartas americanas.
Diz ainda Gago Coutinho (12) que teve grande satisfação espiritual ao
ler nos Lusíadas a indicação desta rota
«Deixando a Serra aspérrima Leoa,
Co'o Cabo a quem das Palmas nome demos».
Bl BLIOGRAFJA
I -Peres, Damião.
«História dos Descobrimentos Portugueses».
Porto, 1943.
2- Silva, Baldaque da. «0 descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral». Centenário do descobrimento da América. Memórias da Comissão Portuguesa.
Academia Real das Ciências. Lisboa, 1892.
3- Monthly Charts of the Atlantic Ocean. Meteorological Office. London, 1948.
-Atlas of Climatic Charts of the Oceans. U.S. Navy. Washington, 1938.
4 - Byers, H. Robert.
«General Meteorology».
3 th edition, 1959, New York.
5- Diniz, A. Leão. «Condições Meteorológicas na Rota Lisboa-Ilha do Sal-Recife-Rio de Janeiro». Publicação técnica n. 0 30 dos Transportes Aéreos Portugueses, 1935.
6- Costa, Fontoura da. «Os Sete Unicos Documentos de 1500, conservados em
Lisboa, referentes à viagem de Pedro Álvares Cabral». Agência Geral das Colónias. Lisboa, 1940.
7- Dias, Carlos Malheiro. «História da Colonização Portuguesa do Brasil.
Ernest Mouchez. «Les cotes du Brasil». Paris, 1864.
8- Costa, Fontoura da.
Lisboa, 1939.
9- Pacheco, Duarte.
boa, 1905.
«A Marinha ria dos Descobrimentos».
«Esmeraldo».
Cap. 5. 0 , Livro 4. 0 .
Introdução».
Ag. Geral das Colónias.
Ed. Epifânio Dias.
Lis-
lO- Coimbra, Carlos. «Da lnrensão e da Casualidade no Descobrimento do Brasil»
Congresso do Mundo Português. Vol. IX. Lisboa, 1940.
I I - Costa, Fontoura da. «Roteiro da Primeira Viagem de Vasco da Gama (1497-1499)
por Álvaro Velho». Ag. Geral das Colónias. Lisboa, 1940.
12- Coutinho, Gago. «Possibilidade da rota única de Vasco da Gama em Os Lusiadas.
Impossibilidade de Vasco da Gama ter, de Cabo Verde, navegado sempre para
o Sul». Sep. da Biblos». Vol. VII, n. 08 9 e 10. Coimbra, 1931.
-O Roteiro de Vasco da Gama não prova a Casualidade no descobrin1ento do Brasil.
Jornal «A Esfera», 5-12-1940.
-O rumo sul do Gama e o acaso de Cabral. Boi. Soe. Geog. Lisboa. N. os 1-2, 1948.
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