Broadway Belt: uma base técnica para o ator cantor de teatro musical Renato de Almeida Avelar Orientador: Prof Dr. Maurílio Rocha Este artigo busca uma análise da aplicação do Broadway Belt na performance do ator cantor. Para estudo desta técnica de canto específica do gênero teatro musical, foi desenvolvido um trabalho de pesquisa através da montagem do espetáculo Cinco Anos de Nós Dois, inspirado no musical The Last Five Years, de Jason Robert Brown, apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso – Graduação em Teatro/EBA/UFMG. A escolha deste tema se deu em decorrência do quase anonimato do Broadway Belt na academia brasileira, uma vez que o estudo desta técnica criada nos Estados Unidos não apresenta no Brasil registros formais que sejam de fácil acesso para estudantes que desejem se aprofundar no referido assunto. Para tanto, decidiu-se por meio deste documento traçar uma relação da técnica com o trabalho do ator cantor. O teatro musical dos Estados Unidos nasceu a partir de uma tradição que veio da opereta e do vaudeville1. Assim como aconteceu no Brasil, estes chegaram aos EUA importados da Europa e deram início à Broadway no final do século XIX, período em que nasceram os primeiros espetáculos de teatro musical. Nestes tempos, tinha-se o canto lírico como base técnica para o trabalho do ator cantor, cuja impostação era diversa da voz falada. Já no início do século XX, o musical norte americano se estabeleceu dramaturgicamente de uma forma mais próxima da que conhecemos hoje – dentro de uma estrutura aristotélica, isto é, com início, meio e fim, e com a busca por parte dos criadores (compositor e letrista) de fazer com que a ação dramática e a música estivessem amalgamadas, evitando que a canção se tornasse um momento destacado da linha de ação do espetáculo. Diferentemente da ópera, arte cênica em que cantores interpretam peças musicais, nas quais o que prevalece é a música, o performer de teatro musical, ao cantar enquanto atua, utiliza o próprio corpo para expressar emoções e pensamentos da personagem por meio de uma “fala cantada”, em consonância com um corpo cênico e presente, o que demonstra que a música está a serviço da cena, e não ao contrário, como na ópera. Portanto, é mister que o ator cantor não somente domine a técnica vocal, mas saiba colocá-la a serviço da interpretação teatral. Ou seja, 1 Vaudeville foi um gênero de entretenimento de variedades predominante nos Estados Unidos e no Canadá do início dos anos 1880 ao início dos anos 1930. Noite após noite, vários números que não tinham ligação entre si eram levados ao palco, tais como músicos, dançarinos, comediantes, animais treinados, mágicos, imitadores, acrobatas, peças em um único ato ou cenas de peças, atletas etc. é fundamental o contato com as energias interiores, criadoras, as energias potenciais do artista. Somente assim a arte estará revelando o ser, adquirindo um sentido mais profundo, transcendente. Para revelar é necessário mostrar e articular. As ações físicas, por serem a corporificação dessas energias interiores do ator, constituem-se no meio pelo qual ele articula seu discurso (BURNIER, 2009, p. 54). A grande questão é o que fazer no momento em que a emoção da personagem for tamanha, a ponto de ser insuficiente falar um texto ou praticar determinada ação corporal, e for necessário cantar. Nessa busca por parte das equipes criativas, a partir da década de 1920, um dos pensamentos foi como fazer com que a linha de canto do performer se tornasse próxima da fala, sem a impostação lírica e o vibrato2 contínuo. Como fazer com que essa linha de canto, com notas e freqüências definidas, nascesse de uma voz cuja impostação perdurasse do texto falado ao texto cantado? Como fazer com que a voz do ator cantor chegasse até o fundo do teatro de maneira audível sem ser com impostação lírica? Em tempos em que os recursos tecnológicos de amplificação sonora eram escassos e/ou sequer utilizados, quais os recursos corporais que o performer devia usar para tornar sua voz audível ao ser acompanhado por uma orquestra em um grande teatro? Nesse contexto surgiram novas experimentações que se deram através da busca pela projeção de voz do ator cantor e pela desconstrução de determinadas convenções do canto lírico. Neste trabalha-se com a ampliação do espaço vertical dentro da boca, o palato3 bem levantado como em um “eterno bocejo” e com uma laringe4 abaixada e alargada – o que permite ao performer ter uma voz potente. Em contrapartida, não é 2 VIBRATO: Ele tem um efeito estético evidente e um papel primordial porque ele dá a voz sua riqueza expressiva, sua leveza e seu poder emocional. Ele se caracteriza por modulações de frequência, (na razão de cinco a sete vibrações por segundo), acompanhadas de vibrações sincrônicas da intensidade de dois a três decibéis e da altura ¼ de tom e ½ tom que tem uma influência sobre o timbre. Estas flutuações são criadas pelo cantor e tem uma ação musical importante. Em: http://www.aulas-decanto.com/o_vibrato_da_voz.html Acesso em: 13/12/2010 3 PALATO: O palato separa a cavidade oral da porção nasal da farínge e é dividido em duas regiões: os dois terços anteriores (porção óssea), denominados palato duro e o terço posterior móvel(porção fibromuscular) denominado palato mole. O palato forma um arco no teto da cavidade oral. Esse arqueamento é presente no sentido antero-posterior e transverso. Em: http://medworks1.tripod.com/Anatomia/palato.htm Acesso em: 13/1w/2010. 4 LARINGE: A laringe é um tubo sustentado por peças de cartilagem articuladas. É uma câmara oca onde a voz é produzida. Encontra-se na parte superior da traquéia, em continuação à faringe. Em: http://www.webciencia.com/11_08laringe.htm Acesso em 13/12/2010. comum abaixar e alargar a laringe, tampouco se dá uma dimensão maior do espaço interno da boca e da garganta enquanto se fala. Devido a essas diferenças entre a voz lírica e a voz falada, os grandes criadores de teatro musical iniciaram inúmeras tentativas de tornar o canto algo mais “natural” e verossímil. O que se tentou fazer, primeiramente, foi experimentar no canto o uso da laringe na “mesma” posição da voz falada. O segundo passo foi deixar o espaço da laringe um pouco constringido como ele é enquanto se fala normalmente. No entanto, “os recursos tecnológicos daquela época não eram avançados como os de hoje, não havia microfone na cabeça para um elenco de 60 pessoas” (TAGLIANETTI; BUSTAMANTE; SOUZA, 2009). Era necessário saber projetar a voz. Desse modo, foram chegando ao som metálico, quase nasalizado, e com forte projeção, aproximando-se cada vez mais da técnica que hoje se denomina Broadway Belt. BROADWAY BELT: História, Fisiologia e Acústica O Broadway Belt, popularmente conhecido como Belting5, é uma técnica de canto contemporânea oriunda do canto lírico desenvolvida e sistematizada para teatro musical nos Estados Unidos a partir do final do século XIX. Em decorrência dos diversos avanços tecnológicos, essa técnica vem sendo aprimorada desde os anos 1930. Atualmente, há teatros que comportam 2.000 lugares, onde são feitas de 6 a 8 seções por semana de um mesmo espetáculo sem alternância de elenco. Nota-se, pois, a necessidade de intenso preparo vocal por parte do ator cantor, que graças à evolução da tecnologia possui o aparato tecnológico para realizar sua performance sem se desgastar fisicamente, estando microfonado com os chamados “microfones de cabeça”. Atualmente, o Broadway Belt é estudado sobretudo em escolas norte americanas e britânicas. Chegou ao Brasil nas últimas duas décadas e tem se instaurado como base técnica do ator cantor de teatro musical no eixo Rio/São Paulo. Em escolas paulistas que preparam atores, cantores e bailarinos para tal gênero teatral, tais como Casa de Artes OperÁria (SP) e 4Act Performin Arts (SP), o belting é ensinado por educadores que 5 O belting pode ser encontrado em todos os gêneros contemporâneos de canto e estilos musicais, incluindo jazz, folk, pop e rock, embora na maioria das vezes seja associado ao teatro musical (por isso também chamado de Broadway Belt). Em: http://www.singwise.com/cgibin/main.pl?section=articles&doc=BeltingTechnique Acesso em 13/12/2010. também atuam como performers no mercado – como, por exemplo, Ana Taglianetti, Andréia Vitfer e Fred Silveira, além de ser difundido também por pesquisadores e profissionais da área que são raríssimos no Brasil, como o maestro Marconi Araújo e a fonoaudióloga Dra. Silvia Pinho. Chegou recentemente a Belo Horizonte com palestras ministradas pelo maestro Marconi e com a vinda de Ana Taglianetti, que junto ao maestro Daniel Souza e à cantora lírica Fabíola Protzner, fundaram o Projeto Teatro Musical na Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais. Este projeto, iniciado em 2008, tornou-se uma matéria da EMUFMG e abriu espaço para que os alunos, advindos não somente das diversas graduações da UFMG, mas também da comunidade belorizontina, tivessem uma iniciação ao belting e ao teatro musical. Em 2009, com a associação do projeto ao diretor teatral Fernando Bustamante, foi realizado um curso para atores cantores que resultou na montagem de A Pequena Sereia, baseada no musical The Little Mermaid da Broadway. Atualmente, A Pequena Sereia deixou a academia para se tornar uma montagem profissional produzida pela Cyntilante Produções. De acordo com Ana Taglianetti6, Estamos em um momento especial por aqui. O musical sempre existiu em BH, mas acredito que a entrada do conceito de belting no mercado de atores só pode trazer ganhos, pois essa técnica pode ser usada para que qualquer canção brasileira possa ser cantada. O belting só pode trazer benefícios para o ator que precisa cantar em cena, proporcionando-lhe a correta projeção numa região da voz muito próxima à da voz falada, o que não provoca discrepância quando saímos de um texto e começamos a cantar. (TAGLIANETTI, et.all, 2010) O som do Broadway Belt é produzido numa laringe alta – se comparado à posição da laringe no canto lírico –, assim como na voz falada. A voz de peito é estendida e agudizada até o seu máximo, tendo cada cantor o seu limite, o que vai interferir no repertório, assim como na ópera. A laringe fica numa posição muito próxima à da fala, mais ou menos estreitada e compensada pelo ressonador da boca e 6 Atriz, cantora e professora de canto. Estudou canto lírico com vários professores particulares no Brasil e EUA. Fez cursos de ópera e teatro musical na Juilliard School of Music, Mannes College of Music, Mestrado em performance vocal pela City University of NY. Estudou belting na Lee Strasberg Theatre Institute, e especializou-se em performance de ópera e musicais pelo programa VOICExperience, coordenado por Sherrill Milnes e Maria Zouves. pela ampliação da orofaringe7. Por isso, nos palcos de teatro musical se veem bocas muito “grandes”, porque esse ressonador é altamente necessário para o belter8, cuja projeção vocal é forte e impactante, o que explica o uso da expressão belting, que deriva do verbo inglês to belt, que significa “cantar alto”, “ bater com força”. O canto lírico está em sua base, e Ana Taglianetti reforça essa idéia ao dizer que: a base da técnica vocal, seja ela qual for, deve partir do lírico, técnica que proporciona fortalecimento, alongamento e resistência imbatíveis. A partir desse fortalecimento, do alongamento e da resistência, construo a técnica da voz modal9, seja para o canto popular ou seja para o belting. Meu primeiro contato com a técnica foi nos EUA, e aprendi o belting a partir da técnica lírica, e assim a ensino. (TAGLIANETTI, et.all., 2010) No entanto, diferentemente do canto lírico, o belting não está focado necessariamente no belo. Seu foco é fazer com que o texto da canção seja “falado” numa determinada freqüência definida de som. Sua sonoridade é mais brilhante, e sua fonação, ressonância e articulação são mais próximas da voz falada. O vibrato deixa de ser contínuo e passa a existir somente nos finais de frase. Há uma ênfase muito maior sobre as consoantes ao cantar e o som das vogais é raramente modificado. Ana Taglianetti confirma isso ao dizer que O belting proporciona a associação da projeção de voz com o claro entendimento do texto, o que é fundamental quando falamos de teatro. E também, por estar na mesma região da voz falada e na mesma colocação, não há diferença quando paramos de falar e começamos a cantar. (TAGLIANETTI, et.all., 2010) 7 OROFARINGE: A orofaringe, bucofaringe, mesofaringe ou porção bucal da faringe ou garganta, é uma região anatômica que nasce na porção mais posterior da boca. Em: http://pt.wikilingue.com/es/Orofaringe Acesso em: 13/12/2010 8 Denomina-se belter o cantor que se utiliza do Broadway Belt como base técnica para realizar sua performance vocal. 9 REGISTRO MODAL: Este registro está associado ao músculo tireoaritenóideo (TA), também conhecido como músculo vocal, pois faz parte do “corpo” das pregas vocais. A voz falada (tanto masculina quanto feminina) utiliza-se normalmente deste registro para ocorrer. Em: http://bompravoz.blogspot.com/2010/04/o-que-sao-registros-vocais.html Acesso em 13/12/2010 Devido a isso, pode-se afirmar que essa técnica só tem a contribuir na estética do teatro musical. Ela instrumentaliza e preserva o ator cantor, se este possui um aparelho vocal treinado para aplicá-la da forma correta. CINCO ANOS DE NÓS DOIS: APLICANDO O BROADWAY BELT Cinco Anos de Nós Dois é uma montagem baseada no musical The Last Five Years, de Jason Robert Brown. Adaptada ao contexto paulista, a trama da história trata do relacionamento de um casal, Jamie Guimarães e Catarina Marques, desde o dia em que eles se conhecem ao dia em que se separam, do ano de 2005 ao ano de 2010. Sob o ponto de vista das personagens, interpretadas por Renato Ziggy e Ana Taglianetti, a história dos dois é contada em ordem cronológica e anticronológica, respectivamente. A peça é constituída de quatorze cenas, dentre as quais são distribuídas quatorze canções versionadas em português, sendo seis solos para cada atuante e dois duetos para o casal. Além dos atores, este musical conta com a direção de Ana Taglianetti, com iluminação de Clarice Rena e Lélia Rolim e com dois pianistas, Kelline Apolinário e Frederico Natalino. Esta peça foi estudada a partir da análise dramatúrgica e musical das partituras10 das músicas. Partiu-se do pressuposto de que a partitura é o guia de interpretação para o ator cantor de teatro musical, uma vez que o criador da mesma é um “compositor dramaturgo” (TAGLIANETTI, et.all., 2010). Tudo aquilo que ele compõe é concebido com um pensamento dramatúrgico. Tudo quanto ele for traduzir em música representa uma série de situações ligadas ao drama. Cada nota, acorde, formato de linha melódica é minuciosamente estudado. Nada é aleatório. Ou seja, tudo quanto foi escrito pelo compositor dramaturgo é para ser interpretado detalhadamente, porque cada detalhe registrado ali, na partitura, tem uma razão de estar lá. Em um musical, a música é pensada e composta para traduzir por completo um personagem. De acordo com J. Deer e R. Dal Vera (2008), não existe separação entre ele e a canção. São a mesma coisa. Tudo aquilo que a canção conta traduz seus 10 PARTITURA: Representação gráfica do conjunto dos sons e silêncios de uma obra, partes instrumentais ou vocais de um trecho musical em que as diversas partes simultâneas aparecem sobrepostas. Em: http://agnazare.ccems.pt/EB23EMUS/glossario_a_z/glossario_p.htm Acesso: 13/12/2010 inúmeros aspectos emocionais. A música entra como um elemento fundamental de identificação dos afetos relacionados a cada personagem e a cada momento da história. Ela nunca mente. Um dos princípios básicos do teatro musical é ainda que o personagem “cante uma mentira”, a música tocada sempre vai falar a verdade. Ela é o subtexto. Tudo quanto for delineado musicalmente tem a ver com aquilo que o personagem está sentindo. Indubitavelmente, isso vai se refletir na interpretação teatral do ator cantor. Já dizia Stanislavski: Escutem muito cuidadosamente a música. Vocês precisam ouvir nela a razão do que vocês estão fazendo e de como estão fazendo (as ações cênicas). (STANISLAVSKI, RUMANTSEYEV, 1998) Levar isso em consideração fez toda a diferença não somente no processo de construção dos personagens, mas também nos recursos vocais utilizados para a interpretação de cada cena, de cada canção. Cada qual traduzia diferentes estados e situações, o que acabava interferindo na forma como a voz era colocada e projetada. Posto que cada cena foi contemplada como uma lembrança, cada qual trazia uma memória, um afeto diferente. Isso fez com que recorrêssemos ao conceito de memória emotiva (STANISLAVSKI, 2003), em que existe uma ênfase na memória emocional através da reconstrução de experiências pessoais vivenciadas pelos atores para uso na ação vocal, abordada por Luís Otávio Burnier da seguinte forma: A ação vocal, como o próprio texto diz, é a ação da voz. Se considerarmos a voz como um prolongamento do corpo, da mesma maneira como Decroux considerava os braços prolongamentos da coluna vertebral, a voz seria como um “braço do corpo”. Assim, esse “braço” pode pegar um objeto e trazê-lo para si ou empurrá-lo para longe, acarinhar ou agredir o espaço ou uma outra pessoa, afirmar ou hesitar... (BURNIER, 2009, p. 56) Meu preparo técnico como belter para uma melhor execução dessa ação vocal foi feito através de um estudo teórico prático do Broadway Belt e da sua aplicação dentro de um contexto cênico musical. Esse trabalho de pesquisa se deu através de aulas particulares de canto lírico e belting com Ana Taglianetti, da montagem de Cinco Anos de Nós Dois e da escrita deste artigo. Por meio da encenação deste musical, bem como da concepção deste artigo, tive a oportunidade de aplicar e refletir criticamente sobre a técnica que venho pesquisando. O elemento dificultador foi a inexistência no Brasil de referências bibliográficas no meio acadêmico sobre o Broadway Belt. Toda a base teórica encontrada para redigir este documento se deu através da análise de artigos encontrados na rede Internet, estando todos em inglês, e principalmente de gravações em áudio e vídeo de palestras ministradas por Ana Taglianetti no Projeto “Viva Música” na EMUFMG. No que remete às aulas particulares que venho fazendo há cerca de um ano, muitas tem sido as descobertas a respeito de minha voz. Uma delas é que, tanto dentro da terminologia do canto lírico quanto do belting, sou baixo barítono. Tanto na ópera quanto no teatro musical, as personagens mais adequadas para o meu timbre vocal são grandes vilões ou homens mais velhos, posto que minha voz é mais escura e tenho maior extensão para notas mais graves. Em função disso, as maiores dificuldades que encontrei neste processo foi de trabalhar minha extensão vocal nas regiões agudas. Devido à influência do lírico e principalmente por falta de consciência corporal e preparo técnico, costumava reter muito ar ao cantar e deixar minha voz presa na garganta, fazendo esforço além do necessário, o que a deixava pesada e sem brilho. Isso me atrapalhava a subir nos agudos, em detrimento do excesso de tensão concentrado na minha laringe. Como o Broadway Belt trabalha com uma maior expulsão de ar – se comparado ao canto lírico, meu sopro se tornou mais leve, inclusive no lírico, e meus agudos passaram a soar melhor e a ter mais brilho. Minha extensão vocal aumentou consideravelmente, e hoje consigo cantar com mais facilidade peças que exploram regiões mais agudas para um baixo barítono, como em algumas cenas do meu TCC. É importante frisar que os solos da minha personagem foram originalmente compostos para ser interpretados por um tenor, cuja extensão vocal para regiões agudas é muito maior do que a de um baixo barítono. Mas como se trata de um estudo acadêmico, não houve problema algum em transpor para um tom abaixo todas as canções referentes à minha personagem. Porque as canções possuem certa independência entre si, a estética da peça não foi prejudicada, e devido à transposição meu rendimento vocal teve um progresso considerável. Além disso, estudar as canções no tom original – antes da transposição ter sido feita pelos pianistas – me estimulou a superar barreiras inclusive psicológicas que até então me atrapalhavam a atingir notas mais agudas. Os estudos voltados para a montagem se deram da seguinte forma: primeiramente, as músicas foram estudadas individualmente, através de leitura e análise das partituras, bem como o uso de playback das canções gravado no tom original. A seguir, foram feitos ensaios de repertório com os pianistas11; marcação de cena ainda com uso de playback e ensaios gerais com pianistas e toda equipe técnica. Os estudos pessoais foram de extrema importância, uma vez que, sem o auxílio presencial da professora, tive que adquirir a autonomia de analisar sozinho os elementos das músicas, utilizá-los no meu trabalho atoral, e traduzi-los na minha voz, através de uma série de recursos, como colocar mais ou menos ar na voz, usar abertura horizontal e vertical da boca, posicionamento de laringe, projeção vocal, falsete12, mix13 etc. Considerações Finais Realizar essa montagem e ter a oportunidade de aplicar o que venho aprendendo diariamente nos últimos meses tem sido um grande marco na minha vida. Finalmente encontrei meu caminho de pesquisa e, sem dúvidas, pretendo levar adiante meus estudos referentes ao Broadway Belt. Espero de alguma forma contribuir no meio acadêmico com esses escritos, porque acho importante que as pessoas saibam que essa técnica existe e que ela só tem a contribuir no trabalho do ator cantor. O belting exige cautela, disciplina e acima de tudo pesquisa. Só dessa forma ele pode ser um elemento técnico e estético constituinte da ação vocal, pois já dizia Luis Otávio Burnier: “O que é importante entendermos no que tange às ações vocais é que uma ação vocal é a ação que a voz faz no espaço e no tempo” (BURNIER, 2009, p. 57). Referências DEER, J.; DAL VERA, R. Acting in Musical Theater: A Comprehensive Course. New York: Routedge, 2008. 11 Os pianistas se encarregaram de realizar as transposições de um tom abaixo das canções cantadas por mim. 12 Voz de cabeça masculina. 13 Mistura de voz de peito com voz de cabeça. MELLO, Luis Otavio Sartori Burnier Pessoa de. A arte de ator: da técnica a representação : elaboração, codificação e sistematização de técnicas corpóreas e vocais de representação para o ator. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2009. STANISLAVSKI, Constantin. A preparação do ator. 19. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. ________________________. e RUMANTSEYEV, P. Stanislavski on Opera. New York: Routledge, 1975 TAGLIANETTI, Ana; BUSTAMANTE, Fernando; SOUZA, Daniel de. Palestra "Teatro musical" / Ana Taglianetti, Daniel Souza, Fernando Bustamante. Concerto Uma noite na Broadway. 2009. 1 vídeo-cassete : VHS, son., color ; (Projeto Viva Música ; 16/09/2009). . SOUZA, Daniel. Palestra "Análise da estrutura da partitura e libreto no teatro musical: aspectos fundamentais para análise do papel, da partitura do ator e das canções - um guia para o ator-cantor de teatro musical e ópera" / Ana Taglianetti. Teatro musical Jazz! Uma noite na Broadway 3. 2010. Vídeo-cassete : VHS, son., color ; (Projeto Viva Música ; 23/06/2010). . Entrevista sobre Broadway Belt. 2010. Manuscrito (11/12/2010).