Embrião criopreservado implantado post mortem tem

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Embrião criopreservado implantado post mortem tem direito
sucessório?
Aline de Castro Brandão Vargas
A Era Tecnológica se expandiu com tamanha força, que conceitos secularmente
estabelecidos sofreram mudanças em quase sua totalidade.
Essas alterações foram tão astuciosamente sentidas, que diversas ciências, dentre as quais o
Direito, não foram capazes de acompanhar o avanço tecnológico.
Mais precisamente, o salto científico de que estamos falando trata-se da Reprodução
Humana Assistida. Este tipo de procriação ganhou contornos grandiosos. Afinal, não
poderia ser diferente! Esta foi uma das maiores descobertas humanas, pois inúmeros casais
sofriam com a angústia causada pela esterilidade e infertilidade. Agora, enfim, podem ser
contemplados com a tão sonhada maternidade e paternidade. Sabemos que a adoção de uma
criança também pode suprir, de certa forma, este desejo de ser pai e mãe. Não podemos
desconsiderar, entretanto, a existência de casais que almejam a filiação, cotidianamente,
denominada “de sangue”. É mister ressaltar, ainda, que os casais que carregam a mácula
daquelas doenças, na maioria das vezes, sentem-se preteridos pela sociedade, uma vez que
não têm o direito de escolha entre ter ou não filhos. Os parâmetros ditados pela sociedade
podem, em alguns casos, massacrar as pessoas que nela vivem. Por este motivo, a
Procriação Medicamente Assistida foi aplaudida “de pé”.
Infelizmente, contudo, deste “boom” tecnológico advieram diversos problemas. Não é
nossa pretensão apresentar, aqui, respostas a todas as dúvidas que tangenciam à
Reprodução Assistida (R.A.). Neste espeque, nossa proposta será identificar as balizas do
direito sucessório frente à Reprodução Humana Assistida. Diante do exposto, pergunta-se:
a implatação “post mortem” de embrião excedentário, ou seja, após a morte do genitor,
enseja direito sucessório para o ser nascido desta técnica científica de reprodução humana?
Tal hipótese não teve respaldo expresso no ordenamento jurídico brasileiro. Todavia,
analisando pormenorizadamente o sistema como uma unidade, podemos verificar a garantia
do direito de herança no casu in tela.
Insta salientar que a determinação do momento exato em que se inicia a vida, a
personalidade do ser humano e sua caracterização como sujeito de direitos sempre foram
temas muito tormentosos. Se estas questões já eram objetos de incessantes
questionamentos, quando só se concebia ser humano por meio natural e dentro do útero
materno, agora, diante da possibilidade da fertilização in vitro, as dificuldades ficaram
ainda maiores.
À época da feitura do Código Civil de 1916, nossos juristas sequer cogitavam a hipótese de,
no futuro, haver a concepção humana fora do útero feminino.
Com as técnicas de R.A. acirradas discussões acerca da natureza jurídica do embrião
congelado vieram à tona, pois, hoje, é possível falar em um lapso temporal existente entre o
momento da fecundação e o da gestação.
Como salientado, a natureza jurídica do nascituro não é facilmente definida. Com maior
razão, também não o será a do embrião criopreservado. Vale lembrar que ambos não se
confundem; mas cada um, na sua proporção, é merecedor de garantias.
A despeito de controvérsia doutrinária, o Código Civil Brasileiro, em seu art. 2º, põe a
salvo, apesar de o nascituro não ser pessoa, seus direitos desde sua concepção. Será
possível, todavia, ser detentor de direitos sem ser considerado sujeito no âmbito legal???
O Código Civil vigente estipula: "Art. 1º - Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na
ordem civil" (grifo nosso).
A flagrante contradição estampada ensejou a criação de algumas teorias para definir o
início da personalidade civil do ser humano. As mais significativas são:
1) Teoria natalista – segundo a qual a personalidade civil do homem começa com o seu
nascimento com vida. Segundo esta doutrina, o nascituro teria tão-somente possui
expectativa de direito, desde a sua concepção.
2) Teoria da personalidade condicionada – esta doutrina sustenta que o início da
personalidade começa com a concepção, mediante a condição suspensiva do nascimento
com vida, isto significa dizer que se o nascituro nascer com vida, sua personalidade
retroage à data de sua concepção.
3) Teoria verdadeiramente concepcionista – entende que o nascituro é pessoa desde a
concepção. É a mais ousada das teorias!
Mister se faz ressaltar que nosso Código Civil adota, para definir o início da personalidade,
a Teoria Natalista. Assim, em uma primeira leitura, pode parecer que o nascituro, na
verdade, não é digno de direitos. Mas, certo é, ainda, dizer que por uma benevolência da lei
alguns direitos lhe ficarão assegurados, desde a concepção. Não obstante, cumpre lembrar
que, no caso do embrião crioconservado, a fecundação também já ocorreu.
Desta feita, poder-se-ia afirmar que tal embrião teria seus direitos resguardados?
Já mencionamos em nosso estudo que o nascituro, obviamente já concebido no momento da
abertura da sucessão, apesar de não ter sua personalidade civil reconhecida, teria alguns
direitos. Desta feita, segundo a teoria supra mencionada, se nascer com vida, poderá ser
reconhecido como filho e, inclusive, suceder na herança. Busca-se, com isso, assegurar que
a vontade do falecido se concretize; vontade esta que se exprime na transmissão de seus
bens a seu tão amado filho. Não se pode negar que o de cujus, intimamente, desejava
proteger seus descendentes, por uma razão muito lógica: “Almejamos o melhor para o
nosso afeto”. O legislador, sendo conhecedor desta afeição que unem ascendentes e
descendentes, instituiu a sucessão legítima. Neste diapasão, fácil fica de identificar a íntima
relação entre o Direito de Família e o Direito Sucessório.
Em vista disso, também é possível afirmar que o embrião excedentário faz jus à
transmissão da herança de seu ascendente. Apesar de tal embrião não poder ser considerado
nascituro, em face da não ocorrência do fenômeno da nidação (momento em que o embrião
se fixa no endométrio) à época da morte de seu genitor, sua defesa se faz necessária.
Importante frisar que se deixarão de lado crenças ou opiniões meramente filosóficas acerca
do início da vida humana. Valerá, aqui, a palavra da ciência. Segundo os cientistas, desde o
exato encontro dos gametas feminino e masculino, que se dá no momento da fecundação,
aquele novo ser estará totalmente individualizado em termos genéticos, ou seja, seu DNA já
será único e irrepetível. A embriologia nos mostra que o embrião e o adulto são o mesmo
ser, pois o desenvolvimento se dá desde a fecundação até a vida adulta de forma contínua.
Desta feita, justamente por não se conhecer em sua essência a natureza jurídica do mesmo,
não deve ser permitida a destruição de embriões excedentários, porque, num futuro não
muito distante, pode ser que haja o reconhecimento de tais embriões como ser humano (não
mais como tertium genus); se assim o for, quantas mortes poderiam ter sido evitadas. Na
realidade, contudo, não é este o cerne do presente trabalho.
Nosso estudo, na verdade, tem por base a verificação da possibilidade do direito sucessório
na hipótese de embrião criopreservado, originado de fecundação homóloga (quando a
mulher é inseminada artificialmente com o sêmen do próprio casal, ligado ou não pelo
casamento), implantado post mortem. Nosso posicionamento é no sentido de seu
cabimento. Isto porque, o novo Código Civil prevê em seu art. 2º que os direitos do
nascituro estarão resguardados desde a concepção, mas, para tanto, ele deverá nascer com
vida. Importa ressaltar que tal embrião já havia sido fecundado no momento da abertura da
sucessão. Como se observa, o embrião criopreservado se enquadra parcialmente nesta
previsão legal, pois já foi concebido, mas não pode ser considerado nascituro. Mister
destacar que a nova redação manteve aquela prevista no Código de 1916; e se o "antigo"
Código já protegia alguns direitos dos nascituros, quando nem se cogitava das técnicas de
procriação assistida, não seria justo que o novo sistema deixasse de abarcar os avanços da
biotecnologia e proteger também os direitos dos pré-embriões.
Mais adiante, neste mesmo Diploma Legal, o art. 1.597 dispõe sobre a presunção de
paternidade no caso em destaque, qual seja, embrião crioconservado implantado após a
morte de seu genitor. O Código vigente, no intuito de proporcionar maior amparo jurídico
às tendências científicas da atualidade, prevê que “presumem-se concebidos na constância
do casamento os filhos: havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o
marido"; bem como, " havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões
excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga”, nos termos do art. 1597,
inciso III e IV, respectivamente. Urge destacar, ainda, que a expressão "a qualquer tempo"
deve ser entendida também na hipótese de implantação post mortem, uma vez que referido
Diploma presume, expressamente, a filiação na hipótese de fecundação artificial homóloga
(segundo a qual se faz a implantação do gameta masculino na mulher ), mesmo que após a
morte do genitor, com maior razão estará constatada a filiação no caso de concepção
artificial homóloga (na qual o embrião já está formado).
Ora, se se reconhece a filiação nos casos acima citados, com igual motivo deverá ser
permitido aos filhos o direito de suceder seu ascendente.
A seguir, o art. 1.789 do CC oferece proteção especial aos filhos, pois o testador não poderá
dispor de 50% de seu patrimônio, que ficarão resguardados para os herdeiros necessários.
Ademais, a Carta Magna de 1988, ocupante da maior hierarquia do ordenamento jurídico,
reza em seu art. 227, §6º, que está vedada qualquer designação discriminatória entre os
filhos, independentemente de sua origem. Sendo assim, todos devem ser tratados de forma
idêntica.
Neste espeque, verificamos que, embora não haja previsão expressa a respeito da
possibilidade de direitos sucessórios no caso em foco, o sistema jurídico brasileiro, sendo
analisado como um todo, garante este direito. Inexiste, portanto, qualquer contradição ou
óbice nesta permissão.
Em suma, pode-se afirmar que o embrião excedentário, implantado post mortem, está apto
a suceder na herança, pois a concepção já ocorreu. Urge destacar, também que não fere a
Teoria Natalista, consagrada no CC, pois defendemos que a garantia de tal direito só
existirá se ocorrer o nascimento com vida. Ainda, ao nascer com vida, dá-se o início da
personalidade; e o embrião que outrora não tinha natureza jurídica definida, poderá, agora,
ser reconhecido não só como ser humano, mas também como filho do falecido, conforme
previsão legal. Como filho, terá seus direitos de herdeiro necessário protegidos. Ademais, a
CF/88 condena qualquer discriminação entre os filhos. Assim, se existirem outros herdeiros
que se encontrarem na mesma classe na ordem de vocação, aquele embrião será merecedor
de quinhão de mesmo valor quantitativo.
Diante de todo o exposto, fica comprovado o direito de suceder na herança no caso de
implantação post mortem, oriunda de fecundação homóloga; pois o ordenamento jurídico
brasileiro, analisado em sua unicidade, permite tal garantia. Ademais, o doador da carga
genética que deu origem ao embrião desejava, sim, o desenvolvimento do mesmo, tanto que
o congelamento foi de embriões e não de sêmen; e, como todo pai, ele gostaria de ter a
certeza de que seu filho terá o respaldo necessário para a garantia de seu bem-estar.
Como se constata, este é um tema de grande relevância!
Finalmente, uma última dúvida que possa surgir se refere à insegurança jurídica que
poderia se instalar na hipótese de embriões excedentários que não foram implantados.
Deveria se reservar uma cota da herança para estes embriões? E se eles nunca forem
implantados, o que se deve fazer? Dever-se-á esperar por tempo indefinido a implantação
dos mesmos? Com certeza o caos jurídico se estabeleceria! Não se desesperem! O próprio
Código Civil também está apto para solucionar tal dilema: em seu art. 1.824 está prevista a
petição de herança. Assim, como ocorre com os filhos reconhecidos posteriormente,
também no caso de embrião criopreservado implantado post mortem, os direitos
sucessórios serão resguardados se a petição de herança for interposta tempestivamente. Mas
é importante ressaltar, por derradeiro, que o direito de reconhecimento de filiação jamais
prescreve, como assevera a Súmula n. 149, STF: “É imprescritível a ação de investigação
de paternidade, mas não o é a de petição de herança”.
Disponível em:
http://www.wiki-iuspedia.com.br/article.php?story=20080424171457979 .
Acesso em: 29 abr. 2008.
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