Cons. Carlos Cadilha

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Direitos adquiridos na relação laboral pública e privada
1. Reforma do Código do Trabalho
A recente reforma do Código do Trabalho resultante da Lei n.º 23/2012, de 25 de Junho, a
pretexto da necessidade de contribuir para a modernização do mercado de trabalho e das
relações laborais e para o aumento da produtividade e competitividade da economia nacional,
introduziu significativas alterações em matéria de organização do tempo de trabalho, bem como
quanto ao regime de férias, faltas, feriados e trabalho suplementar, e ainda no tocante ao
despedimento por extinção do posto de trabalho e despedimento por inadaptação, que são em si
susceptíveis de afectar os direitos e legítimas expectativas dos trabalhadores, no âmbito de um
movimento mais alargado de agravamento da posição jurídica do trabalhador que vem já do
Código de Trabalho de 2003 e da revisão de 2009.
Cabe referir a este título o seguinte conjunto de medidas:
(a) possibilidade de flexibilização do horário de trabalho através da criação do
banco de horas individual por acordo entre o trabalhador e o empregador (presumindo-se a
aceitação do trabalhador em caso de não oposição à proposta formulada pela entidade
empregadora), bem como através da criação do banco de horas grupal por decisão do
empregador, caso uma maioria de 60% ou 75% de trabalhadores aceite a proposta do
empregador ou esteja abrangida por banco de horas previsto em instrumento de
regulamentação colectiva (artigos 208º-A e 208º-B);
(b) a nível da retribuição do trabalho suplementar, a eliminação do descanso
compensatório remunerado (através da revogação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 229º e n.ºs 2 e 3
do artigo 230º) e a redução para metade dos valores pagos a título de acréscimo de
retribuição (artigos 268º, n.º 1, e 269º, n.º 2);
(c) a eliminação de quatro feriados (artigo 234º), bem como a alteração do regime
de contabilização dos dias de férias quando os dias de descanso do trabalhador coincidam
com dias úteis (artigo 238º, n.º 2), a eliminação da majoração até 3 dias de férias em caso
de inexistência ou número reduzido de faltas justificadas (artigo 238º, n.º 3) e a
admissibilidade do encerramento da empresa para férias em caso de dia que esteja entre um
feriado que ocorra à terça-feira ou à quinta-feira e um dia de descanso semanal (artigo 242º,
n.º 2, alínea b));
(d) no âmbito do regime de faltas ao trabalho, a alteração dos efeitos da falta
injustificada, considerando-se que, em caso de falta injustificada num ou em meio período
normal de trabalho diário imediatamente anterior ou posterior a dia ou meio dia de
descanso ou feriado, o período de ausência a considerar para efeitos da perda de retribuição
passe a corresponder à totalidade desse período (artigo 256º, n.º 3);
(e) alteração do regime de cessação do contrato de trabalho por motivos objectivos
mediante o enfraquecimento das garantias do trabalhador: no caso do despedimento por
extinção do posto de trabalho, cabe ao empregador a responsabilidade da definição do
critério para a determinação do trabalhador atingido pela extinção do posto de trabalho,
ficando apenas obrigado a adoptar um critério relevante e não discriminatório - que
substitui os parâmetros que se encontravam anteriormente legalmente definidos (artigo
368º, n.º 2); o despedimento por inadaptação passará a ser permitido, nas situações que não
tenham sido introduzidas modificações no posto de trabalho, quando tenha havido
modificação substancial da prestação realizada pelo trabalhador de que resulte redução
continuada da produtividade ou da qualidade, avarias repetidas nos meios afectos ao posto
de trabalho ou risco para a segurança e saúde de outros trabalhadores ou terceiros (artigo
375º, n.º 2, alínea a).
2. Evolução legislativa no âmbito da relação jurídica de emprego público:
contratualização
1
Por sua vez, a nota mais característica da evolução legislativa no âmbito da relação
jurídica de emprego público traduziu-se na chamada laboralização da função pública,
concretizada especialmente através do diploma que estabelece os regimes de vinculação, de
carreiras e remunerações (Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro), e pelo qual a modalidade de
constituição da relação de emprego por nomeação passou a revestir um carácter excepcional
(artigo 10º), com o consequente alargamento do campo de aplicação do contrato de trabalho,
que passa a constituir a modalidade comum da constituição da relação de emprego público
(artigo 20º).
O Contrato de Trabalho em Funções Públicas (CTFP), regulado na Lei n.º 59/2008, de 11
de Setembro, embora tenha um regime decalcado do Código de Trabalho, é expressamente
qualificado como uma relação de trabalho subordinado de natureza administrativa (artigo 9º,
n.º 3, da Lei n.º 12-A/2008), e não deixa de constituir uma relação laboral específica que é
apenas aplicável no âmbito da Administração Pública (1). Assim se compreende que o pessoal
contratado seja recrutado através de procedimento concursal (artigo 50º da Lei n.º 12-A/2008),
se encontre sujeito a um estatuto disciplinar próprio (artigos 1º, n.º 1, do ED e 88º da Lei n.º
59/2008) (2), e ainda a um sistema de incompatibilidades (artigo 26º da Lei n.º 12-A/2008), e
que a competência para a apreciação dos litígios emergentes do contrato se encontre atribuída
aos tribunais administrativos (artigos 83º, n.º 1, da Lei n.º 12-A/2008 e 4º, n.º 3, alínea d), do
ETAF, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2008) (3).
Não era esse o regime vigente. No quadro da reestruturação efectuada em 1989, por
contraposição à nomeação e ao contrato administrativo de provimento, que implicavam a
sujeição do trabalhador ao regime jurídico da função pública, o contrato de trabalho, enquanto
modalidade de constituição de relação de emprego público, regia-se pelo Código do Trabalho,
não conferia ao trabalhador a qualidade de funcionário ou agente administrativo, e tinha um
carácter residual, destinado à satisfação de necessidades transitórias dos serviços de duração
determinada (artigos 3º, 4º, n.º 1, 14º, 15º e 18º do DL n.º 427/89, de 7 de Dezembro).
O Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas representa ainda uma
significativa alteração relativamente à Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, que aprovou o regime
jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, permitindo a utilização
generalizada do contrato de trabalho por tempo indeterminado para actividades que não
impliquem o exercício de poderes de autoridade ou funções de soberania (artigo 1º, n.º 4).
Tratava-se, nesse caso, ainda assim, de uma relação laboral de natureza específica, e que apenas
passou a constituir uma modalidade de constituição de relação de emprego público alternativa
à nomeação ou ao contrato administrativo de provimento (4). Isto é, para a generalidade das
actividades materiais e técnicas da Administração (que não envolvessem poderes de autoridade
ou de soberania), a entidade pública poderia recorrer indiferentemente ao contrato de trabalho
ou à nomeação ou ao contrato de provimento, desde que se verificassem os requisitos da lei
geral. É importante reter, no entanto, que o contrato de trabalho na Administração Pública
(fosse o contrato a termo certo a que se referia o DL n.º 427/89, fosse o contrato de trabalho
1
) ALDA MARTINS, A laboralização da função pública e o direito constitucional à segurança no emprego, Julgar,
n.º 7, 2009, pág. 169.
2
) O ED, aprovado pela Lei n.º 58/2008, de 9 de Setembro, é aplicável a todos os trabalhadores que exercem
funções públicas independentemente da modalidade da relação jurídica de emprego ao abrigo da qual exercem as
respectivas funções, e por isso se designa como Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores Que Exercem Funções
Públicas (artigo 1º, n.º 1).
3
) Que prescreve:
«Ficam igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal:
d) A apreciação de litígios emergentes de contratos individuais de trabalho, ainda que uma das partes seja uma
pessoa colectiva de direito público, com excepção dos litígios emergentes de contratos de trabalho em funções
públicas».
4
) ANA FERNANDES NEVES, Contrato de trabalho na Administração Pública, in «Estudos em homenagem ao
Professor Doutor Marcello Caetano», vol. I, Lisboa, 2006, págs. 127-129; VERA LÚCIA SANTOS ANTUNES, O Contrato
de Trabalho em Funções Públicas, Coimbra, 2010, pág. 200.
2
mencionado na Lei n.º 23/2004) não deixava de constituir uma relação laboral de direito
privado (por isso não conferia aos trabalhadores contratados a qualidade de funcionário ou
agente administrativo), o que implicava que os litígios emergentes dessa relação devessem ser
dirimidos pelos tribunais comuns, designadamente em matéria disciplinar (artigo 4º, n.º 3,
alínea d), do ETAF, na sua redacção originária).
O novo regime introduziu um novo paradigma: o contrato de pessoal é o regime-regra de
constituição da relação de emprego público (5). A Lei deixou, por outro lado, de fazer qualquer
referência expressa às noções de funcionário e agente administrativo, as quais se mantêm como
meras categorias conceituais (6).
3. Constitucionalidade do novo regime de contratualização
Uma primeira questão que pode colocar-se é a de saber se o novo regime de vinculação
no exercício de funções públicas, com a generalização do contrato de trabalho como modalidade
de constituição da relação de emprego público, que é aplicável às relações já constituídas, é
susceptível de violar o princípio da reserva da função pública, o direito à segurança no emprego
ou ainda o princípio da protecção da confiança.
O Tribunal Constitucional deu já resposta a esta questão através do acórdão n.º 154/2010,
em processo de fiscalização abstracta sucessiva em que estavam justamente em causa as
disposições dos artigos 10º, 20º, 21º, n.º 1, e 88º, n.º 4, da Lei n.º 12-A/2008, que instituíram o
regime-regra do contrato de trabalho na Administração Pública. Em primeiro lugar, aceitando
embora que subiste um “regime de função pública”, fundado no princípio da prossecução do
interesse público pela Administração (artigo 266.°, n.° 1), o Tribunal entendeu que a alteração
do regime de nomeação para um regime contratual não ofende, em si mesmo, a ideia de um
estatuto específico da função pública, visto que nenhuma das regras e princípios que
caracterizarem esse estatuto (o concurso no acesso e na carreira, direito de reclamação de ordens
hierárquicas, garantias em processo disciplinar, responsabilidade civil por acções e omissões
praticadas no exercício de funções, regime de acumulações e incompatibilidades) (7) é posto em
causa pela mera alteração da modalidade de vínculo e todas eles são compatíveis com um
regime jurídico de matriz contratual. O estatuto específico da função pública existe
constitucionalmente, mas não é atingido apenas pelo facto de haver formas contratuais de
recrutamento de trabalhadores da Administração Pública.
Por outro lado, é necessário ter em conta que a segurança no emprego (artigos 53.º e 58.º
da Constituição) não é um direito absoluto, mas antes, à semelhança de todos os outros direitos
fundamentais, um direito que admite limites e restrições à luz de outros direitos e valores
constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). Não existe para quem acede
à função pública uma garantia constitucional de exercer vitaliciamente as respectivas funções,
pelo que o direito à segurança no emprego não impede que, havendo interesses com relevo
constitucional que tal justifiquem, a relação jurídica de emprego na Administração Pública
assuma uma certa precariedade, como sucede com a que se constitui por contrato pessoal. Nada
obsta a que, no âmbito das relações de emprego público, a regra geral seja a da “contratação” e
que a “nomeação” seja a excepção, especialmente justificada em razão da especificidade das
funções públicas a exercer.
5
) Tal não significava que, por força de legislação especial, se não mantivesse no âmbito da Administração
Pública o regime do contrato individual de trabalho, regulado pelo CT, que constituía o regime aplicável ao pessoal
das empresas públicas (artigo 16º, n.º 1, do DL n.º 558/99, de 17 de Dezembro), dos institutos públicos (artigo 34º, n.º
1, da Lei n.º 3/2004, de 15 de Janeiro) e das associações públicas profissionais (artigo 25º da Lei n.º 6/2008, de 13 de
Fevereiro). Nesse sentido, o artigo 1º, n.º 3, da Lei n.º 23/2004, de 22 de Junho, excluía essas entidades do regime
previsto nessa Lei.
6
) Dentro do actual regime legal, a primeira deverá ser atribuída a quem obtenha uma nomeação definitiva; a
segunda àqueles que devam ser objecto de nomeação transitória ou se encontrem vinculados por contrato de trabalho
em funções públicas
7
) Regime que decorre essencialmente do disposto nos artigos 47º, n.º 2, 269º e 271º da CRP.
3
No que se refere à aplicação da nova modalidade de vínculo aos trabalhadores
anteriormente nomeados, a questão adquire relevância tão-somente na perspectiva do princípio
da protecção da confiança, E, neste plano, cabe notar que, por um lado, a lei assegura, em
relação a esses trabalhadores, um regime transitório específico, que inclui a manutenção de
certos aspectos da regulamentação inerente à nomeação definitiva, mormente no tocante ao
regime de cessação da relação jurídica de emprego (artigo 88º, n.º 4); e, por outro lado, por
efeito do princípio da autorevisibilidade das leis, a situação estatutária do trabalhador com
vínculo definitivo pode sofrer alterações que sejam ditadas pelo interesse público, pelo que não
pode invocar-se um direito à imodificabilidade da posição jurídico-laboral do trabalhador ou à
cristalização do regime no momento da constituição da relação jurídica de emprego, não
podendo por isso sequer falar-se numa frustração de expectativas.
4. Regime dos trabalhadores nomeados: situação estatutária
O novo regime de vínculos coloca, no entanto, uma outra ordem de questões. Os
trabalhadores que exercem funções públicas, consoante a respectiva modalidade de constituição
da relação jurídica de emprego, poderão encontrar-se agora sujeitos a um regime jurídico
legalmente definido (que corresponde ao regime da função pública) ou a um regime definido
por acordo de vontades entre a Administração e o particular outorgante. No primeiro caso,
aplicável aos trabalhadores cujo vínculo é constituído por nomeação, a relação jurídica tem
natureza estatutária; no segundo caso, aplicável aos trabalhadores contratados, a relação
jurídica tem natureza contratual.
No que se refere aos funcionários nomeados é ponto assente que eles se encontram numa
situação jurídica objectiva, definida legal e regulamentarmente, e que pode ser modificada
unilateralmente pelo Estado através de uma nova normação jurídica. O legislador dispõe de
liberdade conformativa para adaptar o regime da função pública às necessidades de interesse
público que em cada momento se façam sentir. Os funcionários não têm direitos adquiridos à
manutenção da situação que detinham no momento em que ingressaram no serviço, mas meras
expectativas jurídicas que apenas poderão ser tuteladas por via da aplicação do princípio da
protecção da confiança, como uma das vertentes do princípio da segurança jurídica (8).
O Tribunal Constitucional tem, no entanto, adoptado uma concepção muito restritiva
deste princípio, considerando apenas como violadora do princípio da segurança, na vertente da
protecção da confiança, «a normação que, por natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária ou
demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança jurídica que as pessoas, a
comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de direito
democrático» (9) (10). A questão consistirá em apurar se as novas normas vêm traduzir uma
8
) Esta é a posição uniforme da jurisprudência administrativa (entre muitos, o acórdão do STA (Pleno) de 15 de
Setembro de 2011, Processo n.º 375/09, que incidiu sobre o novo regime legal introduzido pela Lei n.º 12.A/2008, de
12 de Fevereiro). Na doutrina, por todos, PROSPER WEIL, O direito administrativo, Coimbra, 1977, págs. 69-70. No
sentido de que a teoria dos direitos adquiridos não tem protecção constitucional autónoma e a sua modificação pelo
legislador apenas é susceptível de ser tutelada através de princípios constitucionais, como a protecção da confiança e
a proibição do retrocesso social, LINO RIBEIRO, A privatização das relações de trabalho na Administração Pública –
direitos adquiridos ou arbítrio legislativo?, Associação dos Magistrados da Jurisdição Administrativa e Fiscal de
Portugal, Colóquios, 2010, pág. 236.
9
) Veja-se neste sentido, os acórdãos do TC n.º 4/2003, que se referia a normas que impunham a extinção, fusão
e reestruturação de serviços e a reafectação de pessoal, com redução progressiva de vencimentos em caso de recusa
injustificada de colocação, e n.º 12/2012, que se reportava a disposições legais que previam a suspensão do tempo de
serviço para efeitos de progressão na carreira e o congelamento dos suplementos remuneratórios.
10
) Referindo-se especificamente a situações de retrospectividade ou retroactividade inautêntica, o Tribunal
Constitucional, no acórdão n.º 287/90 (cuja doutrina foi reiterada em inúmeros arestos posteriores), teve também já
oportunidade de definir a ideia de arbitrariedade ou excessiva onerosidade, para efeito da tutela do princípio da
segurança jurídica na vertente material da confiança, por referência a dois pressupostos essenciais:
a) a afectação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da
ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda
4
afectação inadmissível ou excessivamente onerosa da convicção e expectativa dos funcionários
por elas afectados, quer porque se não verificam quaisquer alterações objectivas das respectivas
condições de trabalho, quer porque não ocorre qualquer situação de interesse geral, público ou
social que se possa sobrepor à protecção da confiança, quer ainda porque as novas normas
traduzem numa mutação na ordem jurídica com a qual se não poderia normal e razoavelmente
contar.
De que haja conhecimento, só em dois casos o TC, reportando-se a disposições legais que
tinham determinado uma redução salarial de certas categorias de funcionários, considerou
ocorrer a violação do princípio da protecção da confiança, mas apenas por não ter logrado
descortinar, no diploma legislativo ou nos respectivos trabalhos preparatórios, os motivos
ligados à prossecução do interesse publico (mormente de natureza económica ou financeira) que
pudessem justificar a adopção da medida; o que inculca que a decisão seria diversa se a
alteração legislativa, ainda que susceptível de afectar fundadas expectativas dos particulares,
fosse claramente imposta pela necessidade de salvaguardar outros direitos ou interesses
constitucionalmente protegidos (acórdãos n.ºs 303/90 e 141/02) (11).
De resto, o Tribunal Constitucional, ainda que reconheça uma garantia de irredutibilidade
dos salários no plano do direito infraconstitucional (tanto no Regime do Contrato de Trabalho
em Funções Públicas - artigo 89.º, alínea d) -, como no Código do Trabalho - artigo 129.º, n.º 1,
alínea d)), tem já afirmado que inexiste qualquer regra, com valor constitucional, de directa
proibição da diminuição das remunerações, e que essa garantia não é inferível do direito
fundamental à retribuição (artigos 59º, n.º 1, alínea a), n.º 2, alínea a), e n.º 3), pelo que só
através de parâmetros valorativos decorrentes de princípios constitucionais, em particular os da
confiança e da igualdade, pode ser apreciada a conformidade constitucional das soluções
normativas que envolvam uma redução de salários.
Mesmo o recente acórdão n.º 353/12, que declarou a inconstitucionalidade das normas
constantes dos artigos 21.º e 25.º da Lei do Orçamento do Estado para 2012, que previam a
suspensão do pagamento dos subsídios de férias e de Natal relativamente a pensionistas e a
pessoas que auferem remunerações de entidades públicas, não excluiu que o legislador, em
excepcionais circunstâncias económico-financeiras, e como meio de rapidamente diminuir o
défice público, possa recorrer a uma medida de redução dos rendimentos de trabalhadores da
Administração Pública, ainda que essa medida se traduza num tratamento desigual,
relativamente a quem aufere rendimentos provenientes do sector privado da economia, por
considerar que há ainda aí uma justificação que afasta a eventual violação do princípio da
igualdade na repartição dos encargos públicos (12).
O que o Tribunal considerou, nessa decisão, é que os efeitos cumulativos e continuados
dos sacrifícios impostos às pessoas com remunerações ou pensões do sector público, sem
b) quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos
que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente
consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).
Os dois critérios enunciados são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou “testes”. Para que
para haja lugar à tutela jurídico-constitucional da «confiança» é necessário, em primeiro lugar, que o Estado
(mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de
continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar,
devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspectiva de continuidade do «comportamento»
estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação,
a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa (neste sentido, o recente acórdão n.º
128/2009).
11
) O acórdão n.º 303/90 incidia sobre vencimentos dos ex-regentes escolares e o acórdão n.º 141/2002 era
referente à fixação de limites de vencimentos a funcionários em funções em órgãos de soberania, a membros dos
gabinetes de órgãos de soberania, a funcionários dos grupos parlamentares e a funcionários das entidades e
organismos que funcionam juntos dos órgãos de soberania.
12
) Em sentido idêntico, o Acórdão n.º 396/11, que se pronunciou a redução salarial ocorrida no ano de 2011,
determinada pelo artigo 19.º, da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro
5
equivalente para a generalidade dos outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de
outras fontes, corresponde a uma diferença de tratamento que não encontra justificação bastante
no objectivo da redução do défice público. E implica por isso uma violação do princípio da
igualdade proporcional, assente na ideia de que a desigualdade justificada pela diferença de
situações não está imune a um juízo de proporcionalidade e não pode revelar-se excessiva.
5. Regime dos trabalhadores contratados: situação contratual
A questão coloca-se em termos diferentes no que se refere aos trabalhadores vinculados
por contrato de trabalho em funções públicas. Isso porque quanto a eles, o legislador ao procurar
aproveitar-se, para a generalidade das actividades desenvolvidas pela Administração, de um
regime de vinculação mais flexível do que aquele que decorria do anterior regime-regra de
nomeação – e equiparável ao da relação laboral de direito privado - está simultaneamente a
sujeitar a correspondente relação jurídica de emprego público aos mesmos condicionamentos
que se encontram estabelecidos para o contrato individual de trabalho (13).
Neste enquadramento, convirá, no entanto, também distinguir entre o estatuto legal e o
estatuto contratual. O contrato de trabalho em funções públicas, à semelhança do que sucede
com o contrato de trabalho de direito privado, tem o seu conteúdo definido em grande medida
por normas imperativas, tal como constam do regime aprovado pela Lei n.º 59/2008, que
consagram o estatuto legal do contrato. Este estatuto legal é constituído pelas normas legais que
não podem ser preteridas por quaisquer outras disposições (de regulamentação colectiva ou de
contrato individual), entendendo-se como tais as normas que estabelecem cláusulas fixas (que
não podem ser substituídas) ou que impõem condições mínimas para a tutela da relação laboral
(que apenas podem ser substituídas por outras disposições que prevejam um regime mais
favorável), e ainda pelas normas dos instrumentos de regulamentação colectiva que não possam
ser afastadas pelo contrato (14). Por sua vez, o estatuto contratual é constituído pelas cláusulas
do contrato que se não considerem inválidas e não devam considerar-se substituídas (15) e pelas
normas supletivas (que podem ser afastadas por uma fonte de valor hierárquico inferior ou por
estipulação individual, desde que em sentido mais favorável ao trabalhador) (16), e ainda pelas
normas dos instrumentos de regulamentação colectiva que, por se encontrarem apenas limitadas
por normas imperativas mínimas, possam estabelecer condições mais favoráveis para os
trabalhadores (17).
Esta distinção decorre do artigo 4º do Regime do Contrato de Trabalho em Funções
Públicas - que consagra o princípio do tratamento mais favorável -, que estipula que as normas
do Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas, podem ser afastadas por instrumento
de regulamentação colectiva ou por contrato, quando qualquer destes estabeleça condições mais
13
) Admitindo uma diferenciação no grau de protecção das posições jurídicas geradas pelos vínculos de
nomeação e de contrato de trabalho, e uma maior estabilidade nos direitos emergentes do contrato, LINO RIBEIRO, ob.
cit., págs. 238-239.
14
) BERNARDO XAVIER, A sobrevigência das convenções colectivas no caso de transmissões de empresas. O
problema dos direitos adquiridos, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Janeiro-Setembro, 1994, pág. 132.
15
) Como determina o artigo 82º, n.º 2, do RCTFP, as cláusulas do contrato que violem normas imperativas
consideram-se substituídas por estas.
16
) Note-se que o artigo 4º do RCTFP estipula uma significativa diferença de regime relativamente à
correspondente disposição do CT. Enquanto que, segundo o artigo 3º, n.º 1, deste CT, as normas supletivas podem ser
afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho em qualquer sentido, o artigo 4º, n.º 1, do RCTFP
contempla o requisito do favor laboratoris, pelo que mesmo as normas supletivas apenas podem ser afastadas por
IRCT se este estabelecer condições mais favoráveis. O que poderá explicar a diferente terminologia adoptada na
epígrafe: enquanto o artigo 4º do RCTFP se refere ao «Princípio do tratamento mais favorável», o artigo 3º do CT
reporta-se à «Regulação entre as fontes de direito», ainda que seja qualquer destes regimes que define o âmbito de
protecção de direitos laborais que se encontrem previstos em estipulação individual ou em convenção colectiva de
trabalho.
17
) MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO, Direito do Trabalho, Parte I - Dogmática Geral, 2ª edição, Coimbra, pág. 270
Quanto à tipologia das normas laborais e a sua modificabilidade, BARROS MOURA, A convenção colectiva entre as
fontes de direito do trabalho, Coimbra, 1984, págs. 147 e segs.
6
favoráveis para o trabalhador, mas apenas quando «daquelas normas não resultar o contrário»
(isto é, em caso de não oposição das normas de grau superior). Pode deste modo concluir-se que
o princípio favor laboratoris opera no âmbito do estatuto contratual, e, portanto, apenas em
relação ao conteúdo da relação laboral que se não encontre fixado de modo indisponível nas
normas legais ou colectivas.
Por outro lado, nesse artigo 4º, tal como sucede com a correspondente norma do CT
(artigo 3º, n.º 4), não há qualquer referência ao carácter mais favorável do regime legal anterior,
pelo que não é possível considerar salvaguardados direitos laborais que, ainda que de natureza
mais favorável, tenham sido instituídos por normas imperativas anteriores (18). O que significa
que têm aqui aplicação os princípios gerais em matéria de aplicação das leis no tempo que
resultam do artigo 12º do Código Civil, pelo qual a lei nova, quando dispuser sobre o conteúdo
de certas relações jurídicas, aplica-se às próprias relações já constituídas (19). A regra é a de que
as novas condições laborais estabelecidas na lei são de aplicação imediata, abrangendo os
contratos de trabalho anteriormente celebrados, com salvaguarda do princípio do tratamento
mais favorável para o trabalhador, tal como surge enunciado naquele artigo 4º (20).
6. A questão da manutenção dos direitos adquiridos
É à luz destas ordens de considerações que é possível enquadrar o princípio da
manutenção dos direitos adquiridos.
O RCTFP apenas faz referência expressa à regra da irredutibilidade dos direitos
adquiridos no âmbito da contratação colectiva, em especial no domínio da sucessão de
convenções colectivas de trabalho, caso em que não é possível a redução de direitos decorrentes
de uma convenção anterior se a nova convenção não tiver um carácter globalmente mais
favorável (artigo 367º, n.º 3, do RCTFP, à semelhança do estabelecido na correspondente norma
do artigo 503º, n.º 3, do CT) (21).
Fora deste campo específico de aplicação – e, portanto, na relação entre as fontes laborais
o contrato de trabalho - o princípio da irredutibilidade dos direitos adquiridos terá de ser
considerado em função das regras gerais que conformam o favor laboratoris. O princípio tem
aplicação sobretudo para ressalvar os contratos individuais de novas leis ou de novas
convenções colectivas de trabalho e para ressalvar as convenções colectivas de trabalho de
novas leis, mas desde que esses direitos possam considerar-se como integrando o estatuto
contratual do trabalhador e, como tal, não possam tal ser inutilizados pela nova regulamentação
legal ou colectiva (22).
Nesse sentido, os direitos adquiridos não podem ser entendidos como correspondendo a
apropriação pelo estatuto individual do trabalhador das vantagens da antiga lei ou da antiga
convenção colectiva de trabalho, não podendo falar-se em direitos adquiridos quando o que está
em causa é a mera expectativa de manutenção da anterior regulamentação mais favorável (23).
Como vimos, apenas no quadro da sucessão de convenções colectivas é que subsiste um
afloramento da manutenção dos direitos adquiridos, no ponto em que se estabelece que a mera
sucessão de convenções colectivas não pode ser invocada para diminuir o nível de protecção
18
) MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO, ob. cit, pág. 289.
) MENEZES CORDEIRO, Instrumentos de Regulamentação Colectiva, in «Estudos em memória do Professor
Doutor João de Castro Mendes, Lisboa, pág. 470
20
) BERNARDO XAVIER, Manual de Direito do Trabalho, Verbo, pág. 907.
21
) MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO, ob. cit., pág. 280. Defendendo que a norma deve ser entendida como uma
regra interpretativa, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 5ª ed., Coimbra, págs. 266-267.
22
) BERNARDO XAVIER, Curso de Direito do Trabalho, I, 3ª edição, Verbo, pág. 647; A sobrevigência das
convenções colectivas no caso das transmissões de empresas, citado, pág. 132.
23
) BERNARDO XAVIER, Curso de Direito do Trabalho, citado, pág. 648.
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global dos trabalhadores (24). No mais, apenas poderão subsistir direitos laborais que não
tenham sido postergados pela nova lei ou pela nova convenção, à luz dos critérios que regem a
regulação entre fontes de direito laboral. Esses direitos não podem, no entanto, ser
caracterizados como direitos adquiridos, visto que a sua manutenção na esfera jurídica do
trabalhador não se deve à intocabilidade desses direitos, mas ao jogo interpretativo decorrente
das disposições conjugadas das normas legais, das normas colectivas e das cláusulas do
contrato.
Naturalmente que o conceito de direitos adquiridos, com o sentido que lhe é aqui
atribuído, configurando-se como uma projecção do favor laboratoris na sucessão das fontes
laborais (25), não se confunde com os direitos subjectivos (os direitos já consolidados no
domínio do regime anterior ou já formados na esfera jurídica do titular, mas ainda não
efectivados), nem com as meras expectativas jurídicas, isto é, com as situações de vantagem
decorrentes da antiga lei ou do antigo instrumento colectivo do trabalho e cujos efeitos ainda se
não produziram (26). Os direitos subjectivos estão protegidos pelo princípio da não
retroactividade da lei nova; as expectativas jurídicas apenas poderão ser tuteladas pelo princípio
da protecção da confiança, quando a previsibilidade da sua manutenção se fundamente em
valores reconhecidos no sistema e não apenas na inércia ou na manutenção do status quo
(acórdão do TC n.º 786/96).
7. Equiparação dos trabalhadores da Administração Pública com vínculo contratual
aos trabalhadores do sector privado em regime de contrato individual de trabalho
Todas estas considerações são aplicáveis à relação laboral de direito privado. O RCTFP
caracteriza-se por uma significativa aproximação ao CT, no que se refere à sistemática e ao
conteúdo dispositivo das suas normas. A proposta de lei n.º 81/XII (em discussão na
especialidade)27 pretende estender ao RCTFP a generalidade das medidas inovadoras
introduzidas no CT pela Lei n.º 23/2012, uniformizando o regime legal, designadamente em
matéria de flexibilização do horário de trabalho, remuneração do trabalho extraordinário,
eliminação do descanso compensatório, redução do número de feriados e efeitos das faltas
injustificadas.
Por outro lado, os trabalhadores da Administração Pública em regime de contrato de
trabalho em funções públicas encontram-se em situação equiparável aos trabalhadores do sector
privado com contrato individual de trabalho regulado pelo CT.
Em qualquer dos casos a manutenção de direitos laborais depende da natureza da norma
que serve de ponto de partida.
Para a caracterização da norma imperativa, que impede o reconhecimento de direitos
laborais, o ponto fulcral é que a norma vise regular o estatuto profissional da generalidade dos
indivíduos ligados por um contrato de trabalho (28), e simultaneamente não conceda a
possibilidade de a convenção colectiva ou o contrato estipularem um regime diverso. Assim, por
exemplo - reportando-nos ao novo regime constante da proposta de lei n.º 81/XII, no tocante ao
contrato de trabalho em funções públicas -, a alteração aos limites da duração do trabalho em
regime de adaptabilidade individual (artigo 127º-A) ou de banco de horas individual (artigo
127º-C), bem como a eliminação do descanso compensatório por trabalho extraordinário
24
) Idem, pág. 653.
) MARIA DO ROSÁRIO RAMALHO, ob. cit., pág. 291.
26
) MENEZES CORDEIRO, Instrumentos de regulamentação Colectiva, citado, pág. 470; MARIA DO ROSÁRIO
RAMALHO, ob. cit., pág. 291.
27
) Publicado no Diário da Assembleia da República, II série A, n.º 205/XII/1, de 5 de Julho de 2012.
28
) BERNARDO XAVIER, A sobrevigência das convenções colectivas no caso das transmissões de empresas,
citado, pág. 133.
25
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(resultante da revogação do artigo 163º, n.ºs 1 e 2) e as novas regras instituídas em matéria de
feriados ou faltas injustificadas (artigos 8º-A e 192º, n.º 3), têm carácter imperativo,
prevalecendo sobre quaisquer outras disposições do contrato do trabalho ou de anterior IRCT. O
que não sucede nas situações em que o novo regime legal não impede que o IRCT possa
estipular um critério diverso, como se verifica em relação à prestação de trabalho extraordinário,
cujos montantes remuneratórios podem ser fixados em IRCT (artigo 212º, n.º 4), bem como no
que se refere ao trabalho prestado em regime de adaptabilidade grupal ou de banco de horas
grupal, que se não aplicam aos trabalhadores abrangidos por IRCT que disponha de modo
contrário (artigos 127º-B, n.º 4, e 127º-E, n.º 3).
O mesmo princípio tem aplicação em relação às alterações introduzidas pela revisão do
CT, ainda que não haja uma inteira correspondência quanto à caracterização das normas
inovadoras como imperativas ou meramente supletivas (29). E ainda que o âmbito do princípio
do tratamento mais favorável não seja inteiramente coincidente no RCTFP e no CT (neste, as
normas supletivas podem ser afastadas pelo IRCT em qualquer sentido, salvo quanto às
matérias elencadas no n.º 3 do artigo 3º).
8. Princípio da proibição do retrocesso social
Neste contexto, poderia ter ainda cabimento a invocação do princípio da proibição do
retrocesso social, tendo em consideração que direitos sociais dos trabalhadores com consagração
constitucional, como a segurança no emprego (artigo 53º da CRP), o direito à retribuição do
trabalho, o direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, o direito
ao repouso e os lazeres e à fixação dos limites da duração do trabalho (artigo 59º, n.º 1, alíneas
a), b) e d), e n.º 2, alínea b), da CRP), tiveram nos regimes legais precedentes um grau de
concretização mais intenso.
A este propósito, a jurisprudência do TC e a generalidade da doutrina não deixam de
sublinhar a necessidade de harmonizar a estabilidade da concretização legislativa já alcançada
no domínio dos direitos sociais com a liberdade de conformação do legislador. E fora os casos
em que a Constituição contenha uma ordem de legislar suficientemente precisa e concreta, de tal
modo que a margem de liberdade do legislador para retroceder no grau de protecção já atingido
é necessariamente mínima (acórdão n.º 34/84), a proibição do retrocesso social apenas pode
funcionar em casos-limite, e, em especial, quando a alteração redutora do conteúdo do direito
social se faça com violação do princípio da igualdade ou do princípio da protecção da confiança
ou, então, quando se atinja o núcleo essencial do direito em causa (acórdão n.º 509/02).
Numa formulação mais restritiva, no acórdão do TC nº 101/92 entendeu-se que só
ocorreria retrocesso social constitucionalmente proibido quando fossem diminuídos ou
afectados «direitos adquiridos em termos de se gerar violação do princípio da protecção da
confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural», apontando para
situações em tenha havido uma prévia subjectivação desses mesmos direitos.
O Tribunal partiu aí, no entanto, de um conceito de direitos adquiridos que não
corresponde àquele que é tradicionalmente adoptado no domínio do direito laboral. Não estamos
aqui a falar de direitos subjectivos já incorporados na esfera jurídica dos titulares, mas de
posições jurídicas que se encontram consignadas no contrato de trabalho ou na convenção
29
) Poderão interpretar-se como imperativas as novas disposições relativas ao banco de horas individual e banco
de horas grupal (artigos 208º-A e 208º-B), feriados (artigo 234º), eliminação do descanso compensatório por trabalho
suplementar (revogação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 229º), faltas injustificadas (artigo 256º, n.º 3), e eliminação da
majoração de dias de férias (artigo 238, n.º 3). A redução do acréscimo de retribuição por trabalho suplementar, tal
como sucede no âmbito do RCTFP, pode ser afastada por IRCT (artigo 268º, n.º 3).
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colectiva de trabalho e que, sendo mais favoráveis ao trabalhador, não são afectadas pela
normação jurídica inovadora que não tenha um carácter imperativo.
A questão da violação do princípio da proibição do retrocesso social apenas se coloca
relativamente àquelas situações em que a nova lei vem dispor imperativamente em termos
divergentes e menos favoráveis para os trabalhadores, passando a prevalecer sobre as
disposições do contrato de trabalho ou do IRCT que se encontravam cobertas pelo anterior
regime legal. Aqui estamos perante meras expectativas jurídicas. No plano da
constitucionalidade, tudo está em saber se trata de expectativas de continuidade suficientemente
fundadas que era suposto não serem modificadas pela legislação posterior, à luz de um princípio
de segurança jurídica, ou cuja postergação não possa ser justificada com base em considerações
de interesse geral, ou se elas representam já um grau de protecção a nível dos direitos sociais
que não possa ser susceptível de retrocesso.
9. Conclusões
a) A generalização do contrato de trabalho como modalidade de constituição da relação de
emprego público não viola o princípio da reserva da função pública, o direito à segurança no
emprego ou o princípio da protecção da confiança;
b) Os trabalhadores da Administração Pública cujo vínculo seja estabelecido por
nomeação encontram-se numa situação estatutária que pode ser modificada unilateralmente pelo
Estado, e não podem invocar direitos adquiridos quanto à manutenção do estatuto jurídico
anterior, mas meras expectativas jurídicas que apenas poderão ser tuteladas por aplicação do
princípio da protecção da confiança;
c) O estatuto dos trabalhadores da Administração Pública em regime de contrato de
trabalho em funções públicas é equiparável à dos trabalhadores do sector privado em regime de
contrato individual de trabalho, em especial no tocante à questão da manutenção de direitos
adquiridos;
d) As novas condições laborais estabelecidas na lei são de aplicação imediata, aplicandose aos contratos de trabalho anteriormente celebrados, com salvaguarda do princípio do
tratamento mais favorável para o trabalhador, tal como está consignado no artigo 4º do RCTFP
e no artigo 3º do CT;
e) O princípio da manutenção dos direitos adquiridos é aplicável no quadro do estatuto
contratual do trabalhador, e não no do chamado estatuto legal, e tem um campo de aplicação
coincidente com o próprio princípio do tratamento mais favorável, subsistindo apenas os
direitos contratuais que não possam ser postos em causa pela nova regulamentação legal
imperativa;
f) As meras expectativas jurídicas quanto à continuidade na manutenção do regime
jurídico laboral apenas poderão ser tuteladas pelo princípio da protecção da confiança e pelo
princípio da proibição do retrocesso social.
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